Translate
Seguidores
segunda-feira, 5 de maio de 2014
Lei de Segurança Nacional para Prisco: “É triste que a gente esteja presenciando isso”, lamenta Rui ...
maio 05, 2014
|
por
Vinícius...
|
![]() |
Foto Blog do Fábio Sena. Rui Medeiros, advogado, conselheiro federal da OAB |
O professor, advogado e conselheiro federal da Ordem dos Advogados do Brasil/OAB, Rui Medeiros – dono de larga história de participação nos movimentos sociais – integra o grupo de intelectuais que consideram equivocada a reivindicação da Lei de Segurança Nacional pelo Ministério Público Federal/MPF para fundamentar o pedido de prisão do policial militar Marco Prisco, vereador de Salvador e líder da greve da Polícia Militar.
Ao justificar a medida, o MPF afirmou que Marco Prisco – que responde processo em curso na 17ª Vara Federal da Seção Judiciária da Bahia –, mesmo denunciado “pela prática de crimes contra a segurança nacional”, continuou ostensivamente a instigar o uso da violência e da desordem e a liderar movimentos grevistas expressamente proibidos pela Constituição Federal. “Entre as hipóteses legais para a decretação da prisão preventiva estão a garantia da ordem pública”.
Na visão do jurista, por ser inconstitucional a greve da Polícia Militar, o Estado Brasileiro precisa estudar alternativas capazes de assegurar à categoria a manifestação de seu descontentamento. “No mínimo, os respectivos governos deveriam criar instrumentos, canais para auscultar a Polícia Militar e resolver essas questões, que se eternizam”, defende Rui Medeiros, que condena veementemente o uso da Lei de Segurança Nacional, “uma lei concebida de acordo com a ideologia dominante na época do regime militar”.
Em conversa com o Blog do Fábio Sena, Rui Medeiros manifesta sua opinião contrária à política de territorialização da segurança pública, como ocorre no Rio de Janeiro com a Unidade de Polícia Pacificadora/UPP. “Aí, de repente, ocupa o morro, territorializa a segurança, que passa a ser pensada como se pensava na época colonial, de se ocupar espaço, ou na época das conquistas imperialistas, ou como se pensava na época da Guerra Fria”, ressalta o advogado.
Leia abaixo a íntegra da conversa com o advogado Rui Medeiros:
FÁBIO SENA: Professor, um dos grandes debates públicos atuais parece ser a insatisfação das policiais e a ocorrência de greves da categoria. Agora, o assunto ganhou mais corpo com a prisão do líder grevista Marco Prisco. Como você tem acompanhado todos esses acontecimentos?
RUI MEDEIROS: Você tem que verificar alguns fatos relacionados à greve dos policiais. A primeira dimensão é a jurídica: a Polícia Militar é armada e a Constituição proíbe a greve da PM; mas, proibindo a greve da Polícia Militar e, pretendendo ser um instrumento democrático, a Constituição deveria dar uma alternativa em relação às manifestações de descontentamento ou, no mínimo, os respectivos governos deveriam criar alguns instrumentos, alguns canais para auscultar a Polícia Militar e resolver essas questões, que se eternizam. Você sabe que, há muito tempo, na Bahia e em outros estados, a polícia vem-se pronunciando, inclusive com paralisações proibidas por lei, e sem que haja uma alternativa de negociação mais firme. A polícia, o policial militar não pode sindicalizar-se, então surgem diversas associações e não se sabe na hora de negociar com que associação tratar, pois cada associação possui uma voz diferenciada. Então, não se tem canais institucionais para saber com quem negociar. As associações, como se viu na última paralisação, tem visões diferentes do fato, tem procedimento de pressão que são diferentes umas das outras, procedimentos diversos. Em resumo, este é o primeiro aspecto: o Estado Democrático de Direito, que proíbe a greve de policiais militares, por se tratar de instituição armada e para manutenção da ordem pública, tem que, por outro lado, encontrar meio capazes de absorver e articular essas manifestações de forma mais afirmativa.
FÁBIO SENA: A questão salarial, a gente sabe que é o que pesa para a Polícia Militar…
RUI MEDEIROS: E pesa muito. Nós sabemos que os professores são mal pagos, que os servidores públicos em geral são mal pagos, que o policial militar é muito mal remunerado. E sabemos que muitas vezes o governo, além da remuneração básica, coloca aquelas parcelas, aqueles penduricalhos, que a pessoa perde quando se aposenta, criando uma situação difícil na vida da pessoa no instante em que ela precisa mais, porque está mais fragilizada.
FÁBIO SENA: Então, este primeiro aspecto diz respeito à questão de como o Estado brasileiro tratar juridicamente a questão da greve, dos descontentamentos…
RUI MEDEIROS: Isso. O segundo aspecto é que é preciso acabar com aquele perfil da Polícia Militar como a polícia auxiliar do Exército. Mas, ao invés de acabar com isso, está-se exatamente reforçando esse perfil, na medida em que você tem hoje a Força Nacional de Segurança, que não deixa de ser um reforço desse perfil. Um outro aspecto, além do fato de a greve ser ilegal, é esse tratamento que se deu à greve. Ilegal? Tudo bem. É ilegal. Mas você precisa dar um tratamento a isso, ao fato que ocorreu, à ação ilegal, que foi a paralisação. E a gente fica espantado quando vê acenar uma Lei de Segurança Nacional, de um dos momentos mais agudos da Ditadura Militar no Brasil, uma lei concebida de acordo com a ideologia dominante na época do regime militar, aquela ideologia segundo a qual todos são responsáveis pela segurança nacional, aquela ideologia gestada na Escola Superior de Guerra, que auriu os ensinamentos das escolas de polícia, da doutrina militar norte-americana da época da Guerra Fria. Uma lei elaborada no momento da ditadura e que não foi revogada pela Constituição atual, e é de se perguntar se ela não sofreu uma inconstitucionalidade superveniente. É triste que a gente esteja presenciando isso. Acredito que exista outros meios de enquadramento destas ações, que não seja a Lei de Segurança Nacional. É um caminho que o Ministério Público deve pensar, se é justo aplicar um instrumento que tem tudo para contrariar a Constituição atual, um instrumento típico da ditadura, nesse fato atual, ou se não se encontra dentro da legislação penal existente um meio de tipificar essas condutas dos policiais militares.
FÁBIO SENA: É um caso que gera preocupação, portanto, nos campos jurídico e político…
RUI MEDEIROS: A mesma preocupação que eu senti quando li aquele documento elaborado pelo Ministério da Defesa, da garantia da lei e da ordem. E é uma preocupação que tenho também quando vejo uma segurança pensada de forma territorializada. É uma coisa terrível você imaginar uma segurança pública para um Estado Democrático da maneira como tem se imaginado para as UPP’s. Elas vão a um local, dizem que ocupam aquele local, hasteiam a bandeira, como se houvesse uma guerra civil, uma área conquistada, como se fosse um país estrangeiro. E pior: se trata preconceituosamente aqueles que habitam aquele lugar. Ora, não é um lugar completamente controlado por pessoas que tenham uma conduta desviante.
FÁBIO SENA: A maioria daquelas pessoas é trabalhadora…
RUI MEDEIROS: Pessoas que não tiveram como resolver os seus problemas de habitação a não ser ocupando os espaços do morro, e ocupando irregularmente. As pessoas tem que se abrigar porque o abrigo é uma necessidade fundamental; as pessoas, as famílias resolvem de qualquer maneira, ou com a lei ou à margem dela.
FÁBIO SENA: É como a alimentação, é como a vestimenta…
RUI MEDEIROS: As pessoas encontram uma maneira de resolver suas necessidades fundamentais. Aí, de repente, ocupa o morro, territorializa a segurança, que passa a ser pensada como se pensava na época colonial, de se ocupar espaço, ou na época das conquistas imperialistas, ou como se pensava na época da Guerra Fria. Mas uma vez controlado essa espaço, se resolve o problema do tráfico. Claro que não.
FÁBIO SENA: O traficante sai dali e vai ocupar outros espaços.
RUI MEDEIROS: E, às vezes, espaços com aparato de segurança bem frágil, mais frágil que aquele espaço que foi ocupado nessa concepção que se dá hoje. Aí se pergunta: depois que se ocupa os morros, se ocupa os bairros miseráveis, depois se ocupam as periferias da cidade, e depois vamos ter uma sociedade militarizada? E o Estado suporta manter uma segurança pensada dessa maneira? Evidente que não. O Governo precisa dotar de meios suficientes para resolver o problema remuneratório dos servidores militares e dos servidores civil. E a gente tem notado muito pouca vontade política em relação a isso.
FÁBIO SENA: E, de fato, parece ser um problema que afeta várias categorias do serviço público.
RUI MEDEIROS: Nós temos hoje professores paralisados no município. Teremos uma paralisação prestes a ser anunciada do ensino superior, um descontentamento… A inflação voltou, o que adiciona a necessidade de se repensar a política salarial. Vejo essas coisas muito entristecido e preocupado com os destino de nossa Democracia. Se a gente for pensar a Democracia como convivência humana, o nosso sistema não é tão democrático. Quando se pensa em Direitos Fundamentais, o Estado nos deve muito. Muitos créditos perante o Estado, os direitos sociais, os direitos em geral.
FÁBIO SENA: E cada vez mais a gente vê que aperta o cerco para a atividade política…
RUI MEDEIROS: Percebemos, sim. Uma crise da democracia representativa. Uma crise em que deputados não representam mais a população, representa a Bancada A, B ou C, representa os interesses do governo, representa os interesses de um projeto específico; hoje em dia, ao invés de se falar na política em primeiro plano, se fala na economia em primeiro plano, submete-se qualquer lógica de governo à lógica de uma economia, e centrada naquele setor mais agressivo da economia, mais especulativo até, de forma que a gente precisa repensar toda essa situação. No momento em que a gente volta os olhos para a ditadura que se estabeleceu em 1964, a gente tem que voltar os olhos para nossa realidade atual para realmente fazer a democracia crescer.
FÁBIO SENA: Fica uma sensação da ausência de linguagem política. O governo do Estado, por exemplo, já sabia quem era Marco Prisco, mas o convidou para assinar um acordo, legitimou a sua liderança e, portanto, o movimento grevista. Depois comemora a prisão do sujeito… Quando você fala de falta de vontade política, será que não é pior que isso. Será que não se trata de ausência de pensamento político?
RUI MEDEIROS: (Risos)… É, sim. Você olha que a prisão se realizou no momento mais impróprio possível, no momento em que poderia ter como consequência a retomada da greve. O cara tem que pensar estrategicamente. Aí, você está naquele momento, negocia, aceita uma liderança, que vai além de ser uma liderança dos grevistas, uma liderança política e, naquele mesmo momento, se resolve a prisão, se pressionar pela prisão e conseguir a prisão num momento em que aquilo poderia se desdobrar de uma forma mais radical.
Assinar:
Postar comentários
(
Atom
)
0 comments :
Postar um comentário