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segunda-feira, 29 de fevereiro de 2016

O Levante das Catrevagens contra o Establishment!

"A catrevage é a designação dada por eles à "ralé" que se levanta politicamente “contra a ordem estabelecida”, o establishment, constituída pelos iluminados que decidem tudo sozinhos no partido."


Por Herberson Sonkha

Meu amigo e companheiro de partido, Prof. Marcelo Neves, um militante cético no sentido de não acreditar que este modelo de administração política em funcionamento, adotado pelo campo hegemônico do Partido dos Trabalhadores, possa representar alguma mudança substancial que desperte o interesse da militância social. Ao discutir o ponto nevrálgico no debate à sucessão eleitoral no município, o Prof. Marcelo Neves, carregado de um regionalismo típico do norte e nordeste, ao expressar sua angustia com os descaminhos ideológicos do atual governo petista de Vitória da Conquista, na Bahia e no Brasil empregou uma expressão nada usual, “o levante das catrevagens” para chamar a atenção para a necessidade de politização à esquerda do processo interno de escolha de nomes.


Fiquei por minutos ruminando para entender esta palavra e seu uso não menos raro. Na verdade, o Prof. Marcelo Neves é um desses nascidos nos anos septuagenário do século XX, que migra para Vitória da Conquista e passa a conviver com o bairro Brasil e guarda deste período relações culturais, políticas e religiosa com o perfil operário do bairro Brasil (antes, bairro Departamento), que habitualmente acolhe centenas de egressos dos oitos Estados nordestinos, mais os imigrantes do recôncavo, particularmente os  miguelenses que segundo o poeta, antropólogo, historiador, tradutor, escritor e ensaísta Antonio Risério afirma ser esta região a que mais recebeu cristãos novos do qualquer outra região da Bahia, nos séculos XVI á XVII, portanto, judeus convertidos ao cristianismo o que justifica positivamente a habilidade e a disciplina para os negócios.

Assim, vivencia o rico ambiente cultural daquele período, em certa medida, uma síntese das cidades que compõem os 44,3% do território nordestino dentro do Polígono das Secas. A influência vocabular decorre da efervescência do promissor comércio de carne, cereais, padaria, mercearia, mascate no universo da feira-livre e outras profissões reservada apenas aos filhos das classes operarias desempregadas, que migravam para o sudeste do país desde a terrível seca no nordeste em busca de melhores condições de vida, nos anos 30 do século XX, mas que por conta de poucos recursos acabavam se instalando por aqui na pequena cidade à margem da BR 116. Isto explica o porquê de suas dezenas de palavras “estranhas”, e catrevage é uma delas.

Ao descobrir que se tratava de uma palavra que expressa valores pejorativos atribuídos às classes trabalhadoras pela burguesia, usada para expressar a ideia de coisa desprezível ou sem valor social, rapidamente encontrei um sentido político para empregá-la na descrição do que está acontecendo no processo de prévias interna no Partido dos Trabalhadores. A catrevage, é a designação dada por eles à "ralé" que se levanta politicamente “contra a ordem estabelecida”, o establishment, constituída pelos iluminados (pretensos iluminados) que decidiam tudo sozinhos no partido.

Etimologicamente a palavra catrevage vem de caterva, do Latim CATERVA, “grupo, súcia, tropa” e foram trazidas pelos portugueses no inicio do século XVI. No norte e nordeste do Brasil a palavra catrevage significa “sobras de material de construção”, “um monte de coisas imprestáveis ou sem valor”, “ralé” ou “bando de desocupado” etc... Destes significados o que mais se aproxima da realidade vivenciada pela maioria dos militantes do Partido dos Trabalhadores de Vitória da Conquista é o que diz que catrevage são: um ‘bando de desocupado’, ‘ralé’, ou metaforicamente, ‘sobras de material de construção’.

De militantes com inserção política nos espaços de direção partidária nos anos 70/80/90 que convivia com as divergências produzidas por intelectuais, cientistas, estudantes, trabalhadores  dirigentes sindicais, movimentos sociais urbano/camponês e líderes religiosos (teologia da libertação) fomos arremessados á categoria de relegados à condição de conjunto de indivíduos pertencentes à camada inferior de uma sociedade, sem qualificação sócio-técnica ou intelectual necessária a inserção nos espaços de poder. Ou simplesmente, como diz o dicionário, presos ao estamento da arraia-miúda, plebe, populacho, é isso que o campo hegemônico quis nos transformar: em coisas, objetos factíveis à manobras, manipuláveis em vésperas de eleições como fazeram as tradicionais oligarquias conservadoras à cada período eleitoral.

Este retrocesso, inadmissível nos primeiros 25 anos do partido, contaminou as entranhas do partido nacional, estadual e, infelizmente, em Vitória da Conquista não foi diferente. O movimento conservador passou a liderar o retrocesso, contribuindo para formação de duas forças em disputa (não necessariamente ideológica) que atualmente constituem o campo hegemônico. O fundamento deste movimento acelera a caminhada em direção ao anacronismo, baseado no fortalecimento do pragmatismo, a despeito de que precisávamos manter a unidade por meio do “consenso” para continuar vencendo sucessivas eleições, não obstante, imputar às catrevagens a responsabilidade por quaisquer insucessos decorrente de possíveis divergências ideológicas que comprometessem o “consenso”, já que a centralidade do pragmatismo se dava a partir da concessão de cargos a quem pudesse colocar a serviço do pragmatismo seus feudos (garrafinhas?!), aliás, era perfeitamente possível negociar. 

O retorno à tradicional práxis da politicagem; os indícios de corrupção (senão material, dos princípios ideológicos); a inculturação de valores, conceitos e práxis de direita assimilada pelo campo hegemônico levou o governo a estagnação e o envelhecimento das engrenagens do projeto de governo "participativo". Este foi o golpe certeiro pelas costas da militância, de forma traiçoeira, conspurcando acordos e alianças estratégicas de classes operárias e movimentos sociais para derrubar o capitalismo e sua ordem burguesa. Assim, consolidou-se a estratégia de poder e o fortalecimento de seus mecanismos imorais para manutenção de poder sustentado por estrutura, dinheiro e uso indiscriminado da máquina pública por meio da articulação institucional.

Ir contra estas condições objetivas dadas, além de exigir das catrevagens compreender os vários processos sócio-histórico, ideopolítico e econômico mostrou-se não serem suficientes porque é preciso ter a coragem e coerência de contrapor-se ao establishment. Esta tarefa histórica, confiada somente às classes operárias e determinados movimentos sociais críticos a ordem estabelecida pelo capital, dentro do Partido dos Trabalhadores são representadas pelas catrevagens, que nos últimos trezentos anos de existência do capitalismo, não tem feito outra coisa senão confrontar o capitalismo e suas instituições políticas. Assim, é o caráter insurgente de natureza revolucionária do andar de baixo, segundo o sociólogo marxista Florestan Fernandes.  

As catrevagens organizaram duas candidaturas, primeiro a de Márcio Matos (EPS) e depois a do Prof. Marcelo Neves (COESO) representando o sentimento dos invizibilizados e excluídos ao longo dos cincos governos petistas. A ação estratégica destas candidaturas ocorre meio ao questionamento militante ao establishment, que historicamente vem determinando a ordem "natural" das coisas no partido e por consequência a orientação ideológica, econômica, política e legal da administração política da Prefeitura Municipal. Estes são os principais contrapontos das catrevagens ao Projeto de governo do campo hegemônico para dirigir o Estado e seus entes federativos.

Estas alterações nas disputas internas do Partido dos Trabalhadores de Vitória da Conquista apontam para realização de prévias internas para consultar os filiados/as sobre a escolha de candidatura ao pleito municipal de 2016. O que antes era só uma questão formal de homologação da alternância de forças do campo hegemônico, submetendo suas desavenças particulares ao coletivo, pois não há disputa ideológica de projetos entre as forças do campo hegemônico e sim questiúnculas de fórum privado, hoje transformou-se num ato democrático de análise política coletiva aprofundada da realidade e a desconstrução de absenteísmos, como diz Victor Nunes Leal, em "Coronelismo, enxada e voto: O município e o regime representativo no Brasil",

“[...] Outras vezes, o chefe municipal, depois de haver construído, herdado ou consolidado a liderança, já se tornou um absenteísta. Só volta ao feudo político de tempos em tempos, para descansar, visitar pessoas da família ou, mais frequentemente, para fins partidários. [...] O absenteísmo é, aliás, uma situação cheia de riscos: quando o chefe ausente se indispõe com o governo, não são raras as defecções dos seus subordinados. Outras vezes, é ele próprio quem aconselha essa atitude, operando, pessoalmente, uma retirada tática..”

O campo hegemônico do Partido dos Trabalhadores irresponsavelmente não quis enraizar na sociedade o novo conceito de democracia exercida dentro do partido. Por isso, a sociedade ainda desconhece as estruturas democráticas internas e sua capilaridade, mantendo opiniões equivocadas acerca do processo interno de escolha democrática. Em verdade, este processo democrático caiu em desuso nestas duas últimas décadas, mas foi retomado a partir da respeitosa postura democrática do atual presidente, o petista Rudival Maturano e a controversa executiva municipal. Nosso respeito à práxis política do companheiro presidente Rudival Maturano que vem contrariando a expectativa e a lógica geral da mercancia de cargos e o péssimo hábito de coisificar, transformando a militância, as catrevagens, em coisa para facilitar a cooptação.

A militância vive um novo momento na história desse importante partido que é inequivocamente um instrumento de mudanças populares, ao estimular a expectativa política da militância propondo discussões que apontam ações estratégicas de mudanças profundas na sociedade e no Estado! Mérito deste presidente que vem empoderando responsavelmente as forças minoritárias,  incorporando-as como minorias qualificadas, no dizer de Foucault,

“[...] Em outras palavras, o intelectual tem uma tripla especificidade: a especificidade de sua posição de classe (pequeno burguês a serviço do capitalismo, intelectual "orgânico" do proletariado); a especificidade de suas condições de vida e de trabalho, ligadas à sua condição de intelectual (seu domínio de pesquisa, seu lugar no laboratório, as exigências políticas a que se submete, ou contra as quais se revolta, na universidade, no hospital, etc.); finalmente, a especificidade da política de verdade nas sociedades contemporâneas.”

Inexoravelmente o papel destacado deste dirigente; do Diretório a da Executiva Municipal e da Comissão Política propondo várias rodadas de diálogos entre as forças e os campos abre um novo precedente na história petista e impõe ao partido o redirecionamento à esquerda. Estas inciativas foram motivadas pelo movimento ideológico das catrevagens petistas e tem por objetivo inverter a pauta denominada de escolha natural. Este movimento visa à construção coletiva da unidade programática perdida centrada em torno de um projeto construído coletivamente por todas as forças internas e seus alvissareiros resultados já podem ser sentido se observadas às pré-candidaturas que propõem uma unidade em torno da construção coletiva do projeto do programa de governo, da incorporação das críticas acerca dos descaminhos do partido e do governo e da reorientação do partido à esquerda.

O levante das catrevagens fortalece o partido e foge ao lugar comum do balcão de negócios que tradicionalmente realiza barganhas e concessões vergonhosas em vésperas eleitorais, conduzindo ao desgastes, sangria desenfreada e ao estrangulando do Partido dos Trabalhadores. Este processo histórico, construído por pessoas, levou o partido a depender destas duas forças, legitimando-as acriticamente e, em muitas situações, a indiferença ao comportamento esgarçado e alucinado de determinados militantes que chega à beira da irracionalidade, na defesa da pessoa, omitindo a importância coletiva do partido como interlocutor político de projetos e não de personalidades,

[...] O lógico é o que presenciamos: no plano político, ele luta com o “coronel” e pelo “coronel”. Aí estão os votos de cabresto, que resultam, em grande parte, da nossa organização econômica rural.” (LEAL, 1948, pág. 8)

Esta síntese do processo histórico revela o quanto o andar de cima expropriou indevidamente a vitalidade e a disposição política de sua militância, as catrevagens do andar de baixo. Houve uma desapropriação destas forças dos espaços de poder do Partido dos Trabalhadores para que uma hegemonia despolitizada pudesse soerguer seus impérios absolutistas, um verdadeiro retrocesso aos períodos que vão dos séculos XVI a XVIII, pois uma retomada aos princípios iluminista exercido pelas monarquias absolutistas europeias característica da ideologia iluminista dos déspotas esclarecidos. Estes monarcas pensavam a partir de princípios iluministas que afirmavam a necessidade de promover reformas sociais e modernizar o Estado. Isso implicava ampliar e organizar a economia liberal capaz de definir a administração política (Estado) dos interesses do capitalismo industrial, estabelecer limites nas relações entre o Estado e a igreja, mantendo o poder político centralizador.  

Esta turma do andar de cima, aderiu ao reformismo de governo europeus baseado em princípios liberais para contrapor ao antigo regime, em regiões do leste da Europa que persistia no atraso econômico e uma burguesia frágil e incompetente, visando acelerar o processo de modernização para consolidar o prestigio e enfraquecer a oposição ao governo, alegando governar em nome da felicidade dos povos. Mas, nem mesmo estas tais reformas liberais que pretendia atender, hoje sabemos como, as população pobres no país foram implementadas, fazendo apenas arranjos políticos malfeitos que dificilmente serão mantidos com a guinada ao neoliberalismo pelo anda de cima. 

O rei filosofo, Frederico II (1744-1797), um dos monarcas da Prússia, também conhecido como Frederico o Grande, mantinha relações de amizade com Voltaire, Diderot e de D'Alembert, Frederico II, tomado pelo espirito do “Século das Luzes”, que o influenciou  intelectualmente transformando-o no mais notável dos despostas do século XVIII, este monarca promoveu a reforma do sistema penal, acabou com torturas, fundou escolas se ocupando com a educação e incentivou a cultura do comercio e a manufatura e criou a lei contra intolerância religiosa. Não obstante, o filosofo e escritor Francisco José Calazans Falcon fazer críticas,

"[...] Não é menos verdadeiro, porém, que o mesmo governo que despertava as iniciativas tolhia o voo dos mais ousados. O potencial transformador da sociedade ficou amarrado à camisa-de-força dos regulamentos, controles e privilégios. Quando muito aquele potencial ficou uma possibilidade futura." (Despotismo Esclarecido, Ática, 1986, p.54)

Mas, esta inegável contradição é flagrantemente percebida pelas catrevagens militantes quando passaram a compreender que as mesmas divergências ideológicas enfrentadas pelo partido na disputa da sociedade, além de persistir passaram a influenciar internamente no partido, deslocando as disputas para ocupação de cargos e mandatos. Assim, os produtivos debates e divergências de ideias no interior do partido deixaram, a muito, de ser ideológica. Assim estava dada a via-crúcis das catrevagens! Esvaziou-se o debate e fecharam-se as portas do partido para as construções coletivas que visavam questionar as estruturas de poder do Estado, da economia e o modus operandi do fazer política, aliás, a situação piora quando catrevagens começa reivindicar o princípio estatuário que afirma o socialismo como estratégia para orientar a luta, posto que as divergências sejam apenas na forma ideológica como se apropria do poder. As diferentes matrizes teóricas que orientam as concepções estratégicas, inquestionavelmente saudáveis, sustentando a natureza ideológica, deixaram de existir no horizonte do partido, passando a prosperar o pragmatismo despolitizado pra preservação de espaços de poder, pelo poder.

O lugar de onde as falas partiam expressando as diversas militâncias políticas de natureza ideológica, no Partido dos Trabalhadores, foi alterado dentro do processo histórico, pelo andar de cima. Esta tendência hegemonizante, em avançado estágio de consolidação de sua capitulação ideológica, demonstrava que o andar de cima estava em outra vibe porque há muito havia renunciado ao compromisso com as lutas que conduziram o partido ao governo central. Era necessário propagandear um ideologia apenas como isca para atrair o tubarão burguês para uma consolidar uma aliança com o capitalismo. Uma vez atingindo o objetivo, as catrevagens perde seu papel central e vai para o relicário da história para ser "lembrando" apenas como uma boa nostalgia de um dia que não volta mais... 

Assim, o movimento político liderado pelo Partido dos Trabalhadores nas lutas travadas na sociedade dos anos 80 e 90, do século XX, caracterizado pela defesa intransigente dos direitos civis cassados pela ditadura civil-militar e por mudanças estruturais do Estado e na economia, é escanteado pela alvissareira ideia de conciliação de classes. Estas necessidades sociopolíticas, vocalizada pelas catrevagens petistas, despertava no imaginário da população brasileira o desejo e a disposição para acreditar no "projeto" de sociedade que o partido apresentou para  enfrentar o desemprego estrutural; o fim do assalariamento das classes trabalhadoras; saúde, educação, habitação, transporte coletivo, lazer e entretenimento público, gratuito e de qualidade; o empoderamento das populações étnico racial, gênero e orientação sexual. Tudo isso virou o indesejado pó que o vento insiste em levar para sujar a estante linda na sala de estar do andar de cima! Espanador neles!!! 

No entanto, para dentro do partido e nos governos, havia uma escalada crescente do comportamento de direita, exercido pelo campo hegemônico, que não refletia a realidade vivenciada pelos petistas das catrevagens, que escamoteava a situação de exclusão e invisibilidade da militância nos espaços de poder partidário e institucionais. As falas contundentes da militância, incomodam porque estão carregadas da força do lugar de onde se fala... 

Em Vitória da Conquista, este quadro é clássico e caminha velozmente para o estrangulamento partidário. Duas forças hegemonizam o partido e se revezam no poder, fortalecendo ciclos de oito anos. Os momentos que antecedem o período pré-eleitoral historicamente sempre foram definidos por estas duas forças, sem qualquer debate interno mais amplo e democrático que permitisse outras possibilidades. Sentavam os representantes destas duas forças e tudo estava “resolvido”. Na gestão de uma força, a outra exilava para esperar a sua vez, ausentado do questionamento acerca dos desmandos e descaminhos dos espaços de poder municipal e, assim tocava-se o governo, ao bel prazer do gestor que se comportava como hobbesiano.

Inicialmente o argumento contra a presença das catrevagens nos espaços de poder era o certificado escolar superior, o discurso tecnicista, assim como o processo seletivo que elimina as classes trabalhadoras do acesso às universidades públicas, principalmente as de ponta. O primeiro governo pisou na cabeça da militância petista, escorraçando-a, escamoteado por um discurso ideológico de direita, extremamente perigoso ao governo participativo, pois exclui quem efetivamente construiu o caminho, também pelas condições de classe, para vitória eleitoral. Substituídos foram pelo perfil universitário (lê-se classe média) tecnocrata que não elegeu o PT ao governo municipal, desconhecendo o histórico de classe operária e movimentos sociais que constitui a base militante do partido. O andar de cima "vendeu" cinicamente a ideia das catrevagens no poder, contudo, o que de fato vivenciamos foi uma reprise tragicamente piorada do fim dos sans-culottes na Revolução francesa...

Aos poucos foi-se eliminando a presença de alguns pouquíssimos militantes em posição de comando que participavam destes governos, mas outros poucos que foram chamados para serem tarefeiros em funções menores, sem qualquer poder de decisão política, apenas para atender as garrafinhas acordadas pelos campos hegemônicos, inclui-se aí os poucos contratados. Assim, chegou-se a atual situação de fragilidade e distanciamento ideopolítico das catrevagens militantes, optando-se pela substituição desta militância na base do governo por oportunistas de plantão que vivem grudados no poder, tomada totalmente pelas indicações de partidos adesistas de direita. 

Nesta conjuntura de intenso retrocesso político e ideológico do PT e do governo municipal, o abandono do projeto originário que deu ao Partido dos Trabalhadores o poder municipal, as catrevagens resolvem intervir neste processo. São minorias, mas com inserção e conhecimento necessário ao debate capaz de oxigenar e recolocar o PT nos grandes debates ideológico do campo de esquerda, visando atualizar o programa de governo municipal. 

O levante das catrevagens é um movimento revolucionário das minorias qualificadas, não obstante promover verdadeiros debates ideológicos contra o exercício pragmático, despolitizado e despolitizante, das hegemonias e tem retomado a cultura das discussões democráticas e do empoderamento destas forças invisibilizadas no processo histórico. Há muito tempo não se discutia no partido sobre a estratégia para disputar ideologicamente com a direita, balizados por projetos de classes antípodas na sociedade. Outra possibilidade remota, sem as catrevagens, seria a análise sobre o fim deste ciclo iniciado em 1997 orientado pela administração política baseada no gerencialismo das políticas públicas; os desvios ideológicos à direita; a formação da aristocracia governista constituída por uma ideologia tecnicista (cartesiana positivista) de pseudoprofissionais competentes e a necessidade de retomada urgente de debate sobre o Modo Pestista de Governar.

O levante das catrevagens impôs uma inflexão à esquerda e atravessou a espinha na garganta dos iluministas, obrigando-os a desmentir suas prevaricações ideológicas, as previsões de que as decisões internas seriam naturalmente deste ou daquele nome imposto por mandatos ou baseado exclusivamente no argumento da densidade eleitoral. Embora sejam importantes, estes não são os únicos critérios de avaliação do partido. Se este critério serviu em um dado momento, hoje não se aplica mais. Ao contrário, este pragmatismo tem conduzido o partido e o governo situação de descredito eleitoral e rejeição política ao Partido dos Trabalhadores.

O levante das catrevagens é o que há de mais avançado no debate interno e propõe uma práxis revolucionária e profundamente comprometida com o socialismo; a reforma agrária; a certificação de área de remanescentes de quilombo; educação com proposta pedagógica revolucionária urbana e camponesa; saúde preventiva, estrutura satisfatória para intervenção curativa ofertada na rede publica universalizada, gratuita de qualidade; empoderamento das populações em situação de múltiplas vulnerabilidades e as mudanças estruturais e sistêmicas necessárias para emancipação humana, que qualifica o Partidos dos Trabalhadores como organização revolucionária apta a discutir e intervir politicamente sobre os rumos da sociedade da cidade, Estado e país e suas expectativas ideológicas futuras.    


sexta-feira, 12 de fevereiro de 2016

O Ser e o Agir petista do 'andar de cima'...


"A ascensão de novos grupos no poder e as reformas políticas adotadas pelos governos do PT trouxe um quadro de apaziguamento das lutas de classe que acreditavam estar sendo atendidas pelas parcas políticas compensatórias e assistencialistas que este governo implementou."
Por Prof.ª Arlete Ramos dos Santos[1]
Concordo com as análises e contribuo observando que o Ser e o Agir do que "se diz esquerda petista do andar de cima", na atualidade, faz parte de uma nova forma de organização social oriunda principalmente da atual crise econômica do capital, pois o excedente produzido nas relações entre capital e trabalho chegou ao seu esgotamento de forma que não está encontrando possibilidades de investimentos para se valorizar e recompor as suas margens de lucro, criando-se a estagnação e a crise.


Nesse cenário, acirram as contradições de classe, no qual a burguesia tem aproveitado ideologicamente para impor um conjunto de medidas que expropriam os trabalhadores das formas de reprodução da sua existência. Para Agirem benefício da burguesia, o Estado aplica o ajuste fiscal que retira os recursos públicos que seriam destinados para a população, e os utiliza para suprir as necessidades de acumulação do capital.

No Brasil, o século XXI entra em cena com várias mudanças no cenário político e econômico, tanto na forma de atuação do capital hegemônico da classe dominante, quanto na luta para uma contra-hegemonia na classe trabalhadora. A ascensão de novos grupos no poder e as reformas políticas adotadas pelos governos do PT trouxe um quadro de apaziguamento das lutas de classe que acreditavam estar sendo atendidas pelas parcas políticas compensatórias e assistencialistas que este governo implementou. Na perspectiva gramsciana, nesse contexto o Estado se constitui como um complexo de atividades práticas e teóricas nas quais a classe dirigente justifica seu domínio e mantém o consentimento dos governados. (GRAMSCI, 2005).

Essa estratégia do capital trouxe um cenário de otimismo, sendo disseminada uma ideologia de conformismo na perspectiva de que o país estava crescendo e que, portanto, estava longe da crise mundial sociometabólica do capitalismo transnacional. Em 2012 o ganhador do prêmio Nobel de economia, Paul Krugman, analisa que o contexto brasileiro viveu um período de crescimento econômico no início dos anos 2000, associado à redução da desigualdade social, com políticas como o Bolsa-família e a melhoria nos níveis de educação. Mas acrescenta que se deve ter cuidado com a migração dos investimentos do eixo Norte/Sul, pois apesar de o mercado estar acreditando e investindo no Brasil, na última década do século XX, esses investimentos eram creditados para a Espanha e a Grécia, e atualmente estes dois países estão no epicentro da crise mundial capitalista[2]
Essa assertiva profetizada pelo economista também tem sido analisada pelos intelectuais progressistas, para os quais a política (neo)desenvolvimentista, adotada nos governos do PT é um produto da socialdemocracia capitulada na Europa, e que no Brasil adotou o projeto conservador neoliberal por falta de um projeto desenvolvimentista alternativo de Estado, e por isso se constituiu em um resignado operador das políticas da burguesia monopolista e do imperialismo. (PINHEIRO, 2012).

Essa nova fase da política econômica brasileira, conhecida também como “lulismo” se caracteriza por superar a estagnação das três décadas anteriores por meio de uma pequena recuperação do poder aquisitivo do salário mínimo acompanhada de uma lenta melhoria na distribuição de renda, crescimento do consumo influenciado pelas políticas de endividamento das famílias brasileiras, políticas assistencialistas, além da crença disseminada de que o Brasil estaria imune às crises econômicas enfrentadas no contexto internacional, vivendo então uma fase de desenvolvimento.

O lulismo seria caudatário do “conservadorismo popular”. Identificado como um governo de modernização conservadora. Dialoga abertamente com organizações, sindicatos, mas os incorpora ao Estado a partir de políticas específicas, fundadas em convênios e parcerias, algo que se aproxima da tutela, já que não incorpora efetivamente esses atores sociais na formulação de políticas públicas, pois estas, geralmente são formuladas pelos técnicos. Lula é apenas um dos personagens do lulismo. (RICCI, 2010).

Para sustentar essa política do capital, no contexto internacional, na primeira década do século XXI, o Brasil se inseriu nos organismos internacionais, a exemplo da Organização das Nações Unidas - ONU, não como defensor dos movimentos sociais, mas para proporcionar a abertura de mercados à burguesia nacional e internacional no país, a qual para aumentar os seus lucros busca avançar para outros espaços ainda não totalmente dominados, como os países pobres da África[3]. Pois corroborando com Marx (2008), a taxa de lucro é mais baixa nos países ricos e mais alta nos países pobres. 

Esse projeto de país que se adéqua aos moldes dos abutres do capital é proveniente de um imperialismo federalizado a serviço da burguesia que no plano externo faz parte da dinâmica capitalista radicalizada na “mundialização do capital e financeirização da economia” (CHESNAIS, 2005), que para implementá-la garantiu no plano interno a uma parcela da aristocracia operária e ao sindicalismo dos fundos de pensão, a gerência do Estado, e que por fazerem parte do sistema, estes têm servido ao partido da ordem auxiliando na execução de uma ofensiva neoliberal contrarrevolucionária necessária para que a burguesia conservadora mantenha a sua hegemonia[4]. Ou seja, os seus funcionários são os subalternos da classe dominante e dirigente que estão a serviço da formulação, adaptação e difusão das teorias que fundamentam o (neo)desenvolvimentismo.

Essa pedagogia da hegemonia (NEVES, 2010) se efetiva na medida em que estabelecem um consenso generalizado de que o aparelho do Estado não pode estar presente em todo o tempo e espaço, sendo necessária a ação da sociedade civil por meio de ações sociais, e nesse contexto se insere os movimentos sociais. Para isso, faz-se necessário um realinhamento ideológico de teorias e forças políticas nas relações sociais e de poder. No plano político concilia mercado com justiça social; no plano teórico são antimarxistas, buscando a opção da socialdemocracia, constituindo uma direita para o social e uma esquerda para o capital. (Idem)






[1]Pós-doutoranda em Educação e movimentos sociais do campo pela UNESP, possui graduação em Pedagogia pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (2002), mestrado em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (2010) e doutorado em doutorado em educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (2013). Atualmente é professora adjunta da Universidade Estadual de Santa Cruz, atuando na graduação e pós-graduação. Tem experiência na área de Educação, com ênfase em Educação, atuando principalmente nos seguintes temas: educação do campo, Movimento Sem Terra, gestão, políticas educacionais e movimentos sociais do campo. É membro da equipe de professores do Programa de Pós-Graduação em Educação Básica da UESC e faz parte do Colegiado estadual do Pronera.
[2] Salientamos que as crises econômicas e política resultantes desse modelo foram acirradas no Brasil, principalmente, a partir de 2015
[3]Em entrevista à Rede Globo, o Deputado Eduardo Cunha, envolvido em esquemas de corrupção no segundo governo de Dilma, afirma que fez investimentos na África. Veja em: JORNAL DA REDE GLOBO, edição do dia 06/11/2015: http://g1.globo.com/jornal-da-globo/noticia/2015/11/eduardo-cunha-fala-sobre-acusacoes-de-corrupcao-e-lavagem-de-dinheiro.html. Acesso em: 1211/2015.
[4]“O exercício da hegemonia para Gramsci (1999) é sempre uma relação pedagógica que busca subordinar em termos morais e intelectuais grupos sociais inteiros por meio da persuasão e da educação”. (NEVES, 2010, p. 24).

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