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quinta-feira, 26 de julho de 2012

10% do PIB para a Educação



* Por Penildo Silva Filho

Artigo publicado no jornal A tarde em 5 de julho de 2012


Enfim, o Plano Nacional de Educação (PNE) foi aprovado na última semana, e com 10% do PIB para ser investido pela União, Estados e municípios na Educação, meta a ser alcançada em 10 anos.  Após 18 meses de tramitação, a Câmara aprovou o PNE, e o relator da matéria, Ângelo Vanhoni (PT-PR), acatou um destaque do deputado Paulo Rubem Santiago (PDT-PE) que aumentava o patamar de 8% do PIB proposto pelo governo para 10%. Conforme o texto aprovado, a determinação é que se ampliem os recursos para educação dos atuais 5,1% do PIB para 7%, no prazo de cinco anos, até atingir os 10% ao fim de vigência do plano. A proposta agora segue para o Senado.


O PNE estabelece 20 metas educacionais que o país deverá atingir em dez anos. Além do aumento no investimento em educação pública, o plano prevê a ampliação das vagas em creches, a equiparação da remuneração dos professores com a de outros profissionais com formação superior, a erradicação do analfabetismo e a oferta do ensino em tempo integral em pelo menos 50% das escolas públicas.

Há metas para ampliação da oferta da Educação Superior e da oferta da Educação profissional. O Brasil ainda têm índices pequenos de acesso a esses níveis e modalidades de Educação, embora nos últimos dez anos tenha conseguido grandes avanços. O Governo Lula revogou o decreto de FHC que proibia a criação de novas escolas técnicas no país. Nesse período, o governo Federal criou mais de 300 novos campi em todo o território nacional. Foram criadas 18 novas universidade federais no Brasil, sendo o atual momento o de maior criação dessas universidades na nossa História.

Os Estados e Municípios que não atingiram desde 2007 a média do IDEB nacional tiveram a oportunidade de contar com o apoio do governo federal pelo Plano de Ações Articuladas (PAR), que estabelecia quatro grandes áreas para receber recursos financeiros ou técnicos para acelerar a elevação do IDEB: construção e reforma de escolas, formação de professores, inovações curriculares e fortalecimento da gestão e avaliação. Rompendo com uma lógica excludente e autoritária que antes premiava apenas os entes federados com maior índice nas avaliações, o governo federal objetiva corrigir distorções e por isso planeja e executa ações de apoio aos estados e municípios que historicamente foram discriminados e tinham instrumentos e recursos menores. Ao mesmo tempo, houve a garantia da universalização da pré-escola ao ensino médio. Dessa maneira, permitimos efetivamente a igualdade de condições na Educação entre as diversas classes sociais.

A Desvinculação de Receitas da União (DRU) retirava do orçamento do MEC, desde 1995, cerca de R$ 10 bilhões ao ano. Em 2007, o Congresso finalmente pôs fim à DRU. Esses recursos hoje permitem um incremento inédito nos recursos do FUNDEB e de vários programas nacionais. O Fundo Nacional de Manutenção da Educação Básica e Valorização do Magistério (FUNDEB), que substituiu o FUNDEF, multiplicou por dez a complementação da União que visa equalizar o investimento por aluno no país.  É importante notar que os recursos da Educação hoje só podem ser investidos na Educação, e que deve haver uma conta específica para essa movimentação, conta essa que deve ter seus extratos apresentados ao Conselho Estadual do FUNDEB para fiscalização e conferência.  O piso salarial para todos os professores do país tornou-se realidade a partir de 1º de janeiro de 2010, quando passou a ser obrigatório.

Agora, com essa garantia de investimento de 10% do PIB na Educação, teremos a continuidade dessa revolução democrática na Educação, pois teremos finalmente os recursos necessários para tornar o Brasil soberano efetivamente em Educação e consequentemente em Ciência e Tecnologia. É fundamental que a sociedade participe dessa mobilização pela transformação social com a Educação, garantindo a frequência de seus filhos na Escola, exigindo e fiscalizando os recursos públicos, participando democraticamente da gestão educacional, garantindo o direito de acesso à Educação, à Ciência e à Cultura para nossas crianças e jovens.

Fonte:http://penildonsilvafilho.webnode.com/news/a10%25-do-pib-para-a-educa%c3%a7%c3%a3o/
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CIÊNCIA E DIREITOS HUMANOS




* Por Penildon Silva Filho



Em 1609 o astrônomo italiano Galileu Galilei apontou pela primeira vez uma luneta para o céu e iniciou a comprovação da teoria de Nicolau Copérnico: a de que não era a Terra que estava no centro do sistema solar, mas o Sol. Iniciava-se uma revolução no pensamento ocidental, então dominado pelos dogmas da Igreja cristã, que adotou a teoria heliocêntrica de Aristóteles e de Ptolomeu. Durante o final do Império Romano e a Idade Média, era proibido sustentar qualquer outra ideia que não aquelas apresentadas pela instituição religiosa. Ninguém poderia ousar questionar as bulas papais, e todos os que se envolviam na descrição da Natureza da Terra ou do firmamento deveriam obedecer às ideias equivocadas de que a vida aqui em baixo era desvinculada do que ocorria nas esferas celestes, movidas eternamente em círculos e sem qualquer mutação em sua história.


Mas Galileu fez a revolução nos céus procedendo de uma maneira muito simples: ele simplesmente fez observações! Não basta que as pessoas tenham boas teorias ou concepções poéticas e mirabolantes sobre o funcionamento do Cosmos; deve-se sempre confrontar o que se teoriza com observações e experimentações para testá-las. Foi assim que Galileu descobriu as crateras, as montanhas e os “mares” da Lua, enquanto Aristóteles e toda a Igreja sustentavam que as esferas celestes eram “lisas”. Galileu também observou as “manchas solares” e mais uma vez desbancou a concepção errada das autoridades de que o Sol não teria imperfeições. Ele também descobriu as quatro luas de Júpiter e demonstrou que outros corpos celestes não giravam ao redor da Terra, e também registrou as “fases” do planeta Vênus, que se comportam iguais às fases da Lua, e assim demonstrou como outro planeta girava em torno do Sol e não do nosso!

Há muitos exemplos de como dogmas desvinculados da realidade perduraram por muito tempo. Durante mais de mil anos os eclesiásticos que dominavam a Educação e a Cultura afirmavam que os corpos mais pesados caem mais rápido que os corpos mais leves, e bastou a singela experiência de deixar duas esferas, uma de ferro e outro de madeira, caírem da torre de Pisa na Itália para comprovar que todos os corpos aceleram na mesma medida e chegam ao mesmo tempo ao chão. Por tudo isso Galileu foi perseguido e ameaçado de morte em tribunais dogmáticos religiosos daqueles que se negavam a confrontar suas escrituras com a simples observação da Natureza.

Em 1858, outro cientista, usando a observação, a catalogação de informações e a busca por evidências, criou uma teoria que abalaria mais uma vez o edifício do dogmatismo: Charles Darwin e sua teoria da Evolução. Sua teoria argumentava em cima de fortes evidências que todos os seres no planeta são ligados por um passado comum, todos descendemos de seres vivos mais simples que evoluíram através de pequenas alterações no seu código genético e através da seleção natural.

Essa forma de conhecer a realidade nos mostrou que os seres humanos são todos iguais, e que não há raças em nossa espécie, e que as diferenças de cor de pele, tipo de cabelo ou características físicas externas são, do ponto de vista genético, menos relevantes do as que o tipo sanguíneo: O, A, B ou AB.

A Ciência nos mostrou que a observação, a experimentação, o teste das hipóteses, a abertura para pensar o novo, o desapego à autoridade são essenciais para o avanço do conhecimento, a conforto das pessoas, o avanço econômico. Mas também nos evidenciou o quanto somos todos membros de uma mesma espécie, e que não há diferenças de valor entre as pessoas. A Ciência foi e é uma arma poderosa para vencer nossos preconceitos contra outros seres humanos, outras culturas, outros grupos sociais. Da mesma forma que devemos derrubar os dogmatismos de concepções erradas sobre os corpos celestes, sobre a evolução das espécies e a natureza das mudanças geológicas, devemos perceber que somos todos membros de uma mesma espécie, que habita um mesmo planeta, e que as fronteiras e intolerâncias são secundárias se comparadas com nossas características e nosso passado comuns.

Possui graduação em Comunicação Social pela Universidade Federal da Bahia (2000), Fez o Mestrado(2003) e Dutorado (2008) em Educação, ambos também pela Universidade Federal da Bahia. Foi fundador da organização não governamental Oficina de Cidadania, da qual se licenciou em janeiro de 2007 para assumir cargo público no Estado da Bahia, tendo reassumido a ONG em 200. Tem experiência de pesquisa na área de Educação, com ênfase em Administração de Sistemas Educacionais, atuando principalmente nos seguintes temas: Educação, Educação Superior, Cidadania, Ações Afirmativas, acesso à Educação Superior e Extensão. Em outubro de 2005 foi aprovado em primeiro lugar no concurso público para professor de Metodologia da Pesquisa no curso de Fonoaudiologia da UFBA, e assumiu o cargo em julho de 2006. Exerceu de janeiro de 2007 a fevereiro de 2011 o cargo de Diretor Geral do Instituto Anísio Teixeira, Órgão Especial da Secretaria de Educação do Estado da Bahia, onde realizou funções de gestão e pesquisa, encarregada da formação dos professores de todo o Estado e da experimentação estratégica em Educação da Secretaria. Após a saída do IAT-SEC, em fevereiro de 2011 voltou a lecionar a matéria Metodologia da Pesquisa no curso de Fonoaudiologia da UFBA. No momento exerce o cargo de Secretário de Comunicação do município de Vitória da Conquista, na Bahia.

Nota de pesar



QUARTA-FEIRA, 25 DE JULHO DE 2012

É com profundo sentimento de pesar que o Hospital Geral de Vitória da Conquista informa o falecimento de Olinda Nailde Galvão (66), funcionária da unidade, ocorrida nesta terça-feira (24), no Hospital Samur, acometida de infecção generalizada.


Nai, como era conhecida por todos, era funcionária pública desde 1982, e dos 30 anos de atividade passou 6 no HGVC, atuando no Centro Cirúrgico, como instrumentadora cirúrgica.

A triste notícia pegou a todos de surpresa, gerando profunda consternação entre os servidores, que tinham em Nai, além de profissional exemplar, uma pessoa carismática e querida, recebendo o título de verdaeira "mãezona", sobretudo no Centro Cirúrgico.

O corpo está sendo velado na Capelinha do Hospital São Vicente, com horário do sepultamento às 14h, no Cemitério da Saudade.
quarta-feira, 25 de julho de 2012

"Brasil forjado na ditadura representa Estado de exceção permanente"




Para professores, filósofos e defensores de direitos humanos, o golpe de 64 moldou um país de estruturas autoritárias, que garante direitos apenas para as classes proprietárias e que transformou a exceção em consenso. Em seminário realizado em São Paulo, eles afirmaram que a exceção é o novo modo de governo do capital e que o povo brasileiro vive um momento perigosíssimo de letargia.

* Por Bia Barbosa

SÃO PAULO - Qual a idéia de "Estado de exceção"? Na interpretação tradicional do termo, trata-se de um momento de suspensão temporária de direitos e garantias constitucionais, decretado pelas autoridades em situações de emergência nacional, ou mediante a instituição de regimes autoritários. Seu oposto seria o Estado de Direito, conduzido por um regime democrático. Na avaliação de professores, filósofos e defensores de direitos humanos, no entanto, a existência de um Estado de exceção dentro do Estado de Direito seria exatamente a característica do Brasil atual, forjada no período da ditadura militar e que, mesmo após a redemocratização do país, não se alterou. Esta foi uma das conclusões do seminário sobre a herança da ditadura brasileira nos dias de hoje, organizado pela Kiwi Companhia de Teatro esta semana, em São Paulo.


Para o filósofo Paulo Arantes, professor aposentado do Departamento de Filosofia da USP, há um país que morreu e renasceu de outra maneira depois da ditadura, e que hoje é indiferente ao abismo que se abriu depois do golpe militar e que nunca mais se fechou.

"Que tipo de Estado e sociedade temos depois do corte feito em 64, do limiar sistêmico construído por coisas que parecem normais numa sociedade de classes, mas que não são? O fato da classe dominante brasileira poder se permitir tudo a partir da ditadura militar é algo análogo à explosão de Hiroshima. Depois que a guerra nuclear começa ela não pode mais ser desinventada. Quando, a partir de 64, a elite brasileira branca se permite molhar a mão de sangue, frequentar e financiar uma câmara de tortura, por mais bárbara que tenha sido a história do Brasil, há uma mudança de qualidade neste momento", avalia Arantes.

Para o filósofo, o país foi forjado pela ditadura a ponto de hoje nossa sociedade negligenciar tudo aquilo que foi consenso durante o autoritarismo dos militares. "A ditadura não foi imposta. Ela foi desejada. Leiam os jornais publicados logo após 31 de março de 1964. Todos lançaram manifestos de apoio ao golpe, era algo arrebatador. CNBB, ABI, OAB, todo mundo que hoje é advogado do Estado de Direito apoiou. Se criou um mito de que a sociedade foi vítima de um ato de violência, mas a imensa maioria apoiou o golpe", disse Arantes. "E a ditadura se retirou não porque foi derrotada, mas porque conquistou seus objetivos. A abertura de Geisel foi planejada, já tinha dado certo com o milagre econômico. Tanto que seus ideólogos estão aí, como principais conselheiros econômicos da era Lula-Dilma, e que a ordem militar está toda consolidada na Constituição de 88", criticou.

Na avaliação de Edson Teles, membro da Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos do Brasil e professor de filosofia da Unifesp, a Constituição de 1988 foi apenas uma das formas de lançar o Brasil num Estado de exceção permanente, definido por ele quando a própria norma é usada para suspender a ordem; ou quando aquilo que deveria ser a exceção acaba se tornando ou reafirmando a própria norma.

Para Teles, além de manter a estrutura autoritária militar, o novo ordenamento democrático foi construído sobre o silenciamento dos familiares de vítimas e de movimentos de defesa dos direitos humanos, que queriam justiça para os crimes da ditadura. O problema, no entanto, vinha de antes.

"Em um Congresso controlado pela ditadura, a Lei de Anistia adotou a suspensão da possibilidade de punição de qualquer crime. Um momento ilícito foi tornado lícito, com o silenciamento dos movimentos sociais e pela anistia, que exigiam esclarecimentos sobre os crimes. O que o Estado montou foi algo que manteve a ideia de impunidade. Depois veio o Colégio Eleitoral, que fez uma opção por uma saída negociada entre as oligarquias que saíam e as novas que chegavam, decidindo manter a anista ao crimes da ditadura. Foi o grande acordo do não-esclarecimento", relatou.

O julgamento no Supremo Tribunal Federal em 2010 sobre a interpretação da Lei de Anistia foi, segundo Teles, o coroamento desse silêncio e a instauração de um Estado de exceçãono país. "Baseada em ideias fantasmagóricas de que novos golpes que poderiam ser dados, nossa transição foi a criação de um discurso hegemônico de legitimação deste Estado de exceção. Faz-se este discurso como forma de legitimar essa memória do consenso, mas se mantem o Estado de exceção permanente, reconhecendo as vítimas sem nomear os crimes", acrescentou.

Exceção e consenso hoje
O consenso acerca daquilo que deveria ser visto como exceção não se restringe hoje, no entanto, àquilo que pode ser considerado a herança mais direta da ditadura militar. Foi construído também em torno de uma série de acontecimentos e práticas que deveriam mas não mais despertam reações da população brasileira.

"A exceção se torna perigosíssima quando deixamos de reconhecê-la como tal e ela se torna consenso", alertou o escritor e professor de jornalismo da PUC-SP, José Arbex Jr. "Ninguém achou um escândalo, por exemplo, no lançamento da Comissão da Verdade, ver os últimos Presidentes do país juntos, sendo que um deles foi presidente da Arena, o partido da ditadura, responsável pela tortura da própria Dilma; e o outros era Collor! Da mesma forma, está em curso em Osasco uma operação chamada Comboio da Morte, que matou nas últimas horas 16 pessoas. Isso não causa um escândalo nacional, é normal, natural, porque estamos "na democracia". Os jornais falam da Síria, mas a média de mortes diária no auge do conflito da Síria não chega ao que temos aqui cotidianamente. Lá é 60 aqui é 120! Então não estamos discutindo algo que aconteceu em 64 e que hoje se apresenta de forma mitigada, atenuada", disse Arbex.

Para o jornalista, o país vive um estado de letargia hipnótica coletiva, fabricado de maneira competente e eficiente pelo aparato midiático, que produz um consenso em torno de uma imagem de país na qual todos acabamos acreditando. "É muito grave quando olhamos para o Brasil e não percebemos essa realidade de consenso: de nenhuma garantia de direito para quem esteja fora da Casa Grande, e uma situação de guerra permanente", acrescentou.

É o que Paulo Arantes chamou de Estado oligárquico de Direito, um Estado dual, com uma face garantista patrimonial, que funciona para o topo da pirâmide, e uma face punitivista para a base. "Esse Estado bifurcado é uma das "n" consequências da remodelagem do país a partir dos 21 anos de ditadura. Basta pensar no que acontece todos os dias no país. Trata-se de um outro consenso, também sinistro e indiferente, senão hostil, a tudo que nos reúne aqui. Um Estado de exceção que não é o velho golpe de Estado, mas um novo modo de governo do capital na presente conjuntura mundial, que já dura 30 anos", afirmou Arantes.

Ninguém cavalga a história
O que permitiria dizer da possibilidade de se encontrar uma saída deste Estado de exceção permanente é o caráter imprevisível e incontrolável da história. Arbex lembrou que, em setembro de 1989, quando estava em Berlim, ninguém dizia que o Muro cairia menos de dois meses depois. "O fato é que, felizmente, ninguém cavalga a história. Ainda não encontraram uma maneira de domesticá-la. Há um processo latente de explosão social no Brasil, que se combina com processos semelhantes na América Latina, e que pode produzir uma situação totalmente nova. Ninguém previu a Primavera Árabe. Quando um jovem na Tunísia atirou fogo no próprio corpo, ninguém imaginava que, um mês depois, cairia Mubarak no Egito. Estão, não estamos condenamos para sempre a esta situação. Só posso dizer que estamos vivendo numa época que, em alguns aspectos, é mais trágica, mais cruel e mortífera que a ditadura militar", acredita.

"Este Estado de exceção só terminará quando a ditadura terminar, quando o último algoz for processado e julgado. Se a Comissão da Verdade encontrar dois ou três bons casos e levantar material para ações cíveis, pode haver uma transmutação disso tudo. E o regime, a sociedade e a economia não vão cair se os perpetradores da ditadura forem processados, como não caíram na Argentina ou no Chile", acredita Paulo Arantes. "Mas devemos pensar no que significaria essa última reparação. Se o último torturador e os últimos desaparecidos forem localizados, em que estágio histórico vamos poder entrar?", questionou. Uma pergunta ainda sem resposta.
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Fonte1: Carta Maior
Fontew2:http://almocodashoras.blogspot.com.br/2012/07/brasil-forjado-na-ditadura-representa.html

Teologia da Libertação e Socialismo: ética e espírito a serviço da vida.




* Por Gilvander Luís Moreira[1]



Antonio Julio de Menezes Neto, prof. Dr. da FAE[2]/UFMG me enviou os manuscritos do livro dele A Ética da Teologia da Libertação e o Espírito do Socialismo no MST (Ed. UFMG, Belo Horizonte, 2012). Junto veio um bilhete que dizia: “Gilvander, sabendo que tem muito de você no livro,  convido-lhe para apresentar esse novo livro nosso.” Li os manuscritos com carinho e atenção. E fiz a apresentação que segue, abaixo.


Primeiro, o livro acordou em mim minha história pessoal, pois é um alento a quem sofreu (ou sofre) e muitas vezes não sabe porque sofre. Sou o que sou e faço o que faço, em grande parte, porque nasci em uma família sem-terra. Na minha infância senti o que é pertencer à classe dos camponeses empobrecidos. Comecei a sentir injustiça quando, junto com minha família, ao tocar roça à meia, via o patrão-fazendeiro levar 50% da nossa safra e quase a outra metade também para pagar a dívida que tínhamos acumulado do plantio à colheita. Dentro de mim gritava: “isso não é justo. Deus não quer isso.” O fazendeiro ficar com quase toda nossa produção só porque dizia ser o dono da terra?! O suor derramado era muito para ficar só com um pouquinho da produção.

A indignação diante da injustiça social me levou a entrar para o seminário, querendo ser padre. O curso de filosofia na UFPR[3], com forte cunho marxista, fortaleceu minha vocação. O filósofo Karl Marx me ajudou a compreender porque os pobres sofrem tanto e a descobrir pistas de lutas para superação da pobreza. Aí passei a ser discípulo do camponês Jesus de Nazaré e do intelectual orgânico Karl Marx. O ensinamento e práxis do Galileu aquece meu coração com uma utopia: lutar para construir o reino de Deus a partir dos pobres, aqui e agora. A filosofia de Marx é óculos e colírio que me fazem ver de forma crítica a opressão que recai sobre os pobres na sociedade capitalista. Por coração (paixão), sou cristão; por cabeça (razão), sou marxista. Ideal cristão e marxista: a convivência social deve ser justa e solidária. Ninguém pode ser excluído e nem marginalizado.

Marx disse: “A religião é ópio do povo”. Interpretoses sobre esta afirmação tem distanciado e gerado uma montanha de preconceitos mútuos entre cristãos e socialistas. O livro de Antonio Julio ajuda muito na superação de tais preconceitos. Convem recordar que a afirmação de Marx não tem valor ontológico como se Marx quisesse dizer “toda e qualquer religião, independentemente do seu perfil, é intrinsecamente alienadora.” Marx jamais quis afirmar isso. Ele teve a coragem de denunciar as religiões históricas que andam de braços dados com os poderes opressores.

Antonio Julio, corretamente, pondera: “Marx realiza uma crítica concreta, baseada em estudos acerca de relações sociais e econômicas históricas e, não, uma crítica abstrata da religião.”
Um cozinheiro dos frades carmelitas em Houston, Texas, nos Estados Unidos, me disse, em agosto de 1997: “Sou latino-americano, mas participei da guerra do Vitnã defendendo os Estados Unidos e Deus.” Ele retirou do bolso uma nota de dólar, me mostrou e disse: “está escrito aqui “we trust in God” (“nós acreditamos em Deus”). Lá no Viatnã era a guerra entre o mundo ateu e o mundo crente, a guerra entre Deus e o demônio. Estávamos lá defendendo não apenas os Estados Unidos, mas Deus. Queríamos evitar que os ateus comunistas e o mal tomassem conta do mundo.” Ao ouvir isso, boqueaberto, entendi que ao se declarar teoricamente ateu o “socialismo real” traiu Karl Marx, pois entregou um argumento de ouro aos capitalistas que, ateus na prática, se sentem defensores de Deus na terra, mas na realidade são arautos de um ídolo: o deus capital/mercado. O livro de Antonio Júlio A Ética da Teologia da Libertação e o Espírito do Socialismo no MST que sugiro a leitura ajuda a evitar que massacres em nome de Deus, como a Guerra do Viatnã, se repitam.

O livro pressupõe Ética como uma categoria análoga, que não tem conceito único. Entende ética como um jeito de conviver que encarna a regra de ouro: “Não faça aos outros aquilo que não quer que lhe seja feito” (Mateus 7,12). Quatro pontos, vivenciados pelas CEBs e pelo MST, são imprescindíveis para um agir ético segundo a Teologia da Libertação e o espírito do socialismo: Pensar e agir: a partir do empobrecido, de forma coletiva e participativa, a partir de toda a biodiversidade, superarando assim o antropocentrismo, e a partir de um modelo econômico justo e sustentável ecologicamente.

Karl Marx dizia que “o lugar social determina o lugar epistemológico”, ou seja, nossos olhos, em última instância, não estão no nosso rosto, mas nos nossos pés. Pensar e agir a partir do empobrecido – pobre, mulher, negro, indígena, criança, idoso, deficiente físico e/ou mental, homossexual, governado, divorciada, mãe Terra, irmã água, biodiversidade, outra religião/igreja etc - do enfraquecido, do pequeno -  é encarnar a regra de ouro.

O livro recorda Paulo Freire, Francisco Julião, Mariátegui, padre Camilo Torres e tantos outros que entenderam a íntima relação que há entre Cristianismo e Socialismo, como Rosa Luxemburgo, que, ao analisar a religião dos primeiros cristãos, conclui: “na prática os primeiros apóstolos cristãos eram fervorosos “comunistas”.”

As entrevistas realizadas para o livro de Antonio Julio revelam a complexidade das relações entre cristianismo e socialismo. Demonstram também que ainda persistem preconceitos de ambos os lados: tanto entre militantes socialistas do MST quanto entre cristãos com sensibilidade social. Se tivesse sido entrevistado camponesas/ses da base do MST é provável que seria verificada uma insidência maior da fé cristã, segundo a Teologia da Libertação, como motivadora de engajamento nas lutas propostas pelo MST. Intuo que entre os militantes do MST predomina o espírito socialista, mas entre as camponesas/es da base do MST ainda predomina a fé cristã e uma ética inspirada na Bíblia, interpretada de um jeito popular, militante e transformador.

Arrisco dizer que se as necessidades materiais são o que dá mais liga para a coesão entre os Sem Terra em uma ocupação até a conquista da terra, o cultivo dos valores de uma fé libertadora, segundo a Teologia da Libertação, têm mais fôlego para sustentar a perseverança em um projeto socialista. Motivações filosóficas e sociológicas na linha do marxismo são imprescindíveis, mas insuficientes. Ainda em 1968, um comunista disse “no Brasil e na América Latina, com um povo eminentemente religioso é impossível fazer revolução socialista sem a Bíblia.” Acrescento, hoje: sem uma fé libertadora no Deus da vida, que combina a fina flor da filosofia de Marx com a fina flor de uma Teologia da Libertação atualizada.

De fato, a fé, em si mesma, é algo ambíguo, pode libertar ou oprimir. No fundo não basta ter fé. Depende que tipo de fé se cultiva. A questão central não é ter ou não ter fé, mas que tipo de fé ter? Importa incorporar uma fé libertadora como instrumento que pode levar à conscientização do valor da vida, a não submissão às condições de opressão. Trata-se de ter a fé de Jesus de Nazaré e não apenas ter fé em Jesus.

Em seis capítulos bem encadeados, partindo da fé cristã, no livro está uma retrospectiva da Teologia da Libertação e dos principais traços do socialismo. Passa pelo nascimento e atuação da Comissao Pastoral da Terra, até desaguar na criação e evolução do MST, com uma bibliografia invejável, Antonio Julio reflete com destreza, em uma linguagem acessível, as relações existentes entre ética da Teologia da Libertaçao e espírito do socialismo no MST.

Enfim, trata-se de um livro que demonstra como uma fé libertadora, segundo a Teologia da Libertação, pode impulsionar lutas sociais transformadoras que necessariamente deve levar à superação do capitalismo e à construção de um socialismo segundo Marx e as especificidades históricas nossas. A quem tiver acesso ao livro, boa leitura.

Belo Horizonte, MG, Brasil, 23 de julho de 2012.

 
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[1] Frei e padre Carmelita, mestre em Exegese Bíblica, professor de Teologia Bíblica, assessor da CPT, CEBs, CEBI, SAB e Via Campesina; e-mail:
gilvander@igrejadocarmo.com.br - www.gilvander.org.br – facebook: Gilvander Moreira 
[2] Faculdade de Educação da UFMG.
[3] Universidade Federal do Paraná.
Fonte1:http://www.gilvander.org.br/artigos/194-teologia-da-libertacao-e-socialismo-etica-e-espirito-a-servico-da-vida
Fonte2:
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/511778-teologia-da-libertacao-e-socialismo-etica-e-espirito-a-servico-da-vida#.UBAHfHNDXRk.facebook  

Teologia da Libertação e Socialismo: ética e espírito a serviço da vida


"O ensinamento e práxis do Galileu aquece meu coração com uma utopia: lutar para construir o reino de Deus a partir dos pobres, aqui e agora. A filosofia de Marx é óculos e colírio que me fazem ver de forma crítica a opressão que recai sobre os pobres na sociedade capitalista. Por coração (paixão), sou cristão; por cabeça (razão), sou marxista. Ideal cristão e marxista: a convivência social deve ser justa e solidária. Ninguém pode ser excluído e nem marginalizado", escreve Frei Gilvander Luís Moreira, padre da Ordem dos Carmelitas, mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblica, de Roma, Itália; é professor de Teologia Bíblica; assessor da Comissão Pastoral da Terra – CPT -, assessor do Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos – CEBI -, assessor do Serviço de Animação Bíblica - SAB - e da Via Campesina em Minas Gerais, 23-07-2012.
Eis o artigo.
Antonio Julio de Menezes Neto, prof. Dr. da FAE/UFMG me enviou os manuscritos do livro dele A Ética da Teologia da Libertação e o Espírito do Socialismo no MST (Ed. UFMG, Belo Horizonte, 2012). Junto veio um bilhete que dizia: “Gilvander, sabendo que tem muito de você no livro, convido-lhe para apresentar esse novo livro nosso.” Li os manuscritos com carinho e atenção. E fiz a apresentação que segue, abaixo.

Primeiro, o livro acordou em mim minha história pessoal, pois é um alento a quem sofreu (ou sofre) e muitas vezes não sabe porque sofre. Sou o que sou e faço o que faço, em grande parte, porque nasci em uma família sem-terra. Na minha infância senti o que é pertencer à classe dos camponeses empobrecidos. Comecei a sentir injustiça quando, junto com minha família, ao tocar roça à meia, via o patrão-fazendeiro levar 50% da nossa safra e quase a outra metade também para pagar a dívida que tínhamos acumulado do plantio à colheita. Dentro de mim gritava: “isso não é justo. Deus não quer isso.” O fazendeiro ficar com quase toda nossa produção só porque dizia ser o dono da terra?! O suor derramado era muito para ficar só com um pouquinho da produção.

A indignação diante da injustiça social me levou a entrar para o seminário, querendo ser padre. O curso de filosofia na UFPR, com forte cunho marxista, fortaleceu minha vocação. O filósofo Karl Marx me ajudou a compreender porque os pobres sofrem tanto e a descobrir pistas de lutas para superação da pobreza. Aí passei a ser discípulo do camponês Jesus de Nazaré e do intelectual orgânico Karl Marx. O ensinamento e práxis do Galileu aquece meu coração com uma utopia: lutar para construir o reino de Deus a partir dos pobres, aqui e agora. A filosofia de Marx é óculos e colírio que me fazem ver de forma crítica a opressão que recai sobre os pobres na sociedade capitalista. Por coração (paixão), sou cristão; por cabeça (razão), sou marxista. Ideal cristão e marxista: a convivência social deve ser justa e solidária. Ninguém pode ser excluído e nem marginalizado.

Marx disse: “A religião é ópio do povo”. Interpretoses sobre esta afirmação tem distanciado e gerado uma montanha de preconceitos mútuos entre cristãos e socialistas. O livro de Antonio Julio ajuda muito na superação de tais preconceitos. Convém recordar que a afirmação de Marx não tem valor ontológico como se Marx quisesse dizer “toda e qualquer religião, independentemente do seu perfil, é intrinsecamente alienadora.” Marx jamais quis afirmar isso. Ele teve a coragem de denunciar as religiões históricas que andam de braços dados com os poderes opressores.

Antonio Julio, corretamente, pondera: “Marx realiza uma crítica concreta, baseada em estudos acerca de relações sociais e econômicas históricas e, não, uma crítica abstrata da religião.”

Um cozinheiro dos frades carmelitas em Houston, Texas, nos Estados Unidos, me disse, em agosto de 1997: “Sou latino-americano, mas participei da guerra do Vietnã defendendo os Estados Unidos e Deus.” Ele retirou do bolso uma nota de dólar, me mostrou e disse: “está escrito aqui “we trust in God” (“nós acreditamos em Deus”). Lá no Vietnã era a guerra entre o mundo ateu e o mundo crente, a guerra entre Deus e o demônio. Estávamos lá defendendo não apenas os Estados Unidos, mas Deus. Queríamos evitar que os ateus comunistas e o mal tomassem conta do mundo.” Ao ouvir isso, boqueaberto, entendi que ao se declarar teoricamente ateu, o “socialismo real” traiu Karl Marx, pois entregou um argumento de ouro aos capitalistas que, ateus na prática, se sentem defensores de Deus na terra, mas na realidade são arautos de um ídolo: o deus capital/mercado. O livro de Antonio Júlio A Ética da Teologia da Libertação e o Espírito do Socialismo no MST que sugiro a leitura ajuda a evitar que massacres em nome de Deus, como a Guerra do Viatnã, se repitam.

O livro pressupõe Ética como uma categoria análoga, que não tem conceito único. Entende ética como um jeito de conviver que encarna a regra de ouro: “Não faça aos outros aquilo que não quer que lhe seja feito” (Mateus 7,12). Quatro pontos, vivenciados pelas CEBs e pelo MST, são imprescindíveis para um agir ético segundo a Teologia da Libertação e o espírito do socialismo: Pensar e agir: a partir do empobrecido, de forma coletiva e participativa, a partir de toda a biodiversidade, superarando assim o antropocentrismo, e a partir de um modelo econômico justo e sustentável ecologicamente.

Karl Marx dizia que “o lugar social determina o lugar epistemológico”, ou seja, nossos olhos, em última instância, não estão no nosso rosto, mas nos nossos pés. Pensar e agir a partir do empobrecido – pobre, mulher, negro, indígena, criança, idoso, deficiente físico e/ou mental, homossexual, governado, divorciada, mãe Terra, irmã água, biodiversidade, outra religião/igreja etc - do enfraquecido, do pequeno - é encarnar a regra de ouro.

O livro recorda Paulo Freire, Francisco Julião, Mariátegui, padre Camilo Torres e tantos outros que entenderam a íntima relação que há entre Cristianismo e Socialismo, como Rosa Luxemburgo, que, ao analisar a religião dos primeiros cristãos, conclui: “na prática os primeiros apóstolos cristãos eram fervorosos “comunistas”.”

As entrevistas realizadas para o livro de Antonio Julio revelam a complexidade das relações entre cristianismo e socialismo. Demonstram também que ainda persistem preconceitos de ambos os lados: tanto entre militantes socialistas do MST quanto entre cristãos com sensibilidade social. Se tivesse sido entrevistado camponesas/ses da base do MST é provável que seria verificada uma insidência maior da fé cristã, segundo a Teologia da Libertação, como motivadora de engajamento nas lutas propostas pelo MST. Intuo que entre os militantes do MST predomina o espírito socialista, mas entre as camponesas/es da base do MST ainda predomina a fé cristã e uma ética inspirada na Bíblia, interpretada de um jeito popular, militante e transformador.

Arrisco dizer que se as necessidades materiais são o que dá mais liga para a coesão entre os Sem Terra em uma ocupação até a conquista da terra, o cultivo dos valores de uma fé libertadora, segundo a Teologia da Libertação, têm mais fôlego para sustentar a perseverança em um projeto socialista.

Motivações filosóficas e sociológicas na linha do marxismo são imprescindíveis, mas insuficientes. Ainda em 1968, um comunista disse “no Brasil e na América Latina, com um povo eminentemente religioso é impossível fazer revolução socialista sem a Bíblia.” Acrescento, hoje: sem uma fé libertadora no Deus da vida, que combina a fina flor da filosofia de Marx com a fina flor de uma Teologia da Libertação atualizada.

De fato, a fé, em si mesma, é algo ambíguo, pode libertar ou oprimir. No fundo não basta ter fé. Depende que tipo de fé se cultiva. A questão central não é ter ou não ter fé, mas que tipo de fé ter? Importa incorporar uma fé libertadora como instrumento que pode levar à conscientização do valor da vida, a não submissão às condições de opressão. Trata-se de ter a fé de Jesus de Nazaré e não apenas ter fé em Jesus.

Em seis capítulos bem encadeados, partindo da fé cristã, no livro está uma retrospectiva da Teologia da Libertação e dos principais traços do socialismo. Passa pelo nascimento e atuação da Comissao Pastoral da Terra, até desaguar na criação e evolução do MST, com uma bibliografia invejável, Antonio Julio reflete com destreza, em uma linguagem acessível, as relações existentes entre ética da Teologia da Libertaçao e espírito do socialismo no MST.

Enfim, trata-se de um livro que demonstra como uma fé libertadora, segundo a Teologia da Libertação, pode impulsionar lutas sociais transformadoras que necessariamente deve levar à superação do capitalismo e à construção de um socialismo segundo Marx e as especificidades históricas nossas. A quem tiver acesso ao livro, boa leitura.
segunda-feira, 23 de julho de 2012

O "mensalão" como operação de marketing e como golpe branco fracassado!


* Por Emir Sader
 
Mais além dos fatos concretos, a operação de marketing do “mensalão” merece fazer parte dos manuais de marketing politico. Nunca na história brasileira uma criação dessa ordem foi capaz de projetar e consolidar imagens na cabeça das pessoas, que as impedem de entender o fenômeno e avaliá-lo na sua realidade concreta, porque sua imaginação, seus instintos, já estão vacinados e conquistados pelas imagens projetadas pela campanha.



Uma jornalista da empresa da “ditabranda” entrevistou um dia a um parlamentar, presidente de um dos partidos da base aliada do governo, que teve uma das pessoas indicadas pelo partido para um cargo governamental, pego em flagrante , filmado, com som, em operação de suborno. O partido que o indicou – PTB – considerou que nao recebeu o apoio devido por parte do governo e seu presidente resolveu ligar o ventilador.

Disse que o governo pagava um “mensalão” a uma porção de gente. O jornal imediat amente cunhou a expressão e deu inicio àquele tipo de campanha cuja reiteração, por todos os órgãos da mídia privada, transformou a insinuação numa verdade supostamente incontestável.

O que ficou na imaginação das pessoas era literalmente que indivíduos chegavam no Palácio do Planalto com malas vazias, entravam numa sala contigua à do Lula, enchiam de dólares e saiam, mensalmente. A operação de marketing tornou-se um caso de manual de marketing, pelo seu sucesso. A partir a insinuação de um politico sem nenhuma respeitabilidade, se dava inicio à campanha, em que a oposição – liderada pela mídia privada – considerava que terminaria com o governo Lula.

Tudo foi se dando como bola de neve. O próprio jornal da família que emprestou carros para órgãos repressivos da ditadura cunhou o selo “mensalão”, com o qual cobria todas as atividades políticas nacionais. Até a eleição interna do PT foi incluída nessa rubrica.

Condenou-se moral e politicamente a dirigentes e políticos ligados ao governo, com o objetivo de ferir de morte o governo Lula, como repetição muito similar à crise de 1954, que terminou com o suicídio de Getúlio. Dois então membros da equipe do Lula chegaram – conforme entrevista posterior de Gilberto Carvalho – a ir ao Lula, levando a proposta opositora: todas as acusações seriam retiradas, inclusive o suposto impeachment, contanto que Lula renunciasse a se candidatar à reeleição.

Tinham receio de propor impeachment, pelas repercussões populares que poderia ter, então preferiam usá-lo como ameaça. O tiro saiu pela culatra. Lula reagiu dizendo que sairia às ruas para defender seu mandato, convocava os movimentos populares a reagir à tentativa de golpe branco.

A oposição, depois da cassação do Zé Dirceu, jogava, partindo do que considerava evidências contra o governo, com a vulnerabilidade do governo, alegando que Lul a sabia dos fatos. Não foi o que aconteceu. Conseguiram várias cassações, conseguiram diminuir o apoio do Lula mas, principalmente, deram a pauta política do país.

O caso permitia desqualificar o Estado, o governo Lula, o PT. O Estado, por definição, para a direita, é corrupto ou corruptível. O governo Lula, o PT e os sindicatos teriam “tomado de assalto ao Estado” e imposto seus interesses particulares. O diagnóstico foi retirado diretamente do arsenal neoliberal.

Os governos de esquerda no Brasil – Getúlio, Jango, Lula – não terminariam seus mandatos. Fracassado o governo Lula, se cumpriria o prognóstico de um ministro da ditadura: “Um dia o PT vai ter que ganhar, vai fracassar, aí vamos poder dirigir o país com tranquilidade”.

Sob a forma do impeachment ou da renúncia de Lula a disputar um segundo mandato ou, ainda, com sua eventual derrota, asfixiado pela oposição – que já havia dito que sangraria o gover no, até derrotá-lo nas eleições de 2006 -, se daria um golpe branco e a esquerda estaria desmoralizada e derrotada por um longo período.

Mas não contavam com a capacidade de reação de Lula e com os efeitos das políticas sociais, já em marcha. O povo, com a consciência de que era o seu governo e que sua eventual derrubada faria com que ele, povo, pagasse o preço mais alto da operação da direita, reagiu. A oposição foi pega de supresa pelas reações, que levaram à derrota da tentativa de derrubar o governo. Mais do que isso, levaram à derrota do candidato da oposição – o duro e puro neoliberal Alckmin –, porque a oposição também foi vitima da sua própria campanha.

Como esbravejava o Otavinho, na primeira reunião do comitê de direção da sua empresa: - Onde é que nós erramos?

Erraram porque acreditaram que eram onipotentes. Afinal foi a mídia golpista que levou o Getúlio ao suicídio, que promoveu o golpe mili tar que derrubou o Jango e que, acreditavam, levaria o governo Lula à derrota e a esquerda à desmoralização.

Foram derrotados em 2006, em 2010 e tem todas as possibilidades de serem derrotados de novo em 2014. Mais do que isso, tiveram que reconhecer que o prestígio do governo vem de suas politicas sociais, que transformaram democraticamente o Brasil. Que seu poder de fogo como cabeça da oposição é decrescente, que entraram em decadência irreversível.

Agora, sete anos depois, tentam ainda explorar o sucesso de marketing, espremendo tudo o que podem, raspando o tacho da panela, buscando voltar a pautar o país em torno do seu sucesso de marketing. Não se dão conta que o país mudou, que desde então perderam duas eleições presidenciais, que o Estado brasileiro reconquistou legitimidade por suas políticas sociais e pela sua ação de resistência à crise internacional? Que as mídias alternativas ganharam um poder de esclarecimento da op inião publica, que não tinham naquele momento?
Mas não lhes restam outras armas, senão a de explorar o embolorado tema do “mensalão”, para recordar como já foram bem mais poderosos no passado. Seus outros argumento naufragaram: o Estado mostra eficiência na condução do país, o livre mercado levou o capitalismo internacional à sua pior crise em 80 anos, o povo reconhece que melhorou suas condições de vida, apoia e vota no governo, as alianças internacional da política soberana do Brasil projetam o país no plano internacional como nunca antes, ao mesmo tempo que se mostram muito mais eficazes do que o Tratado de Livre Comércio e a Alca que a direita pregava.

Em suma, a história avançou desde 2005 e na direção da derrota da oposição, da criação de uma nova maioria politica no pais. A permanência do monopólio antidemocrático dos meios de comunicação é a arma principal de que a direita dispõe e está disposta a usá-la at é o fim, na sua derradeira encenação: o julgamento do “mensalão”.

Mas a história e a vida não se fazem com marketing. Nem mesmo mais vender os produtos da sua mídia mercantil eles conseguem. Lula os derrotou, demonstrando que se pode – e se deve – governar o país sem almoçar e jantar com os donos da mídia. Porque Lula não teve medo da mídia, condição –nas suas palavras – para que haja democracia no Brasil.

A primeira vez a encenação teve ares de tragédia – não consumada pela oposição. Esta segunda tem ares de farsa.
Eles passarão, nós passarinhos.
 

Link:http://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=1&post_id=1035

A história estende-se: não há muito a dizer, mas a mostrar.


* Por Joilson Bergher
 
Estende-se o clima de dor, de perda. Evidencia uma desconstrução. De histórias palatáveis, o cineasta entrega-se às imagens – extensas colagens, planos seqüências intermináveis. Belas, em sua maior parte, essas imagens enchem os olhos. Cada vez mais, no entanto, parecem despregadas de uma história do próprio homem. E, nesse ponto, pensar em uma desconstrução faz sentido. A necessidade de se firmar um autor recluso, de fazer o que bem quiser – e, nesse ponto, encontra em Jean-Luc Godard um equivalente –, fez dele um enigma. Entender as fraquezas e fraturas expostas.


O homem está repleto delas. Agora penso. Digamos: todas as figuras quadros, fotos, cervelas, urso de lã, bonecas pretas e brancas, provas para corrigir, um beijo ardente, a fogueira de São João, uma pessoa internada em qualquer parte do país, um livro que leio ou você que lê, uma música qualquer, uma mensagem de sms, um acesso em algum blog, a política em si, uma viagem...É como o famoso mito daquele que escreve e que tem pânico, medo, diante da página em branco ou estão relacionadas à fronteira, ou estão mais ligadas à porosidade da fronteira e não à sua impermeabilidade.

Que ideal? Que realidade? Mas será que de fato, há a tal página em branco? O pânico é, justamente, a sua não existência. Se existisse a tal página em branco, aí sim, não haveria pânico. Se há pânico, é porque a página já está escrita. É uma hipótese, apenas ou não? E o massacre? O atirador de Aurora, na periferia de Denver no Estado do Colorado? Que sentido teria o vazio? Não é um dado do qual se parte: é sempre algo ao qual se chega, se quer. Batman, James Holmes, o assassino em potencial ou o Curinga? Quem seria no melhor dos casos, o artista? Qual o mais rigoroso ou o mais obstinado?. Gosto da idéia de vazio. O vejo como lugar onde se pode chegar, não o lugar de onde se parte. “O vazio não teme o vazio. O vazio se enche de tudo e não se enche de nada. O nada se enche de nada. Ou será o tudo, o cheio que se expande de tal forma que se arrebenta e explode no buraco negro? Das mil mortes, dos mil nascimentos. Encarnações, renascimentos, ressurgimentos? Restaura-se o ar no vento e o seu sopro diz "Nunca mais?".(Monja Coen). Sera que ainda há mais lugar vazio ou ilusões.?
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* Joilson Bergher, professor de história na Bahia, Pesquisador Independente sobre o Negro no Brasil, Estudante de Filosofia / UESB.
sábado, 21 de julho de 2012

O Estado e as contradições sistêmicas




* Post Rubens Mascarenhas


"O Estado não pode eliminar a contradição entre a função e a boa vontade da administração, de um lado, e os seus meios e possibilidades, de outro, sem eliminar a si mesmo, uma vez que repousa sobre essa contradição. Ele repousa sobre a contradição entre vida privada e pública, sobre a contradição entre os interesses gerais e os interesses particulares. Por isso, a administração deve limitar-se a uma atividade formal e negativa, uma vez que exatamente lá onde começa a vida civil e o seu trabalho, cessa o seu poder. Mais ainda, frente à consequências que brotam da natureza a-social desta vida civil, dessa propriedade privada, desse comércio, dessa indústria, dessa rapina recíproca das diferentes esferas civis, frente a estas consequências, a impotência é a lei natural da administração. 


Com efeito, esta dilaceração, esta infâmia, esta escravidão da sociedade civil, é o fundamento natural onde se apoia o Estado moderno, assim como a sociedade civil da escravidão era o fundamento no qual se apoiava o Estado antigo. A existência do Estado e a existência da escravidão são inseparáveis. O Estado antigo e a escravidão antiga - fracas antíteses clássicas - não estavam fundidos entre si mais estreitamente do que o Estado moderno e o moderno mundo de traficantes, hipócritas antíteses cristãs. Se o Estado moderno quisesse acabar com a impotência da sua administração, teria que acabar com a atual vida privada. Se ele quisesse eliminar a vida privada, deveria eliminar a si mesmo, uma vez que ele só existe como antítese dela. Mas nenhum ser vivo acredita que os defeitos de sua existência tenham a sua raiz no princípio da sua vida, na essência da sua vida, mas, ao contrário, em circunstâncias externas à sua vida. O suicídio é contra a natureza. Por isso, o Estado não pode acreditar na impotência interior da sua administração, isto é, de si mesmo. 

Ele pode descobrir apenas defeitos formais, casuais, da mesma, e tentar remediá-los. Se tais modificações são infrutíferas, então o mal social é uma imperfeição natural, independente do homem, uma lei de Deus, ou então a vontade dos indivíduos particulares é por demais corrupta para corresponder aos bons objetivos da administração. E quem são esses pervertidos indivíduos particulares? São os que murmuram contra o governo sempre que ele limita a liberdade e pretendem que o governo impeça as consequências necessárias dessa liberdade".

"Quanto mais poderoso é o Estado e, portanto, quanto mais político é um país, tanto menos está disposto a procurar no princípio do Estado, portanto no atual ordenamento da sociedade, do qual o Estado é a expressão ativa, autoconsciente e oficial, o fundamento dos males sociais e a compreender-lhes o princípio geral. O intelecto político é político exatamente na medida em que pensa dentro dos limites da política. Quanto mais agudo ele é, quanto mais vivo, tanto menos é capaz de compreender os males sociais. O período clássico do intelecto político é a Revolução francesa. Bem longe de descobrir no princípio do Estado a fonte dos males sociais, os heróis da Revolução Francesa descobriram antes nos males sociais a fonte das más condições políticas. Deste modo, Robespierre vê na grande miséria vê na grande miséria e na grande riqueza um obstáculo à democracia pura. Por isso, ele quer estabelecer uma frugalidade espartana geral. O princípio da política é a vontade. Quanto mais unilateral, isto é, quanto mais perfeito é o intelecto político, tanto mais ele crê na onipotência da vontade e tanto mais é cego frente aos limites naturais e espirituais da vontade e, consequentemente, tanto mais é incapaz de descobrir a fonte dos males sociais. Não é preciso argumentar mais contra a insensata esperança do "prussiano", segundo a qual o "intelecto político" é chamado a descobrir as raízes da miséria social na Alemanha".
Karl Marx
Glosas Críticas ao Artigo
1844

quinta-feira, 19 de julho de 2012

O Coletivo: Taberna dos Revolucionários



"É preciso sonhar, mas com a condição de crer em nosso sonho, de observar com atenção a vida real, de confrontar a observação com nosso sonho, de realizar escrupulosamente nossas fantasias. Sonhos, acredite neles." Vladimir Ilitch Lenin

* Por O Coletivo

O Professor João Paulo é conquistense, militante do Partido dos Trabalhadores desde 1995 como filiado e simpatizante desde 1982. Atualmente faz parte do coletivo Taberna dos Revolucionário e  é Professor de História da rede pública estadual de educação, com especialização em Gestão Educacional.
O Professor João Paulo iniciou sua militância política no (Movimento de Jovens da Paróquia Nossa Senhora das Vitórias) MOVENS, em 1986, atuando como dirigente de grupos e depois como Coordenador do movimento. Foi convidado a assumir a Coordenação Regional da Pastoral da Juventude, sendo também indicado para Coordenação do Nordeste III, da PJ.


O Professor João Paulo, no movimento estudantil, começou sua minha militância, ainda secundarista, na Escola Normal, sendo convidado a compor a Chapa “Independência” para o cargo de Coordenador de Cultura e Esporte para disputa do Grêmio “Coração de Estudante”, do IEED. Já no Colégio Diocesano passou a organizar eventos lúdicos e participar de atividades esportivas.  

O Professor João Paulo, como estudante do ensino superior, na UESB, participou do “Coletivo”, organização política que se articulava em torno das forças de esquerda, inclusive setores mais avançados do PT, no Movimento Estudantil Universitário. Após ganhar as eleições para o Centro Acadêmico de História, assumiu a Coordenação de Cultura e Esporte desenvolvendo várias atividades políticas e de entretenimento.

O Professor João Paulo foi um dos formuladores da concepção teórica do agrupamento interno do PT, à esquerda, a Ética Socialista. Coordenou vários processos de disputas internas das quais a tendência Ética Socialista disputou várias eleições para direção do PT, sendo um dos responsáveis pela elaboração das Teses. Organizou e coordenou a candidatura do Professor Carlos Alberto (Cacá) á vereador nas eleições de 1996 e participou ativamente da campanha do Dudu (PT) a vereador, em 2004.

O Professor João Paulo tomou parte, ativamente, das mobilizações em defesa da ocupação da Fazenda Santa Marta e Mucambo, contra a grilagem. Promoveu atividades políticas de conscientização da sociedade e de mobilização dos movimentos sociais em defesa da Reforma Agrária em Vitória da Conquista.
O Professor João Paulo fez parte da comissão responsável pelas discussões políticas eleitorais na primeira campanha do Partido dos Trabalhadores à Presidência da República.

O Professor João Paulo, na docência, iniciada em 1997, no Colégio Estadual Artur Seixas, desenvolveu além do exercício da docência, trabalho social de organização e conscientização dos estudantes e colegas a partir da cultura e dos esportes. Adotou a mesma linha de trabalho como metodologia pedagógica no Centro Educacional Renato Viana (CERV), no município de Anagé (Bahia) e no Colégio Estadual Dr. Orlando Leite, em Vitória da Conquista em 2003, quando assumiu efetivamente por concurso a cadeira do magistério da Rede Pública Estadual de Ensino.

O Professor João Paulo foi indicado por colegas da docência e validado pela Direc 20 ao cargo de diretor do Colégio Estadual Dr. Orlando Leite em 2006, foi eleito pelo voto direto a direção do colégio novamente, com 67% dos votos válidos.

O Professor João Paulo faz parte de um Coletivo que ao analisar a conjuntura política, considera que houve avanços importantes e aprimoramento dos mecanismos de participação coletiva, obtidos nestes 16 anos de governo. No que pese saber destas conquistas, O Coletivo definiu que era necessário intervir no processo eleitoral com uma candidatura capaz de fazer o debate ideológico de forma diferenciada, a partir da intervenção dos movimentos sociais, com um conteúdo à esquerda.

O Coletivo compreende que o PT tem uma história de luta fundamentada numa práxis política de transformação da sociedade e ao apresentar o nome do O Professor João Paulo à sociedade, o faz com certeza de manter o mesmo compromisso na Câmara de Vereadores, propondo as mudanças necessárias ao legislativo para permitir o aprofundamento iniciadas pelo Governo Participativo. 

O Coletivo é socialista e continua defendendo mudanças nas estruturas da sociedade no curso do desenvolvimento econômico, histórico e social. Ainda vivemos sob a égide do capitalismo.

O Coletivo defende o nome do companheiro Guilherme Menezes, compreendendo que este Companheiro tem a responsabilidade de compor um governo de feição progressista capaz de ampliar as conquistas para a sociedade, fortalecer os trabalhadores, negros, mulheres, artistas, LGBTs e suas organizações sociais.  

O Coletivo compreende também que apesar de ser um governo de coalizões com forças locais feição adesista, subordinadas ética e moral, resultante da construção histórica de partidos políticos que deram origem ao governo participativo, ressalta quanto suas práxis política oriundas da histórica direita conquistense, pois, tais praticas não contribuem para o fortalecimento dos movimentos sociais, ampliação das ações do Estado democrático e manutenção do projeto capitaneado pelo Partido dos Trabalhadores.

"É preciso sonhar, mas com a condição de crer em nosso sonho, de observar com atenção a vida real, de confrontar a observação com nosso sonho, de realizar escrupulosamente nossas fantasias. Sonhos, acredite neles." Vladimir Ilitch Lenin

D. Waldyr Calheiros: luta armada contra ditadura foi legítima

Foto: Bispo rebelde de Volta Redonda conta como
 empresários e clero apoiaram golpe-64 e
 relembra resistência operária no Vale do Paraíba


* Por Ana Helena Tavares


Quem anda pela cidade de Volta Redonda, no Vale do Paraíba, sul do Estado do Rio de Janeiro, fatalmente passará pela ponte Presidente Médici. Cruzá-la indo para a casa de um bispo que lutou contra a ditadura é, no mínimo, uma experiência inusitada, que mostra o quanto o Brasil ainda precisa avançar no esclarecimento de sua história.

Dom Waldyr Calheiros Novaes, bispo emérito de Volta Redonda e Barra do Piraí, abriu as portas de sua casa para conceder entrevista exclusiva ao “Quem tem medo da democracia?“ e se mostrou surpreso com o nome da ponte: “Vou tirar essa placa de lá”, disse rindo, mas expressando um desejo sério. “Médici foi o mais criminoso dos ditadores brasileiros”, completou.


Atraso para o Brasil
Ele acredita que, com o golpe de 64, “houve atraso para o desenvolvimento do país”. E prossegue: “Dali não poderia sair nenhum futuro, aquilo não poderia dar em nada. Os líderes trancados, proibidos de falar… Quem é que ia tomar iniciativas?”

A intervenção sindical em Volta Redonda
“Aqui, em Volta Redonda, o problema foi que interferiram diretamente no sindicato (dos metalúrgicos da CSN). Tiraram todos aqueles que eram independentes da ditadura e colocaram, dentro do sindicato, os seus assessores de confiança, afastando os outros. Ainda hoje tem gente aí que foi afastada naquela época. Hoje o sindicato não é mais o mesmo, porque a luta é contra a empresa, não contra a ditadura”
Em 1988, durante o governo Sarney, os operários da CSN (Companhia Siderúrgica Nacional) entraram em greve. Em 9 de Novembro daquele ano, o Exército invadiu a fábrica deixando três mortos. Oscar Niemeyer fez um memorial para homenageá-los. Memorial este que foi atacado a bomba em 89. No mesmo ano, um dos líderes da greve, Juarez Antunes, que havia sido recém eleito prefeito de Volta Redonda, foi morto num suposto acidente de carro. Dom Waldyr acompanhou toda essa história e até hoje acredita que foi atentado.


O banqueiro e as tropas
Falando sobre a influência do capital financeiro na sustentação da ditadura, Dom Waldyr lembrou que um banqueiro mineiro mobilizou tropas de Juiz de Fora para ajudar no golpe. “Vieram para o Rio de Janeiro e no meio do caminho houve uma negociação. Um dos coronéis era meu conhecido, general Cesar Neves, e ele me contou como foi aquilo tudo.”

O poder econômico “dominou, animou e impulsionou”
“Quer dizer, houve iniciativa de empresários. Não há dúvida nenhuma, porque os militares sozinhos, por serem militares, não tinham interesse pessoal em torno disso, tinham que ter o poder econômico por trás. Era o econômico que estava dominando, animando e impulsionando”.

Omissão da mídia
Para o bispo, “a mídia se manteve ausente diante da extravagância da ditadura. Foi omissa, porque tinha interesses econômicos. Nossa democracia não deve nada a eles, a não ser a um ou outro, como o Pasquim.” Mesmo sabendo que havia censura por parte do governo, ele acredita que “os grandes meios de comunicação, se quisessem, poderiam divulgar informações sem assumi-las como posição própria.”
“Porque o problema é que, muitas vezes, havia jornalistas com coragem, dispostos a assinar notícias denunciando o que estava acontecendo, mas os próprios donos não permitiam a veiculação. Para eles, aquilo era comum. Havia todo um comprometimento. O Roberto Marinho de braços dados com Figueiredo não me deixa mentir.”, ironiza Dom Waldyr.

O apoio da Igreja Católica ao golpe
Quando “estourou” o golpe, que Dom Waldyr garante ter sido em 1º de Abril de 1964, ele era bispo auxiliar do Rio de Janeiro. “Naquela ocasião, o cardeal Dom Jaime de Barros Câmara e Dom Hélder Câmara, que era o secretário da CNBB, pediram uma audiência ao general de plantão (Castelo Branco). Eles se encontraram em Laranjeiras, numa casa pertencente ao governo, junto com mais uns cinco bispos, dentre eles Dom Sigaud, que era da oposição à renovação da Igreja. Hélder ali falou claramente que apoiava as decisões do poder militar e que a Igreja não se ausentava daquela situação, mas não tomou a iniciativa nem estimulou.”, contou Dom Waldyr.

A reação da Igreja
“No entanto, quando, no mesmo ano, começaram as torturas, que chegaram dentro de casa, houve uma perseguição a muitos membros da Igreja que lutaram contra a ditadura. Aí, houve outra reunião. Foi para desfazer o contentamento da Igreja com o golpe.” A Igreja, depois que viu que seus membros não foram livrados das prisões e das torturas, começou a mudar sua postura.”
“Naquela época, havia muitos movimentos sindicais, que faziam passeatas. Naturalmente, aquilo, para a Igreja, era um pouco de desordem. Mas já era uma reação dos operários à ditadura que foi estabelecida. Eles é que reagiram num primeiro momento. A Igreja, depois que viu que seus membros não foram livrados das prisões e das torturas, começou a mudar sua postura.”

O Cardeal que mudou de lado
“Dentro da Igreja, um dos defensores do golpe era o Cardeal-Arcebispo do Rio de Janeiro, Dom Jaime de Barros Câmara. Ele, por sua vez, teve um de seus sobrinhos atingido pela ditadura. Foi na Bahia. Colocaram-no no 5º andar de um prédio e começaram a maltratá-lo. Ele, então, pulou para se livrar daquilo. Suicidou-se. Esse suicídio desse menino serviu para Dom Jaime refletir e rever sua posição. Ele afastou toda possibilidade de dar apoio à ditadura”.

A morte do representante do papa
Dom Waldyr relatou que, na ditadura, teve contato com o representante do papa no Brasil, que é chamado “núncio” (palavra que significa anunciador). “Eu me dirigi ao núncio apostólico, o nome dele era Lombardi. Ele era totalmente contra o regime e, assim, foi instigado pela ditadura a se afastar do Brasil para vir outro núncio. Naquela época, a sede dos representantes do papa era no Rio de Janeiro, mas, nessa luta, Lombardi precisou ir até Brasília. Contrariado, porque as autoridades estavam quase colocando a mão em cima de Dom Hélder Câmara, que era a voz da Igreja contra a ditadura, ele quis se entender com as autoridades. Lá, em Brasília, ele teve um enfarto e morreu.”

“Antes da morte dele (do núncio), houve aqui um problema bastante antipático. O comandante do Batalhão de Infantaria Blindada (BIB), que era localizado em Barra Mansa, bem perto de Volta Redonda, para tomar conta da Companhia Siderúrgica, um bem nacional, achou de convocar as autoridades locais para fazer uma exposição muito negativa de mim. Disseram que eu tinha relações com todas as organizações comunistas internacionais.”



Na foto histórica, o bispo emérito de Volta Redonda,
Dom Waldyr Calheiros, aparece de microfone em
 punho  celebrando missa do velório dos 3
 funcionários da CSN mortos na greve de 1988.
“Responsável pela subversão no Vale do Paraíba”

“O comandante dizia que tinha cartas minhas trocadas com revolucionários do Uruguai, do Paraguai, etc… E convocou delegados, promotores, todas as autoridades da sociedade, para ouvir a exposição dele. Alguns membros da Igreja que foram ouvi-lo me contaram tudo. Ele me acusava de ser o responsável por toda a subversão no Vale do Paraíba. Falava: ‘o bispo comunista incita as pessoas a ingressarem na luta’. E atribuiu a isso a prisão, dentre outros, de Waldyr Bedê, que era um professor aqui em Volta Redonda, um homem muito conceituado e esclarecido, sem compromisso com a ditadura, e que trabalhava comigo. Então, eu tive que reagir um pouco. Pedi uma audiência a ele.”

“Não posso prender um bispo”
“Isso foi depois do AI-5. Fui acompanhado do meu vigário-geral, Monsenhor Barreto, disse que tinha conhecimento do que ele (o comandante do BIB) havia dito. ‘Sei o conceito que o senhor tem de mim’. E disse mais: ‘Se o senhor acha que prendem pessoas pelo crime de trabalharem comigo, o criminoso sou eu, me prenda’. Ele respondeu: ‘Pode me dar um tiro, pode jogar uma bomba no batalhão, não posso prender um bispo’”, lembrou Dom Waldyr.
Nesse dia, o bispo permaneceu lá das 8h às 22h. Queria mesmo ser preso junto com aqueles que trabalhavam com ele, o que deixou os militares incomodados. “Não podemos mantê-lo aqui”, diziam. Dom Waldyr conseguiu com isso a libertação de alguns, mas houve um preço. “Cobraram deles que dissessem tudo o que tinham contra mim. Alguns saíram incumbidos de procurar coisas ruins a meu respeito para permanecerem soltos.”.

Facilitando fugas
“Uma vez, veio me pedir socorro uma pessoa que se apresentou dizendo que trabalhava com Dom Pedro Casaldáliga (bispo prelado emérito de São Félix do Araguaia, no Mato Grosso). Queria que eu o ajudasse a fugir do país. Como ele trazia o nome de Dom Casaldáliga, já tinha uma credencial… E ele tinha que fugir, pois estar com Pedro não era possível… Fiz o que estava ao meu alcance, me dirigi ao bispo da fronteira, Foz do Iguaçu, e disse: ‘tem um fulano aqui que eu gostaria que você desse uma ajuda para ele passar para o Uruguai’ Ele atendeu. Esse eu sei que encaminhei.”
“E houve também certos companheiros que eu ajudei a fugir daqui (de Volta Redonda) pela perseguição que estava em cima deles. Entre eles, tem um jornalista chamado Aurélio, que ainda é vivo. Ele me disse (naquela época) que estava com receio de que lhe acontecesse alguma coisa. Eu disse a ele: ‘Olha, Aurélio, só há um caminho: é fora daqui, saia daqui’ Ele, então, ‘desapareceu’ por algum tempo. Passada a ditadura, ele voltou e é dono hoje do “Diário do Vale”, que é o jornal da cidade.”

“Confessar-se num livro não redime ninguém”
Dom Waldyr comentou a atitude do ex-delegado Cláudio Guerra, que foi um matador na ditadura e resolveu escrever um livro – “Memórias de uma guerra suja” – contando o que sabe: “O arrependimento é uma coisa muito pessoal. Alguns usam isso em proveito próprio, aproveitando-se da situação atual para se sentirem ainda acolhidos na comunidade, mas não acredito em conversão no caso dele. Se fosse dentro da sujeira que ele estava fazendo, tudo bem. Converter-se agora? Não acredito. E confessar-se num livro não redime ninguém. Se a Comissão da Verdade existir mesmo, ele tem que ser ouvido e acho que não seria perdoado.”

Tortura: “um pedaço da sua carne sofrendo no outro irmão”
“Porque o que a gente espera é que essa Comissão não só descubra os criminosos, mas faça justiça com relação aos que ainda estão vivos. É uma satisfação para os familiares das vítimas e para a sociedade. Os torturadores têm que ser julgados e punidos. Porque isso que eles fizeram foi muito doloroso e essa atitude não se faz sem uma opção pessoal. Torturar uma pessoa, sem ela ser criminosa, e mesmo que fosse, é inadmissível. É um pedaço da sua carne sofrendo no outro irmão.”

Luta armada: “um instrumento de libertação”
Para Dom Waldyr, a luta armada de esquerda foi “totalmente legítima” a partir do momento que funcionou como “um instrumento de libertação para os que lutaram e uma forma de exigir que a prática de tortura não continuasse”. Para ele, “ninguém tem uma vocação suicida, maltratando o seu direito de viver, então eles (os guerrilheiros) fizeram o que era necessário.” E vai além: “Quando um país é oprimido e sofre, por estar sob domínio, a Igreja defende uma guerra justa e admite que aqueles que estão sofrendo e passando mal se levantem para se defender dessas torturas. Uma guerra justa.”

Comissão da Verdade
O bispo considera que os nomes escolhidos para integrar a Comissão “são confiáveis, são pessoas que passaram pela experiência (da ditadura) e não falarão genericamente, porque são testemunhas da verdade”. Mas não entende o porquê do espaço de tempo de 1946 a 1988: “Só se for para atrasar o resultado”, disse.

Uma sugestão para a Comissão
 “Tem um casal conhecido meu que o filho deles trabalhava no Exército, no batalhão de Barra Mansa, na época da ditadura. Uma vez, ele vinha de lá para Volta Redonda, num jipe do Exército. Era noite e prenderam um rapaz que estava pintando uma propaganda da Casa Confiança. Colocaram-no dentro da caminhonete, onde começaram a socá-lo. Nisso, ele caiu, bateu com a cabeça numa pedra e morreu. Até hoje a família é enganada pensando que houve um acidente, mas tem uma irmã dele consciente de que o mataram. Esse é um caso que a Comissão da Verdade deveria apurar e descobrir o que aconteceu, porque ele morreu dentro do quartel.”

Um comentário sobre FHC
“Eu conheci Fernando Henrique Cardoso quando a ditadura ainda o amarrava. Ele era um dos conferencistas privilegiados pela CNBB (Confederação Nacional dos Bispos do Brasil). Quando o regime começou a se endurecer, a CNBB o convidava para ele expor qual seria a melhor atitude. Nós fomos companheiros dele, quando tivemos oportunidade de estudar como nos libertarmos disso. O que aconteceu depois da ditadura foi que os homens começaram a querer tirar vantagem.”

A importância do passado para o presente
“É importante (que haja o esclarecimento dos crimes da ditadura) primeiro para que o Brasil supere a falta de memória dos que viveram e não se interessaram pelo bem da sociedade. Talvez alguns tenham se afastado, valendo-se daquele velho ditado – ‘Como o fogo não é na minha casa, que os outros tomem conta que não é comigo’. Somente esses – os que não foram atingidos – é que podem ficar indiferentes ao que se passou. É uma espécie de egoísmo exaltado ao máximo. Quem perde a memória do passado não pode saber, diante do presente, que passou aquela experiência”.

“Se eu souber de um torturador, abro o bico”
Perguntado sobre sua opinião a respeito dos jovens que tem pintado muros e colocado faixas em locais onde moram ou trabalham ex-torturadores, Dom Waldyr reagiu positivamente: “Acho que é uma boa contribuição. Uma atitude dessas é uma participação da comunidade ao repúdio que se tem diante da ditadura e do seu modo de tratar, que foi uma miséria, tratavam as pessoas como se fossem animais. Acho que é uma ajuda importante, porque foi injustíssimo aquilo. Então que se faça justiça hoje, quando se tem um ambiente para isso. Se eu souber de um torturador, abro o bico, grito claramente com os instrumentos de que eu puder dispor. Porque a impunidade dos criminosos de ontem é a pior coisa para que outros cometam novos crimes.”

“Quem vai para a delegacia é pobre”
Falando sobre o Brasil de hoje, o bispo pergunta-se: “Quem vai para a delegacia?”. Ele mesmo responde: “É pobre!” E prossegue: “Tudo o que fazem lá com ele (com o pobre) é justificado, porque ele fez isso, aquilo e aquilo outro… Aí aparecem pessoas delatando a vida do povo, testemunhas às vezes falsas. Acho que é indecente por parte daqueles que se aproveitam disso.”

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