Translate

Seguidores

terça-feira, 30 de outubro de 2012

AS MENTIRAS DO CANDIDATO DE GEDDEL




                                                                                                                                 * Por Carlos Costa

                                                                             "Uma mentira repetida mil vezes jamais se
                                                                             transformará  em verdade. Será apenas
                                                                             uma mentira repetida mil vezes."
                                                                                                             Guilherme Menezes



O eleitorado conquistense está acompanhando através do horário gratuito as propostas dos dois candidatos que estão disputando o segundo turno da eleição municipal. O candidato da oposição tem procurado de todas as formas conquistar os votos do eleitorado indeciso com propostas inexequíveis que beiram a quimera. Além disso, ele tenta desconstruir de forma rasteira e desonesta os quase dezesseis anos de administração do PT em Vitória da Conquista. Boquirroto e falastrão, o candidato da oposição tem mentido vergonhosamente no afã de conseguir os votos dos eleitores. Eis algumas das mentiras divulgadas por ele no seu programa eleitoral.


1 – O candidato do PMDEMB (PMDB + DEM) sabe que o Hospital Esaú Matos não foi e não será privatizado pelo atual prefeito. A criação de uma fundação para gerir os destinos do Esaú apenas tornará a sua administração mais célere e moderna. No entanto, há mais de um ano, e agora também no horário eleitoral, ele teima em divulgar a mentira, criada por ele mesmo, de que o Esaú Matos foi privatizado. Se o hospital foi privatizado, então porque ele não divulga o nome de quem comprou? Se foi privatizado, quanto foi o valor da transação? Se foi privatizado, como então o prefeito conseguiu indicar, nomear e empossar a diretoria da fundação? 

2 – O candidato conhecido por suas mentiras não cansa de dizer que Conquista se desenvolve graças apenas aos esforços da iniciativa privada. O mesmo sabe, mas oculta dados que comprovam que cidade cresce por causa das políticas públicas bem implementadas que foram preponderantes para que a nossa cidade pudesse atrair grandes investimentos dos Governos Federal e Estadual.  O Hospital Samur está ampliando as suas instalações graças ao financiamento do Banco do Nordeste. O Hospital IBR está construindo um edifício de dez andares não com seu próprio capital, mas, com o financiamento do DESENBAHIA. As indústrias instaladas em nosso município também usufruem dos créditos disponibilizados pelo Governo Federal através da SUDENE e dos bancos oficiais. Antes de 1996 era praticamente inexpressivo o aporte de verbas governamental destinado à construção civil em nossa cidade. Hoje mais de seiscentos milhões de reais foram liberados pelo Governo Federal para a construção de casas e apartamentos em nossa cidade. Duvido que o candidato da mentira consiga citar apenas uma obra da construção civil que não tenha investimento do Governo Federal através dos bancos oficiais ou até dos privados! Para dar vida ao ditado que a promessa política é irmã gêmea da mentira, ele apregoa que irá dar casas de graças para todos os conquistenses. Mentira!

3 – O candidato mentiroso tenta enganar o eleitor menos esclarecido dizendo que perdoará débitos relativos aos IPTU. A Lei de Responsabilidade Fiscal veda tal prática. Caso fosse possível, qualquer prefeito em ano eleitoral perdoaria os débitos dos munícipes e certamente conseguiria se reeleger com facilidade. Isso não passa de uma promessa eleitoreira e demagoga que visa apenas enganar o eleitor.

4 – O candidato da mentira tem mostrado em seu programa eleitoral imagens de ruas sem asfalto. Será que ele conseguiria citar o nome de apenas uma cidade brasileira que tem todas as ruas calçadas? Ele sabe, mas oculta o fato de que somente na atual administração quase trezentas ruas já foram pavimentadas!
5 – O candidato falastrão mente ao afirmar que a atual administração tem perseguido funcionários públicos que não votam no PT. Será que ele sabe que o voto é secreto e que estamos numa Democracia? Esta mentira é tão sem consistência, pois há funcionários públicos municipal fazendo campanha abertamente para ele e sem sofrer nenhuma represália por parte da administração municipal. Duvido que ele consiga citar um só nome de funcionário que esteja sofrendo perseguição por apoiá-lo.

6 – O candidato do PMDEMB mente ao dizer que Conquista é uma das mais violentas cidades do Brasil. Segundo dados do Governo Federal a nossa cidade não está inclusa na relação das cidades violentas do Brasil. Ele tem manipulado dados a seu bel-prazer no intuito de enganar o povo conquistense.

7 – Ele  tem dito que a saúde de Conquista é péssima. Mostra hospitais cheios, filas e algumas pessoas descontentes. Se existem filas é porque há demanda. Não há fila onde não existe prestação de serviços. O SUS ainda não é perfeito, mas tem atendido satisfatoriamente os mais de cem municípios que para aqui vem em busca de atendimento médico. Só para lembrar, esse candidato possui na sua equipe uma repórter de rádio, que também faz parte do quadro da emissora mercenária, que tem um filho que tratou de um câncer no Hospital Evangélico de Curitiba graças ao SUS e a Secretaria Municipal de Saúde.

8 – Ele torce e apregoa que o novo aeroporto não será construído. Ele sabe que o terreno já foi adquirido. Ele sabe que já foi elaborado o projeto e que a presidente Dilma já liberou os primeiros vinte milhões para a execução da obra. Mente e omite esses fatos apenas para enganar o povo conquistense.

9 – Mente também ao dizer que a barragem do Rio Pardo não será construída. Ele sabe que os estudos estão avançados e que ainda no próximo ano as obras serão iniciadas. Mente apenas porque ele não tem compromisso com a verdade e adora mentir!

10 – Outra mentira deste indivíduo é que a responsabilidade pela falta de água em nossa cidade é culpa da atual administração. Nenhuma cidade brasileira consegue resolver o problema de falta d’água sem a ajuda dos governos estadual e federal. Desde seu primeiro mandato o atual prefeito não tem envidado esforços para resolver esse problema crônico de Conquista.

11 – O candidato da mentira tenta enganar o povo dizendo que Conquista não tem saneamento básico. Através do PAC, mais de 500 km de rede de esgoto foram implantados em Conquista nos últimos anos. Ainda neste ano a nossa cidade terá 85% do seu território com rede de esgoto. EM 2014 o percentual será de quase 100%.  Neste ano será inaugurada a estação de tratamento do esgotamento de Conquista, uma das maiores obras do Brasil na área de saneamento básico.

12 – O falastrão mentiroso tenta enganar nossa cidade ao dizer que as administrações do PT de 1996 para cá não se preocuparam com a infraestrutura da cidade. Propositadamente ele esquece que nestas administrações Conquista ganhou a construção da Avenida da Integração; a duplicação da Avenida Juracy Magalhães; a conclusão da Avenida Olívia Flores; a duplicação da Avenida Brumado; o asfaltamento e duplicação da Avenida Ivo Freire, que por sinal, é onde ele mora; além da construção de quase 30 km de ciclovias e ciclofaixas.

13 – Ele mente quando diz que as administrações do PT em Vitória da Conquista não tem se preocupado com o ensino superior em Conquista. Até 96 havia apenas a UESB em nossa cidade. Hoje Conquista é um polo de ensino superior e em poucos anos será um dos maiores centros acadêmico de todo Brasil. As administrações do PT tem conseguido trazer para nossa cidade importantes cursos através do IFBA e UFBA.

14 – O candidato mentiroso mente e se contradiz ao afirmar que Conquista está com a economia estagnada, e ao mesmo tempo diz que a cidade cresce e se desenvolve graças à iniciativa privada. Conquista é uma das cidades que mais crescem no Brasil graças às políticas públicas que foram implementadas nos últimos quinze anos.

15 – Por mais de dez anos o candidato da oposição elogiou a administração municipal e principalmente o prefeito Guilherme Menezes. Os seus elogios beiravam ao puxa-saquismo. Hoje ele desmente tudo o que outrora falava com muita eloquência. Ele mente ao dizer que a campanha do candidato Guilherme Menezes manipulou as suas falas e que usa textos fora dos contextos. Hoje diz que jamais falou coisa alguma. Será que ele sabe que existem gravações de todas as suas conversas que comprovam que ele disse o que hoje ele desmente?
Conclusão: Como poderemos confiar num candidato que nem ao menos assume aquilo que ele fala nos microfones? Como acreditar numa pessoa que tem viés racista e desrespeita os Direitos Humanos? No dia 28 de Outubro pense bem antes de ir à urna para votar. Esse candidato representa o retrocesso político, ideológico, moral e ético. Conquista não quer voltar aos tempos do coronelismo e nem ser administrada por alguém que além de não ter capacidade, é completamente desequilibrado. Vote 13 para Conquista continuar mudando!

A tinta vermelha: discurso de Slavoj Žižek aos manifestantes do movimento Occupy Wall Street


Slavoj Žižek visitou a Liberty Plaza, em Nova Iorque, para falar ao acampamento de manifestantes do movimento Occupy Wall Street (Ocupe Wall Street), que vem protestando contra a crise financeira e o poder econômico norte-americano desde o início de setembro deste ano.
* Por Blog do Boitempo

O filósofo nos enviou a íntegra de seu discurso para publicarmos em nosso Blog, que segue abaixo em tradução de Rogério Bettoni. Caso deseje ler a versão original em inglês, está disponível no site da Verso Books (assim como outros comentários de filósofos e cientistas sociais sobre o movimento Occupy Wall Street).


***

Não se apaixonem por si mesmos, nem pelo momento agradável que estamos tendo aqui. Carnavais custam muito pouco – o verdadeiro teste de seu valor é o que permanece no dia seguinte, ou a maneira como nossa vida normal e cotidiana será modificada. Apaixone-se pelo trabalho duro e paciente – somos o início, não o fim. Nossa mensagem básica é: o tabu já foi rompido, não vivemos no melhor mundo possível, temos a permissão e a obrigação de pensar em alternativas. Há um longo caminho pela frente, e em pouco tempo teremos de enfrentar questões realmente difíceis – questões não sobre aquilo que não queremos, mas sobre aquilo que QUEREMOS. Qual organização social pode substituir o capitalismo vigente? De quais tipos de líderes nós precisamos? As alternativas do século XX obviamente não servem.

Então não culpe o povo e suas atitudes: o problema não é a corrupção ou a ganância, mas o sistema que nos incita a sermos corruptos. A solução não é o lema “Main Street, not Wall Street”, mas sim mudar o sistema em que a Main Street não funciona sem o Wall Street. Tenham cuidado não só com os inimigos, mas também com falsos amigos que fingem nos apoiar e já fazem de tudo para diluir nosso protesto. Da mesma maneira que compramos café sem cafeína, cerveja sem álcool e sorvete sem gordura, eles tentarão transformar isto aqui em um protesto moral inofensivo. Mas a razão de estarmos reunidos é o fato de já termos tido o bastante de um mundo onde reciclar latas de Coca-Cola, dar alguns dólares para a caridade ou comprar um cappuccino da Starbucks que tem 1% da renda revertida para problemas do Terceiro Mundo é o suficiente para nos fazer sentir bem. Depois de terceirizar o trabalho, depois de terceirizar a tortura, depois que as agências matrimoniais começaram a terceirizar até nossos encontros, é que percebemos que, há muito tempo, também permitimos que nossos engajamentos políticos sejam terceirizados – mas agora nós os queremos de volta.

Dirão que somos “não americanos”. Mas quando fundamentalistas conservadores nos disserem que os Estados Unidos são uma nação cristã, lembrem-se do que é o Cristianismo: o Espírito Santo, a comunidade livre e igualitária de fiéis unidos pelo amor. Nós, aqui, somos o Espírito Santo, enquanto em Wall Street eles são pagãos que adoram falsos ídolos.

Dirão que somos violentos, que nossa linguagem é violenta, referindo-se à ocupação e assim por diante. Sim, somos violentos, mas somente no mesmo sentido em que Mahatma Gandhi foi violento. Somos violentos porque queremos dar um basta no modo como as coisas andam – mas o que significa essa violência puramente simbólica quando comparada à violência necessária para sustentar o funcionamento constante do sistema capitalista global?

Seremos chamados de perdedores – mas os verdadeiros perdedores não estariam lá em Wall Street, os que se safaram com a ajuda de centenas de bilhões do nosso dinheiro? Vocês são chamados de socialistas, mas nos Estados Unidos já existe o socialismo para os ricos. Eles dirão que vocês não respeitam a propriedade privada, mas as especulações de Wall Street que levaram à queda de 2008 foram mais responsáveis pela extinção de propriedades privadas obtidas a duras penas do que se estivéssemos destruindo-as agora, dia e noite – pense nas centenas de casas hipotecadas…

Nós não somos comunistas, se o comunismo significa o sistema que merecidamente entrou em colapso em 1990 – e lembrem-se de que os comunistas que ainda detêm o poder atualmente governam o mais implacável dos capitalismos (na China). O sucesso do capitalismo chinês liderado pelo comunismo é um sinal abominável de que o casamento entre o capitalismo e a democracia está próximo do divórcio. Nós somos comunistas em um sentido apenas: nós nos importamos com os bens comuns – os da natureza, do conhecimento – que estão ameaçados pelo sistema.

Eles dirão que vocês estão sonhando, mas os verdadeiros sonhadores são os que pensam que as coisas podem continuar sendo o que são por um tempo indefinido, assim como ocorre com as mudanças cosméticas. Nós não estamos sonhando; nós acordamos de um sonho que está se transformando em pesadelo. Não estamos destruindo nada; somos apenas testemunhas de como o sistema está gradualmente destruindo a si próprio. Todos nós conhecemos a cena clássica dos desenhos animados: o gato chega à beira do precipício e continua caminhando, ignorando o fato de que não há chão sob suas patas; ele só começa a cair quando olha para baixo e vê o abismo. O que estamos fazendo é simplesmente levar os que estão no poder a olhar para baixo…

Então, a mudança é realmente possível? Hoje, o possível e o impossível são dispostos de maneira estranha. Nos domínios da liberdade pessoal e da tecnologia científica, o impossível está se tornando cada vez mais possível (ou pelo menos é o que nos dizem): “nada é impossível”, podemos ter sexo em suas mais perversas variações; arquivos inteiros de músicas, filmes e seriados de TV estão disponíveis para download; a viagem espacial está à venda para quem tiver dinheiro; podemos melhorar nossas habilidades físicas e psíquicas por meio de intervenções no genoma, e até mesmo realizar o sonho tecnognóstico de atingir a imortalidade transformando nossa identidade em um programa de computador. Por outro lado, no domínio das relações econômicas e sociais, somos bombardeados o tempo todo por um discurso do “você não pode” se envolver em atos políticos coletivos (que necessariamente terminam no terror totalitário), ou aderir ao antigo Estado de bem-estar social (ele nos transforma em não competitivos e leva à crise econômica), ou se isolar do mercado global etc. Quando medidas de austeridade são impostas, dizem-nos repetidas vezes que se trata apenas do que tem de ser feito. Quem sabe não chegou a hora de inverter as coordenadas do que é possível e impossível? Quem sabe não podemos ter mais solidariedade e assistência médica, já que não somos imortais?

Em meados de abril de 2011, a mídia revelou que o governo chinês havia proibido a exibição, em cinemas e na TV, de filmes que falassem de viagens no tempo e histórias paralelas, argumentando que elas trazem frivolidade para questões históricas sérias – até mesmo a fuga fictícia para uma realidade alternativa é considerada perigosa demais. Nós, do mundo Ocidental liberal, não precisamos de uma proibição tão explícita: a ideologia exerce poder material suficiente para evitar que narrativas históricas alternativas sejam interpretadas com o mínimo de seriedade. Para nós é fácil imaginar o fim do mundo – vide os inúmeros filmes apocalípticos –, mas não o fim do capitalismo.

Em uma velha piada da antiga República Democrática Alemã, um trabalhador alemão consegue um emprego na Sibéria; sabendo que todas as suas correspondências serão lidas pelos censores, ele diz para os amigos: “Vamos combinar um código: se vocês receberem uma carta minha escrita com tinta azul, ela é verdadeira; se a tinta for vermelha, é falsa”. Depois de um mês, os amigos receberam a primeira carta, escrita em azul: “Tudo é uma maravilha por aqui: os estoques estão cheios, a comida é abundante, os apartamentos são amplos e aquecidos, os cinemas exibem filmes ocidentais, há mulheres lindas prontas para um romance – a única coisa que não temos é tinta vermelha.” E essa situação, não é a mesma que vivemos até hoje? Temos toda a liberdade que desejamos – a única coisa que falta é a “tinta vermelha”: nós nos “sentimos livres” porque somos desprovidos da linguagem para articular nossa falta de liberdade. O que a falta de tinta vermelha significa é que, hoje, todos os principais termos que usamos para designar o conflito atual – “guerra ao terror”, “democracia e liberdade”, “direitos humanos” etc. etc. – são termos FALSOS que mistificam nossa percepção da situação em vez de permitir que pensemos nela. Você, que está aqui presente, está dando a todos nós tinta vermelha.

________________

A hipótese comunista



* Por Slavoj Zizek


Em um magnífico texto curto, "Notas de um Publicista" - escrito em fevereiro de 1922, quando os bolcheviques, depois de, contra todas as expectativas, vencerem a guerra civil, precisaram recuar, adotaram a Nova Política Econômica e admitiram uma liberdade de ação muito mais ampla para a economia de mercado e a propriedade privada -, Lênin usa a analogia de um alpinista obrigado a retroceder em sua primeira tentativa de chegar a um novo pico para descrever o que significa o recuo num processo revolucionário, e como pode ser levado a cabo sem, oportunisticamente, trair a causa:


Imaginemos um homem que escala uma montanha muito alta, íngreme e até então inexplorada. Vamos supor que ultrapassou dificuldades e perigos inéditos, conseguindo atingir um ponto muito mais alto que qualquer um dos seus antecessores, mas que ainda não chegou ao cume. Ele se vê numa posição em que não é só difícil e perigoso prosseguir, na direção e pelo trajeto que escolheu, mas positivamente impossível.

Seria mais que natural, para um alpinista nessa posição, escreve Lênin, passar por "momentos de desânimo". E o mais provável é que esses momentos se tornassem mais frequentes e difíceis caso ele pudesse escutar as vozes dos que se encontram ao pé da montanha, e "por um telescópio, a uma distância segura, acompanham sua perigosa descida":
As vozes que vêm de baixo ressoam com alegria maldosa. Nem se preocupam em ocultá-la, riem com gosto e exclamam: "Ele vai cair de uma hora para outra! E é bem-feito para esse lunático!"

Felizmente, prossegue Lênin, nosso excursionista imaginário não tem como escutar as vozes dessas pessoas. Se ouvisse, "é provável que o deixassem nauseado, e a náusea, dizem, não ajuda ninguém a manter a lucidez mental e os pés firmes, especialmente em altitudes elevadas".

Mais adiante, Lênin aborda a situação que a recém-nascida República soviética enfrentava naquele momento:

O proletariado da Rússia atingiu uma altitude gigantesca em sua revolução, não só em comparação com 1789 [tomada da Bastilha] e 1793 [execução de Luis xvi, proclamação da República e Terror], mas também com 1871 [Comuna de Paris]. Precisamos avaliar o que fizemos e deixamos de fazer, da maneira mais desapaixonada, clara e concreta possível. Se o fizermos, conseguiremos conservar a lucidez. Não sofreremos de náusea, ilusões ou desânimo.

E conclui:

Estão perdidos os comunistas que imaginam ser possível levar a cabo uma tarefa tão memorável quanto a construção das fundações da economia socialista (especialmente num país de pequenos camponeses) sem cometer erros, sem recuos, sem numerosas alterações do que ficou incompleto ou foi feito da maneira errada. Os comunistas que não têm ilusões, que não se entregam ao desânimo e preservam sua força e flexibilidade para "começar do começo" repetidas vezes, para dar conta de uma tarefa extremamente difícil, não estão perdidos (e muito provavelmente não haverão de perecer).

Eis Lênin no que melhor tem de beckettiano, prefigurando a frase de Worstward Ho [Rumo ao Pior]: "Tente de novo. Fracasse de novo. Fracasse melhor." Sua conclusão - começar do começo - deixa claro que não está falando de simplesmente reduzir a velocidade e consolidar o que foi realizado, mas de descer todo o caminho de volta até o ponto de partida: deve-se começar do começo, não do ponto alcançado na tentativa anterior. Nas palavras de Kierkegaard, um processo revolucionário não é um progresso gradual, mas um movimento repetitivo, um movimento de repetir o começo e voltar a repeti-lo muitas vezes.

Onde nos encontramos hoje, depois do désastre obscur de 1989? Como em 1922, as vozes que vêm de baixo ressoam à nossa volta com alegria maldosa: "Bem-feito para esses lunáticos que tentaram impor sua visão totalitária à sociedade!" Outros tentam ocultar seu regozijo maldoso, gemem e erguem para o céu os olhos cheios de dor, como se dissessem: "Como nos faz sofrer ver nossos medos justificados! Como era nobre sua visão de criar uma sociedade justa! Nosso coração batia em uníssono com o seu, mas a razão insistia em nos dizer que seus planos só podiam acabar em miséria e em novas restrições à liberdade!" Ao mesmo tempo em que recusamos qualquer acordo com essas vozes sedutoras, precisamos definitivamente começar do começo - não para continuar a construir com base nas fundações da era revolucionária do século xx, que durou de 1917 a 1989, ou, mais precisamente, 1968 - mas descer de volta até o ponto de partida e escolher outro caminho.

Mas como? O problema definidor do marxismo ocidental tem sido a ausência de um sujeito revolucionário: como é que a classe trabalhadora não completa a sua passagem de classe em si a classe para si e não se constitui como agente revolucionário? Foi essa pergunta que forneceu a principal raison d'être para que o marxismo ocidental recorresse à psicanálise - evocada para explicar os mecanismos libidinais inconscientes que impedem o surgimento de uma consciência de classe, e que estão inscritos no próprio ser, ou na situação social, da classe trabalhadora.

Dessa maneira, a verdade da análise socioeconômica do marxismo foi posta a salvo: não havia razão para ceder terreno a teorias revisionistas envolvendo a ascensão das classes médias. Por esse mesmo motivo, o marxismo ocidental envolveu-se também na procura constante de outros, que pudessem desempenhar o papel de agente revolucionário, como um ator substituto que está a postos para ocupar o lugar da classe trabalhadora indisposta: os camponeses do Terceiro Mundo, os estudantes e intelectuais, os excluídos.

É possível, também, que essa busca desesperada pelo agente revolucionário seja a forma assumida pelo seu oposto exato: o medo de encontrá-lo, de reconhecê-lo onde ele já se agita. Esperar que outro trabalhe no nosso lugar é uma forma de racionalizar a nossa inatividade.
É contra esse pano de fundo que Alain Badiou sugeriu a reafirmação da hipótese comunista [leia na piauí-_23]. Ele escreve:

Se precisarmos abandonar essa hipótese, então não valerá mais a pena fazer nada no campo da ação coletiva. Sem o horizonte do comunismo, sem essa Ideia, nada no devir histórico e político tem qualquer interesse para um filósofo.

No entanto, prossegue Badiou:

Aferrar-se à Ideia, à existência da hipótese, não significa que sua primeira forma de apresentação, tendo como foco a propriedade e o Estado, precise permanecer inalterada. Na verdade, o que cabe a nós filósofos como tarefa, e até mesmo obrigação, é ajudar no surgimento de uma nova modalidade de existência da hipótese comunista.

É preciso tomar cuidado para não ler essas linhas à maneira kantiana, concebendo o comunismo como uma Ideia reguladora, e ressuscitando assim o espectro do "socialismo ético", que tem a igualdade como sua norma ou a priori. Em vez disso, é preciso observar a referência precisa a um conjunto de antagonismos sociais que gera a necessidade do comunismo: a boa e velha ideia marxista do comunismo não como um ideal, mas como um movimento que reage a contradições reais.

Tratar o comunismo como Ideia eterna implica que a situação que o gera não é menos eterna, e que o antagonismo ao qual o comunismo reage sempre estará presente. E a partir daí estaremos a um passo apenas de uma análise desconstrutiva do comunismo como um sonho de presença, um sonho que se alimenta da sua própria impossibilidade.

Embora seja fácil rir da ideia de Francis Fukuyama do "fim da História", hoje a maioria é fukuyamista. O capitalismo liberal-democrata é aceito como a fórmula finalmente encontrada da melhor sociedade possível. Tudo que se pode fazer é torná-lo mais justo, tolerante e por aí afora. E uma pergunta simples, mas pertinente, surge aqui: se o capitalismo liberal-democrata é, senão a melhor, mas a menos pior das formas de sociedade, por que não simplesmente resignar-nos a ele de um modo maduro, ou mesmo aceitá-lo sem restrições? Por que insistir, contra ventos e marés, na hipótese comunista?

Não basta permanecer fiel à hipótese comunista: é preciso localizar na realidade histórica antagonismos que transformem o comunismo numa urgência de ordem prática. A única questão verdadeira dos dias de hoje é a seguinte: será que o capitalismo global contém antagonismos suficientemente fortes para impedir a sua reprodução infinita?

Quatro antagonismos possíveis se apresentam: a ameaça premente de catástrofe ecológica; a inadequação da propriedade privada para a chamada propriedade intelectual; as implicações socioéticas dos novos desenvolvimentos tecnocientíficos, especialmente no campo da engenharia genética; e por último, mas não de importância menor, as novas formas de segregação social - os novos muros e favelas. Devemos notar que existe uma diferença qualitativa entre o último, o abismo que separa os excluídos dos incluídos, e os outros três, que se referem aos domínios do que Michael Hardt e Antonio Negri chamam de commons [aquilo que é comum a todos, que é público] - a substância compartilhada do nosso ser social, cuja privatização é um ato violento ao qual se deve resistir, se necessário, pela força.

Primeiro, existem os commons da cultura, as formas imediatamente socializadas do capital cognitivo: basicamente a linguagem, nosso meio de comunicação e educação, mas também a infraestrutura compartilhada, como os transportes públicos, a eletricidade, os correios etc. Se Bill Gates conseguisse o monopólio, teríamos chegado à situação absurda em que um determinado indivíduo deteria a propriedade privada do software que constitui a trama da nossa rede básica de comunicação.
Segundo, existem os commons da natureza exterior, ameaçada pela poluição e a exploração - do petróleo às florestas, e passando pelo próprio habitat natural.

Em terceiro, os commons da natureza interior, o patrimônio biogenético da humanidade.
O que todas essas lutas têm em comum é a consciência do potencial destruidor - ao ponto da autoaniquilação da própria humanidade - se a lógica capitalista levar à apropriação desses commons. E é isso que favorece a ressurreição da noção de comunismo: ela nos permite ver a apropriação paulatina dos commons como um processo de proletarização no qual os excluídos perdem a sua própria substância; um processo que é mais uma forma de espoliação. A tarefa, hoje, é renovar a economia política da espoliação - por exemplo, a espoliação dos anônimos "trabalhadores do conhecimento" pelas empresas nas quais trabalham.

Contudo, é apenas o quarto antagonismo, o dos excluídos, que justifica o termo comunismo. Não existe nada mais privado do que uma comunidade estatal que perceba os excluídos como uma ameaça, e se preocupe em mantê-los à devida distância. Noutras palavras, nessa série de quatro antagonismos, o crucial é o que se dá entre os incluídos e os excluídos: sem ele, todos os demais perdem o gume subversivo. A ecologia se transforma num problema de desenvolvimento sustentável; a propriedade intelectual, num complexo desafio para as leis; a engenharia genética, numa questão de ordem moral.

Pode-se lutar com sinceridade pelo meio ambiente, defender uma noção mais ampla de propriedade intelectual, ou se opor ao patenteamento de genes, sem confrontar o antagonismo entre incluídos e excluídos. Mais ainda: algumas dessas lutas podem ser formuladas em termos dos incluídos ameaçados pela poluição dos excluídos. Dessa maneira, não alcançamos uma autêntica universalidade, mas só interesses "privados" no sentido kantiano.

Empresas como a Whole Foods ou a Starbucks continuam a usufruir de boa reputação entre os liberais, embora ambas combatam os sindicatos. O segredo delas é a venda de produtos com certo matiz progressista: grãos de café comprados a preços compatíveis com o "comércio ético, justo e solidário", o uso de dispendiosos veículos híbridos etc. Em suma, sem o antagonismo entre os incluídos e os excluídos, podemos nos encontrar num mundo em que Bill Gates é o maior dos filantropos, combatendo a pobreza e a doença, e Rupert Murdoch é o maior dos ambientalistas, mobilizando centenas de milhões de pessoas por meio de seu império midiático.

O que é preciso acrescentar, indo além de Kant, é que existem grupos sociais que, por conta de não ocuparem um lugar determinado na ordem "privada" da hierarquia social, surgem como representantes diretos da universalidade: são o que Jacques Rancière chama de "parte de parte alguma" do corpo social. Toda proposta política de caráter genuinamente emancipador é gerada pelo curto-circuito entre a universalidade do uso público da razão e a universalidade da "parte de parte alguma". Esse já era o sonho comunista do jovem Marx - reunir a universalidade da filosofia com a universalidade do proletariado. Desde a Grécia Antiga, temos um nome para a intrusão dos excluídos no espaço sociopolítico: democracia.

A noção liberal predominante da democracia também trata dos excluídos, mas de modo radicalmente diverso: concentra o foco na sua inclusão como vozes minoritárias. Todas as posições devem ser ouvidas, todos os interesses levados em conta, os direitos humanos de todos precisam ser assegurados, todos os modos de vida, todas as culturas e todas as práticas respeitadas, e assim por diante. A obsessão dessa democracia é a proteção de todos os tipos de minorias: culturais, religiosas, sexuais etc. A fórmula da democracia, aqui, consiste na negociação paciente e no compromisso.

O que se perde nela é a universalidade corporificada nos excluídos. As novas medidas políticas de caráter emancipador não serão mais produzidas por um determinado agente social, mas por uma combinação explosiva de diversos agentes. Em contraste com a imagem clássica dos proletários que não têm "nada a perder além dos seus grilhões", o que nos une é o perigo de perdermos tudo. A ameaça é sermos reduzidos a um sujeito cartesiano abstrato e vazio, privado de todo o nosso conteúdo simbólico, com nossa base genética manipulada, vegetando num meio ambiente inabitável. Essa tríplice ameaça transforma-nos a todos em proletários -reduzidos a uma "subjetividade sem-substância", como define o Marx dos Grundrisse [esboços de crítica da economia política]. A figura da "parte de parte alguma" nos confronta com a verdade da nossa posição. E o desafio ético-político é nos reconhecermos nessa imagem.
_____________________
FONTE: http://revistapiaui.estadao.com.br/edicao-34/tribuna-livre-da-luta-de-classes/a-hipotese-comunista Acesso em: 13/06/2012

FIDELIDADE CONQUISTENSE. FALCÕES E LOBOS É O ARQUIVO

* Por Marcísio Bahia


Falcões e lobos ficam com o mesmo parceiro durante toda a vida. É uma fidelidade do mundo animal não preservada no ser humano que, convencido de ser dotado de "inteligência superior", vê na promiscuidade das relações uma forma normal de lidar com a vida. As relações humanas são múltiplas, desde um simples contato com poucas palavras até as mais complexas, onde nascem cumplicidades responsáveis pela sustentação do próprio meio social em que vivemos. Exemplos como família, sociedade, pátria e companheirismo permeiam a teia de relações, onde os valores morais e éticos funcionam como alicerces perenes. Estamos em ano de eleições municipais e exemplos como o dos falcões e dos lobos bem que serviriam para tocar a consciência da maioria dos membros da classe política partidária, principalmente daqueles que assumem cargos diretivos nas esferas executiva e legislativa. 


O mau costume de virar as costas para quem mais o ajudou no passado está virando regra, principalmente quando o sujeito chega ao topo do poder e não enxerga mal algum, em nome de uma prática fisiologista, distribuir cargos pela conveniência e não pela trajetória histórica dentro do grupo político que o sustentou durante anos, alijando do processo grandes nomes que lapidaram sua trajetória na pedra fundamental da luta por ideais, dedicando tempo e esforço pelas mais nobres causas da sociedade, principalmente por aqueles à margem do processo.

Estimulado pelo amigo e valoroso defensor da decência nas relações humanas de uma forma em geral, Herberson Sonkha, resolvi escrever este texto, retrocedendo exatamente quatro décadas no tempo, quando uma das mais emblemáticas lideranças desta cidade, Jadiel Vieira Matos, conseguiu agregar um grupo de idealistas em torno de sua candidatura, varrendo da Prefeitura Municipal a ultra direita, representante nesta cidade dos governos militares, nos anos negros da Ditadura. Seguia os moldes das esferas estadual e federal no trato com os cidadãos conquistenses, oprimindo todos aqueles que não rezassem na cartilha de ACM, Juracy, dos militares, e da pequena massa que os acompanhava - vale aqui ressaltar que muitos desses seguidores do "carlismo" hoje pousam de esquerdistas, por pura conveniência. 
Ainda garoto, fui um observador privilegiado do movimento político que colocou Conquista na condição de "trincheira oposicionista". Éramos caçados pela PM, quando ousávamos colar cartazes de Jadiel e dos vereadores de oposição nos muros da cidade, sob a fria neblina. As reuniões para se discutir o destino da cidade tinham que ser em locais secretos. Era o tempo do "sabe com quem você está falando"; diretores de escolas repressores, abafando com mãos de ferro qualquer levante do movimento estudantil ou de docentes, usando o expediente da "mordaça", da intimidação escancarada ou velada. Quem sentiu na pele as consequências dos abusos praticados pelo famigerado "rolo compressor", sabe do que estou falando, de um tempo que ficou marcado pela luta por liberdades democráticas e seus algozes. 

Nos Anos de 1970, Vitória da Conquista viveu um período em que a cidade tinha dois pólos distintos. Uma coisa era o ambiente democrático das escolas e repartições públicas municipais, onde a livre expressão saiu da teoria para se tornar uma prática enriquecedora. Na outra ponta, os vassalos do coronelismo político das esferas estadual e federal batiam continência para o poder constituído em Salvador e Brasília, como fantoches manipulados pela garra nefasta do autoritarismo. Com apenas duas opções de convivência, o conquistense viu-se obrigado a escolher o lado da moeda. Era fácil separar o joio do trigo, pois não dava para beijar a mão de Deus e do diabo ao mesmo tempo. Ou se misturava ao "coloio" à direita ou se experimentava o gosto pela liberdade, andando de mãos dadas à esquerda. Tínhamos sonhos e acreditávamos em lideranças que transcendiam a esfera do discurso. Tínhamos lideranças das quais nos orgulhávamos, sem perder de vista o caráter critico de seguidores com vontades próprias. Tão diferente desta "nova" conjuntura política, que mais parece um balaio de gatos pardos, no breu da noite.

Na reta final de mais uma disputa pela Prefeitura ou uma cadeira na Câmara de Vereadores, trago à tona uma questão de uma ordem que já foi tirada da pauta de discussões. Pois bem, ao citar Jadiel Matos chegou à memória todos os elogios que ouvi ao longo da vida àquela equipe de governo abnegada, ética, verdadeiramente comprometida com Vitória da Conquista.O discurso era claro, onde a perseguição dos "homens de estrelas nos ombros" não abafava o grito de liberdade. Muito pelo contrário, tínhamos coragem para enfrentar as situações mais adversas, onde os hipócritas não tinham vez entre nós, sendo colocados nos seus devidos lugares, simples bajuladores do poder, sem odor e nem espaço entre os idealistas. Pois foi esse o grande valor mostrado pelo prefeito caatingueiro, distribuindo funções e montando sua equipe de acordo com a potencialidade e a disposição para o trabalho de cada um e, por isso, ficou marcada na história conquistense como uma "senhora equipe".

A ascensão da esquerda ao poder conquistense teve uma baixa. A ruptura do grupo político no Movimento Democrático Brasileiro local, passando da condição de uníssona força para o cenário de dois grupos políticos rivais, lançando candidaturas distintas para ocupar o Executivo Municipal, na sucessão de Jadiel. Sob minha singela ótica, esse foi o maior erro político partidário desta cidade, que ficou dividida em dois blocos. Era uma forte trincheira de resistência aos desmandos da Ditadura, porém enfraquecida. Com a vitória nas urnas do grupo de José Pedral Sampaio, liderança inquestionável naquela época, o outro grupo foi banido da Prefeitura Municipal, e foi implantada a prática fisiologista que hoje tem raízes profundas dentro do Executivo. 
O exemplo ético de Jadiel Vieira Matos, ao proibir o uso da máquina municipal na campanha do seu candidato e ao se preocupar em fazer esgotamento sanitário no centro da cidade, ao invés de sair borrando as ruas com capas de asfalto, ficou como sinônimo de fracasso político, pois ele não conseguiu emplacar o seu sucessor e ainda teve que engolir a campanha difamatória, em nível pessoal, articulada pelo outro grupo político vitorioso nas eleições de 1976. A massa votante deu uma espécie de autorização para que as práticas nas proximidades dos pleitos fossem baseadas em meios que justificavam os fins, fins que justificavam os meios. E como numa ilha, com sua população alheia aos processos eleitorais, viu-se toda espécie de desmando, de "maracutais" para se manter no poder, acima de qualquer preço, mesmo que isso representasse a morte de ideais nobres. O sujeito que conseguia ficar à frente de uma das pastas de importância estratégica no governo municipal, a exemplo de Administração, Finanças, Saúde ou da Empresa Municipal de Urbanização, tratava de construir a sua carreira política com favores direcionados, utilizando verbas públicas. Basta dar uma olhada em nossa história recente e ver quantos deles se tornaram vereadores e até prefeitos desta confusa capital do sudoeste baiano. Ficamos duas décadas assim, com borras de asfalto e pequenos e grandes favores se tornando sinônimo de enxurrada de votos nas urnas.

O grupo que estava no poder cometeu um erro estratégico ao se aliar ao "carlismo", dando oportunidade para o surgimento de uma nova força política representada por Guilherme Menezes. Seria a chance de Vitória da Conquista reviver a era Jadiel Matos, inclusive muitos dos que apoiavam o então candidato do Partido dos Trabalhadores, advindo do Partido Verde, fizeram parte do governo de 1973. O próprio Jadiel engrossou a fileira como candidato e futuro vereador eleito pelo Partido Socialista Brasileiro. Em torno desta candidatura a vereador, muitos abnegados contribuíram para levar à Câmara aquele mito, adorado principalmente pelo homem do campo. Se bem que ali estava apenas a sombra daquele grande homem que revolucionou a história política nesta cidade, porém foi o vereador mais votado da Coligação que conduziu Guilherme Menezes ao seu primeiro mandato, a partir de janeiro de 1997. Enfim, o resultado daquela eleição acendeu a esperança de que a cidade retomasse o sentido exato de sua importância como pólo de grandes ideias, surgimento de novas lideranças, espaço para os intelectuais e mentes brilhantes no ambiente público.

Seria um tolo se afirmasse que não foram muitas conquistas articuladas por esse grupo político que governa a cidade por 16 anos, porém, por sentir na pele e por ver de perto os desmandos gerados pelo fisiologismo político, posso afirmar que o maior erro cometido pelo líder Guilherme Menezes foi, por força de composições que o mantivessem no poder, montar equipes de governo principalmente sob a ótica do toma lá da cá partidário, esquecendo de muitos companheiros que deram "sangue" pela causa, enfrentando as forças reacionárias deste Estado e deste País. Líderes sociais, estudantis, culturais e verdadeiros "heróis da resistência" colocados para "escanteio", sendo obrigados a assistir a ascensão de bajuladores que visaram e visam apenas o poder pelo poder, o famoso "Venha a Nós". É obvio que não estou falando da totalidade, pois muitas competências foram colocadas à prova e se saíram muito bem em suas funções, enaltecendo a "labuta" com a coisa pública, contudo fica o alerta para quem está no topo do poder municipal, como esteve Pedral Sampaio no passado não muito distante: - Ninguém, mas ninguém mesmo, por si só e tão somente, é capaz de se sustentar no topo infinitamente. Dar as costas para os que realmente são os seus aliados é um pecado capital, pois aqueles que o bajulam hoje, pelo simples fato de visar as "benécias" do poder, serão os primeiros a lhe dar as costas, assim como fizeram com lideranças passadas. São folhas secas ao sabor do vento, que não fincam raízes no solo e se perdem em meio à tempestade.

sábado, 27 de outubro de 2012

Uma conversa sobre Marx, as revoltas estudantis, a nova esquerda e os Miliband




Hampstead Heath, no frondoso norte de Londres, se orgulha de seu papel como lugar de passeio na história do marxismo. Por aqui era, aos domingos, por onde passeava Karl Marx com sua família, subindo Parliament Hill, recitando Shakespeare e Schiller durante a caminhada, para passar uma tarde de comida campestre e poesia. Durante a semana, juntava-se com seu amigo Friedrich Engels, que morava nas imediações, para dar uma volta rápida pelo parque, onde os "velhos londrinos", como eram conhecidos, refletiam sobre a Comuna de Paris, a Segunda Internacional e a natureza do capitalismo.
Tristram Hunt


Hoje, numa rua lateral que sai do parque, a ambição marxista segue viva na casa de Eric Hobsbawm. Nascido em 1917 em Alexandria (Egito) sob mandato britânico, mais de vinte anos depois da morte de Marx e Engels, não chegou a conhecer nenhum deles, pessoalmente, é claro. Mas falar com Eric em seu espaçoso salão, cheio de fotos familiares, distinções acadêmicas e uma vida inteira de objetos culturais, dá uma sensação quase tangível de conexão com esses homens e a recordação deles.

Da última vez que entrevistei Eric, em 2002, aparecera com grandes elogios sua brilhante autobiografia Interesting Times [Anos interessantes], crônica de sua juventude na Alemanha de Weimar, de uma vida inteira de amor ao jazz e da transformação que operou no estudo da história da Grã-Bretanha. Foi também em meio a outros dois cíclicos ataques dos meios, após a publicação do livro antiestalinista de Martin Amis, Koba the Dread, [Koba o temível], sobre a filiação de Eric ao Partido Comunista. O "professor marxista" que suscitava a ira do Daily Mail [jornal sensacionalista britânico] não buscava, como ele mesmo disse, "acordo, aprovação ou simpatia", senão que, mais bem, compreensão histórica de uma vida do século XX moldada pela luta contra o fascismo.

Desde então, as coisas mudaram. A crise global do capitalismo, que fez estragos na economia mundial desde 2007, transformou os termos do debate.

De pronto, a crítica de Marx à instabilidade do capitalismo desfruta de um ressurgimento. "Voltou", esbravejava o Times no outono de 2008, enquanto se desfundavam os mercados de valores, se nacionalizavam sumariamente os bancos e o presidente Sarkozy aparecia fotografado folheando Das Kapital (cujo aumento de vendas propulsou as listas de êxitos alemãs). Até o papa Benedicto XVI se viu movido a louvar-lhe a "grande capacidade analítica". Marx, o grande ogro do século XX, ressuscitara em campi, reuniões de sucursais e seções editoriais.

De maneira que não haveria melhor momento para que Eric reunisse seus ensaios mais célebres sobre Marx num único volume, juntamente com o novo material sobre o marxismo à luz do craque. Para Hobsbawm, continua sendo urgente o contínuo dever de comprometer-se com Marx e suas múltiplas heranças (que incluem, neste livro, alguns bons capítulos novos sobre o significado de Gramsci).

Mas o próprio Eric mudou. Teve uma má queda no Natal e já não pode escapar das limitações físicas de seus 93 anos. Sem embargo, seu humor e hospitalidade, do mesmo modo que o de sua mulher, Marlene, assim como o intelecto, seu incisivo sentido político e a amplitude de sua visão, permanecem maravilhosamente nítidos. Com um manuseado exemplar do Financial Times sobre a mesa do café, Eric se move sem problemas dos resultados das sondagens sobre o ex-presidente do Brasil, Lula, às dificuldades ideológicas a que se enfrentava o Partido Comunista em Bengala Ocidental ou às convulsões na Indonésia após o craque global de 1857. A sensibilidade global e a falta de provincianismo, pontos sempre fortes de sua obra, continuam configurando sua política e história.

E depois de uma hora falando de Marx, o materialismo e a continuada luta pela dignidade humana ante os turbilhões do livre mercado, se deixa a casa de Hobsbawm em Hampstead - próximo dos caminhos pelos quais soíam passear Karl e Friedrich - com a sensação de haver passado uma candente tutoria com uma das grandes cabeças do século XX. E alguém decidido a manter uma mirada crítica sobre o XXI.

Tristram Hunt - Há um sentido reivindicativo no coração do teu livro de que, ainda que as soluções de antanho oferecidas por Karl Marx pudessem já não ser pertinentes, ele fez as perguntas justas sobre a natureza do capitalismo, e de que o capitalismo que surgiu nos últimos 20 anos é bastante parecido ao que Marx estava pensando na década de 1840?

Eric Hobsbawm - Sim, é claro que há. O redescobrimento de Marx neste período de crise capitalista se deve a que predisse bastante mais do mundo moderno do que nenhuma outra pessoa em 1848. Isto é, me parece, o que chamou a atenção de uma série de observadores novos de sua obra e, paradoxalmente, primeiro entre gente de negócios e comentaristas econômicos, antes que entre a esquerda. Lembro-me de que me dei conta, justamente no momento que se celebrava o 150o aniversário da publicação do Manifesto Comunista, de que não se faziam muitos planos para comemorá-lo na esquerda. Algo mais tarde, almoçando com [o financista] George Soros, me perguntou ele: "Que pensa você de Marx?" Ainda que não haja muito sobre o que estejamos de acordo, me disse: "Decididamente, algo tem esse homem".

TH - Você tem impressão de que o que gente como Soros gostava em parte de Marx era a maneira como descreve de modo tão brilhante a energia, a iconoclastia e o potencial do capitalismo? É essa a parte que atraia os executivos que voam na United Airlines?

EH - Creio que é a globalização, do fato de que a predisse, o que poderíamos chamar uma globalização universal, incluída a globalização dos gostos e tudo o mais, o que os impressionou. Mas penso que os mais inteligentes viram também uma teoria que permitia uma espécie de desenvolvimento abrupto da crise. Porque a teoria oficial desse período [final dos 90] desdenhava a possibilidade de uma crise.

TH - E Essa era a linguagem do "pôr fim à expansão e à recessão" e de superar o ciclo econômico?

EH - Exato. O que aconteceu a partir dos anos 70, primeiro nas universidades, em Chicago e em outros lugares e, finalmente, desde 1980 com Thatcher e Reagan foi, suponho eu, uma deformação patológica do princípio de livre mercado do capitalismo: a economia de mercado puro e o rechaço do Estado e da ação pública, que não creio que se praticara em nenhuma economia do século XIX, nem sequer nos EE.UU. E entrava em conflito, entre outras coisas, com a maneira que o capitalismo funcionara em sua época de maior êxito, entre 1945 e princípios dos 70.

TH - Por "êxito", você quer dizer em termos de elevação dos níveis de vida nos anos de pós-guerra?

EH - Êxito no sentido de que havia lucros e garantia algo assim como uma população relativamente satisfeita socialmente, e politicamente estável. Não era o ideal, mas era, digamos, um capitalismo de rosto humano.

TH - E você acredita que para o renovado interesse por Marx contribuiu o fim dos estados marxistas-leninistas? Desapareceu a sombra leninista e pudemos voltar à natureza original dos escritos marxianos?

EH - Com a queda da União Soviética, os capitalistas deixaram de ter medo e, nessa medida, tanto eles como nós pudemos contemplar o problema de um modo muito mais equilibrado, muito menos distorcido pela paixão do que antes. Mas foi mais a instabilidade dessa economia neoliberal globalizada, que eu creio que começou a se fazer tão perceptível no final do século. Veja, em certo sentido, a economia globalizada estava de fato dirigida pelo que se poderia chamar o norocidente global [Europa Ocidental e América do Norte], que impulsionou esse fundamentalismo de mercado ultraextremista. Inicialmente, parecia que funcionava bastante bem - pelo menos no velho norocidente -, ainda que, desde o princípio, se pode ver que causava terremotos na periferia da economia global, grandes terremotos. Na América Latina se produziu uma enorme crise financeira em princípios dos anos 80. No princípio dos 90, houve uma catástrofe econômica na Rússia. E, logo, para o final do século, tivemos esse colapso que se estendeu da Rússia à Coreia [do Sul], Indonésia e Argentina. Isso fez com que as pessoas começassem a pensar, tenho a impressão, que existia uma instabilidade básica no sistema, que anteriormente passara despercebida.

TH - Houve certas sugestões afirmando que a crise da qual somos testemunhas desde 2008 em termos de América do Norte, Europa e Grã-Bretanha não é tanto uma crise do capitalismo per se como do moderno capitalismo financeiro ocidental. Enquanto isso, Brasil, Rússia, Índia e China - os "Bric" - fazem crescer suas economias de acordo com modelos cada vez mais capitalistas, ao mesmo tempo. Ou é que nos toca simplesmente o turno de sofrer as crises que eles passaram há 10 anos?

EH - O autêntico ascenso dos países Bric é algo que aconteceu nos últimos 10 anos, 15 anos se tanto. Assim que, nessa medida, pode se dizer que se tratava de uma crise do capitalismo. Por outro lado, creio que existe o risco de assumir, como fazem os neoliberais e partidários do livre mercado, que só existe um tipo de capitalismo. O capitalismo é, se você quiser, como uma família, com uma série de possibilidades, desde o capitalismo sob a direção do Estado da França ao livre mercado da América do Norte. Portanto, é um erro crer que o ascenso dos Bric é simplesmente o mesmo que a generalização do capitalismo ocidental. Não é: a única vez que tentaram importar o fundamentalismo de mercado em bloco foi na Rússia e ali ocasionou um fracasso absolutamente trágico.

TH - Você suscitou a questão das consequências políticas do craque. Em seu livro, você descartara a insistência em examinar os textos clássicos de Marx como algo que provê um programa político consistente para hoje, mas onde você acredita que vai agora o marxismo como programa político?

EH - Não creio que Marx tivera alguma vez, como diríamos, um projeto político. Politicamente falando, o programa específico marxiano era que a classe trabalhadora deveria se formar como corpo com consciência de classe e obrar politicamente a fim de lograr poder. Mais além disso, Marx deixou tudo deliberadamente vago, devido a sua antipatia pelas coisas utópicas. Paradoxalmente, eu diria inclusive que os novos partidos ficaram bastante largados à improvisação, para que fizessem o que pudessem sem instruções efetivas. O que Marx escrevera em torno a isso se limitava a pouco mais que ideias ao estilo da Cláusula 4 [que nos estatutos de 1918 do Partido Laborista britânico se referia à socialização dos meios de produção] sobre propriedade pública, nada que se aproximasse realmente o bastante para proporcionar um guia para partidos ou ministros. Minha opinião é que o modelo principal que tinham em mente os socialistas e comunistas do século XX era o das economias sob direção do Estado da Primeira Guerra Mundial, que não era particularmente socialista, mas fornecia certa classe de guia sobre como poderia funcionar o socialismo.

TH - Não o surpreende a incapacidade da esquerda marxiana ou socialdemocrata para explorar politicamente a crise dos últimos anos? Aqui andamos sentados uns vinte anos depois do desaparecimento de um dos partidos que você mais admirou, o Partido Comunista italiano. Você se deprime com o estado da esquerda neste momento na Europa e para além dela?
EH - Sim, por suposto. De fato, uma das coisas que trato de mostrar no livro é que a crise do marxismo não é só a crise de seu braço revolucionário, senão que também de seu ramo revolucionário. A nova situação na nova economia globalizada não só acabou por liquidar o marxismo-leninismo, senão que também o reformismo socialdemocrata, que consistia essencialmente na classe trabalhadora, a qual exercia pressão sobre o estado-nação. Mas, com a globalização, diminuiu de modo efetivo a capacidade dos Estados de responder a essa pressão. E, assim, a esquerda se retirou, sugerindo: "Vamos ver, os capitalistas vão bem, tudo o que necessitamos é que prossigam tendo os mesmos lucros e que nos asseguremos de manter a nossa parte".

Isso funcionava quando a porção correspondente a essa parte adotava a forma de criação de estados do bem-estar, mas dos anos 70 em diante, deixou de funcionar e o que se teve de fazer foi, com efeito, o que fizeram Blair e Brown: que ganhem todo o dinheiro que possam e esperemos que seja bastante o que goteje para melhorar a situação dos nossos.
TH - De modo que existia um pacto fáustico durante os bons tempos: se os lucros gozavam de boa saúde e podiam assegurar os investimentos em educação e saúde, não faríamos perguntas demais?

EH - Sim, enquanto se mantivesse o nível de vida.
TH - E agora, com a queda dos lucros, nos esforçamos para encontrar respostas?
EH - Agora que vamos por outra senda nos países ocidentais, nos quais o crescimento é relativamente estático, declinante inclusive, a questão das reformas volta então a se fazer muito mais urgente.

TH - Você vê como parte do problema, em termos da esquerda, o final de uma classe trabalhadora de massas consciente e identificável, que resultava tradicionalmente essencial para a política socialdemocrata?

EH - Historicamente, é certo. Os governos e as reformas democráticas se cristalizaram em torno dos partidos da classe operária. Esses partidos nunca foram, ou só muito raras vezes, inteiramente de classe operária. Eram sempre, em certa medida, alianças: alianças com certos tipos de intelectuais liberais e de esquerda, com minorias, minorias religiosas e culturais, possivelmente em muitos países com diferentes classes de trabalhadores pobres, com emprego.

Com a exceção dos Estados Unidos, a classe operária continuou sendo um bloco maciço, reconhecível durante longo tempo, desde logo, até bem entrado os 70. Creio que a rapidez da desindustrialização desse país [Grã-Bretanha] quebrou não só o volume senão que também, se você prefere, a consciência da classe operária. E não há hoje um país no qual a classe operária industrial pura seja o suficientemente forte.

O que é possível é que a classe operária forme, como diríamos, o esqueleto de movimentos mais amplos de mudança social. Bom exemplo disso, na esquerda, é o Brasil, que representa um caso clássico de partido do trabalho de fins do século XIX, baseado numa aliança de sindicatos, trabalhadores, pobres em geral, intelectuais, ideólogos e uma tipologia variável de esquerdistas, o que teve como resultado uma notável coalizão de governo. E não se pode dizer que não haja tido êxito depois de oito anos de governo com um presidente com um índice de 80% de aprovação. Ideologicamente, hoje em dia, me sinto absolutamente como em casa na América Latina, porque continua sendo uma parte do mundo na qual as pessoas ainda falam e fazem sua política no velho idioma, com a linguagem do século XIX e XX do socialismo, do comunismo e do marxismo.

TH - Em termos de partidos marxistas, algo que ressalta muito intensamente em sua obra é o papel dos intelectuais. Hoje em dia, vemos uma grande animação em campus como o seu em Birkbeck [College], com reuniões e atos políticos. E se lançamos uma olhada às obras de Naomi Klein ou David Harvey ou às atuações de Slavoj Zizek, há verdadeiro entusiasmo. Você se sente animado com esses intelectuais públicos do marxismo de hoje em dia?

EH - Não estou seguro de que houve um giro de grande envergadura, mas não cabe dúvida: com os cortes do atual governo se produzirá uma radicalização dos estudantes. Do lado negativo... se se observa a última vez que se produziu uma radicalização maciça dos estudantes, em 68, não se foi muito longe. Sem embargo, tal como pensava e penso ainda, é melhor ter jovens, homens e mulheres, que acreditavam estar à esquerda, do que homens e mulheres jovens que acreditam que o único que há para fazer é conseguir um emprego na Bolsa.
TH - E você acredita que gente como Harvey e Zizek desempenha alguma classe de papel útil nisso?
EH - Suponho que é correto descrever Zizek como alguém que leva a cabo atuações. Tem esse elemento de provocação que resulta tão característico e contribui para interessar as pessoas, mas não estou seguro de que a gente que lê Zizek se sinta verdadeiramente mais próxima de implicar-se em repensar os problemas da esquerda.

TH - Passemos do Ocidente ao Oriente. Uma das questões urgentes que se coloca no seu livro é se o Partido Comunista chinês pode evoluir e responder a sua nova posição na cena global.

EH - Isso é um grande mistério. O comunismo desapareceu, mas permanece um importante elemento do comunismo, desde logo, na Ásia, o Partido Comunista do Estado, que dirige a sociedade. Como funciona isso? Na China, creio, existe um grau de consciência mais elevado da potencial instabilidade da situação. Provavelmente se dá uma tendência a proporcionar maior margem de manobra a uma classe média intelectual e a setores instruídos da população em rápido crescimento, o que, ao fim e a cabo, poderá se estimar em dezenas, possivelmente centenas de milhões. Também é verdade que o Partido Comunista da China parece estar recrutando uma direção em boa medida tecnocrática.

Agora bem, o que podemos tirar de tudo isso junto, não sei. A única coisa que creio possível com esta rápida industrialização é o crescimento de movimentos sindicais, e não está claro em que medida o PCCh pode ter espaço para organizações de trabalhadores ou se as considerará inadmissíveis, do mesmo modo que julgaram [inadmissível] as manifestações da Praça de Tiananmen.

TH - Falemos da política britânica para conhecer as suas impressões da coalizão [liberal-conservadora]. Parece-me que tem um ar dos anos 30, em finais da ortodoxia fiscal, cortes de gasto, desigualdades de renda e, com David Cameron como uma figura quase a Stanley Baldwin. Que leitura você faz disso?

EH - Por trás dos diversos cortes, sugeridos com a justificativa de livrar-se do déficit, parece existir claramente uma exigência sistemática, ideológica para desconstruir, semiprivatizar as antigas disposições, já se trate do sistema de pensões, do sistema de bem-estar, do sistema escolar ou inclusive do sistema sanitário. Essas coisas não estavam, na realidade, previstas no programa eleitoral nem conservador nem liberal e, sem embargo, vendo de fora, se trata de um governo muito mais radicalmente à direita do que parecia à primeira vista.

TH - E qual você acredita que deveria ser a resposta do Partido Laborista?
EH - O Partido Laborista não tem sido em seu conjunto uma oposição muito efetiva desde as eleições, em parte porque demorou meses e meses para eleger seu líder. Creio que o Partido Laborista deveria, por um lado, acentuar muito mais que, para a maioria das pessoas, o período dos últimos treze anos não foi um descenso ao caos, senão que supôs verdadeiramente melhorar a situação, e sobretudo em campos como as escolas, os hospitais e toda uma série de logros culturais acrescentados, de modo que a ideia de que, de um modo ou outro, há que se livrar de tudo como lixo, não é válida. Creio que nos faz falta defender o que a maioria das pessoas crê basicamente que faz falta defender, que é a prestação de certa forma de bem-estar do berço à tumba.

TH - Você conheceu Ralph Miliband [1] e é um velho amigo da família Miliband. Que acredita que pensaria Ralph da disputa de seus filhos, que acabou com Ed dirigindo o Partido?

EH - Bom, como pai, evidentemente não poderia evitar de se sentir muito orgulhoso. Desde logo, estaria muito mais à esquerda que seus dois filhos. Creio que Ralph se identificou verdadeiramente durante a maior parte de sua vida com a ideia de deixar de lado o Partido Laborista e a via parlamentar, e com a esperança de que de algum modo seria possível que chegasse a aparecer um partido socialista propriamente dito. Quando Ralph se reconciliou finalmente com o Partido Laborista, foi em seu período menos útil, o de [Tony] Benn, do qual não saiu realmente grande coisa boa. Não obstante, eu creio que Ralph esperaria certamente algo muito mais radical do que seus filhos parecem até agora estar fazendo.

TH - O título de seu novo livro é Como mudar o mundo. No último parágrafo, você escreve que "a superação do capitalismo ainda me parece algo plausível". Continua sendo nítida essa esperança e ela o mantém trabalhando, escrevendo e refletindo hoje em dia?

EH - Nada há hoje de nítida esperança nestes dias. Como mudar o mundo é um relato do que levou a cabo fundamentalmente o marxismo no século XX, em parte através dos partidos socialdemocratas que não derivavam diretamente de Marx e outros partidos - partidos laboristas, partidos de trabalhadores - que continuam sendo, em todas as partes, partidos de governo ou potencialmente de governo. E, em segundo lugar, através da Revolução Russa e suas consequências.

O histórico de Karl Marx, um profeta desarmado que inspirou mudanças de envergadura, é inegável. E não é que esteja dizendo muito deliberadamente que não haja perspectivas equivalentes hoje em dia. O que digo hoje é que os problemas básicos do século XXI requereriam soluções às quais não a podem enfrentar adequadamente nem o mercado puro nem a democracia liberal pura. E, nessa medida, haverá que fazer funcionar uma combinação diferente, uma mescla diferente do público e do privado, de ação e controle por parte do Estado e de liberdade.

Como se chamará, não sei. Mas bem pode ser que já não se trate de capitalismo; desde logo não no sentido em que o temos conhecido neste país e nos Estados Unidos.

NOTA T.: [1] Ralph Miliband (1924-1994), nascido na Bélgica como Adolphe Miliband, de origem judia-co-polaca, foi um conhecido teórico marxista da Nova Esquerda britânica. Se estabeleceu na Grã-Bretanha durante a Segunda Guerra Mundial, fugindo do nazismo, combateu na Royal Navy e estudou na London School of Economics, onde seria professor até 1972, passando depois à Universidade de Leeds. Seus filhos David e Ed disputaram a direção do Partido Laborista britânico, que ficou finalmente com Ed em setembro de 2010.

Tristram Hunt é deputado laborista nos Comuns pela circunscrição de Stoke-on-Trent Central. Foi professor de história moderna da Grã-Bretamha na Queen Mary, University of London, e é autor de The English Civil War: At First Hand y Building Jerusalem: The Rise and Fall of the Victorian City e de diversas series de programas para a BBC e Channel 4.
Tradução para o português: Sergio Granja
Fonte1: Controvérsia

Buscar neste blog

Inscreva seu e-mail e receba nossas atualizações:

Arquivo