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terça-feira, 6 de maio de 2014

Movimento Negro: O RACISMO É CRIME, SEM CONCESSÕES

Flávio Passos, militante negro,
 integrante do Conselho Municipal de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do município de Vitória da Conquista e
professor na rede estadual de educação, em Belo Campo, Bahia.
 

"O racismo é crime, e deve ser tratado, seja na escola, seja no mercado de trabalho, seja nos estádios, sem concessões. "

* Por Flávio Passos.




O racismo não pode ser tratado de qualquer jeito, é o que ficou evidente nesta semana, com o episódio do protesto de Daniel Alves em um estádio espanhol e a reação dos brasileiros à frase “somos todos macacos”  veiculada pelo jogador Neymar nas redes sociais, numa expressa “banananlização” de uma temática tão séria. 


Às vésperas da Copa do Mundo FIFA/BRASIL. a situação apresenta dois lados da mesma moeda, a saber, a atitude do jogador que, além de encenação premeditada por uma pseudo campanha antirracismo, mostra o quanto os jogadores negros, brasileiros, africanos e sulamericanos, não têm se manifestado de forma contundente contra o racismo que, há décadas, sofrem cotidianamente nos estádios europeus. 

O que justifica o gesto do Daniel Alves, por mais que tenha tido a intenção de descascar e explicitar o racismo das torcidas europeias? Por que a mídia europeia ou brasileira não se posiciona de forma mais contundente? São dúvidas que nos inquietam, para além do episódio em questão.

O outro lado é mesmo o da posição dos governos envolvidos, seja dos países de origem dos jogadores agredidos cotidianamente, que já deveriam ter, de forma articulada junto à ONU, responsabilizado a FIFA, tanto pelo silêncio frente ao racismo no futebol, quanto pela forma como impõe a Copa em países do Sul (África do Sul, em 2010, e agora, no Brasil) enquanto um absurdo espetáculo de exclusão dos pobres, dos negros e das populações tradicionais, não apenas do acesso aos jogos, mas em todo o processo de construção e realização do evento.

É importante refletirmos sobre a imagem de subumanizados a que fomos submetidos, seja na frase "somos todos macacos" veiculada por Neymar, seja no gesto de curvamento ao racismo por parte de Daniel Alves em uma arena na qual negros são hostilizados pela sua origem e sua cor.  Tal condição foi coroada por uma camiseta cuja banana é estilizada - pintada de preto - de uma forma a não termos dúvidas da dupla mensagem racista, tanto da agência de publicidade, quanto por parte de Luciano Huck a querer nos transformar, num mesmo gesto, em macacos e bananas. 

Não duvido que a FIFA esteja por trás dessa campanhazinha que, longe de combater o racismo, mas o evidenciou, como bem lembrou uma aluna do cursinho quilombola. O longametragem "VÊNUS NEGRA" (2011), do tunisiano radicado na França Abdellatif Kechiche, retrata de forma brilhante a força do colonialismo e o racismo europeus do início do século XIX.

Nos últimos 40 anos, o Movimento Negro brasileiro conquistou significativamente, junto a toda a sociedade brasileira, e não apenas entre a população negra, a superação do racismo na forma de identificação, combate, denúncia e categorização das práticas de racismo enquanto crime, inafiançável e imprescritível. Ser chamado de macaco constitui-se em uma das mais grave agressões racistas pois atinge o simbólico, o humano que nos une, questionando-o a partir de uma diferença fisiológica - a cor da pele - que em nada nos faz diferentes em termos de capacidade intelectiva ou moral. 

Conquistamos, em 2003, uma lei que obriga o ensino da história e da cultura africana e afro-brasileira. Ensino que não se restringe a uma disciplina ou eventos pontuais. Ensino que tem como pressuposto o reconhecimento de nossa participação efetiva na construção da identidade deste país e da diáspora africana. Ensino que não somos herdeiros, não de escravos, mas de reis e rainhas, de cientistas, lideranças e intelectuais de todas as regiões do Continente Mãe. Ensino que mostra que somos todos humanos, e que enquanto espécie, descendemos sim dos macacos. Apenas descendemos. Sim, somos todos humanos. Ensino que mostra que tão importante quanto à valorização da riqueza das nossas histórias e das nossas culturas afro-brasileiras, é a educação das nossas relações étnico-raciais, ou seja, o racismo não é um problema que deva ser encarado apenas pelos negros, mas por toda a sociedade brasileira. 

O racismo é crime, e deve ser tratado, seja na escola, seja no mercado de trabalho, seja nos estádios, sem concessões. 

Conquistamos além dos marcos legais, além da Lei 10.639/03 e das leis antirracismo, o reconhecimento de que, em nossa história, especialmente após a abolição, os negros foram colocados à margem da sociedade. E que, se quisermos construir um país para todos, para além do jogo de palavras, teremos promover medidas que garantam a equidade na participação do acesso aos bens e serviços, tirando a população negra da condição subumana a que foi relegada, seja no campo do ensino superior, seja no mercado de trabalho. 

Seriam as manifestações desse novo racismo brasileiro, não mais sutil, mas eivado de cinismo e ironia, uma resposta a todas essas conquistas que, no mínimo, já promoveram uma guinada na autoestima da população negra? Qual será a resposta do Movimento Negro brasileiro a tudo isso? 

Está mais que provado, com esse episódio, e todas as manifestações contrárias que ele suscitou, que a luta antirracismo tem se transformado em uma luta de todos, sem concessões ao racismo. Contra o racismo brasileiro, toda atenção é necessária! E a Copa está às portas. 

O que fizermos com o racismo será determinante para dizermos, a nós mesmos, que país deixaremos para as próximas gerações.


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* Flávio Passos, militante negro, integrante do Conselho Municipal de Políticas de Promoção da Igualdade Racial do município de Vitória da Conquista e professor na rede estadual de educação, em Belo Campo, Bahia.

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