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terça-feira, 30 de julho de 2013

O III Congresso Nacional do Cangaço terá como tema: Sertões: memórias, deslocamentos, identidades



* Por UESB e SBEC 

O III Congresso Nacional do Cangaço terá como tema: Sertões: memórias, deslocamentos, identidades. O evento se configura como uma oportunidade singular e inovadora que busca promover a discussão em torno de questões que envolvem o processo de construção das representações sobre os sertões, dentre elas cangaço, religiosidade, artes, identidades, entre outras manifestações culturais, enfim, sua própria historicidade. A programação prevê conferências, mesas-redondas, minicursos, simpósios temáticos, lançamento de livros, mostra de filmes, exposições e atividades culturais. É uma realização da Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço (SBEC) e da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB).

RESENHA: A GLOBALIZAÇÃO SOB A PERSPECTIVA DE MILTON SANTOS: PENSANDO A EDUCAÇÃO COMO UM CAMINHO PARA OUTRA GLOBALIZAÇÃO


"Assim, é necessário que se priorize o debate sobre a civilização, deixando de lado o crescimento econômico, pois este não tem gerado a dignidade humana."

*por Queith Rebouças Meneses Brito

O documentário de Sílvio Tendler Encontro com Milton Santos ou O Mundo Global Visto do Lado de Cá é um trabalho bastante criativo, cujo principal objetivo é expor através da linguagem  cinematográfica o conteúdo do livro Por uma outra globalização do pensamento: do pensamento único à consciência universal, escrito pelo geógrafo brasileiro Milton Santos, demonstrando o compromisso do diretor em ampliar a visão da sociedade sobre o conceito de globalização, bem como desmascarar o atual contexto socioeconômico e cultural, suas crises e a profunda alienação em que se encontra a vasta maioria da população brasileira e mundial.


O filme, assim como o livro, apresenta de forma bastante crítica o processo de globalização sob a perspectiva da periferia, das cidades, dos continentes, principalmente das nações em desenvolvimento, tendo como base uma entrevista feita em janeiro de 2001 com o geógrafo citado.

Para Milton Santos, um dos maiores intelectuais do século XX, o mundo contemporâneo pode ser lido a partir de três pontos de vista: como uma fábula, como perversidade e como possibilidade. O mundo como fábula compreende as concepções de mundo e de globalização que um pequeno grupo faz erigir como uma verdade sólida, mas que não passam de mitos: a ideia de que vivemos em uma aldeia global; de que conhecemos verdadeiramente os acontecimentos da vida dos outros habitantes do planeta; de que vivemos as mesmas experiências em um mesmo tempo; a certeza de que, sob a direção de uma mais-valia universal, produzimos em prol da coletividade; e a certeza de que conhecemos o planeta ampla e profundamente, de modo que isso é suficiente para nos conceder a liberdade e o poder de transformação da realidade. 

Já o mundo como perversidade é a verdadeira face da globalização, ou seja, suas implicações práticas sobre a vida das pessoas, da natureza, do planeta, tendo em vista que, por centralizar-se na busca de um pequeno grupo pelo dinheiro e pelo poder, acaba sendo uma fábrica de perversidade para os demais seres humanos e seu meio ambiente. Deste tipo de globalização, decorrem os mais diversos tipos de violência (verbal, física, simbólica, entre outras): a fome, o desemprego, o desabrigo, as doenças, a corrupção, a competitividade, a morte, etc.

Quanto ao mundo como possibilidade, este pode ser entendido como uma nova construção a partir da reeducação dos povos, a fim de que se utilizem dos mecanismos da globalização com vistas à humanização do homem e de suas produções técnicas e intelectuais. Isto significa que a humanidade precisa aproveitar este momento ímpar de desenvolvimento tecnológico e científico, para construir um mundo digno, outra globalização.

Neste sentido, a primeira parte do filme chama a atenção para a importância de se descortinar o olhar, de avaliar o presente para se ter uma dimensão consciente do futuro e, principalmente, a partir de um ponto de vista próprio, sem intermediários, uma vez que cada ser é responsável por sua existência individual e coletiva. Aponta, ainda, que a primeira globalização ocorreu no período das navegações marítimas, do processo de colonização, e se caracterizou pela ocupação territorial. Já a segunda globalização começou no fim do século XX, marcada pela fragmentação dos territórios e, em seguida, pelas revoluções tecnológicas, as quais determinaram a substituição do modelo humanista pelo modelo do consumismo voraz. Em consequência, as desigualdades se instalaram no planeta, tornando notável o abismo que separa ricos e pobres, países de primeiro mundo e o “terceiro mundismo”.

A segunda parte retrata a relação entre globalização (dinheiro e informação) e território, sendo este entendido como o local da vida social, econômica e cultural. Esta relação exerce influências negativas sobre a nova divisão internacional do trabalho. Em cada continente se concentram grandes empresas que se especializam na produção de algum bem, fazendo parte da produção internacional, porém elas não têm responsabilidade social e acabam prejudicando os territórios de forma profunda – social, econômica e moralmente, pois escapam ao controle dos Estados e, ao explorarem a mão-de-obra das populações dos países pobres, fazem com que haja o enriquecimento dos que já são ricos e o empobrecimento dos pobres, levando estes a uma situação de miséria. Diante disso, formou-se “o grupo dos que não comem e o grupo dos que não dormem com receio da revolta dos que não comem”, conforme citação de Josué de Castro (1961) em Geopolítica da Fome.

De acordo com Milton Santos, a partir do momento em que o homem deixou de ser o centro do mundo, assumindo o seu lugar “o dinheiro em seu estado puro”, abriu-se a possibilidade para todos os tipos de barbáries. Assim, é necessário que se priorize o debate sobre a civilização, deixando de lado o crescimento econômico, pois este não tem gerado a dignidade humana.

Neste contexto, a mídia, sob a direção de um pequeno grupo de agências internacionais da informação, que representa os interesses de grandes empresas e estão totalmente ligadas ao mundo das finanças, da produção, é o principal objeto de construção e fortalecimento da fábula da globalização. Para retratar isso, o documentário apresenta o Fórum Econômico Mundial, realizado no ano de 2006, em Davos, Suíça, indicando a importância desta cidade, desde a década de 1970, para a estruturação do dogma do pensamento único acerca da globalização, com o apoio do livre mercado, como se este fosse um caminho para a felicidade. Neste fórum, ao invés de se buscar soluções efetivas para extinguir a miséria da população e a má distribuição de renda, acabou-se desenvolvendo estratégias assistencialistas, um verdadeiro engodo.

Assim, fica evidente que a mídia funciona como uma intermediária no processo de leitura e interpretação do mundo. O mundo é visto conforme o ponto de vista de um grupo e não exatamente a verdade genuína dos acontecimentos. O que se procura expor são as notícias, ou seja, as interpretações dos fatos, produzidas com base em interesses pré-determinados. Neste sentido, a informação passa a produzir novas formas de “globalitarismos”, de “totalitarismos”.

No entanto, para Milton Santos, ao mesmo tempo em que a mídia serve aos interesses do capital, se utilizada de forma inteligente, pode gerar resultados positivos e capazes de transformar para melhor a realidade, isto é, de humanizar o mundo, veiculando um novo olhar sobre os fatos, sobre este tempo, sobre a globalização. Seria o mesmo que afirmar que a técnica pode ser usada a favor da liberdade, principalmente daqueles que vivem oprimidos, excluídos da sociedade. A exemplo, aponta-se o uso da internet por populações indígenas e das favelas do país, no sentido de se anunciarem como cidadãos e de denunciarem os males que lhes atingem.

Assim, surge a ideia de que as ações em prol de mudanças na sociedade partirão da classe popular. Milton entende este período como período demográfico e acredita que o período tecnológico da humanidade está terminando. Segundo ele, o período demográfico ou popular não será sincronizado como o que ainda estamos vivendo, pois, as explosões de revolta contra a opressão surgirão nas cidades dos diversos países, nos países dos diversos continentes e entre os continentes do globo terrestre.

Em seguida, discute-se o fato de que nós somos levados a imitação dos padrões de vida e cultura europeus e norte-americanos, deixando de pensar por nós próprios, já que é corrente a ideia de que o nosso modo de pensar não é chique, o que resulta numa enorme dificuldade de entendermos o mundo e estarmos preparados para lutar contra o sistema capitalista e neoliberal.

Outro trecho do filme retrata os olhares do Norte e os olhares do Sul, o que significa indicar a discrepância entre os países do Norte e os do Sul, a forma como cada um é tratado, inclusive destacando a liberdade dada aos turistas norte-americanos para realizar passeios nas favelas de cidades como o Rio de Janeiro, em contraposição aos olhares de reprovação e desconfiança das pessoas quando os moradores das favelas visitam um shopping numa zona sul da mesma cidade. Diante desse cenário, questiona-se a segmentação e a forma de elaboração dos códigos de ética, uma vez que há uma “ética dos poderosos”, uma “ética dos que não tem nada” e uma “ética dos desesperados”, os quais são levados a tomar o caminho da violência, porém não a violência gratuita, mas aquela que pode promover grandes mudanças. Infelizmente, os grupos que optam por esta última ética têm contra si todo um sistema, baseado na ética dos poderosos a que a maioria de nós cidadãos está submissa, fazendo com que deixe de perceber os motivos reais da luta dos sem-terra, sem teto e tantos outros, de modo que acabamos favorecendo a morte de crianças, jovens e idosos e enaltecendo o capital com todo o seu luxo, a sua fama e o seu lixo.

Milton Santos afirma que o Brasil jamais teve cidadãos, já que a classe rica explora as demais; a classe média no fundo não busca direitos, mas privilégios; e a classe pobre não tem sequer direitos. O que significa dizer que jamais houve neste país nem democracia nem cidadania. Esta realidade explica a presença da população nas ruas, a partir dos diversos movimentos em busca de uma globalização solidária. Ele ainda acredita que o único que pode contribuir com a melhoria da qualidade de vida da população é o Estado, pois foi pensado e existe para este fim, já que, através do exercício da política, pode cuidar do conjunto da população. Contudo, este Estado precisa modificar sua atual condição, tornando-se socializante. Além de ser, conforme Saramago, indispensável que a sociedade repense e discuta a democracia, tendo em vista que as decisões mais importantes para a nação são geralmente tomadas pelas organizações internacionais, bancos, FMI’s, entre outros, e não pelo povo.

Para Milton Santos, houve um esvaziamento da palavra democracia, sendo ela utilizada, convenientemente, de forma banal. Dela restou apenas sua face eleitoral, já que a responsabilidade e a representatividade perderam forças, e não há mais por parte dos representantes uma coerência entre as ideias que professam e suas ações.

Diante do exposto, surge uma proposta de luta por outra globalização, tendo em vista que a globalização atual é contraditória e paradoxal, pois defende a liberdade ao mesmo tempo em que aprisiona as pessoas em suas amarras, comprometendo o exercício da cidadania. Neste sentido, Milton diz: “a globalização produz o globalitarismo, globalitarismo que existe para reproduzir a globalização”, sendo esse um círculo vicioso que deve ser quebrado. O desafio, então, centra-se em se aproveitar as possibilidades desse tempo e produzir formas democráticas em seu sentido pleno.

Assim, Milton expõe o seu pessimismo diante desse tempo, mas um forte otimismo diante de outra realidade possível de ser construída. Para ele, a humanidade ainda se constituirá como tal e o que ora existe são apenas ensaios do que ela poderá ser.

Ao analisarmos o texto do livro de Milton Santos, relacionando-o ao filme de Tendler, compreendemos que o conteúdo neles abordado está profundamente ligado com a educação, a forma de organização do ensino e os princípios que o norteiam. Isto porque a escola é uma instituição constituída por cidadãos e voltada para a formação dos mesmos, possui uma multicultura, reflexo das culturas existentes na sociedade, mas também é frequentemente utilizada a serviço dos interesses de uma pequena parcela da população, uma elite que determina quem deve ser vencedor e quem deve ser vencido.

Pensar a globalização e suas influências sobre educação, leva-nos a descortinar o olhar para a realidade e para a nossa responsabilidade como educadores. As nossas ações, o nosso fazer político-pedagógico determinam que tipo de cidadãos estamos formando e, consequentemente, que tipo de sociedade e sistema político-econômico alimentamos. É impossível construir uma nova sociedade, uma globalização solidária, conforme esperava Milton Santos, sem reestruturar a educação, a escola. Através da educação é possível construir outra ética, a qual seja capaz de conceder ao ser humano sua dignidade e reconhecer sua importância, tornando o elemento econômico algo secundário.

Na verdade, a “revolução social”, voltada para a outra globalização idealizada por Milton, tem como um de seus palcos principais o espaço escolar, admitido como lócus da produção do pensamento e do conhecimento. Por esta razão, salienta-se no documentário a fala de Florestan Fernandes (1994): “Feita a revolução nas escolas, o povo a fará nas ruas. ”



REFERÊNCIAS
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização do pensamento: do pensamento único à consciência universal. 17ª ed. – Rio de Janeiro: Record, 2008. p. 17-174.

TENDLER, Sílvio. Encontro com Milton Santos ou O Mundo Global Visto do Lado de Cá. [Filme-vídeo]. Produção e direção de Sílvio Tendler. Brasil, Caliban Produções, 2006.  1DVD, 89 minutos.




*Queith Rebouças Menezes Brito é Professora da Rede Pública Estadual, Diretora Administrativa da SEMEC-Anagé, Licenciada em letras pela UESB e Graduanda em Filosofia pela UESB e Pós-graduada em Gestão Educacional.
segunda-feira, 29 de julho de 2013

“Não podemos ver os interesses de uma categoria, mas da população”, diz Ademir

Ademir Abreu: médicos devem atuar como parceiros do governo, diz.
“O problema é agravado pela concentração de médicos nos centros urbanos, e no centro da cidade. A saúde é muito hospitalocentrica e precisa ser ambulatorial, ser mais preventiva”.


“Acho que a classe médica, os médicos que se formam, devem agir acima dos interesses pessoais, dos interesses corporativos, de cada vez ganhar mais recursos, e pensar nos interesses sociais”. A declaração é do vereador petistas, ex-secretário de Saúde e militante histórico dos movimentos em defesa do Sistema Único de Saúde/SUS, o médico Ademir Abreu, segundo quem, “a categoria médica não deve tratar o governo como inimigo, mas como parceiro”.


“Sou médico, acho fundamental o trabalho do médico para a população, mas acho que esta questão do médico, criando essa dificuldade dentro do governo Dilma, não é uma luta boa nem para a categoria nem para a população. Eu acho que a gente tem que fazer nossas reivindicações, a luta pela assistência à saúde é importante, mas não podemos ver os interesses de uma categoria, mas da população”.

Para o parlamentar, a saúde foi a área que menos se desenvolveu nesses dez anos dos Governos de Dilma e Lula. Como a principal reivindicação da população, em especial manifestada na 14 Conferência Nacional, era a ampliação da atenção básica, “porta de entrada do SUS”, o Governo Federal viu-se na imperiosa necessidade de ampliar os recursos para a saúde. “O que o governo fez com essas mobilizações populares foi procurar atender essas reivindicações, aumentar o aporte e trabalhar a questão da gestão”.
Para Ademir, há uma visão equivocada da categoria ao ser contrária à vinda de médicos estrangeiros para o Brasil. “Trazer médicos não vai impedir essas lutas básicas. Para especialistas, melhora a remuneração”, esclarece. Isto porque, segundo ele, quando se aumenta a assistência, amplia-se a demanda. “Veja o que aconteceu com o PSF. As pessoas que ficavam em suas casas passaram a procurar mais médicos especialistas. A saúde é uma área complexa dificil de resolver, mas há vontade política de Dilma”.

A grita da categoria é a mesma de Ademir Abreu, para quem há necessidade de melhor estrutura e de um plano de cargos e salários; ele condena a questão do pagamento dos salários pelas prefeituras, “que muitas vezes tratam os médicos de forma predatória, sem pagamento dos direitos trabalhistas, dão calote”. Mas, sobretudo, numa visão mais ampla, afirma que “não só os médicos querem salários melhores, todas as categorias querem”.

Ademir trouxe à luz a lembrança da extinção da CPMF, quando, segundo ele, não houve qualquer mobilização para manutenção de “um dos impostos mais justos do Brasil”. E lamenta: “Quando foi votada a queda da CPMF, o pessoal não fez movimento forte. Deveria ter feito, tinha que ter mantido a CPMF, aquela luta deveria ter sido comprada”.

Sobre a tão decantada falta de médicos, o vereador afirma que os problemas são graves porque não existem profissionais em suficiência e os que existem não atendem na atenção primária. “O problema é agravado pela concentração de médicos nos centros urbanos, e no centro da cidade. A saúde é muito hospitalocentrica e precisa ser ambulatorial, ser mais preventiva”.

Para tanto, defende ele, é preciso que as faculdades formem mais médicos generalistas, não apenas especialistas. “Vitória da Conquista é uma cidade onde a saúde primária tem avançado mas não tem 60% da população inserida. E mesmo assim é superlotado e não permite um atendimento digno. O Brasil tem 1,2 médicos para cada 1000 habitantes. Na América Latina, de modo geral, são 2 médicos para cada mil habitantes; tem países na Europa que tem quatro médicos para o mesmo número de habitantes”.

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Ademir Abreu é Médico, Ex-Secretário Municipal de Saúde de Vitória da Conquista, Ex-Diretor Geral do HGVC e Vereador (PT) pelo segundo mandato.
domingo, 28 de julho de 2013

A fragilidade política do discurso da classe médica ou: declare guerra a quem finge te amar

Nadjara Régis é Advogada
"Os salários no setor público não são dignos? Por que no Brasil há mais advogados do que médicos? Então vamos formar mais profissionais, ampliar a oferta! Se para dar ritmo a consecução desta demanda for preciso criar a tensão social necessária com a ocupação do mercado de trabalho por médicos estrangeiros, façamos!"



Declare guerra a quem finge te amar: da composição de Guto Goffi, Ezequiel Neves e Frejat que bem pode ser o fundo musical da mais insidiosa declaração de Florisvaldo Bittencourt, vereador na Câmara Municipal de Vitória da Conquista.  Além de Frejat, Florisvaldo ainda me brinda com uma oportunidade de lembrar Multidão. É que, como se premeditando inquietar as pessoas acostumadas com a vida sem metáforas, Florisvaldo protagoniza o que Michael Hardt e Antonio Negri chamam de “discurso metafórico da guerra”: ele postou em seu facebook a seguinte declaração: “todos que estão participando desta paralisação deveriam ser presos por tentativa de assassinato”. Referia-se aos médicos que escolheram a paralisação das atividades como forma de demonstrar a discordância da categoria com o Programa Mais Médico e, no seu bojo, a realidade do SUS.


Ao tratarem de como a política passa a ser um mero instrumento da guerra na transição do século XX para o XXI, Negri e Hardt elucidam que a retórica de guerra há muito é usada para se referir a atividades muito diferentes de guerra propriamente dita. Citam esporte, política e comércio como os ambientes que mais empregam o discurso metafórico de guerra, espaços nos quais em vez de inimigos há competidores. E, finalmente – e é esta a parte que melhor explica aquela lancinante declaração pública –, eles destacam que o discurso metafórico de guerra pode ser invocado como estratégia para conseguir a mobilização de forças sociais em torno de um objetivo de união que é típico de um esforço de guerra.

Agora me diga o leitor: é possível discutir os rumos do SUS sem fazer disso um campo virtual de batalha? É realmente possível enfrentar com metáforas sutis (assemelhadas àquelas que Chico, Caetano e tantos outros artistas produziram numa energia criativa alucinante para não serem censurados em dias de ditatura) a sociedade do espetáculo, dos discípulos de Ratinho? Conseguiria um discurso elegante-palaciano persuadir as pessoas que estão imersas na rotina família-trabalho, sob o aperto de seu orçamento doméstico ou, ao contrário, no deleite do consumo hedonista, à mobilização social ou, menos ainda, a apenas discutirem o assunto?

O sucesso ou a derrota do SUS envolve interesses sobre os quais poucas pessoas dominam em conhecimento. Um grupo privilegiado de políticos, profissionais, empresários e professores universitários é que conhecem como, de fato, funciona o negócio da saúde privada em detrimento da saúde pública. Um grupo também pequeníssimo saberá descrever como se dá a corrupção a partir de horas trabalhadas, de compra de insumos, de registro de procedimentos médicos, de aquisição de medicamentos no negócio da saúde. Um grupo menor ainda influencia os rumos do negócio da saúde no país porque a única realidade que a sociedade como um todo consegue apreender é a mais patente, ululante, anunciada sem esforço pela mídia dominante: filas, falta de atendimento, falta de equipamentos, falta de profissionais, e, isto, claro, apenas no SUS. Ninguém ousa tratar dos descaminhos da saúde privada.

Assim, a metáfora do vereador Florisvaldo é um tanque de guerra. Porque a sociedade, as pessoas, não precisam de entidades de profissionais que cumpram exclusivamente a clássica defesa da reserva do mercado de trabalho. Não contribui – como nunca contribuiu – para o desenvolvimento da nação as lutas de classe de interesses imediatistas que não estabelecem na linguagem e na ação uma interpretação lúcida da realidade, focada no interesse social mais abrangente.

A gente sabe que o trabalhador perde um dia de trabalho para ser atendido porque o horário marcado no agendamento de uma consulta não é respeitado. A gente sabe o transtorno que é uma receita ilegível, enquanto pode ser digitalizada. A gente sabe que tem a Lei dos Genéricos, mas que as receitas são insistentemente prescritas com o nome comercial do medicamento, o que beneficia fornecedores. A gente sabe que há consulta de 15min e que tem paciente que sai sem sequer obter um olhar – olho no olho – do profissional. Estas práticas simples só dependem do compromisso do profissional com o paciente, seja do SUS, seja do plano de saúde.

Entanto, jamais vi as entidades de profissionais realizarem uma grande campanha de mobilização nacional para aproximar médicos e pacientes, discutir direitos e deveres recíprocos, pautar a responsabilidade social do médico na relação diária com seu paciente e, portanto, menos ainda, aproximar médicos do debate sobre o SUS. São 25 anos de democracia e as entidades profissionais dos médicos nunca demonstraram um ranking de profissionais denunciados – quiçá punidos! – por mau atendimento, nunca realizaram uma campanha que estimulasse a população a reconhecer um mau profissional e como dele se proteger.

As entidades “de classe”, todas elas, precisam participar dos debates com maior compromisso com a educação dos cidadãos, lembrando, aqui, as reflexões de BAUMAN sobre ser a educação uma responsabilidade de todas as entidades sociais. Para o desenvolvimento daquilo que faz a cultura de um país favorecer as transformações econômicas almejadas, nós definitivamente não precisamos de entidade de classe que defenda apenas os profissionais, assim como não precisamos do Estado para defender apenas o interesse estatal. O que precisamos é de entidades de classe que defendam a atividade profissional na relação com o paciente, com o cidadão, assim como se quer que o Estado entenda o interesse público a partir do cidadão…

“Ser de classe” pode não coadunar com o aprofundamento da qualidade de vida das pessoas e para o aprimoramento da cultura política do país nos novos tempos modernos. As entidades “de classe” têm que aprimorar sua intervenção política, serem menos classistas e mais sociedade, deixarem de fingir amor levantando bandeiras de defesa do SUS como guarda-chuva de suas defesas de proteção de interesses imediatos e de mercado.

É preciso ampliar o percentual de médicos por habitante, é preciso interiorizar as Faculdades de Medicina, democratizar o acesso, formar profissionais vocacionados para a Atenção Básica da Saúde, ofertar cursos de medicina que tenham o SUS como referência de formação. Como negar a falta de médicos no país se a Frente Nacional dos Prefeitos colocou esta demanda como pauta de mobilização nacional?

Não por acaso o Prefeito Guilherme também lançou seu míssil metafórico: “Mande procurar a secretaria de saúde aqui presente, se aparecer um médico para trabalhar na atenção básica, nós contrataremos ainda hoje”.  Os salários no setor público não são dignos? Por que no Brasil há mais advogados do que médicos? Então vamos formar mais profissionais, ampliar a oferta! Se para dar ritmo a consecução desta demanda for preciso criar a tensão social necessária com a ocupação do mercado de trabalho por médicos estrangeiros, façamos! Por que o medo de uma experiência imediata que pode ser submetida a uma avaliação de resultados em curto prazo? É melhor trocar a experiência do médico estrangeiro em minha casa pela defesa programática de mais recursos para o SUS?

Eu nem quero aqui trazer à discussão que a má repartição tributária e a inflexibilidade da Lei de Responsabilidade Fiscal frente a política de ampliação de serviços municipais são um obstáculo para a contratação de médicos pelos Municípios, que faz uma disputa desigual do setor público com o privado e da capital com o interior.

Os novos tempos da modernidade ensejam um salto de qualidade no conteúdo das reivindicações democráticas, um esforço interpretativo maior capaz de compreender os interesses “de classe” perante a complexidade do universo minucioso de direitos a serem realizados para segmentos mais amplos da sociedade. Sindicatos e conselhos profissionais devem assumir a responsabilidade de serem lembrados tanto mais pelo universo maior (pacientes) quanto pelos profissionais (universo menor), para fazerem-se na memória das grandes conquistas destinadas a toda a população.

É por isso que a paralisação dos médicos que teve como estopim o Programa Mais Médico, embora revestidas de bandeiras programáticas, pode ter legitimidade formal porque não ofende, na interpretação imediata, a lei. Mas não vislumbro em seu favor a grande solidariedade popular.

Nadjara Régis é advogada
sexta-feira, 26 de julho de 2013

“Florisvaldo tem razão”


José Cerqueira, sai em defesa do companheiro de partido.
"Se for juiz passa anos para julgar um processo, se é médico, vão dar plantão em casa ou dormem em suas salas de descanso, enquanto os parentes dos enfermos ficam doidos nos corredores clamando aos paramédicos para chamar o médico de plantão para socorrer o pobre doente."



É muito engraçado os vereadores do Bloco Independente e a imprensa local fazerem críticas ao depoimento do vereador Florisvaldo. Há duas categorias da elite brasileira que a imprensa tem medo de fazer críticas, e não toca em defesa da sociedade quando juízes e médicos erram. Estas categorias de profissionais são intocáveis, são os deuses poderosos. Também, quem é doido de mexer com casa de maribondos! Estas duas categorias chegaram a elite brasileira com o nosso dinheiro, pois foram na sua maioria esmagadora formados com os recursos do povo brasileiro, pois estudaram em escolas públicas e universidades federais, sendo as maiores instituições publicas.


Então usaram os recursos do povo brasileiro para se qualificarem, juraram na sua formatura, se possível, dar a sua própria vida para salvar os doentes. Então! Se for juiz passa anos para julgar um processo, se é médico, vão dar plantão em casa ou dormem em suas salas de descanso, enquanto os parentes dos enfermos ficam doidos nos corredores clamando aos paramédicos para chamar o médico de plantão para socorrer o pobre doente. Tudo isto acontece à revelia de ministério público, que este por sua vez só age se for provocado e a lei que se lixe. Isto sim que é uma vergonha! Tudo isto acontece, mas nem imprensa rechaça o mau comportamento ético e profissional desta casta do poder porque são os profissionais da elite, são intocáveis. O vereador Florisvaldo tem razão.

Eu conheço Conquista não é de hoje, nunca se contratou tantos profissionais e investiu tanto na saúde como nos últimos dez anos. Isto a imprensa não fala e não valoriza, porque é uma imprensa elitizada e que está doida para trazer os coveiros de volta. Quanto aos vereadores que foram contra o vereador Florisvaldo, demonstraram aí um grande corporativismo com a elite da medicina. Direito de reivindicar todas as categorias tem, inclusive a elite, mas não é com o sofrimento dos trabalhadores que se deve brincar, porque o médico e o juiz foram colocados nos postos para atender à comunidade e não cruzar os braços, porque uma medida necessária e política foram tomadas pelo governo, a fim de reduzir a carência médica nos hospitais e postos de saúde.

Não é verdade a fala da imprensa local propagada pelos médicos, que não falta médico no Brasil. Eu pergunto: onde estão os médicos que não aparecem para atender nas unidades de saúde? Deixando centenas de enfermos à mercê de uma consulta? Isto é uma balela dizerem agora que não vão para os SUS porque faltam tudo, e porque aceitaram o contrato para prestar o serviço? Ai do pobre trabalhador simples, que faltar uma hora de serviços sem justificativas, pois a resposta será a demissão. O povo brasileiro quer o seu médico para ser examinado sem tá preocupado se vai atender no hospital ou na sua casa. Pois abaixo de Deus os enfermos depositam muita fé quando vê um profissional deste ao seu lado.

Porque tanta indiferença por causa do dinheiro? Será que não basta um bom salário para os senhores? Lembrem-se que vocês usaram o dinheiro da sociedade para chegar onde chegaram, mesmo que muitos se formaram em escolas particulares, tiveram o financiamento público. Sendo assim, acho bom valorizar a profissão que abraçaram e pratiquem o ato de amor pelo ser humano e não pelo dinheiro. Chega de tratar uma questão necessária como trampolim político de um grupo que não aceita a melhoria das condições de vida para o povo de baixa renda. As estatísticas dizem o número enorme de pessoas que saíram da extrema pobreza, é notória a diferença. Espero que os todos poderosos profissionais da elite brasileira que vivem da doença e da necessidade do povão se sintam responsáveis pelo engrandecimento do nosso país.

Se existe desvio de recursos da saúde, a maior denuncia que vemos aí, são praticadas pelos donos de grandes clínicas e hospitais que superfaturam exames e ainda cobram até atestados usando o dinheiro do povo brasileiro, vindo do SUS. Ainda bem que o povo está aprendendo a protestar e foi o PT que ensinou, e se esta lição de formar consciência na população saiu do PT, ainda que nada ele tivesse feito, já teria realizado um grande feito, pois até os médicos que tinha vergonha de botar sua cara na rua para protestar, já estão fazendo isto. Parabéns senhores feudais. Lutem mesmo, busquem seus bônus, mas não esqueçam que vocês ganham dinheiro com a minha e com a dor de quem sente, e o dinheiro para ser ganho custa ao trabalhador muita dor também. Tenho dito!

* José Cerqueira  é militante do Partido dos Trabalhadores e membro do Diretório Municipal do Partidos dos trabalhadores de Vitória da Conquista.

Modernidades em confronto

Carlos Alberto Pereira Silva (Cacá)*
"Politicamente, controvertidos liberais, ao defenderem a democracia apenas por conveniência, muitas vezes questionavam resultados eleitorais desfavoráveis para eles. Este lado, pela defesa da implementação de uma modernidade excludente, tornou-se conhecido como entreguista, conservador e de direita."



A implantação da ditadura civil-militar, derivada da deposição do presidente João Goulart ocorrida em 31 de março de 1964, completará cinco décadas no próximo ano. Na atualidade, devemos priorizar a reflexão acerca daquele processo, porque as suas consequências multidimensionais ainda são cotidianamente sentidas em nossa sociedade. Entretanto, para refletirmos sobre a ditadura civil militar, precisamos compreender o contexto anterior à sua implantação, cuja característica fundamental foi a propagação das ideias e práticas vinculadas à modernidade que seduzia e encantava distintos segmentos sociais existentes nessa nação mestiça.


Entre 1946 a 1964 vivenciamos uma sinuosa experiência democrática que é reconhecida por muitos estudiosos como sendo a “fase populista” da nossa história republicana. Durante aquela época, aconteceram intensas mobilizações sociais e calorosos debates sobre os rumos civilizatórios que o nosso país tropical deveria seguir para transformar-se numa “grande nação”. Convergentemente, quase todos os letrados, desde os ativistas políticos até os homens e mulheres envolvidos com o mundo da arte, desejavam que o Brasil superasse o “subdesenvolvimento” e entrasse no clube das nações ditas civilizadas. Movidos por essa obsessão, muitas pessoas não perceberam que, ao acolherem um conceito fabricado externamente, estavam interiorizando um olhar exógeno e sedimentando a autocolonização do nosso imaginário.

No que diz respeito ao universo político, naquele tempo, em um dos blocos, por mim denominado de lado A, estavam heterogeneamente nacionalistas, trabalhistas, reformistas, socialistas e comunistas. Num outro bloco, intitulado de lado B, estavam udenistas, controvertidos liberais e velhos integralistas. Fascinados com as perspectivas modernizadoras, numa época em que a modernidade já dava sinais de crise nos países materialmente desenvolvidos, ambos, o lado A e o lado B, apostavam na modernidade ocidental como verdadeira panaceia para a resolução dos antigos e novos problemas civilizatórios.

Assim, sem distinção, os dois lados defendiam a industrialização como forma de produção portadora de incontáveis positividades. Sacralizavam a ciência, como instrumento cognitivo responsável pelo alcance de verdades incontestáveis. Endeusavam a vida urbana que era encarada como sinônimo de progresso social. Faziam apologia do trabalho como dimensão central da existência. Encantavam se com a técnica moderna ao depararem com a difusão das “maravilhas” estampadas nos novos artefatos tecnológicos. E, ilusoriamente, acreditavam na possibilidade de controle das forças da natureza e na inesgostabilidade das riquezas naturais.

Entretanto, mesmo possuindo estas convergências fundamentais, o lado A e o lado B eram portadores de enormes diferenças que os colocavam em campos opostos durante aquele período. Assim, ainda que todos fossem apologistas da modernidade ocidental, o lado A singularizava-se por defender uma modernidade includente, enquanto o lado B insistia na defesa da concretização de uma modernidade essencialmente excludente.

Em consonância com a busca de uma modernidade includente, o lado A, no qual estavam nacionalistas, trabalhistas, socialistas e comunistas, defendia reformas sociais e políticas que fossem capazes de garantir maior equidade social e ampliar a participação popular no processo político. Reforma agrária, aumento dos salários dos trabalhadores, limitação das remessas de lucros enviados ao exterior, nacionalização de empresas, adoção do voto para os analfabetos eram demandas difundidas na sociedade e, algumas delas, acolhidas pelos governos.

O lado B, onde estavam os representantes dos grandes empresários e latifundiários, quase sempre, defendia tenazmente o alinhamento econômico e cultural do Brasil aos Estados Unidos da América. Tanto era assim que muitos exclamavam: “o que é bom para os americanos é bom para o Brasil”. Avessos às reformas sociais, incontáveis fazendeiros organizavam-se para o combate à possibilidade de realização de uma reforma agrária que pudesse contrapor o seu secular domínio. Politicamente, controvertidos liberais, ao defenderem a democracia apenas por conveniência, muitas vezes questionavam resultados eleitorais desfavoráveis para eles. Este lado, pela defesa da implementação de uma modernidade excludente, tornou-se conhecido como entreguista, conservador e de direita.

Neste contexto, caracterizado pela configuração de convergências e antagonismos entre segmentos sociais díspares, é que ocorrem os embates políticos que tiveram como desdobramento a implantação da ditadura civil- militar no ano de 1964. Vitorioso, através da força das armas, o lado B buscou transformar-se num único lado para executar autoritariamente ações em sintonia com o seu projeto de modernidade excludente. Porém, essa é outra, e a mesma, história…

*Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Professor Departamento de História e Coordenador do Laboratório Transdisciplinar de Estudos em Complexidade.

Obs.: Artigo escrito com exclusividade para o Blog do Fábio Sena. Em caso de reprodução, fazer remissão à fonte.

O HOMEM COMO SER COLETIVO: HISTÓRIA DO SURGIMENTO DO MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA.

"No século XXI, é visível até para o senso comum, o quanto o capitalismo se tornou nocivo para a sociedade."


"É preciso repensar o mundo em que vivemos, é preciso compreender que somos parte do ecossistema e que temos a obrigação de lutar para que ele tenha vida em plenitude, é preciso superar esse modelo de desenvolvimento e propor outro, onde a vida prevalece sobre o desejo de lucro e da acumulação de riquezas, (...)"

* Por João Paulo Pereira 



Chegamos ao século XXI, a sociedade capitalista mais uma vez vivendo uma crise profunda dos valores que estruturam esse modelo de desenvolvimento, que ao longo da história tem demonstrado a partir de vários acontecimentos que fracassou no objetivo de garantir o bem estar da sociedade de forma geral.


Na verdade esse modelo de desenvolvimento, ao longo dos seis séculos de sua existência, demonstrou-se incapaz de garantir o bem estar de toda a sociedade, ao contrário tem construído uma realidade cruel, submetendo a maior parte da população mundial à condição de pobreza e em muitos casos, vivendo a baixo da linha da pobreza.

Vivenciamos atualmente, um mundo marcado pela violência, pela fome, pelo desemprego estrutural, pelos conflitos étnicos, religiosos, pelo imperialismo dos países desenvolvidos sobre os países em desenvolvimento e subdesenvolvidos, pelo abandono de regiões e de seres humanos por não seres produtores de lucro para a grande empresa capitalista, pela deteorização das culturas em função da dominação ideológica capitalista, da transformação das relações sociais em mercadoria e das transformações nas relações humanas que deixaram de serem pautadas pelo sentimento de fraternidade e solidariedade e respeito às diferenças, para se pautar pelo sentimento de ódio.

Do ponto de vista histórico, é preciso compreender o desenvolvimento deste modelo de desenvolvimento. No século XIII, a Europa Ocidental passava por grandes transformações, o modelo de desenvolvimento feudal aprofundava-se numa crise terminal, esgotamento das terras produtivas, crescimento da fome, doenças que dizimava grande parte dos trabalhadores rurais, empobrecimento das nobrezas tradicionais, novas invasões estrangeiras, conflitos constantes entre Cristãos e Mulçumanos.

Por outro lado começava a se desenvolver por toda a Europa Ocidental uma nova modalidade produtiva, a figura do mercador que desde o século IV, comercializava produtos através do escambo com o Oriente, começa a ganhar corpo na decadente sociedade feudal e aparecia como alternativa econômica para uma Europa mergulhada na pobreza. 

O crescimento econômico desta casta social promoveu profundas mudanças na sociedade européia, surgiu o renascimento comercial, o reaparecimento da moeda, passou a prosperar pequenas cidades, que surgiram a partir das feiras onde estes mercadores promoviam o comércio, essas cidades eram chamadas de “Burgos”, e logo estes mercadores ou comerciantes passaram a serem chamados de “burgueses”. Era um novo mundo nascendo, onde as relações humanas ganhariam outros contornos, onde as relações sociais perderiam o caráter humano e ganharia um caráter comercial, onde às relações políticas se transformariam, surgindo à figura do Estado regulador da sociedade e das vidas. E um novo ambiente cultural nasceria em substituição a tudo que foi construído pela Idade Média e pelo Feudalismo.

Este novo momento da história da humanidade nasceu das “práxis” de homens que fizeram a diferença política em seu tempo, entretanto, essa práxis ganhou um contorno teórico a partir do século XIV, com o surgimento de grandes pensadores que passaram a estruturar teoricamente o novo mundo nascente. Figuras como Thomas Hobbes, Nicolau Maquiavel, Jean Jacques Bossuet, Jean Bodin entre outros, construíram a teoria que serviria de base para alicerçar o novo modelo de produção que surgia em substituição ao Feudalismo, que a historiografia chamou de Mercantilismo, ou Capitalismo Comercial, que teve como características principais, a centralização do poder político, a acumulação de riquezas pelo Estado nascente, através da acumulação de metais e minerais preciosos, manutenção da balança comercial favorável, proteção das fronteiras contra a entrada de produtos estrangeiros, e a busca incansável pelo lucro.

Com tantas mudanças na estrutura social e política da Europa Ocidental, os antigos agentes do feudalismo reagiram e passaram a questionar as mudanças, sobretudo, a Igreja Católica Apostólica Romana, que era a grande força política, cultural e social do Feudalismo, nesse momento a burguesia percebe que para garantir o sucesso de seu empreendimento político, econômico e social, precisaria derrotar a Igreja Católica. Para isso, essa nova classe social, agora forte em função da acumulação de riquezas, passou a construir movimentos que foram fundamentais para a consolidação do capitalismo enquanto poder hegemônico. 

Inicialmente foi a instituição dos chamados Estados Absolutistas Nacionais, com a unificação de vários reinos, sob a direção de um rei absolutista, que detinha todo o poder em suas mãos, submetendo ao seu poder todos os outros senhores feudais, através da formação de um exército patrocinado por essa burguesia. Outro movimento fundamental para instituição do novo mundo a partir da ótica burguesa foi o Renascimento Cultural, este que teve como base a Itália, tratou de trazer de volta os princípios da cultura clássica Greco-Romana, em substituição dos princípios culturais implantados pela Igreja Católica durante a Idade Média.
Os princípios da Renascença, gradativamente foram substituindo os princípios do Idealismo Católico que nortearam a vida cultural e social da Idade Média, e do modo de produção Feudal, criando um novo mundo, uma nova sociabilidade fundamentada nos princípios do Racionalismo, Individualismo, Humanismo, Otimismo, e Centralismo Político, garantindo a base filosófica e teórica para o surgimento do modo de produção capitalista.

Um novo mundo passa a nascer a partir da Europa Ocidental. Mesmo sofrendo a crítica direta e a oposição da Igreja Católica Apostólica Romana, que por ser detentora do poder na sociedade feudal, se levantava contra os novos ventos da sociedade burguesa. Para a burguesia, restava vencer definitivamente a Igreja Católica, enfraquecendo seu poder e garantindo a hegemonia do seu modo de vida. Para isso, iniciou o processo de construção de um novo pensamento religioso que atestasse os anseios da nova classe social emergente.

Se aproveitando dos diversos erros cometidos pelo Alto Clero Católico, que buscava adaptar-se ao novo mundo burguês, ao mesmo tempo em que procurava garantir a manutenção dos seus privilégios e de sua riqueza, criando as vendas de Indulgências, vendas de Relíquias Sagradas, essa burguesia se apropriou do discurso de clérigos como Martinho Lutero, João Calvino, John Wycliffe, John Huss entre outros, que divergiam da ação e do pensamento da Igreja Moderna e promoveu a chamada Reforma Religiosa, criando as Igrejas Protestantes.

Uma ação política que, enfraqueceu o poder religioso e político da Igreja Católica e em alguns países foi completamente substituída por novas religiões, que também tinha o Cristianismo como fundamentação teológica, mas o discurso se aproximava do pensamento burguês no que tange o modelo de sociedade em que deveria a humanidade viver. Passaram a defender o lucro, a acumulação de riquezas, o trabalho como forma de dignificação do homem, justificando o processo de exploração do homem pelo homem, tudo que a burguesia precisava para garantir o poder sociocultural sobre a sociedade.

Durante toda a Idade Moderna, que compreende os séculos XV ao século XVIII, prevaleceu essa lógica da acumulação capitalista burguesa, era a primazia da Revolução Comercial, do mercantilismo sobre o feudalismo, o momento em que a classe burguesa se apodera do poder político e passa a questionar toda a ordem feudal, mesmo fazendo parte de Monarquias absolutistas, que ainda mantinham resquícios da antiga sociedade medieval.

A partir do final do século XVII e durante os séculos XVIII e XIX, a burguesia inicia um novo período de lutas, em busca da consolidação definitiva da sua visão de mundo sobre a sociedade, o que Eric Hobsbawm chamou de “Era das Revoluções”.

No século XVII, a nova burguesia que agora se tornava proprietária dos meios de produção, e que havia se enriquecido com o comércio, passou a perceber que somente a atividade comercial não rendia o lucro que esta nova classe almejava. Depois te ter acumulado muitas riquezas com o processo de colonização da América e de algumas regiões da África, a burguesia européia, compreendeu que se produzisse ela mesma o produto para ser comercializado, teria maior rentabilidade, o capitalismo comercial começa a ser substituído pelo capitalismo industrial, sobretudo na Inglaterra de onde surge a primeira Revolução Industrial.
O mundo muda mais uma vez a favor do crescimento desta nova classe social, que se torna a mais forte do ponto de vista econômico, e que precisa objetivamente dominar o poder político que ainda estava nas mãos do Reis Absolutistas. É nesse momento que a burguesia inicia sua jornada, objetivando a conquista definitiva do poder político na Europa e no Mundo.

Inicialmente com a Revolução Gloriosa na Inglaterra, onde a burguesia pela primeira vez assume de fato o poder político ainda no final do século XVII, já no século XVIII, aconteceu a Independência dos Estados Unidos da América, logo depois veio a Revolução Francesa que se estendeu até o século XIX e se tornou uma referência importante para a eclosão de movimentos de independência por toda a América de Língua Espanhola e para movimentos que iniciaram as lutas pela independência do Brasil.

Era a história em movimento, grandes mudanças acontecendo no planeta em função da ação da burguesia e do nascimento do capitalismo. É preciso ressaltar que para a burguesia, eles estavam criando o mais belo dos mundos, uma visão que pode ser percebida com facilidade nos trabalhos de Thomas Moore, John Locke, Adam Smith, David Ricardo entre outros pensadores do modo de produção capitalista.

Com o desenvolvimento do modo de produção capitalista, a história começa a dar conta de que a prática deste novo modelo, não correspondia a utopia de sua teoria, o mais belo dos mundos não veio, na verdade logo nos primeiros momentos da chegada da burguesia ao poder e da eclosão da segunda Revolução Industrial, o cenário era desolador. A classe trabalhadora, o trabalhador assalariado que passa ser a mão de obra utilizada para produzir riquezas, percebeu que seu destino estava traçado. A riqueza produzida por eles era apropriada pelo dono do meio de produção que não distribuía essa riqueza, ao contrario, passou a acumular mais e mais, enquanto aqueles que a produzia eram relegados a condição de pobreza, de abandono dos direitos fundamentais da vida, uma grande maioria jogada a miséria.

Os capitalistas perceberam que precisariam manter um grande exército de desempregados como ferramentas reguladoras na relação conflituosa entre capital x trabalho, ou seja, o empregado que não aceitasse a relação de dominação e de exploração de sua mão de obra, seria tranquilamente substituído por um desempregado, membro deste exército de reservas de mão de obra para as indústrias cada vez maiores e mais produtivas.

Esse modelo de desenvolvimento ainda em atividade por todo o planeta mantém toda a estrutura de exploração e todos os mecanismos de dominação da classe que vive do trabalho. O capitalismo, mesmo sofrendo alterações em sua aplicabilidade prática ao longo da história do século XX, não superou o mecanismo de exploração dos trabalhadores, a “mais valia” (diferença entre o valor do produto, produzido pelo trabalhador, para o salário que ele recebe pela produção). Na verdade ampliou o processo de exploração, compreendeu que todo o planeta é um ente gerador de lucro para acumulação dos capitalistas, compreendeu que tudo que se refere à vida humana pode gerar lucro e acumulação de riquezas e em função disto, continua a explorar o homem, a vida e o planeta de forma predatória.

No século XXI, é visível até para o senso comum, o quanto o capitalismo se tornou nocivo para a sociedade, a perca dos valores que humanizam os indivíduos, a substituição do sentimento de amor pela vida, pelo ódio generalizado no conjunto das sociedades, que tem causado tanto mal a vida humana e a vida do planeta de forma geral, as sucessivas guerras que eclode em todos os cantos, com objetivos de garantir a manutenção do lucro e da acumulação de riquezas, o descaso com os pobres do planeta, por parte dos países desenvolvidos, a exemplo dos países africanos, que devido à exploração capitalista do final do século XIX e meados do século XX foram empobrecidos e hoje completamente abandonados por não terem mais a capacidade de produção de lucro para acumulação de capital para os países desenvolvidos, o baixo índice do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) nos países subdesenvolvidos e em desenvolvimento, o crescimento do crime organizado por todo o mundo e que hoje divide poder com o Estado de Direito. Tudo isso demonstra claramente que o sistema capitalista mostrou sua incompetência na geração da vida plena e no desejo de seus pensadores em está construindo o mais belo dos mundos.

Como se não bastasse todas essas situações apontadas acima, o modelo de desenvolvimento capitalista, ainda apresenta outros problemas. Mesmo nos países desenvolvidos, onde as condições objetivas da vida humana, não se diferenciam tanto, se percebe um grave problema social, como por exemplo, o individualismo das pessoas, a necessidade extrema de trabalhar para acumulação de riquezas como garantia de vida digna, leva ao isolamento das relações interpessoais, o que tem acarretado no crescimento de problemas psicossomáticos, como a depressão, esquizofrenia, síndrome de pânico entre outros problemas desta ordem, que culminam com um alto índice de suicídio entre a juventude, para comprovar isso é só observar os altos índices em países desenvolvidos, com alto IDH, como a Suécia, Suíça e Japão.

Desta forma é fácil perceber que o capitalismo não deu conta da construção do mundo onde a vida plena seja efetiva, não conseguiu responder as necessidades de felicidade da humanidade, não garantiu o bem estar financeiro da população mundial, não garantiu a sobrevivência das espécies e trabalha arduamente para a extinção da vida no planeta.

É preciso repensar o mundo em que vivemos, é preciso compreender que somos parte do ecossistema e que temos a obrigação de lutar para que ele tenha vida em plenitude, é preciso superar esse modelo de desenvolvimento e propor outro, onde a vida prevalece sobre o desejo de lucro e da acumulação de riquezas, um mundo onde o amor vença o ódio, onde os seres humanos reaprendam a respeitar o diferente e as diferenças, onde a paz definitivamente seja o caminho buscado por toda a espécie humana.

_______________
 * João Paulo Pereira é graduado em História pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Especialista em Gestão Educacional pela Universidade de Ciências, Filosofia e Letras de Candeias; Professor da Rede Pública  Estadual e Coordenador Municipal de Modalidade de Ensino Educação Jovens e Adulto de Anagé e militante dos Agentes de Pastorais Negros do Brasil. (APNS)

O significado da palavra ÉXU e sua importância para as religiões de Matriz Africana.

Exu é o orixá da comunicação


A palavra "Exu" significa, em ioruba, "esfera", aquilo que é infinito, que não tem começo nem fim. Exu é o principio de tudo, a força da criação, o nascimento, o equilíbrio negativo do Universo, o que não quer dizer coisa ruim. Exu é a célula mater da geração da vida, o que gera o infinito, infinita vezes.


É considerado o primeiro, o primogênito; responsável e grande mestre dos caminhos; o que permite a passagem o inicio de tudo. Exu é a força natural viva que fomenta o crescimento. É o primeiro passo em tudo. É o gerador do que existe, do que existiu e do que ainda vai existir.

Exu está presente, mais que em tudo e todos, na concepção global da existência. É a capacidade dinâmica de tudo que tem vida. Principalmente dos seres humanos que carregam, em seu plexo, o elemento dinâmico denominado Exu.

É aquilo que no candomblé chamamos de Bára, ou seja "no corpo", preso a ele. É o que nos dá capacidade de agir, andar, refletir, idealizar. Sem o elemento Bára, a vida sadia é impossível. Sem ele, o homem seria excepcional, retardado, impossível de coordenar e determinar suas próprias atitudes e caminhos de vida.

Realmente, Exu está presente em tudo. E damos como exemplo inicial a concepção da geração da vida. O membro ereto do macho tem a presença de Exu- aliás, em terras da África, o membro rijo é o símbolo da vida, o símbolo de Exu - ; a penetração na fêmea, tema a regência de Exu; a ejaculação é coordenada por Exu; o percurso do espermatozóide dentro da fêmea, é regido por Exu; também na fecundação do óvulo Exu está presente. E quando a primeira célula da vida esta formada, a presença de Exu se faz necessária. Já na multiplicação da célula, a regência passa por Oxum, que vai reger o feto até o nascimento.

Exu também está presente no calor, no fogo, na quentura. Presente se faz nos lugares poucos arejados, nos lugares onde existem multidões, nos ambientes fechados e cheios.
Exu está na alteração do ânimo, na discussão, na divergência, no nervosismo. Está presente no medo, no pavor, na falta de controle do ser humano. Também está perto na gargalhada, no riso farto, na alegria incontida. Para nós brasileiros, amantes do futebol, Exu está presente no grito de "gol", que soltamos de forma feliz e nervosa. É o desprendimento do nervosismo contido no peito.

Exu é a velocidade, a rapidez do deslocamento. É a bagunça generalizada e o silêncio completo. Diz-se que Exu é a contradição. É o sim e o não; o ser e o não ser. Exu é a confusão de idéias que temos. É a invenção, descoberta. Exu é o namoro, é o desejo, é o sentimento de paixão desenfreadas e é também o desprezo. Exu é a voz, o grito, a comunicação. É a indignação e a resignação. É a confusão dos conceitos ba´sico. Aquele que ludibria, engana, e confunde; mas também ajuda, dá caminhos, soluciona. É aquele que traz dor e a felicidade.

Para se ter uma noção do comportamento e da regência paradoxal de Exu, cito um de seus Orikis (versos sarados), que diz;
" Exu matou um pássaro ontem, com a pedra que jogou hoje"
Assim, pode-se ter uma idéia exata de quem Exu é, como é, e como rege as coisas. Ele esta presente em tudo..... em nada.

Exu esta presente no consumo de substâncias tóxicas, no álcool, na droga, no fumo. Ele é o sólido, o liquido e o gasoso. Está nas conversas de esquinas, de bares, de restaurantes, de praças. Está na aceitação ou recusa de qualquer coisa.

Está presente também nas refeições, pois ele é quem rege o ato de mastigar e engolir. A gula é atributo de Exu. Está no coito, no prazer sexual, na preguiça; mas também está presente na disposição, na energia, sem querer com isso carregar peso, pois Exu não gosta de carregar peso. Outro Oriki fala claramente sobre esta sua particularidade:

" Xonxô obé, odara kolori erú"

" A lâmina (sobre a cabeça) é afiada; ele não tem cabeça para carregar fardos"

Exu é tudo isso e mais. Fogo é o seu elemento, mas a Terra e o Ar são bem conhecidos de Exu. É a presença constante!
Mitologia

Exu é filho de Iemanjá e irmão de Ogun e Oxossi. Dos três é o mais agitado, capcioso, inteligente, inventivo, preguiçoso e alegre.É aquele que inventa historias, cria casos e o que tentou violar a própria mãe.

Numa de suas muitas histórias, podemos entender exatamente suas capacidade inventiva, sua conduta maquiavélica e sua maneira pratica de resolver seus assuntos e saciar seus desejos.

Conta-se que dois grandes amigos tinham, cada um deles,um pedaço de terra, dividido por uma cerca. Diariamente os dois iam trabalhar, capinando e revirando a terra, para plantio.Exu, interessado nas terras, fez a proposta para adquiri-las, o que foi negado pelos agricultores. Aborrecido, mas determinado a possuir aqueles dois terrenos, Exu procurou agir. Colocou na cerca um boné. De um lado branco, de outro vermelho. Naquela manhã, os amigos lavradores chegaram cedo para trabalhar a terra e viram o boné na cerca. Um deles via o lado branco e outro o lado vermelho.

Em dado momento, um dos amigos pergunto: - "O que este boné branco faz em minha cerca?" Ao que o outro retrucou: - "Branco? Mas, o boné é vermelho!"
- Não, não, amigo. O boné é branco, como algodão!
- Não, não é mesmo! É vermelho como o sangue!
- Não sei como você pode ver vermelho, se é branco, está louco?
- Não, o louco é você, que vê branco, se a coisa é vermelha!

Bem, daí desencadeou-se a maior discussão, até chegarem à luta corporal. E com as mesmas ferramentas de trabalho, mataram-se.

Exu, que de longe assistiu a tudo, esperando o desfecho já imaginado por ele, aproximou-se e assumiu a posse das terras, não sem antes fazer um comentário, bem ao seu estilo:

- Mas que gentes confusas, que não consegue solucionar problemas tão simples!
Esse é o tipo de Exu!

Não quero passar a impressão de que se trata de uma coisa ruim, má, mas Exu é nosso próprio interior, é a nossa intimidade, o nosso poder de ser bom ou mau, de acordo, com nossa própria vontade. Exu é o ponto mais obscuro do ser humano e é, ao mesmo tempo, aquilo que existe de mais óbvio e claro.

Assim é Exu, Senhor dos caminhos, pai da verdade e da mentira. O Deus da contradição, do calor, das estradas, do princípio ativo de vida. O mestre de tudo... e nada!

quarta-feira, 24 de julho de 2013

O futuro da classe média




* Por  Silvio Caccia Bava

Passado o momento das eleições, em que a imagem de um “Brasil que deu certo” foi apregoada aos quatro ventos, é preciso reconhecer que, mesmo com a maré boa de crescimento econômico e com as políticas sociais do governo federal que permitiram uma redução substantiva do número de pobres e miseráveis, estamos muito longe de superar nossos problemas estruturais, especialmente a desigualdade social, que continua sendo das maiores do mundo.


 A rigor, os analistas que convidamos para colaborar com esta edição, identificam como classe média apenas o segmento que em 2009 correspondia a 7,7% da população, a chamada “alta classe média”, como aponta Waldir Quadros; os demais são trabalhadores qualificados que melhoraram seu padrão de consumo; são também os trabalhadores menos qualificados que tiveram acesso a uma renda maior em razão dos programas sociais. 

A melhoria do poder aquisitivo e das condições de vida se deu de maneira mais significativa entre os mais pobres, na base da pirâmide social. Ao lado disso, o crescimento econômico e a abertura de novos empregos formais geraram oportunidades de ascensão social para que alguns setores menos pobres possam aspirar a se tornar classe média. As estimativas são de que cerca de 1,7 milhão de pessoas possa vir a se beneficiar deste momento e, neste movimento de ascensão social, venha a participar desta “alta classe média”. Ainda que seja expressiva esta quantidade de pessoas, ela não permite projetar, num futuro próximo, que o Brasil se torne um país de classe média.

O aumento do consumo é uma realidade que pode se verificar em muitos setores e que interessa primeiramente aos beneficiários diretos, mas também a todos que apostam na consolidação do mercado interno. Mas este aumento do consumo não reflete somente os ganhos de renda, ele também se deve a um crescente endividamento pessoal, que já chega hoje em torno de ¼ dos ganhos mensais, conforme dados do Banco Central1. Em comparações com a capacidade de endividamento pessoal em outros países, até que estes valores são moderados, mas não podemos esquecer o fator da desigualdade e da baixa renda da grande maioria no Brasil, que não estão presentes nos países onde o endividamento é maior.

Se tudo correr bem e o Brasil continuar crescendo a taxas importantes nos próximos anos, não haverá problema, este endividamento é parte da própria estratégia de ampliação de mercado e beneficia mais a uns que a outros, mas beneficia a todos. Se, no entanto, nossa economia sofrer o impacto da desaceleração dos países industrializados (que consomem algo como 86% da riqueza produzida no mundo) e da sobrevalorização do real (que estimula uma política de importações e ameaça os produtores nacionais), as coisas podem tomar outro rumo e os endividamentos podem se tornar um problema.  

Os segmentos de crédito que tem mais crescido são o da compra de automóveis e de imóveis. E, nestes casos, estamos falando de financiamentos de médio e longo prazo. Se considerarmos que os períodos de crescimento se alternam com períodos de recessão nos ciclos do modo capitalista de produção, se considerarmos que as razões da crise financeira de 2007-2008 não foram debeladas e os global players das finanças continuam animando o cassino financeiro internacional, ainda mais poderosos que antes,  então são necessárias políticas que defendam o mercado interno e a produção nacional, para garantir empregos e proteção contra as crises que virão.

Uma parte importante dos benefícios que asseguram uma melhor qualidade de vida depende dos serviços e equipamentos públicos. São eles que garantem a universalidade de certos direitos, como educação, saúde, saneamento, transporte público, moradia. E é o Estado que tem a responsabilidade de prover estes serviços e equipamentos. Há aqui uma grande frente de investimentos em razão mesmo do déficit social acumulado. Só para dar um exemplo, quase a metade das residências brasileiras não tem esgoto.

Ser classe média não significa somente possuir um pouco mais de dinheiro para gastar, significa apropriar-se de conhecimentos e desenvolver potencialidades que habilitam o cidadão a entrar em outro universo simbólico e de valores, como discute Jessé Souza em seu artigo. Para isso, o investimento em educação, e educação de qualidade, é fundamental. O acesso aos bens culturais e até sua autorrepresentação frente à sociedade, sua auto-estima, contam muito. No fundo, se tornar classe média significa abandonar ou superar aquele lugar subalterno que a educação produzida pelas elites definiu como o lugar dos trabalhadores, das maiorias. As eleições criaram condições para se pensar em um novo modelo de desenvolvimento. E o futuro da classe média depende disso.


Silvio Caccia Bava
Diretor e editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil


1“Serasa aponta risco de superendividamento...”; Carolina Matos; Folha.com; 24/10/2010.

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