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terça-feira, 13 de maio de 2014

Um opúsculo sobre os estudos marxiano na HPE brasileiro


 * Por Herberson Sonkha

Meu caro Vinicius eu bem sei o quanto o amigo tem acumulado nos debates e leituras nestes longos e fatídicos dias de academia, mesmo com a predominância da banalização e desarticulação do conhecimento no campo das ciências sociais aplicadas de orientação marxiana. Enfrentamos toda sorte de investidas contra a dignidade de quem se coloca a produzir neste campo tão minado que é o da literatura marxiana.

Contudo, reconheço que o passar do tempo dentro da universidade nos causou angustia e frustração, pois, muito do que pensávamos sobre o curso não aconteceu e por isso o amigo tem-se debruçados criticamente sobre a produção e consolidação do conhecimento no ensino superior.
O conheço bastante para considerar sua importância na descoberta e desenvolvimento de alguns estudos, diferente de mim que o faço por outras razões que não são acadêmicas, sobre a diferença entre a teoria ortodoxa [marxistas] e heterodoxa [marxiana].
Não obstante, reconhecer que o amigo tenha se tornado um cético, em relação à práxis política, mesmo assim ousa investigar rigorosamente a historiografia econômica brasileira para identificar tendências e subsidiar o debate que contribui com o aclarar de nossos juízos acerca do desenvolvimento do pensamento econômico, na perspectiva da heterodoxia marxiana.
Portanto, segue uma fagulha como sugestão de roteiro de leitura e discussão para uma possível produção, se for o caso, do necessário opúsculo. Desta forma, proponho ao amigo que discutamos a possibilidade de um estudo mais detalhado da História do Pensamento Econômico Brasileiro e a partir desta investigação e elaboração de um opúsculo sobre algumas categorias analíticas do pensamento heterodoxo marxiano que influenciam intelectuais do pensamento econômico e social brasileiro, desenvolvimentistas ou socialistas.
Sendo assim, tronar-se-ia necessário analisar acuradamente o Pensamento Econômico Brasileiro e, por conseguinte a hegemonia das teses desenvolvimentistas, os marxismos de origem comunista e a critica da critica marxiana ao desenvolvimentismo e o etapismo stalinista.
Há que se fazer uma analise amiúde do que se denominou chamar de condição periférica e dependente do Brasil [América Latina] em relação às economias centrais e o esgotamento do modelo de substituição de importações [1960/70]. Isto posto, façamos também uma analise das teses dual-estruturalistas e as teses marxistas sobre o desenvolvimento desigual e combinado das nações periféricas elaboradas nos anos 1960/70.
Uma revisão bibliográfica na historia do pensamento econômico brasileiro[1] a partir do que Rodrigo Castelo Branco[2] considera como trabalho mais significativo que são duas teses de doutorado escritas na década de 1980 e que foram publicadas na forma de livros[3].
A hegemonia da corrente desenvolvimentista, da Era Vargas a década de 1980, com foco nos nacionalistas do setor público e sua base de sustentação no pensamento econômico brasileiro[4]. A diversidade intra-desenvolvimentista[5] e suas intervenções teórico-prática no processo de desenvolvimento econômico do Brasil.
Uso da categoria analítica desenvolvimentista dentro da perspectiva da corrente pradiana-furtadiana a partir dos estudos sobre a história das formações econômicas do Brasil e da América Latina e as contribuições de Prebich com seu modelo centro-periferia de economia internacional.
A desconstrução do mito desenvolvimentista a partir da elaboração em Marx[6], enfrentando a forte influencia da corrente marxista ortodoxa, especialmente a stalinista de caráter mecanicista e evolucionista. A critica da critica, elaborada pela corrente heterodoxa marxiana ao mito desenvolvimentista a partir dos estudos primários de Lênin[7] e formulada por Leon Trotsky[8] a partir da lei do desenvolvimento desigual e combinado.
A crítica do marxismo heterodoxo brasileiro tem como referencia Mariátegui como fundador nos anos 1920, seguido pelo historiador Caio Prado Jr, Sergio Bagú e Marcelo Segall nos anos 40. Nos anos 1960 passamos a ter varias correntes marxistas brasileiras que confrontarão com a tese desenvolvimentista: Florestan Fernandes, Octávio Ianni, Francisco de Oliveira e os teóricos da dependência. O historiador Felipe Demier[9]publica obra que analisa a influencia intelectual de Trotsky e a lei do desenvolvimento desigual e combinado no pensamento nacional que vai fundamentar a critica ao “etapismo” e “dualista”.
Por último proponho a organização de um opúsculo que possa dialogar com as correntes desenvolvimentista presente nas elaborações de plano de governos de esquerda e de centro.
Saudações marxianas
Herberson Sonkha


[1] Maria Rita Loureiro (org.), 50 anos de ciência econômica no Brasil: pensamento, instituições e depoimentos, Petrópolis, Vozes, 1997; Tamás Szmreczanyi e Francisco da Silva Coelho (orgs.), Ensaios de história do pensamento econômico no Brasil contemporâneo, São Paulo, Atlas, 2007; Ciro Biderman, Luis Felipe Cozac e José Márcio Rego, Conversas com economistas brasileiros, volume I, São Paulo: Editora 34, 1995; Guido Mantega e José Marcio Rego, Conversas com economistas brasileiros, volume II, São Paulo: Editora 34, 1999.
[2] Marxismo e pensamento econômico brasileiro: críticas socialistas à ideologia desenvolvimentista.
[3] Refere-se às obras A economia política brasileira, de Guido Mantega (1984) e Pensamento Econômico Brasileiro: o ciclo ideológico do desenvolvimentismo, de Ricardo Bielschowsky (1988).
[4] Ricardo Bielschowsky, em parceria com Carlos Mussi, voltou recentemente ao tema e escreveu um longo artigo sobre o pensamento econômico brasileiro, atualizando a sua antiga pesquisa até o ano de 2005. Cf. Ricardo Bielschowsky e Carlos Mussi, O pensamento desenvolvimentista no Brasil: 1930-1964 e anotações sobre 1964-2005, texto apresentado para o seminário Brasil-Chile: uma mirada hacia América Latina y sus perspectivas, Santiago de Chile, junho de 2005.
[5] Dentro da era desenvolvimentista, Bielschowsky identifica três grandes correntes ideológicas: a neoliberal (Eugenio Gudin), a socialista (Caio Prado Jr. e Ignácio Rangel) e a desenvolvimentista, sendo esta subdividida em três subcorrentes, a saber, a do setor privado (Roberto Simonsen), a não-nacionalista do setor público (Roberto Campos) e a nacionalista do setor público (Celso Furtado).
[6] Crítica esteja contida no capítulo XXIII de O Capital, intitulado A lei geral da acumulação capitalista.
[7] O desenvolvimento do capitalismo na Rússia (1898)
[8] Leon Trotsky: DESENVOLVIMENTO DESIGUAL E COMBINADO. Leon Trotsky, História da Revolução Russa, volume 1. Rio de Janeiro, Saga, 1967, p. 25.
[9] Felipe Demier, “A lei do desenvolvimento desigual e combinado de León Trotsky e a intelectualidade brasileira”. In: Revista Outubro, nº16, 2007, p. 77.
terça-feira, 6 de maio de 2014

Movimento Negro: O RACISMO É CRIME, SEM CONCESSÕES

Flávio Passos, militante negro,
 integrante do Conselho Municipal de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do município de Vitória da Conquista e
professor na rede estadual de educação, em Belo Campo, Bahia.
 

"O racismo é crime, e deve ser tratado, seja na escola, seja no mercado de trabalho, seja nos estádios, sem concessões. "

* Por Flávio Passos.




O racismo não pode ser tratado de qualquer jeito, é o que ficou evidente nesta semana, com o episódio do protesto de Daniel Alves em um estádio espanhol e a reação dos brasileiros à frase “somos todos macacos”  veiculada pelo jogador Neymar nas redes sociais, numa expressa “banananlização” de uma temática tão séria. 


Às vésperas da Copa do Mundo FIFA/BRASIL. a situação apresenta dois lados da mesma moeda, a saber, a atitude do jogador que, além de encenação premeditada por uma pseudo campanha antirracismo, mostra o quanto os jogadores negros, brasileiros, africanos e sulamericanos, não têm se manifestado de forma contundente contra o racismo que, há décadas, sofrem cotidianamente nos estádios europeus. 

O que justifica o gesto do Daniel Alves, por mais que tenha tido a intenção de descascar e explicitar o racismo das torcidas europeias? Por que a mídia europeia ou brasileira não se posiciona de forma mais contundente? São dúvidas que nos inquietam, para além do episódio em questão.

O outro lado é mesmo o da posição dos governos envolvidos, seja dos países de origem dos jogadores agredidos cotidianamente, que já deveriam ter, de forma articulada junto à ONU, responsabilizado a FIFA, tanto pelo silêncio frente ao racismo no futebol, quanto pela forma como impõe a Copa em países do Sul (África do Sul, em 2010, e agora, no Brasil) enquanto um absurdo espetáculo de exclusão dos pobres, dos negros e das populações tradicionais, não apenas do acesso aos jogos, mas em todo o processo de construção e realização do evento.

É importante refletirmos sobre a imagem de subumanizados a que fomos submetidos, seja na frase "somos todos macacos" veiculada por Neymar, seja no gesto de curvamento ao racismo por parte de Daniel Alves em uma arena na qual negros são hostilizados pela sua origem e sua cor.  Tal condição foi coroada por uma camiseta cuja banana é estilizada - pintada de preto - de uma forma a não termos dúvidas da dupla mensagem racista, tanto da agência de publicidade, quanto por parte de Luciano Huck a querer nos transformar, num mesmo gesto, em macacos e bananas. 

Não duvido que a FIFA esteja por trás dessa campanhazinha que, longe de combater o racismo, mas o evidenciou, como bem lembrou uma aluna do cursinho quilombola. O longametragem "VÊNUS NEGRA" (2011), do tunisiano radicado na França Abdellatif Kechiche, retrata de forma brilhante a força do colonialismo e o racismo europeus do início do século XIX.

Nos últimos 40 anos, o Movimento Negro brasileiro conquistou significativamente, junto a toda a sociedade brasileira, e não apenas entre a população negra, a superação do racismo na forma de identificação, combate, denúncia e categorização das práticas de racismo enquanto crime, inafiançável e imprescritível. Ser chamado de macaco constitui-se em uma das mais grave agressões racistas pois atinge o simbólico, o humano que nos une, questionando-o a partir de uma diferença fisiológica - a cor da pele - que em nada nos faz diferentes em termos de capacidade intelectiva ou moral. 

Conquistamos, em 2003, uma lei que obriga o ensino da história e da cultura africana e afro-brasileira. Ensino que não se restringe a uma disciplina ou eventos pontuais. Ensino que tem como pressuposto o reconhecimento de nossa participação efetiva na construção da identidade deste país e da diáspora africana. Ensino que não somos herdeiros, não de escravos, mas de reis e rainhas, de cientistas, lideranças e intelectuais de todas as regiões do Continente Mãe. Ensino que mostra que somos todos humanos, e que enquanto espécie, descendemos sim dos macacos. Apenas descendemos. Sim, somos todos humanos. Ensino que mostra que tão importante quanto à valorização da riqueza das nossas histórias e das nossas culturas afro-brasileiras, é a educação das nossas relações étnico-raciais, ou seja, o racismo não é um problema que deva ser encarado apenas pelos negros, mas por toda a sociedade brasileira. 

O racismo é crime, e deve ser tratado, seja na escola, seja no mercado de trabalho, seja nos estádios, sem concessões. 

Conquistamos além dos marcos legais, além da Lei 10.639/03 e das leis antirracismo, o reconhecimento de que, em nossa história, especialmente após a abolição, os negros foram colocados à margem da sociedade. E que, se quisermos construir um país para todos, para além do jogo de palavras, teremos promover medidas que garantam a equidade na participação do acesso aos bens e serviços, tirando a população negra da condição subumana a que foi relegada, seja no campo do ensino superior, seja no mercado de trabalho. 

Seriam as manifestações desse novo racismo brasileiro, não mais sutil, mas eivado de cinismo e ironia, uma resposta a todas essas conquistas que, no mínimo, já promoveram uma guinada na autoestima da população negra? Qual será a resposta do Movimento Negro brasileiro a tudo isso? 

Está mais que provado, com esse episódio, e todas as manifestações contrárias que ele suscitou, que a luta antirracismo tem se transformado em uma luta de todos, sem concessões ao racismo. Contra o racismo brasileiro, toda atenção é necessária! E a Copa está às portas. 

O que fizermos com o racismo será determinante para dizermos, a nós mesmos, que país deixaremos para as próximas gerações.


________________________________
* Flávio Passos, militante negro, integrante do Conselho Municipal de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do município de Vitória da Conquista e professor na rede estadual de educação, em Belo Campo, Bahia.
segunda-feira, 5 de maio de 2014

Lei de Segurança Nacional para Prisco: “É triste que a gente esteja presenciando isso”, lamenta Rui ...

Foto Blog do Fábio Sena.
Rui Medeiros, advogado, conselheiro federal da OAB





O professor, advogado e conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil/OAB, Rui Medeiros – dono de larga história de participação nos movimentos sociais – integra o grupo de intelectuais que consideram equivocada a reivindicação da Lei de Segurança Nacional pelo Ministério Público Federal/MPF para fundamentar o pedido de prisão do policial militar Marco Prisco, vereador de Salvador e líder da greve da Polícia Militar.


Ao justificar a medida, o MPF afirmou que Marco Prisco – que responde processo em curso na 17ª Vara Federal da Seção Judiciária da Bahia –, mesmo denunciado “pela prática de crimes contra a segurança nacional”, continuou ostensivamente a instigar o uso da violência e da desordem e a liderar movimentos grevistas expressamente proibidos pela Constituição Federal. “Entre as hipóteses legais para a decretação da prisão preventiva estão a garantia da ordem pública”.

Na visão do jurista, por ser inconstitucional a greve da Polícia Militar, o Estado Brasileiro precisa estudar alternativas capazes de assegurar à categoria a manifestação de seu descontentamento. “No mínimo, os respectivos governos deveriam criar instrumentos, canais para auscultar a Polícia Militar e resolver essas questões, que se eternizam”, defende Rui Medeiros, que condena veementemente o uso da Lei de Segurança Nacional, “uma lei concebida de acordo com a ideologia dominante na época do regime militar”.

Em conversa com o Blog do Fábio Sena, Rui Medeiros manifesta sua opinião contrária à política de territorialização da segurança pública, como ocorre no Rio de Janeiro com a Unidade de Polícia Pacificadora/UPP. “Aí, de repente, ocupa o morro, territorializa a segurança, que passa a ser pensada como se pensava na época colonial, de se ocupar espaço, ou na época das conquistas imperialistas, ou como se pensava na época da Guerra Fria”, ressalta o advogado.

Leia abaixo a íntegra da conversa com o advogado Rui Medeiros:

FÁBIO SENA: Professor, um dos grandes debates públicos atuais parece ser a insatisfação das policiais e a ocorrência de greves da categoria. Agora, o assunto ganhou mais corpo com a prisão do líder grevista Marco Prisco. Como você tem acompanhado todos esses acontecimentos?

RUI MEDEIROS: Você tem que verificar alguns fatos relacionados à greve dos policiais. A primeira dimensão é a jurídica: a Polícia Militar é armada e a Constituição proíbe a greve da PM; mas, proibindo a greve da Polícia Militar e, pretendendo ser um instrumento democrático, a Constituição deveria dar uma alternativa em relação às manifestações de descontentamento ou, no mínimo, os respectivos governos deveriam criar alguns instrumentos, alguns canais para auscultar a Polícia Militar e resolver essas questões, que se eternizam. Você sabe que, há muito tempo, na Bahia e em outros estados, a polícia vem-se pronunciando, inclusive com paralisações proibidas por lei, e sem que haja uma alternativa de negociação mais firme. A polícia, o policial militar não pode sindicalizar-se, então surgem diversas associações e não se sabe na hora de negociar com que associação tratar, pois cada associação possui uma voz diferenciada. Então, não se tem canais institucionais para saber com quem negociar. As associações, como se viu na última paralisação, tem visões diferentes do fato, tem procedimento de pressão que são diferentes umas das outras, procedimentos diversos. Em resumo, este é o primeiro aspecto: o Estado Democrático de Direito, que proíbe a greve de policiais militares, por se tratar de instituição armada e para manutenção da ordem pública, tem que, por outro lado, encontrar meio capazes de absorver e articular essas manifestações de forma mais afirmativa.

FÁBIO SENA: A questão salarial, a gente sabe que é o que pesa para a Polícia Militar…

RUI MEDEIROS: E pesa muito. Nós sabemos que os professores são mal pagos, que os servidores públicos em geral são mal pagos, que o policial militar é muito mal remunerado. E sabemos que muitas vezes o governo, além da remuneração básica, coloca aquelas parcelas, aqueles penduricalhos, que a pessoa perde quando se aposenta, criando uma situação difícil na vida da pessoa no instante em que ela precisa mais, porque está mais fragilizada.

FÁBIO SENA: Então, este primeiro aspecto diz respeito à questão de como o Estado brasileiro tratar juridicamente a questão da greve, dos descontentamentos…

RUI MEDEIROS: Isso. O segundo aspecto é que é preciso acabar com aquele perfil da Polícia Militar como a polícia auxiliar do Exército. Mas, ao invés de acabar com isso, está-se exatamente reforçando esse perfil, na medida em que você tem hoje a Força Nacional de Segurança, que não deixa de ser um reforço desse perfil. Um outro aspecto, além do fato de a greve ser ilegal, é esse tratamento que se deu à greve. Ilegal? Tudo bem. É ilegal. Mas você precisa dar um tratamento a isso, ao fato que ocorreu, à ação ilegal, que foi a paralisação. E a gente fica espantado quando vê acenar uma Lei de Segurança Nacional, de um dos momentos mais agudos da Ditadura Militar no Brasil, uma lei concebida de acordo com a ideologia dominante na época do regime militar, aquela ideologia segundo a qual todos são responsáveis pela segurança nacional, aquela ideologia gestada na Escola Superior de Guerra, que auriu os ensinamentos das escolas de polícia, da doutrina militar norte-americana da época da Guerra Fria. Uma lei elaborada no momento da ditadura e que não foi revogada pela Constituição atual, e é de se perguntar se ela não sofreu uma inconstitucionalidade superveniente. É triste que a gente esteja presenciando isso. Acredito que exista outros meios de enquadramento destas ações, que não seja a Lei de Segurança Nacional. É um caminho que o Ministério Público deve pensar, se é justo aplicar um instrumento que tem tudo para contrariar a Constituição atual, um instrumento típico da ditadura, nesse fato atual, ou se não se encontra dentro da legislação penal existente um meio de tipificar essas condutas dos policiais militares.

FÁBIO SENA: É um caso que gera preocupação, portanto, nos campos jurídico e político…

RUI MEDEIROS: A mesma preocupação que eu senti quando li aquele documento elaborado pelo Ministério da Defesa, da garantia da lei e da ordem. E é uma preocupação que tenho também quando vejo uma segurança pensada de forma territorializada. É uma coisa terrível você imaginar uma segurança pública para um Estado Democrático da maneira como tem se imaginado para as UPP’s. Elas vão a um local, dizem que ocupam aquele local, hasteiam a bandeira, como se houvesse uma guerra civil, uma área conquistada, como se fosse um país estrangeiro. E pior: se trata preconceituosamente aqueles que habitam aquele lugar. Ora, não é um lugar completamente controlado por pessoas que tenham uma conduta desviante.

FÁBIO SENA: A maioria daquelas pessoas é trabalhadora…

RUI MEDEIROS: Pessoas que não tiveram como resolver os seus problemas de habitação a não ser ocupando os espaços do morro, e ocupando irregularmente. As pessoas tem que se abrigar porque o abrigo é uma necessidade fundamental; as pessoas, as famílias resolvem de qualquer maneira, ou com a lei ou à margem dela.

FÁBIO SENA: É como a alimentação, é como a vestimenta…

RUI MEDEIROS: As pessoas encontram uma maneira de resolver suas necessidades fundamentais. Aí, de repente, ocupa o morro, territorializa a segurança, que passa a ser pensada como se pensava na época colonial, de se ocupar espaço, ou na época das conquistas imperialistas, ou como se pensava na época da Guerra Fria. Mas uma vez controlado essa espaço, se resolve o problema do tráfico. Claro que não.

FÁBIO SENA: O traficante sai dali e vai ocupar outros espaços.

RUI MEDEIROS: E, às vezes, espaços com aparato de segurança bem frágil, mais frágil que aquele espaço que foi ocupado nessa concepção que se dá hoje. Aí se pergunta: depois que se ocupa os morros, se ocupa os bairros miseráveis, depois se ocupam as periferias da cidade, e depois vamos ter uma sociedade militarizada? E o Estado suporta manter uma segurança pensada dessa maneira? Evidente que não. O Governo precisa dotar de meios suficientes para resolver o problema remuneratório dos servidores militares e dos servidores civil. E a gente tem notado muito pouca vontade política em relação a isso.

FÁBIO SENA: E, de fato, parece ser um problema que afeta várias categorias do serviço público.

RUI MEDEIROS: Nós temos hoje professores paralisados no município. Teremos uma paralisação prestes a ser anunciada do ensino superior, um descontentamento… A inflação voltou, o que adiciona a necessidade de se repensar a política salarial. Vejo essas coisas muito entristecido e preocupado com os destino de nossa Democracia. Se a gente for pensar a Democracia como convivência humana, o nosso sistema não é tão democrático. Quando se pensa em Direitos Fundamentais, o Estado nos deve muito. Muitos créditos perante o Estado, os direitos sociais, os direitos em geral.

FÁBIO SENA: E cada vez mais a gente vê que aperta o cerco para a atividade política…
RUI MEDEIROS: Percebemos, sim. Uma crise da democracia representativa. Uma crise em que deputados não representam mais a população, representa a Bancada A, B ou C, representa os interesses do governo, representa os interesses de um projeto específico; hoje em dia, ao invés de se falar na política em primeiro plano, se fala na economia em primeiro plano, submete-se qualquer lógica de governo à lógica de uma economia, e centrada naquele setor mais agressivo da economia, mais especulativo até, de forma que a gente precisa repensar toda essa situação. No momento em que a gente volta os olhos para a ditadura que se estabeleceu em 1964, a gente tem que voltar os olhos para nossa realidade atual para realmente fazer a democracia crescer.

FÁBIO SENA: Fica uma sensação da ausência de linguagem política. O governo do Estado, por exemplo, já sabia quem era Marco Prisco, mas o convidou para assinar um acordo, legitimou a sua liderança e, portanto, o movimento grevista. Depois comemora a prisão do sujeito… Quando você fala de falta de vontade política, será que não é pior que isso. Será que não se trata de ausência de pensamento político?

RUI MEDEIROS: (Risos)… É, sim. Você olha que a prisão se realizou no momento mais impróprio possível, no momento em que poderia ter como consequência a retomada da greve. O cara tem que pensar estrategicamente. Aí, você está naquele momento, negocia, aceita uma liderança, que vai além de ser uma liderança dos grevistas, uma liderança política e, naquele mesmo momento, se resolve a prisão, se pressionar pela prisão e conseguir a prisão num momento em que aquilo poderia se desdobrar de uma forma mais radical.

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