Translate
Seguidores
terça-feira, 15 de maio de 2012
Desenvolvimento e Sustentabilidade no Semiárido Brasileiro: Uma Análise do Trabalho Desenvolvido pela Articulação no Semiárido Brasileiro na Região Sudoeste da Bahia
maio 15, 2012
|
por
Vinícius...
|
Área Temática: Desenvolvimento sócio/econômico do Nordeste
Título: Desenvolvimento e Sustentabilidade no Semiárido Brasileiro: Uma Análise do Trabalho Desenvolvido pela Articulação no Semiárido Brasileiro na Região Sudoeste da Bahia
Autora:
LEANDRA PEREIRA DA SILVA
Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia – UESB
Resumo:
O objetivo central do presente artigo é traçar reflexões sobre a convivência com o semiárido e, dessa forma, contribuir com o debate recente sobre formas de desenvolvimento adequadas à região semiárida brasileira. Para tanto, aborda marcos teóricos, por intermédio de revisão bibliográfica, presentes na atual discussão sobre desenvolvimento e com a técnica de observação direta e análise documental apresenta o trabalho desenvolvido pela entidade Articulação no Semiárido Brasileiro – ASA, na região sudoeste da Bahia na perspectiva da convivência. Os resultados encontrados apontam que as atividades desenvolvidas pela ASA evidenciam que a região possui aptidões diversas e explicita a elaboração de tecnologias sociais capazes de construir uma nova modalidade de desenvolvimento neste importante espaço geográfico.
Introdução
A região semiárida brasileira ocupa uma área de 969.589,4 km², correspondente a 18,2% do território nacional e 53% da região Nordeste. De acordo com o Grupo de Trabalho Interministerial – GTI, para delimitação do novo semiárido brasileiro criado em pela Portaria Interministerial N° 6, de 29 de março de 2004, fazem parte os estados de Alagoas, Bahia, Ceará, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio Grande do Norte e Sergipe abrangendo 1.133 municípios. Em termos geográficos, é considerada a área semiárida mais populosa do mundo, possuindo uma população de 22 milhões de habitantes, aproximadamente. Dela faz parte a maior concentração de população rural do Brasil.
O semiárido expressa diversas realidades, porém todas as variações se caracterizam climaticamente pela irregularidade da chuva, seja no tempo, seja na distribuição geográfica. Existem diferenças marcantes do ponto de vista de precipitação anual de uma região para outra. Em alguns locais o índice de chuvas pode chegar a 800 milímetros por ano, em outros, porém, a média não passa de 300 milímetros. No entanto, é o semiárido mais chuvoso do mundo, porém as chuvas são concentradas em poucos meses e mais de 90% não são aproveitadas pelo fato de a evaporação ser até seis vezes superior à precipitação, pelas altas temperaturas durante o ano todo e pelo escoamento superficial, de acordo com Barbosa (2011).
A região traz consigo uma identidade para além do clima e bioma. É composta por elementos que vão além das concepções físicas e naturais. Malvezzi (2007, p.9) diz que o semiárido também é povo, música, festa, arte, religião, política, história. É um processo social. Conceber o semiárido na sua totalidade consiste em um dos principais desafios a ser vencido pelas ações do estado e da sociedade.
O semiárido não é uma delimitação simplesmente, por isso, compreender a complexidade dos processos de formação política e econômica do seu território representa o caminho apropriado para construções sólidas sobre a dinâmica do desenvolvimento desse importante espaço geográfico brasileiro.
O quadro histórico em que se forma o Brasil e o semiárido de hoje foi pintado por processos civilizatórios que marcaram profundamente o seu povo. Isso se deu, principalmente, pelos mecanismos de controle e exploração das riquezas e formação de grandes estruturas fundiárias para expansão agrícola. Para Souza (2010), o processo de expansão agrícola no campo mostra as contradições e o caráter violento de modelos inadequados à realidade dos pequenos proprietários e trabalhadores rurais. Esse modelo de desenvolvimento para o campo brasileiro foi estabelecido como forma de viabilizar a expansão do capitalismo que, ao mesmo tempo em que produz o crescimento econômico, produz a marginalização e exploração de pessoas e lugares.
“Os processos econômicos e sociais raramente são reversíveis” (FURTADO 1984, p. 9). Assim, considerar essa história de contradições onde a reprodução da miséria, a apropriação desigual do espaço agrário e a concentração de renda provocam assimetrias sociais e econômicas é fundamental na análise do modelo de desenvolvimento adotado para a região semiárida brasileira.
O debate sobre desenvolvimento tem sido recorrente e se destaca entre as principais preocupações das sociedades atuais. Silva (2006) aponta que o desenvolvimento tem sido interpretado e almejado como uma promessa do futuro, como uma situação de conforto com a satisfação das necessidades e sua superação, ampliando as capacidades e a liberdade humana. Segundo Furtado (1984, p.31) essa é “uma visão que pensa em desenvolvimento a partir de uma visualização dos fins substantivos que desejamos alcançar”.
Assim, pensar os condicionantes para a promoção do desenvolvimento sustentável do semiárido brasileiro é pensar uma estratégia de ação para a região. Nesse sentido, como agir para produzir riqueza e gerar bem-estar nesta região de forma sustentável e com justiça social? Historicamente podemos agrupar as diversas modalidades adotadas em duas vertentes de atuação: a primeira a do combate à seca e a segunda a da convivência com ela.
As práticas inseridas na vertente do combate à seca estão diretamente ligadas ao surgimento da grande propriedade privada fundiária que, para Carvalho (2005), reflete uma índole essencialmente oligárquica. Por outro lado, a concepção de convivência com o semiárido e os períodos de seca refere-se ao desenvolvimento da pequena propriedade que, ainda segundo Carvalho (2005), aponta para a democratização da renda e da riqueza, a fim de assegurar a diversidade de modos de ser e de produzir no campo. A primeira é caracterizada pela formação de latifúndios destinados ao cultivo de monoculturas e pecuária e que, cedo ou tarde, vão se transformado em empresas capitalistas que produzem, principalmente, culturas para exportação. A segunda inclui a linha da pequena produção camponesa e familiar.
Neste trabalho, destacaremos as ações desenvolvidas na região semiárida brasileira no sentido de aumentar as possibilidades de convivência com as condições edafoclimáticas[1]. Para alcançar os objetivos propostos, inicialmente apresentaremos algumas reflexões sobre o paradigma do desenvolvimento na região e como, historicamente, foram efetivadas ações propostas pelos modelos de desenvolvimento adotados na região. Em seguida mostraremos como se dá a transição do modelo ideológico baseado no combate à seca ao modelo pautado na concepção de convivência com o semiárido e suas possibilidades. Na sequencia, descaremos os sentidos e as práticas da convivência com a região e seu clima a partir da experiência da Articulação no Semiárido Brasileiro - ASA na construção de uma nova modalidade de desenvolvimento por meio de seus programas. Finalmente apresentaremos alguns elementos da convivência com o semiárido que buscam seguridade do direito à alimentação, a promoção da segurança alimentar e nutricional bem como a garantia da soberania alimentar do povo que vive nessa região do país.
Metodologia
A metodologia empregada para a construção do presente artigo se baseia nos fundamentos da pesquisa qualitativa por abordar em profundidade aspectos sobre o tema estudado. Silva & Menezes (2001) argumentam que, do ponto de vista da abordagem do problema, a pesquisa qualitativa é aquela que considera a existência de uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, isto é, um vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que não pode ser traduzido em números.
Nesse sentido, Neves (1996) afirma que os pesquisadores ao empregarem métodos qualitativos buscam visualizar o contexto e, se possível, ter uma integração empática com o processo objeto de estudo que implique melhor compreensão do fenômeno investigado.
A pesquisa realizada pode ser classificada em dois aspectos, quanto aos fins e quanto aos meios. Quanto aos fins, a pesquisa foi descritiva, pois se propôs a descrever as ações e os resultados obtidos pelos projetos desenvolvidos pela Articulação no Semiárido Brasileiro – ASA, na região sudoeste da Bahia.
Quantos aos meios, a pesquisa pode ser considerada bibliográfica e estudo de caso. Bibliográfica porque utiliza da abordagem de alguns marcos teóricos presentes na atual discussão e estudo de caso pelo caráter de detalhamento que exige a compreensão de fenômenos sociais. Neste sentido, o estudo de caso permite uma investigação da vida real preservando suas características significativas.
Primeiramente foi realizada a pesquisa bibliográfica explorando a literatura já existente que versa sobre a temática para elaboração do referencial teórico. Para tanto, usou-se de livros, artigos disponíveis em bibliotecas digitais, revistas e periódicos.
Em seguida, fez-se o trabalho de coleta de dados por meio de entrevistas, observações e analise de documentos. Para isso, foi necessário visitar a sede da organização para buscar orientações acerca das comunidades a serem visitadas para realizar as entrevistas com os beneficiários dos projetos executados pela ASA na região sudoeste da Bahia e fazer a observação. Além disso, foi feita a solicitação de documentos que pudessem oferecer dados referentes ao trabalho da entidade.
Foram indicadas três comunidades em três municípios. Foram elas, Sobrado, município de Encruzilhada; Poço Cumprido, município de Vitória da Conquista e Lagoa do João, município de Planalto. Foram realizadas doze entrevistas, sendo quatro em cada comunidade. Os entrevistados foram selecionados de acordo com a tecnologia em que fora beneficiado, ou seja, foram entrevistadas pessoas contempladas com tecnologias diferentes. Quanto ao sexo dos entrevistados, foi usada da paridade de gênero.
Além das entrevistas realizadas com beneficiários dos projetos, foram entrevistados também dois técnicos responsáveis pela execução dos projetos, um membro da direção do CEDASB, um membro da Coordenação da ASA e um membro da Comissão Executiva da ASA do Estado da Bahia.
As entrevistas foram do tipo não-estruturadas, ou seja, não foi elaborado um roteiro padronizado, rígido. Esse tipo de entrevista, segundo Silva & Menezes (2001), pode ser explorado mais amplamente. A entrevista foi feita na própria residência dos beneficiários usando um gravador de áudio.
A observação foi feita por meio de visitas às comunidades onde foram implantadas as tecnologias visando, de maneira espontânea, estudar e observar os fatos. Durante as visitas, foram realizadas as seguintes atividades: visita às famílias beneficiárias, acompanhamento do trabalho de campo realizado pelos técnicos do CEDASB, participação em reuniões da comunidade, participação em reuniões da equipe técnica responsável pela execução, participação em capacitações de beneficiários, acompanhamento de atividades produtivas que envolvia o uso das tecnologias implantadas nas comunidades, participação no encontro de monitoramento e avaliação. O registro da observação foi feito no momento em que a mesma ocorreu por meio de tomada de notas por escrito e por meio de registros fotográficos.
A análise de documentos se deu por meio da exploração de relatórios elaborados pela equipe de técnicos, cartilhas e registros de atividades.
Depois de realizada a investigação, prosseguiu-se para a análise dos dados obtidos. Para tanto, tal procedimento se deu por meio da descrição, da análise e da interpretação das informações obtidas em forma de texto.
Análise e discussão dos resultados
Como foi apontado anteriormente, historicamente podemos identificar duas linhas de desenvolvimento no campo brasileiro: a primeira está ligada ao surgimento da grande propriedade fundiária e a segunda refere-se ao desenvolvimento da pequena propriedade. A primeira é caracterizada pela formação de latifúndios destinados ao cultivo de monoculturas e pecuária e que, cedo ou tarde, vão se transformado em empresas capitalistas que produzem, principalmente, culturas para exportação. A segunda inclui a linha da pequena produção camponesa e familiar. Aqui também estão os sitiantes, posseiros, pequenos arrendatários e parceiros autônomos. Para Stédile[2](2002, p. 35),
o desenvolvimento via latifúndio representa uma mudança de relações de produção, uma mudança de modos de produção, que não podem deixar de decorrer do desenvolvimento patente da forças produtivas, e que se afeta pela força espontânea da acumulação do capital e da formação amadurecida do mercado capitalista da mão-de-obra.
O modelo de desenvolvimento baseado na grande propriedade privada, o latifúndio, avançou na região semiárida brasileira para uma trajetória de minifundização e empobrecimento de sistemas camponeses de produção. Muitas das grandes fazendas recebiam recursos oriundos de políticas públicas que tinham como objetivo modernizar a pecuária na região com a finalidade de atender à crescente demanda dos grandes centros urbanos. Estava assim, divulgando um modelo de “modernização” baseado num conjunto “agroquímico motomecanizado” que tornava os sistemas dependentes de tecnologias e insumos gerados pelo setor industrial. Este produzia as máquinas, os implementos, adubos e agrotóxicos, provocando a dependência financeira dos estabelecimentos. Era o modelo de desenvolvimento proposto pela Revolução Verde baseado na produção em grande escala, por meio da monocultura, em atendimento aos interesses do mercado e, consequentemente, dos capitalistas.
A modernização tecnológica provocada pelo advento da Revolução Verde levou a uma mudança no modelo de produção agrícola. Graziano da Silva (1998) mostra que, tais alterações merecem destaque, especialmente aquelas referentes ao processo de industrialização, caracterizado pelo uso mais intensivo de máquinas, insumos, instalação e operação de agroindústrias. Tal inserção tecnológica na produção agrícola refle, segundo Oliveira (2010), o caráter histórico do sistema capitalista em promover constantes e ininterruptas inovações tecnológicas para o controle permanente do trabalho e a garantia de seu ciclo de produção e reprodução.
A adoção do pacote proposto pela Revolução Verde leva as empresas do agronegócio a investirem cada vez mais no desenvolvimento de tecnologia química para a produção agrícola como as sementes geneticamente modificadas, por exemplo, acabando com a herança da produção agrícola por meio da agricultura tradicional. Diante disso, os camponeses se veem subordinados a tal estratégia que monopoliza a biodiversidade, enquanto mecanismo do capital no auge do seu neoliberalismo, para cercar e controlar a produção agrícola. Além disso, os camponeses ficam cada vez mais excluídos dos processos de desenvolvimento no meio rural.
Tal processo de exclusão reforçou as desigualdades socioeconômicas e acarretou inúmeros problemas nas regiões periféricas. Na região semiárida a situação socioambiental é agravada, sobretudo, pela histórica concentração de terras que põe em vulnerabilidade a permanência dos camponeses na terra provocando o êxodo de suas áreas para os perímetros urbanos.
A forma como o desenvolvimento é concebido no modo de produção capitalista é contraditória e desigual. No semiárido brasileiro se baseia no incentivo ao agronegócio por meio dos grandes projetos que obedecem à lógica do mercado exportador e desconsidera as populações e culturas locais. Esse modelo acentua a supremacia do mercado como mecanismo de eficiência econômica. Segundo Santos (2010, p. 96),
se a lógica do mercado é socialmente excludente, porque é concentradora de recursos e agrava a questão ambiental, além de retirar a propriedade da terra e gerar dependência, do ponto de vista social, os trabalhadores encontram-se imersos numa lógica desigual que produz fortes contradições.
Ainda recorrendo aos aportes teóricos oferecidos por Santos (2010), essa conjuntura coloca em dúvida as práticas espaciais com foco no desenvolvimento local, pois aparecem fundamentadas, não em um movimento contra a hegemonia, como querem fazer crer os discursos oficiais, mas nos interesses do capital.
Além de ser um modelo que preza pelo econômico beneficiando empresas, também é um modelo que serve a interesses de determinados grupos políticos e, em muitos casos, resulta na expulsão do povo de suas terras e destruição do patrimônio natural do semiárido. Um exemplo disso é o uso que se faz do potencial hídrico do Rio São Francisco que tem atraído projetos de desenvolvimento apoiados pelo Estado e executado por grandes grupos empresariais com interesse em explorar a mão-de-obra e obter lucro fácil.
Diante dessa conjuntura desenvolvimentista, via-se que a região precisava de organizações para viabilizar sua economia, gerando uma mentalidade empresarial moderna. Para viabilizar tal modelo, emerge do Estado a necessidade de criar empresas públicas para impulsionar projetos tidos como cruciais para a vida do povo nordestino.
Foi nessa perspectiva que em 1950 foi criado o Grupo de Trabalho para o Desenvolvimento do Nordeste (GTDN) entidade ligada diretamente à presidência da República cujos estudos levaram à criação do Conselho de Desenvolvimento Econômico do Nordeste (Codeno). Tal Conselho foi responsável em dar forma definitiva à instituição que viria a ser responsável pela implantação das propostas do GTDN. Como resultado, em 1959 foi criada a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste - SUDENE. A SUDENE nasce para “coordenar a implementação das políticas e dos programas de desenvolvimento no Nordeste, articulando a atuação dos demais órgãos governamentais da Região” (SILVA, 2006, p.58).
Sob superintendência do economista Celso Furtado, a SUDENE realizou o primeiro plano diretor da instituição, que tinha statusde ministério, partindo do pressuposto de que o desenvolvimento da região só seria possível via industrialização. Segundo Tânia Bacelar de Araújo (1984) apud SILVA (2006 p.59), a proposta de industrialização por parte do GTDN era estrategicamente direcionada para a criação de uma base econômica capaz de funcionar como novo foco do dinamismo, propagado para outros setores, garantindo maior autonomia ao crescimento regional.
No entanto, o que se observou foi que o processo de industrialização regional serviu aos interesses das grandes empresas nacionais e multinacionais, sobretudo de outras regiões do país, atraídas pelos incentivos oferecidos pelo Governo.
Diante de tal trajetória histórica que optou por processos desenvolvimentistas incompatíveis com a realidade climática e suas características naturais e culturais desenhando um quadro negativo para o povo do semiárido, foi forjado um novo paradigma: a convivência com o semiárido a partir das experiências das comunidades. Essa nova concepção de desenvolvimento para a região passa pela desconstrução da concepção de que o povo do semiárido não é capaz de gerir e tomar em mãos o seu próprio destino como apontam Baptista & Campos (2011).
Diante de tal problemática, pensar os condicionantes para a promoção do desenvolvimento sustentável da região semiárida brasileira é pensar uma estratégia de ação para a região. Nesse sentido, como agir para produzir riqueza e gerar bem-estar nesta região de forma sustentável e com justiça social? A concepção de combate à seca parte do ponto de vista, ao mesmo tempo real e ideológico, que serve para atribuir à natureza problemas políticos, sociais e culturais, historicamente construídos. Ela se sustenta no universo de medidas emergenciais e assistencialistas que geram dependência. Nesse contexto, é possível perceber os interesses das oligarquias rurais na formulação e execução de políticas que atendiam aos interesses econômicos das elites dominantes. Por essas razões que Roberto Marinho Alves da Silva (2006, p.54) afirma que as frentes de emergência foram apropriadas ao enriquecimento e ao fortalecimento do poder político das oligarquias sertanejas.
Os períodos de estiagem, mesmo acontecendo há tanto tempo e sendo previsíveis, ainda constituem um dos maiores agravantes da pobreza e da situação de miséria de milhões de pessoas. Isso não significa que os longos períodos de seca sejam a causa fundamental dos problemas regionais. A seca é apenas uma grande “cortina de fumaça” que encobre os verdadeiros problemas estruturais e reforça as relações de domínio e exploração, sobretudo, na região semiárida do Brasil, ou seja, a adoção da seca enquanto problema estrutural é apenas uma forma de garantir a reprodução de estruturas de poder que se manifestam politicamente por meio de doações, esmolas, distribuição de víveres, carros-pipa e ações semelhantes. Tais políticas não visam resolver os problemas do povo do semiárido, mas sim mantê-los.
Como resultado de tais políticas, a seca se institucionalizou contribuindo ainda mais para o quadro de reprodução das condições de miséria do povo do semiárido. Tal constatação aponta para o desafio principal a ser enfrentado nessa região: “[...] promover o desenvolvimento fundado na convivência com a semiarido e criar oportunidades de inserção produtiva eficaz aos seus habitantes” (CARVALHO, 2003, p.14).
A concepção de convivência é uma proposta que rompe com o imaginário de semiárido inviável. A região é vista enquanto um ambiente composto por uma serie de dificuldades, mas também existe aí uma série de potencialidades a serem exploradas. É nessa série de potencialidades a serem exploradas que a proposta de convivência se sustenta. É um novo olhar sobre o semiárido. Nesse sentido, a convivência com o semiárido, fundamento do desenvolvimento desta região, tem como estratégia básica reconhecer a capacidade de produção de conhecimento dos camponeses, basear-se em suas aprendizagens, não impor tecnologias e, simultaneamente, reconhecer o valor dos estudos e trabalhos científicos sobre o semiárido e sua viabilidade (ASA apud BAPTISTA & CAMPOS, 2011).
Segundo Admilson Rocha (2011), membro da coordenação da ASA,
o segredo da convivência está em compreender como o clima funciona e adequar-se a ele. Não se trata mais de acabar com a seca, mas de adaptar-se a ela de modo que possibilite uma nova dinâmica de ampliação das capacidades locais para superação dos desafios.
Nesse sentido, o debate sobre convivência deve ir além dos condicionantes ambientais, devem ser consideradas também as questões de ordem social, política e econômica.
Assim, para Baptista & Campos (2011) a convivência com o semiárido só é possível na medida em que há articulação das entidades que atuam junto ao povo, propondo e construindo alternativas que podem ser concretizadas, desde que haja uma sociedade organizada e participativa e governos que optem por construir o desenvolvimento em conjunto com a população, em processos democráticos e em sintonia com as necessidades e as dificuldades do povo do semiárido.
Foi nos sentidos e nas práticas da convivência que nasce a Articulação no Semiárido Brasileiro – ASA. Criada em 1999, a ASA “é um fórum de organizações da sociedade civil, que vem lutando pelo desenvolvimento social, econômico, político e cultural do semiárido brasileiro” (ASA Brasil, 2010). Este fórum está articulado em dez estados brasileiros que possuem o ecossistema semiárido: Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão, Minas Gerais, Paraíba, Piauí, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe. A ASA reúne cerca de mil entidades dos mais diversos segmentos, como igrejas católicas e evangélicas, ONGs de desenvolvimento e ambientalistas, associações de trabalhadores rurais e urbanos, associações comunitárias, sindicatos e federações de trabalhadores rurais.
A ASA nasce da luta de um conjunto de organizações com bandeiras de lutas distintas em construir um novo paradigma de desenvolvimento para esta que é uma importante região geográfica do país. É fruto da reflexão da sociedade civil organizada sobre os problemas enfrentados na região e da necessidade em avançar na construção de possíveis soluções para os mesmos. Embora todas as organizações que compõem a ASA tenham bandeiras de lutas diversas, todas estão mobilizadas pelo interesse comum de promover o desenvolvimento do semiárido a partir de reflexões que favoreçam uma compreensão mais abrangente das características, limitações e possibilidades encontradas na região e que subsidiam o debate sobre as melhores estratégias de convivência com o meio ambiente deste importante espaço geográfico.
A ASA vem discutindo e articulando um conjunto de estratégias e iniciativas que reafirmam a necessidade de construção de um semiárido com qualidade de vida para o seu povo. Assim, as ações da ASA buscam a valorização das experiências das famílias camponesas, o uso de tecnologias sociais bem como o fortalecimento dos processos de gestão e organização social a partir da articulação de políticas e ações de convivência com o semiárido. A Carta de Princípios da ASA (2000) diz que o trabalho da organização se fundamenta no compromisso com as necessidades, potencialidades e interesses das populações locais, em especial dos camponeses, baseado na conservação, uso sustentável e recomposição ambiental dos recursos naturais do semiárido, bem como na quebra do monopólio do acesso à terra, à água e outros meios de produção de forma que esses elementos, juntos, promovam o desenvolvimento humano a partir de um novo olhar sobre a região semiárida.
As atividades da ASA são desenvolvidas a partir desse “novo olhar sobre a região, rompendo com o falso paradigma de “combate à seca”, para assumir o compromisso de “convivência semiárida”, com as condições climáticas locais”. (BAPTISTA & CAMPOS, 2011). Nesse sentido, a missão da ASA é “fortalecer a sociedade civil na construção de processos participativos para o desenvolvimento sustentável e a convivência com o semiárido, referenciados em valores culturais e de justiça social” (ASA Brasil, 2010).
A missão da ASA se expressa, sobretudo por meio da execução do Programa Formação e Mobilização Social para Convivência com o Semiárido – Um Milhão de Cisternas Rurais (P1MC) e do Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2), coordenados pela ASA Brasil com o apoio de recursos públicos federais.
Iniciado em julho de 2003, o objetivo do P1MC é beneficiar cerca de 5 milhões de pessoas em toda a região semiárida brasileira com água potável para beber e cozinhar e escovar os dentes, por meio das cisternas de placas. Segundo dados de 2007, o P1MC contava com 60 Unidades Gestoras Microrregionais (UGMs), e 1.121 Unidades Executoras Locais (UELs (ASA Brasil, 2010).
O P1MC conta com apoio de diferentes agências internacionais de cooperação para o desenvolvimento. Diversos ministérios e instituições governamentais apóiam o projeto, integrado ao Programa Fome Zero, de redução da pobreza.
Para (BAPTISTA & CAMPOS, 2011, p. 5) o P1MC,
trata-se de um programa cujos resultados, de tão bons, não mais se discutem e que hoje, está assumido pelo Governo Federal e posto em uma perspectiva de universalização. Ele viabiliza o acesso à água de qualidade, melhoria de vida e saúde, economia de tempo que agora pode ser disponibilizado para o trabalho, o estudo, a liberdade e a cidadania. O P1MC é, com certeza, o maior programa de distribuição de água de qualidade para pessoas e famílias esparsas, em curso no Brasil. Os que compravam votos a partir da sede das pessoas perderam este instrumento para se manter no poder e a população conquistou o caminho para a liberdade e a cidadania.
O Programa Uma Terra e Duas Águas (P1+2). O P1+2 é uma das ações do Programa de Formação e Mobilização Social para Convivência com o Semiárido da ASA, discutido anteriormente. Ele nasce da proposta de colocar em prática as diversas tecnologias desenvolvidas pela população captar água das chuvas para dessedentação animal e produção de alimentos como as cisternas de enxurrada, as cisternas calçadão, os tanques de pedra, as barragens subterrâneas, os barreiros trincheira, as aguadas. O objetivo do programa é fomentar a construção de processos participativos de desenvolvimento rural no Semiárido brasileiro e promover a soberania, a segurança alimentar e nutricional e a geração de emprego e renda às famílias camponesas, através do acesso e manejo sustentáveis da terra e da água para produção de alimentos. O 1 significa terra para produção. O 2 corresponde a dois tipos de água – a potável, para consumo humano, e água para produção de alimentos.
Além da execução de programas importantes para a promoção do desenvolvimento do semiárido brasileiro,
a ASA também tem debatido e se pronunciado sobre outros temas relativos ao semiárido, como a desertificação, a reforma agrária no semiárido, a produção de biodiesel por meio do cultivo de oleaginosas, a transposição do rio São Francisco. (MORAIS & BORGES, 2010, p. 145).
A ASA defende a construção de políticas públicas que promovam o desenvolvimento econômico, humano e ambiental, considerando as particularidades dessa região.
Por a região semiárida possuir precipitação hídrica irregular, o armazenamento de água é fundamental para o mecanismo de convivência. Considerada um elemento-chave, a água no semiárido produz riqueza e, consequentemente, vem modificando a realidade socioeconômica dessa parcela da população. E não só pela produção de alimentos que excedem ao consumo das famílias e são vendidas diretamente aos consumidores. Mas, pela relação entre água e uma nova perspectiva de educação, onde sejam rediscutidos os valores e prioridades, com foco na frequência escolar e no aumento do grau de escolaridade, o que ocasiona um aumento da renda mensal no futuro.
A tecnologia de captação e armazenamento da água desenvolvida pela ASA é uma prática milenar usada pelo povo de Israel desde os tempos bíblicos e nos dias atuais tem mobilizado camponeses e camponesas e incentivado a autonomia das famílias. Além disso, a água, recurso necessário á vida está mais próximo do dia a dia das famílias.
No estado da Bahia, conforme informações prestadas pela Coordenação Executiva Estadual, a ASA está presente em todo o semiárido baiano. São dezoito Unidades Gestoras Microrregionais e cinco Unidades Gestoras Territoriais. Na região Sudoeste do estado, possui uma Unidade Gestora Microrregional. É o Centro de Convivência e Desenvolvimento Agroecológico do Sudoeste da Bahia – CEDASB.
Com o objetivo de colaborar na elaboração e proposição de experiências de desenvolvimento rural sustentável do ponto de vista sociocultural, econômico e ecológico, o CEDASB desenvolve na região Sudoeste da Bahia programas e projetos que visem a convivência com o semiárido, a melhoria da produção, da alimentação e da renda dos agricultores camponeses da região. Ao todo, o CEDASB executou onze convênios para estes fins. Os convênios foram celebrados com o Governo Federal por meio do Ministério de Desenvolvimento Social – MDS; com o Governo do Estado da Bahia por meio da Secretaria de Desenvolvimento Social e Combate a Fome – SEDES; com a Companhia de Desenvolvimento e Ação Regional - CAR e com a Cooperação Espanhola para Desenvolvimento de Países Subdesenvolvidos por meio do Instituto Ambiental Brasil Sustentável – IABS.
Por meio das parcerias firmadas através dos convênios, o CEDASB implantou nos municípios do Sudoeste baiano 10.002 tecnologias. Foram 9.466 cisternas de placas com capacidade de armazenar 16 mil litros, 350 cisternas de placas com capacidade de armazenar 53 mil litros, 110 barreiros trincheiras familiares, 3 barreiros trincheiras comunitários, 4 bombas populares e 14 limpezas de aguadas. As tecnologias beneficiaram, aproximadamente, 47.500 pessoas em toda a região.
As cisternas de placas é um grande depósito para guardar água com capacidade de armazenar 16 mil litros. Como mostra na Figura 1, a tecnologia é equipada com um sistema de calhas para aproveitar a chuva que escorre pelos telhados das casas. Por ser coberta, evita a evaporação da água e impede a contaminação causada por animais. A função da tecnologia consiste em guardar água para o consumo humano (beber, cozinhar e escovar os dentes) para uma família com até cinco membros durante um período de oito meses, período de maior estiagem na região semiárida (ASA Brasil, 2010). Para construir a cisterna, deve ser escavado um buraco com profundidade de 1,60 m a 1,80 m e diâmetro de 6 m. A depender do tipo de terreno, faz necessário escavar no mínimo 1,50 m (ASSURUÁ, 2008).
Figura 1- Cisterna para consumo humano

Fonte: Arquivo próprio
Cada cisterna é construída, preferencialmente, por pedreiros que moram na própria comunidade em que a cisterna será construída. As famílias beneficiadas e os pedreiros envolvidos no processo participam de atividades de capacitação onde aprendem a construir e cuidar da cisterna. Assim é possível baratear custos, movimentar a economia a partir dos novos empregos e criar situações para a comunidade pensar e entender melhor a realidade em que vive. Como contrapartida ao benefício recebido, as famílias selecionadas ajudam os pedreiros nas várias etapas do processo de construção, desde a escavação do buraco até o levantamento das paredes.
As cisternas de placas com capacidade de armazenar 53 mil litros e deve ser locada em um terreno distante de locais rochosos, pois é preciso fazer a escavação do buraco com profundidade de 2,60 m a 2,80 m e diâmetro de 7 m onde será construída para permitir a captação de água de enxurrada. A escavação pode ser realizada por Trator Pá Carregadeira, Retroescavadeira ou em mutirão comunitário. Cada família beneficiária recebe, além da tecnologia, quatro canteiros econômicos[3] com 10 m de comprimento e 1 m de largura para cultivar hortaliças (ASSURUÁ, 2008). Além disso, constrói-se um tanque, antes da cisterna, ou seja, no lugar a ser captada a água, para retenção da sujeira como mostra a Figura 2.
Figura 2- Cisterna de produção

Fonte: Arquivo próprio
A cisterna de produção é uma tecnologia social de acesso à chamada segunda água. Seu objetivo principal consiste em captar e guardar a água de chuva que será utilizada em sistemas de produção, principalmente no entorno da casa, como: quintais produtivos, cultivo de hortaliças por meio de canteiros econômicos, fruteiras, plantas medicinais e criação de pequenos animais (ASA, 2008). A Figura 3 mostra o cultivo realizado nos quintais produtivos por meio dos canteiros econômicos.
Figura 3 – Canteiros econômicos

Fonte: Arquivo próprio
Para ser beneficiária, portanto, a família já deve ter recebido a primeira água (cisterna de 16 mil). Assim como na primeira água, aqui também as famílias passam por um processo de capacitação onde aprendem a gerenciar a água para produzir alimentos por meio de técnicas baseadas nos princípios da agroecologia.
O barreiro trincheira familiar, conforme ilustrado na Figura 4, é um buraco com 30 m de comprimento, 4 m de largura e 4 m de profundidade. Deve ser construído em terrenos planos, profundos e argilosos, de preferencia sem pedras. Possui capacidade de armazenar, aproximadamente, 600 m² de água. Segundo e entidade responsável pela implantação da tecnologia, as medidas do barreiro foram desenvolvidas de forma a evitar a evaporação da água, por meio da redução do tamanho do espelho d’água[4]. A função principal do barreiro é acumular água para ser usada em irrigação de pequena escala e para dessedentação animal, podendo ainda ser usada para outros afazeres domésticos.
Figura 3- Barreiro Trincheira Familiar

Fonte: Arquivo próprio
O barreiro trincheira coletivo carrega as mesmas funções do barreiro trincheira familiar. A diferença é que este é construído em um local que permita o uso por todas as famílias da comunidade e possui uma capacidade maior de armazenar água, chegando a atingir uma capacidade de 1.200 m². Cada barreiro coletivo possui 30 m de comprimento, 8 m de largura e 4 m de profundidade. No entanto, tais medidas podem variar de um para outro, dadas as condições do solo onde foi alocado.
A bomba popular, como mostra a Figura 5, é uma adaptação da bomba volante, desenvolvida em 1980 e produzida até hoje na África e na Europa. É um equipamento manual instalado em cima de poços tubulares inativos que podem ter uma profundidade de até 80 m (ASA, 2008). A tecnologia funciona com ajuda de uma grande roda volante que, quando girada, puxa uma quantidade considerável de água com pouco esforço físico. Nos poços com profundidade de 40 m, ela chega a puxar até mil litros de água em uma hora. O custo para manutenção é baixo e de fácil instalação e manuseio, podendo ser utilizada por adultos e crianças. Sua principal utilidade consiste em fornecer água às comunidades para produzir alimentos e suprir necessidades hídricas em geral, como os afazeres domésticos e a higiene pessoal. Cada bomba beneficia, aproximadamente, doze famílias.
Figura 4– Bom Popular

Fonte: Arquivo próprio
A limpeza de aguadas consiste em diagnosticar possíveis açudes comunitários onde foram assoreados ao longo do tempo e fazer a limpeza do local, retirando a areia acumulada ou outros sedimentos quaisquer. O objetivo é devolver para a comunidade um reservatório capaz de guardar água para o consumo de animais e para realização de pequenas irrigações.
Além das tecnologias implantadas, as famílias beneficiárias participam de intercâmbios de experiências, através do quais as famílias com menor experiência no campo de gestão de recursos hídricos e de captação de água da chuva para produção, possam visitar outras famílias que já desenvolvem há mais tempo estas ações. A ASA defende que estes intercâmbios são profundamente motivadores e deles nascem uma forte multiplicação de experiências exitosas em todo o semiárido brasileiro. O objetivo consiste em estimular a troca de experiências entre agricultores camponeses e assessores sobre a utilização das diversas tecnologias desenvolvidas como alternativa para a convivência com o semiárido.
Além das tecnologias implantadas e das atividades desenvolvidas no decorrer da execução dos projetos, o CEDASB realiza também o controle social a fim de prestar contas à sociedade. Tal mecanismo permite a participação da sociedade por meio da fiscalização e do monitoramento das condições em que a política está sendo desenvolvida. Além disso, permite a avaliação sobre a aplicação dos recursos e o resultado das ações da política pública de acesso à água na região. Para tanto, em cada projeto é realizado um encontro de controle social com participação dos vários atores envolvidos no processo, como camponeses, representantes de Comissões Municipais e organizações da sociedade civil organizada.
A construção de tecnologias de captação de água na região Sudoeste da Bahia já tem produzido impactos em vários aspectos. O primeiro é no campo ideológico e educacional a partir da compreensão, por parte das famílias beneficiárias, como o clima da região funciona e como se adequar a ele.
O segundo se dá na concepção política, pois, ter uma cisterna no “pé da casa”, como as famílias dizem, significa que a água não é mais um instrumento para a promoção política e sim um elemento essencial à vida humana e que, necessariamente precisa ser descentralizada promovendo assim a independência, a autonomia e a liberdade do povo camponês. A cisterna então é um mecanismo de descentralização do abastecimento de água e de poder, ou seja, a população do sertão passa a ter acesso direto à água, sem intermediários. Ainda no campo político, as tecnologias sociais, implantadas na região vêm servindo de instrumento que reforça o processo de organização dos atores sociais, visando sua intervenção e sua participação qualificada nas políticas públicas.
O terceiro e ultimo aspecto que gera impacto direto na vida das famílias é no que se refere à questão da saúde. Segundo informações prestadas pelas famílias entrevistadas, a água armazenada nas cisternas é de boa qualidade e própria para o consumo humano e que, depois que passaram a beber a água das cisternas, diminuiu consideravelmente o número de pessoas, especialmente crianças, com diarreia e verminose.
A construção das cisternas na região Sudoeste da Bahia está alinhada ao conceito de convivência com o semiárido onde as famílias contempladas deixam para trás um passado de grandes dificuldades, marcado pela escassez do recurso básico à sobrevivência humana, a água. As iniciativas da ASA na região tem realizado um grande movimento para convivência sustentável com a região, através do fortalecimento da sociedade civil e da mobilização das famílias. Além disso, as cisternas otimizam o tempo antes gasto na busca pela água, permitindo que mulheres e crianças, principais responsáveis pela atividade, possam se dedicar a outros afazeres.
D. Clemência moradora da comunidade conhecida como Sobrado no município de Encruzilha, expressa a chegada da cisterna da seguinte forma: “a chegada da cisterna mudou a minha vida, a vida das minhas filhas, da minha família. Aqui a gente tinha que acordar cedo pra conseguir pegar a água que minou durante a noite. A vida era muito difícil”. O sentimento de D. Clemência é também o da maioria das pessoas que vivem na comunidade. Expressa a importância da tecnologia na melhoria da qualidade de vida das famílias beneficiárias.
Os benefícios dos projetos podem ser vistos em vários. De acordo com as observações é possível perceber uma significativa redução das desigualdades no meio rural possibilitando uma melhoria na qualidade de vida dos camponeses que vivem na região. Além disso, tem funcionado como um freio ao êxodo rural. Assim, pode-se considerar que as ações desenvolvidas pelo CEDASB são consideradas estratégicas para a promoção do desenvolvimento do sudoeste baiano, promovendo a sustentabilidade da agricultura camponesa, seguindo os princípios da agroecologia, da economia solidária e da equidade de gênero e geração. Além disso, suas ações abordam a necessidade de fortalecer a educação contextualizada para a convivência com o semiárido, o monitoramento da qualidade de água para uso familiar e comunitário na região, a promoção do protagonismo do povo camponês, e do saneamento ambiental integrado das comunidades da região semiárida.
Considerações Finais
Por meio dos resultados obtidos e das reflexões aqui apresentadas, é possível considerar que as atividades desenvolvidas pela ASA na região semiárida brasileira, sobretudo na região sudoeste da Bahia, são implementadas a partir de um novo olhar sobre a região, rompendo com o falso paradigma de “combate à seca” que está pautado na lógica dos grandes projetos e fomentando uma nova modalidade de desenvolvimento por meio de ações que estimulam as mais variadas práticas de convivência com os fatores edafoclimáticos por meio de tecnologias sociais de acesso a água para consumo humano, produção de alimentos e dessedentação animal capazes de romper com o imaginário de semiárido inviável.
As ações desenvolvidas pela entidade se fundamentam, sobretudo, no compromisso em fomentar iniciativas de convivência com as condições climáticas e as culturas locais, assumindo assim uma nova dimensão de produzir riqueza e gerar bem estar para as famílias camponesas, de forma a mudar um quadro que há muito tempo se pintava na região. O que ficou explícito foi a capacidade que a chegada de tecnologias sociais nas comunidades tem em provocar uma mudança na realidade das muitas famílias camponesas espalhadas por toda a região semiárida brasileira.
Por meio dos projetos executados pela ASA, foi possível perceber que, para promover o desenvolvimento de uma região, é preciso que este seja pautado nas bases da sustentabilidade, do respeito às mulheres e homens e da preservação e conservação dos recursos naturais. Assim, o desenvolvimento que a ASA propõe para o semiárido brasileiro por meio das ações de convivência é baseado no respeito ao ecossistema da região, às tradições culturais de seu povo e na promoção do protagonismo dos camponeses.
Desse modo, a partir das análises realizadas, é possível verificar que a concepção da convivência com o semiárido passa pela proposição e implantação de políticas públicas, sobretudo de acesso a água, que englobam ações eficazes para promoção de um desenvolvimento voltado para a promoção da vida humana através da superação de problemas estruturais.
Referências bibliográficas:
ASA. Caminhos para a convivência com o semiárido. Recife: ASACom, 2008.
ASA. Carta de Princípios. Disponível em: < http://www.asabrasil.org.br >. Acesso em: 25 de fev. 2011.
ASA. Declaração do Semiárido Brasileiro. Disponível em: < http://www.asabrasil.org.br >. Acesso em: 25 de fev. 2011.
ASSURUÁ, Centro de Assessoria do. Capacitação de pedreiros para construção de cisternas de produção. Irecê: Projeto Cisternas nas Escolas, 2008.
BAPTISTA, Naidison de Quintella; CAMPOS, Carlos Humberto. As possibilidades de construção de um modelo sustentável de desenvolvimento no semiárido. Porto Alegre: Redesan, 2011.
______________________. Desafios, problemas e possibilidades do semiárido - a cultura histórica da resistência. Porto Alegre: Redesan, 2011.
______________________. Impactos das Políticas Públicas de Convivência com o Semiárido. Porto Alegre: Redesan, 2011.
BARBOSA -. ASA – Sociedade Civil na construção de políticas de Convivência com o semiárido. Recife, 2010.
CARVALHO, Horácio Martins. Campesinato e a democratização da renda e da riqueza no campo. Curitiba, 2005. (mimeografado)
CARVALHO, José Otamar de. Nordeste: desenvolvimento e convivência com a semi-aridez. Recife: Ministério da Integração Nacional, 2003.
FURTADO, Celso. Cultura e desenvolvimento em época de crise. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1984.
GRAZIANO DA SILVA, J. A Nova Dinâmica da Agricultura Brasileira. 2ª ed. Universidade Estadual de Campinas-UNICAMP, Instituto de Economia, 1998, 211 p.
MALVEZZI, Roberto. Semiárido - uma visão holística. Brasília: Pensar Brasil, 2007.
MORAIS, Leandro; BORGES, Adriano. Novos paradigmas de produção e consumo: experiências inovadoras. São Paulo: Instituto Pólis, 2010.
NEVES, José Luiz. Pesquisa Qualitativa – Características, usos e possibilidades. Caderno de Pesquisa em Administração FEA - USP. São Paulo. Vol. 1, nº 3, 2º sem./1996.
OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino. A longa marcha do campesinato brasileiro: movimentos sociais, conflitos e Reforma agrária. Estudos Avançados 15, 2001.
SANTOS, Jânio Roberto Diniz dos. (org.). Leituras sobre a relação estado-capital-trabalho e as políticas de reordenamentos territoriais. Vitória da Conquista: Edições UESB, 2010.
SILVA, Edna Lúcia da; MENEZES, Estera Muszkat. Metodologia da Pesquisa e Elaboração de Dissertação. 3ª ed. Florianópolis: Laboratório de Ensino à Distancia da UFSC, 2001. 121 p.
SILVA, Roberto Marinho Alves da. Entre o combate à seca e a convivência com o semiárido: Transições paradigmáticas e sustentabilidade do desenvolvimento. Tese (Doutorado em Desenvolvimento Sustentável) Centro de desenvolvimento Sustentável, Universidade de Brasília. 2006. 298p.
SOUZA, Suzane Tosta. (Org.). Novas configurações do espaço agrário nordestino: expansão do capital versusmovimento e organizações sociais de luta pela terra e pelo trabalho. Vitória da Conquista: Edições UESB, 2010.
STÉDILE, João Pedro. (Org.) A questão agrária hoje. Porto Alegre: Ed. Universidade/UFRGS, 2002.
[1] Trata-se das iterações entre solos e climas. Os fatores edafoclimáticos são referidos como mais importantes não só para o desenvolvimento das culturas, como também para definição de sistemas de produção.
[2] João Pedro Stédile é economista pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, pós-graduado pela Universidade Nacional Autônoma do México, integrante da Via Campesina, autor e coautor de vários livros sobre a questão agrária no Brasil e na América Latina.
[3]O canteiro econômico é construído utilizando técnicas para evitar o desperdício de água.
[4] É a superfície contínua de água exposta à atmosfera.
Assinar:
Postar comentários
(
Atom
)
Buscar neste blog
+Lidas na Semana
por autor(a)
Arquivo
-
▼
2012
(295)
-
▼
maio
(137)
- Para Paulo Paim, a discriminação racial no Brasil ...
- APNs se destacam em sessão afro na Câmara de Maceió
- Waldenor discute seca no Brasil em Debate
- PGE SE PRONUNCIA SOBRE DECISÃO DO TJ ACERCA DA GRE...
- EXCLUSIVO: Justiça manda Wagner devolver salários
- Precisamos ler Sun Tzu
- TRÁFICO E SOCIEDADE
- Ocupa Banco do Brasil - MPA (Movimento dos Pequeno...
- UM ENCONTRO COM O HELINHOCENTRISMO
- Xote da melhor qualidade com a banda: FORRÓ NA HORA
- O valor de um sonho
- Quem é Karl Heinrich Marx?
- Pablo Neruda assassinado? O que sabemos talvez sej...
- Keynes, keynesianos, mainstrean
- Marx: A História acontece de duas formas: a primei...
- Crise de 1929 - A grande Depressão
- Carta a Mirella ou – faça como Severino de Aracaju...
- Salvador: PCdoB se antecipa ao PT e anuncia data d...
- Eu quero ver quando Zumbi chegar! [ATUALIZADO]
- Waldenor assume Presidência da Comissão da Lei de ...
- A SEDE DO CAPITALISMO...
- Jornada Nacional de Lutas Camponesa do MPA
- A Crise sem fim
- Ecologia de Marx e da compreensão das mudanças na ...
- FENOMENOLOGIA EM COMUNICAÇÃO COM O AMOR
- América Latina: 100 anos de opressão e utopia revo...
- Ariano Suassuna recebe apoio do Senado para indica...
- Marcão: “Não se decide a política em Conquista sem...
- Tempos e ritmos de ver: cegueira e visibilidade no...
- BLOG DO NAPOLEÃO: INFORMAÇÃO COM RESPONSABILIDADE
- Dilma veta partes do Código Florestal que favoreci...
- Professores em greve literalmente dão sangue pela ...
- FRENTE NACIONAL CONTRA A PRIVATIZAÇÃO DA SAÚDE
- Keen versus Krugman: capitalismo, instabilidade e ...
- CinePet apresenta: "O sorrizo de Monalisa"
- A maconha, a política e a saúde – Parte I
- O que é o Decrescimento?
- Ensaios de Economia
- AS CRISES ECONÔMICAS
- Agronegócio, agrotóxico e “agrocâncer”
- 1964: Golpe Militar a serviço do Golpe de Classe
- A raiz nordestina no Hip Hop
- O fracasso da Oposição Conquistense
- O PAPA E A UTILIDADE DO MARXISMO
- Nome, definição e objeto da Economia
- Carta Compromisso
- Carta a Juventude
- As eleições municipais e o desenvolvimento de Vitó...
- Ousar escrever...
- Secretário considera racista publicidade do Govern...
- Vitória da Conquista terra de gente forte.
- Conheça a lista de prováveis candidatos do PT à Câ...
- ANDRÉIA OLIVEIRA: “Estamos construindo um sonho de...
- Assista: Parada do Orgulho LGBT
- O QUE É CHURRECO?
- 25 de Maio: Dia da África
- ABBA vende mais de 5 milhões de cópias de álbum 'G...
- Menino que ficou 'negro' é suspenso de escola
- AS ELEIÇÕES COMO ESPAÇO PARA O DIÁLOGO ABERTO COM ...
- Louis Althusser ( 1918-1990)
- Brumado: professores estaduais fazem manifestação
- Joel e Ataíde fora da disputa
- Vereadores afirmam: não sabiam da audiência
- José Murilo de Carvalho: “Dilma precisa injetar re...
- “Os lírios não nascem da lei”
- PABLO MILANÉS: UM MITO DA MÚSICA CUBANA
- AINDA HÁ ESPERANÇA
- Marcio Pochmann: ‘Ascensão da classe trabalhadora ...
- Que brilho é esse Negro? É o brilho da Paz! É o br...
- CARTA DO RIO DE JANEIRO Desenvolvimento Sustentáve...
- As deserções acabam por nos condenar a um quase et...
- Vitória da Conquista deve ter São João reduzido
- Fabrício: “Eu apoiando, ele ganha no primeiro turno”
- III Parada do Orgulho de Ser LGBT tem programação ...
- Professores atacam Wagner e decidem pela manutençã...
- A mídia, as cotas e o sempre bom e necessário exer...
- "A Pastoral Afro-americana e o Documento de Aparec...
- Simposio Educacao na Perspectiva da Inclusao e da ...
- "A Pastoral Afro-americana e o Documento de Aparec...
- SEBRAE/Vitória da Conquista-BA.
- Chamado por uma Jornada Internacional de solidarie...
- NOTÍCIAS DO CONSU
- Desenvolvimento Sustentável e Erradicação da Misér...
- Demétrio Magnoli e o haitianismo revisitado: a tát...
- O trabalho e a construção do belo
- Desenvolvimento e Sustentabilidade no Semiárido Br...
- Professores lançam petição pública para pressionar...
- Histórias Íntimas – Sexualidade e Erotismo Na Hist...
- Para os Calourinhos
- No livro "A Alma do Animal Político”, petista faz ...
- Embasa realiza coletiva para tratar sobre racionam...
- Programa Acolher encerra semana das mães
- Nelson Pelegrino se licencia e Emiliano José reass...
- Lamento dos Afro-descendentes: treze de Maio
- Ruralistas barram punição a escravocratas
- Ângela Guimarães, mulher, negra e nordestina é a n...
- DANE-SE ESSA PRETAIADA
- Desenvolvimento e subdesenvolvimento no mundo pós-...
- MÚSICA BAIANA NOS ANOS 80
- As lutas da Juventude Brasileira
-
▼
maio
(137)
0 comments :
Postar um comentário