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quinta-feira, 26 de setembro de 2019

O Prefeito de Vitória da Conquista quer quebrar a Santa Casa de Misericórdia.




"Todo esse esforço coletivo hercúleo poderá ser em vão, pois o prefeito de Vitória da Conquista está disposto a destruir a instituição filantrópica (...)"

*por Herberson Sonkha

O prefeito e seu staff têm explicações para tudo, mesmo que esses esclarecimentos não passem de uma catilinária contra algum desafeto – velado ou declarado. Mas, para a funcionalidade tecnicamente correta da máquina do Estado – administração pública – esse tipo de narrativa incongruente não serve para resolver os problemas que se avolumam diariamente em todas as áreas desse governo.

E isso independe da competência técnica, da habilidade para mediar conflitos e do compromisso de quem ocupa os cargos de confiança, pois o problema reside exatamente em quem ocupa a cadeira de prefeito.


Por isso, estou escrevendo sobre a situação financeira temerária da Santa Casa de Misericórdia de Vitória da Conquista neste momento, pois a causa da origem de desequilíbrio financeiro e econômico do hospital está no comportamento político do prefeito. Neste sentido, a Santa Casa vive o drama de ter prestado o serviço, ser colocada em suspeição quando questiona a informação prestada à secretaria, não receber e ainda ser ameaçada de judicialização.

Para fazer funcionar a gestão não é suficiente apenas a retórica impecável – ou mesmo a bufonaria, pois além de não solucionar efetivamente os gargalos naturais de uma gestão, criam outros mais desastrosos, a exemplo da Santa Casa. A situação da saúde é gravíssima e começou a dar sinais desde o primeiro ano governo, mas tornou-se público depois da fala misógina contra a presidente do Conselho Municipal de Saúde, a professora Monalisa Barros, no episódio da policlínica que ainda se arrasta com o não pagamento da parcela do consorcio, até este momento em que estou escrevendo esse texto.

Antes de abordar essa questão propriamente dita, gostaria de mostrar um pouco a importância histórica dessa instituição de saúde para a região sudoeste, sobretudo pela imprescindível filantropia realizada pela Santa Casa de Misericórdia para a população carente de Vitória da Conquista e região.

A Santa Casa de Misericórdia ou simplesmente Santa Casa – pois a nomenclatura é o que menos importa – foi adotada pela população conquistense que a tem como um lugar aprazível de acolhimento de enfermos, especialmente para quem não tem condições de custear com recurso próprio os exames e procedimento médicos que vão desde o ambulatorial, diagnóstico por imagem, consultas médicas até incisões cirúrgicas de alta complexidade.

Depois do financiamento do SUS para procedimento de média e alta complexidade, o hospital tornou-se um gigante nesse segmento de saúde bastante conhecido pela comunidade regional, exatamente pela relevância de seus serviços – isso chega a mais de 70% de oferta de serviço aos SUS. Esse portfólio de serviços e a ofertas de leitos vêm garantindo há décadas que a população pobre possa ter atendimento qualificado. Esse atendimento é fundamental e de incomensurável importância, sobretudo em momentos difíceis de grande sofrimento de familiares e amigos por causa da dor de um ente querido.

O que não significa que essa instituição não tenha problemas financeiros e dificuldades econômicas, inclusive no atendimento à população referenciada. O diferencial está na disposição administrativa em oferecer a população um bom serviço e na busca pela humanização no atendimento por meio de sua equipe multiprofissional. Isso passa pelo planejamento administrativo e financeiro e custeio dessas ações, pois não existe preço na filantropia e sim custo para execução desses serviços.

Todo esse esforço coletivo hercúleo poderá ser em vão, pois o prefeito de Vitória da Conquista está disposto a destruir a instituição filantrópica da dimensão e da importância da Santa Casa. Apenas com uma canetada aproximadamente na ordem de 4 milhões, o gestor destruirá dezenas de milhares de postos de trabalho, impedirá mais de 20 mil pessoas (por mês) de serem atendidas. Isso levará o município ao mais absoluto sofrimento humano e financeiro.

O prefeito orienta a sua equipe de governo a contrariar o princípio elementar da Constituição Federal (1988), regra pétrea do ordenamento jurídico brasileiro, com a qual todas as outras normas se amparam para fundamentar o princípio da legalidade. Trata-se do Art. 5º que diz que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, portanto esse entendimento normativo é escultor de uma das mais belas expressões jurídicas “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Essa justa razão não exime a Administração Pública do cumprimento de tal princípio, que tem como finalidade estabelecer o Princípio da Legalidade como garantia constitucional e não um princípio individual.

O gestor age à margem da lei – neste sentido é marginal – ao praticar o crime de subtração de valores da Santa Casa de Misericórdia, ferindo o princípio da legalidade ao sequestrar da mesma um valor na ordem de R$ 340.239,44. Pasme meu caro leitor, pois agira à revelia da lei. O sequestro de bens ou dinheiro à pessoa física ou jurídica só é legal se for por decisão judicial – transitada em julgado – ou decorrente de acordo celebrado em sã consciência e juízo perfeito por ambas as partes.

O ofício draconiano – DRAC 043/2019 – continha o Parecer Técnico (02) expedido pela Auditoria da Secretaria Municipal de Educação, por meio do qual apresentou sua análise das metas físicas fixadas (anterior e posterior) como justificativa do sequestro. Negou peremptoriamente o direito à ampla defesa da citada, tratando-a apensa como uma reles apenada, sob a alegação de não haver prestado o serviço (crime de falsificação de informações contábeis?) informado pela conveniada referente à competência de junho de 2019, conforme prevê o Plano Operativo Anual (POA) de 2017 estabelecido no Convenio 002/2013.

Aqui temos um gestor do poder executivo que golpeia a legislação e toma para si as duas outras atribuições do Estado (legislativo e judiciário) numa clara demonstração de absolutismo (des)esclarecido, uma reedição do bonapartismo em que sub-repticiamente assume todos os três poderes, aniquilando o princípio do Estado moderno presente na obra. Do espírito das Leis, uma flagrante destruição da obra Montesquieu.

Esse clássico publicado em 1748 subsidia a formulação de conceitos chaves para desenvolvimento das formas de governo e exercício da autoridade política moderno, alicerçadas nas teorias da ciência política que vem influenciando profundamente o pensamento da democracia contemporânea. Esse politicamente tosco e ignóbil gestor ataca vorazmente à esquerda, e não menos a direita tradicional – liberal – ao adotar medidas inconstitucionais.

Esse troglodita na política municipal vem ferindo de morte a própria dinâmica do mercado capitalista local, mesmo tecendo loas ao deus mercado capitalista e suas benesses limitadas apenas aos proprietários do grande capital. Não pagar o fornecedor (quando se tem recurso para...) é estrangular o próprio movimento de reprodução do capital e isso não significa que ele seja um comunista – teoria e práxis - comprometido com a emancipação humana por meio da revolução. Nem ele e nem ninguém do seu staff perdido poderá se regozijar em Lucas 23:34, “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem”.

Esse ato político amealhado por uma suposta justificativa técnica – como bem disse o secretário municipal de saúde é um “entendimento” – fere de morte o princípio legal do equilibro financeiro e econômico do conveniado. Essa ação não passa de uma judicialização criminosa contra o hospital. Isso põe risco à saúde da Santa Casa que já acumula prejuízo na ordem de R$ 8 milhões, valores contabilizados e não explicados pelo atual prefeito que pretende acabar com uma história de mais de 105 anos nessa cidade.

As explicações para o atraso de dois meses são evasivamente tergiversantes – vagas e pouco convincentes – embora não seja admitido pelo secretário que as toma como se fossem uma decisão estritamente sua, sabemos que esta decisão está fortemente ligada à indisposição do prefeito em não pagar essas faturas atrasadas. Vide a exoneração da última ex-secretária de saúde, exatamente porque pagou uma dessas faturas em atraso. Só não compreende se não quiser porque esse bizarro protagonismo dessa destruição financeira e econômica da Santa Casa de Misericórdia é inexoravelmente do prefeito.

Concluo dizendo que a declaração do emissário do prefeito, o secretário municipal de saúde de não pagamento das duas parcelas em atraso e a não restituição do ilegal sequestro de valores da Santa Casa culminará no fechamento do hospital. Isso evidencia o quanto é perigoso esse governo para o crescimento socioeconômico e político do município de Vitória da Conquista. A perda de um único hospital filantrópico na cidade causará retrocesso, pois deixará de contar com o amplo portfólio de serviços de saúde indispensáveis para atender a imensa rede regional de saúde, com uma população que flutua aproximadamente entre 8 e 10 milhões de pessoas.

Esse universo não está circunscrito apenas as 17 cidades do território de Vitória da Conquista, mas a um fluxo irregular migratório das 08 microrregiões, num universo de 118 municípios baianos e do norte de Minas Gerais, que vem a Vitória da Conquista em busca de serviço especializado de saúde (público e privado). Esse volume é que move a economia conquistense que vem transformando economicamente o município que é a terceira maior cidade do Estado da Bahia.

sexta-feira, 20 de setembro de 2019

O PG de Rui e Ciro: sem retrovisor e nem farol para a classe trabalhadora e as populações subalternizadas.



"Nesse sentido, tanto Ciro Gomes quanto Rui Costa, estão distantes do social liberalismo que Rousseau propôs"

*por Herberson Sonkha

Motivado pela insigne escrita do historiador João Paulo Pereira, intitulada “SOBRE CIRO E RUI, DE MAL A PIOR”, quero apenas pontuar algumas questões sobre o que considero ser importante para ajudar a superar esse cansativo debate sobre a incoerência ideológica e a práxis política de Ciro Gomes e Rui Costa, frente ao que dizem defender.

Essa parcimônia de intelectuais petistas (da maioria das tendências e coletivos internos) e aliados em admitir a incoerência na conduta institucional de Rui Costa, igualmente a dos adeptos do chamado “Ciro Atômico” em reconhecer que o programa de governo de Ciro Gomes é híbrido (portanto inconfundivelmente igual ao de Rui Costa), aliás, com ascendência do pensamento neoliberal é ludibriar a credulidade das pessoas mais simples. São programas de governos com justiça social na tinta, mas na prática programa as principais diretrizes do neoliberalismo.


Essa discussão sobre a prática institucional desses senhores está longe de ser uma polarização intelectual no campo da economia, ou entre economistas, sobre Estado o mínimo, máximo ou “necessário” da socialdemocracia (da extinta terceira via). Trata-se da total ausência de honestidade teórica e intelectual de parte da militância para analisar a questão criticamente, como bem afirma o historiador autor do texto citado em análise.

Sobre esses dois agentes políticos da política partidária, de acordo com o que disse o historiador - "Os dois estão no mesmo campo" – poder-se-ia afirmar que eles estão a serviço da manutenção ipsis litteris do contrato social estabelecido inicialmente pela revolução burguesa e adequado no decurso do processo histórico, dadas as contradições sui generis da civilização burguesa.

Este é o Estado criado por esta sociedade civil, portanto um ente acima dos homens que vai regrar as relações sociais por meio do contrato social formulada pelos ideólogos do liberalismo John Locke e Tomas Hobbes que vislumbram o ser humano em seu estado de natureza propenso a abrir mão dessa condição para manter-se vivo. Tem-se aqui uma evolução teórica entre estes dois pensadores do liberalismo clássico, tendo Hobbes definido o estado de natureza como sendo o “estado de guerra, insegurança e violência”. Para Locke esse estado pode ser de “paz e harmonia com homens dotados de razão e consumidores da liberdade e dos direitos naturais”.

Aqui é o berço do liberalismo econômico que vai possibilitar a teoria embrionária do Consenso de Washington e seu receituário neoliberal para os países subdesenvolvidos, principalmente a América Latina a partir da década de 70.

Ainda no berço de nascimento da corrente liberal, vai ocorrer contraposição sistemática a esses dois pensadores clássicos do liberalismo contratualistas, o francês Jean Jacques Rousseau, vai desenvolver sua obra no árido campo da política e do poder, abordando questões relacionadas a esse universo entre relações sociais, governo e o Estado, especialmente o diálogo sobre a soberania e as leis, forma de governo e direito ao voto universal e contrapondo-se a propriedade privada. Aqui está surgindo embrionariamente o social liberalismo.

Exceto Rousseau, os pensadores clássicos vão criar uma teoria que vai subsidiar o desenvolvimento de mecanismos jurídicos capaz de evitar conflitos que impossibilite o sistema de continuar executado o programa político sem mesma finalidade do sistema capitalista, pois são eles que tratam de escrever periodicamente upgrades para atualização do sistema, diante de inúmeros bugs que interrompem a operacionalização sistêmica, as chamadas crises cíclicas (cada vez menores) de falha lógica, intrínsecas a própria consecução do capitalismo.

Nesse sentido, tanto Ciro Gomes quanto Rui Costa, está distante do social liberalismo que Rousseau propôs (lembrando o fato de negar a propriedade privada o aproxima das leituras de Karl Marx no sentido de analisar a coerência revolucionária dos liberais que antecedem a revolução burguesa na França, pois ele morre 11 anos antes de conflagrar o levante popular na França) e inversamente próximo do liberalismo econômico de Locke e Hobbes de caráter conservador, como bem observa Karl Marx em algumas obras.

Marx esboçar inicialmente os fundamentos da crítica sistemática ao pensamento liberal em 1844 Manuscritos econômico-filosóficos (ou Manuscritos de Paris), em seguida escreve conjuntamente com o Friedrich Engels a obra Ideologia Alemã escrita entre 1845-1846, um ano depois a Pierre-Joseph Proudhon em sua obra à Filosofia da Miséria de Proudhon escrito em 1847 e posteriormente na crítica mais sistemática ao pensamento filosófico Hegel. Um itinerário do pensamento marxiano que desnuda o caráter revolucionário da tradição intelectual liberal depois de 1789. Tendo feito essas ponderações iniciais, posso partir para analisar as questões relacionadas ao caráter (pragmático) desses políticos da política instituída pelo Estado liberal e sua ordem civil burguesa.

A primeira delas é afirmar peremptoriamente que Ciro Gomes é um excelente professor de direito tributário e constitucional com publicações interessantes no campo da economia política[1]. Não menos controverso, enquanto político egresso das hostes conservadoras, com algum êxito na institucionalidade liberal burguesa em função das políticas públicas liberais adotadas ao longo de sua carreira.

Ideologicamente definido como social liberal no campo político, mas também conservador no campo econômico por adotar recomendações privatistas e reducionistas da dimensão do Estado para torna-lo superavitário, nesse sentido Ciro Gomes segue zigzaguiando entre legendas da direita conservadora ao centro.

Aqui posso afirmar que Ciro Gomes é um excelente técnico da máquina estatal, profissional adequado para o perfeito funcionamento da robusta maquinaria do Estado social liberal, um bom técnico de manutenção da institucionalidade burguesa. Um político admirável de retórica incisiva em tempos de desonestidade intelectual e afrouxamento ideológico na postura de dirigente. Um liberal fora da curva que diverge da tradição oligárquica de onde veio.

Ele tem vocação ao estrelato eleitoral no campo da direita ou mesmo ao centro. Isso não diminui a sua importância nesse momento histórico em que o Brasil envereda desastrosamente pelo descaminho da imersão à extrema-direita. Desde que não seja para capitanear uma frente ideológica de esquerda.

É inquestionável a relevância política de Ciro Gomes para o nordeste, exatamente pelo fato de que algumas dessas políticas públicas adotadas por ele deram algum resultado positivo em seu Estado, absolutamente atrasado e ainda sob forte influência de oligarquias tradicionais do Nordeste.

Isso pode ser percebido pela polêmica graúda estabelecida na Folha de São Paulo, seção Opinião, por ocasião do comentário explicativo escrito pelo professor da Universidade de Harvard (Cambridge, EUA), o filósofo Roberto Mangabeira Unger a Luiz Nassif sobre o comentário hostil feito a Ciro Gomes como pesquisador em Harvard Law School[2].

Só para constar, o comentário de Luis Nassif em sua coluna (Nascimento de um oligarca) instigou o intelectual de proa do social liberalismo brasileiro, o filosofo Unger a reagir com hostilidade contra o improcedente script nassifiano, um notável pensador social liberal que tem algumas obras publicadas dentro e fora do país que trata teoricamente de filosofia, teoria social e direito, validada por intelectuais de peso (Jürgen Habermas e Richard Rorty) ao mencionar Unger em suas obras.

A segunda diz respeito a Rui Costa, um ex-sindicalista militante do Polo Petroquímico de Camaçari, vereador de dois mandatos em Salvador e deputado federal licenciou-se estrategicamente da câmara para assumir a Casa Civil, adotando uma tática contrafeita aos princípios ideológico do partido (inclui-se alianças com o espolio carlista) para pavimentar a sua chegada ao Palácio de Ondina.

Rui Costa tem formação em ciências econômicas na UFBA, mesmo com uma trajetória política e militância dentro e fora do partido, esse carreirista nunca publicou nada na área que merecesse atenção ou reconhecimento por ser um especialista em uma das áreas de estudo das ciências econômicas, um notável pesquisador ou mesmo um respeitável intelectual. Nunca imprimiu seu pensamento para apreciação crítica coletiva, mas articulou nos bastidores do poder a ascensão a cargos eletivos.

O detentor de título superior não excede a condição de mais um diletante do liberalismo privatista, que faz couro com os corolários do Estado mínimo, que pratica o assalariamento da classe trabalhadora (setor público) e é implacável ao adotar escorchantes mecanismos fiscais, isso não conta evasão de divisas de grandes capitais sonegadores que passam ao largo da austeridade fiscal e da tributação de 14% da alíquota nas costas da classe trabalhadora. Enfim, um aproveitador da credulidade e da ignorância das pessoas simples, um prevaricador de princípios ideológicos do Partido dos Trabalhadores.

Este senhor se elegeu governador instrumentalizando abertamente a Casa Civil (transformada num balcão de negócios para cooptar carlistas), mas também foi favorecido pela onda das mudanças ocorrida no Brasil a partir da vitória eleitoral expressiva de Lula, à mesma que elegeu Jaques Wagner governador em 2007, por isso se atribui a ele mais dois predicativos: hipócrita e demagogo.

O sentimento de mudança que movia o eleitorado baiano cansado do chicote de ACM nas costas estava alicerçado na esperança de grandes transformações econômica, social e política dos (as) baianos (as), especialmente pelo desejo de se livrar do perverso espectro do carlismo que rondava a Bahia, mesmo com a morte de seu principal líder, o carrasco coronel Antônio Carlos Magalhães, o terrível ACM.

E, em terceiro e último ponto, gostaria de abordar o árido campo das ciências econômicas, trincheira de anteparo da matriz de pensamento econômico liberal, contrapondo-se ao conceito clássico de economia política (essas expressões não dizem a mesma coisa) que amplia essa ciência para compreensão das relações sociais de produção, circulação e distribuição de bens materiais e as “leis” (não no sentido dado pelo jusnaturalismo) que regem essas relações.

Portanto, poder-se-ia dizer sem nenhum receio (e todos nós sabemos) que Ciro Gomes e Rui Costa nunca foram economistas de esquerda, muito menos intelectuais orgânicos dessa parcela de sociedade que efetivamente produz (mercadorias), aquela outra parcela que está formalmente fora do mercado do mercado de trabalho porque não tem vínculo empregatício ou ainda aquela outra parcela informal, autônoma que não ganha dinheiro suficiente para inseri-los na rede local ou mundial de consumo.

Essas três parcelas sobrevivem como pode e não contam efetivamente com a possibilidade de ascensão social com estabilidade ou emancipação humana. Existe um movimento em curso realizado pelo capital que precisa destruir postos de trabalho, acabar qualquer transferência de renda e todas as políticas públicas que dão segurança, proteção e promoção da classe trabalhadora e dessas populações para continuar existindo.

E isto só é possível ser for alimentado desregradamente a sanha desenfreada de seus instintos predatórios, cada vez mais destrutíveis.  Este é o mundo que vivemos, pois é o tempo histórico do desenvolvimento do capitalismo que é dado pela destruição da própria narrativa da história humana. Estamos presos ao presente, sem passado e nem perspectiva positiva de futuro melhor para essas populações.

A sanha de um tempo histórico que anuncia o crepúsculo precoce dos direitos socioeconômicos e políticos da população brasileira. Esse espectro conservador tem como algoz a classe que vive exclusivamente do trabalho e as populações subalternizadas. Os intelectuais orgânicos da classe triunfante desse tempo quebraram o retrovisor e a lente do olhar crítico para o futuro. Eis aí o nosso tempo sombrio!

Existe um chiste circulando nas mídias e redes sociais que atribui a Ciro Gomes uma “olhar” à esquerda. Isso só pode ser uma pilheria mal-intencionada, pois o Ciro Gomes é um político controverso que se esconde em frases de efeito sem consequências maiores para esta ou aquela parcela da população que não sabe exatamente qual é o significado conceitual do que é ser de esquerda.

A esse respeito, o certo crítico liberal italiano de nosso tempo que faleceu em 4 de janeiro de 2004, o filósofo Norberto Bobbio, escreveu sobre isso em seu livro “Direita e Esquerda: Razões e Significados de uma Distinção Política”. Bobbio que alega ter recebido influências diametralmente opostas (Antônio Gramsci e Vilfredo Pareto), vai nos dizer que os dois lados (esquerda e direita) se limitam na contemporaneidade apenas a lutar por reformas, sendo que a direita pela liberdade individual e a esquerda pela justiça social.

No que pese as controvérsias, existe sim algo de verdadeiro na obra de Bobbio, pois percebemos com nitidez o caminho que parte da esquerda mundial, sobretudo no Brasil adotou imediatamente depois dos anos 80. E olhe que esse filósofo morre dois anos depois da ascensão do Lula a presidência do Brasil.

A agenda da reforma é conjuntural e por isso pertence ao linguajar dos partidos políticos tradicionais, portanto sempre esteve presente no horizonte das discussões dos conservadores sobre o futuro de uma nação, especialmente em tempos de crise social e econômica.

A reforma é um paliativo, uma maneira de conceder algumas “vantagens” para acalmar os ânimos dos inconformados e evitar movimentos mais críticos que podem ocasionar convulsões sociais mais profundas e incontroláveis. Quando a sociedade chega a um ponto crítico que ameaça o establishment político, os partidos tradicionais passam a usar estrategicamente a reforma como saída “pacifica” visando desviar-se da generalização da crise instalada, limitando apenas ao mundo das relações sociopolíticas.

A revolução é algo mais profundo, com níveis de complexidade quase imperceptíveis pelos os olhos de senso comum. A conflagração está ligada organicamente as erupções das contradições internas do movimento de reprodução do capital que pode levar a abalos sísmicos que comprometem as estruturas e a funcionalidade de qualquer sistema.

Portanto, a revolução não é algo da cabeça deste ou daquele intelectual iluminado, geralmente não é orgânico da esquerda, mais sim de sua capacidade cognitiva de ler e apreender o movimento real da sociedade, à medida que o capital se reproduz e abrem-se processos contraditórios que devem ser explorados politicamente pela classe trabalhadora e suas instituições políticas.

Nesse sentido, o intelectual orgânico da classe trabalhadora reproduz no plano mental esse movimento concreto e factível, utilizando-se de conceitos categorias que determina em última instancia essa dinâmica e sua tendência estruturante no movimento contraditório da civilização burguesa.

As contradições vão fortalecer exponencialmente a correlação de forças favorável a essa classe, que deve estabelecer uma estratégia-tática de poder dessa classe em disputa. Isso pode em algum momento do processo sócio-histórico conflagrar o levante popular que derrotará esse sistema.

Esse entendimento perpassa a formulação teórica de marxistas que se organizam ortodoxamente em partidos de esquerda. Nessa perspectiva, a teoria política do filósofo liberal Norberto Bobbio não corresponde à realidade, por isso eu disse que existe verdade em parte do que formula, pois ele é superado teoricamente em sua narrativa sobre partidos de esquerda.

A revolução francesa é um marco histórico da revolução burguesa, condição indispensável para a conflagração do movimento revolucionário da burguesia enquanto classe, que derruba o ancien régime para ascender ao poder político do Estado. Evidentemente que o conceito de Estado pensado aqui não o de Estado absoluto, mas sim o formulado pelos liberais.

Que vão pensar formatos para as instituições com representações e autonomia da sociedade civil pensado pelo contrato social de Thomas Hobbes, John Locke e Jean-Jacques Rousseau. Um espaço econômico com liberdade de mercado e cultural no sentido da opinião pública confrontando o Estado.

Ele surge embrionariamente lá no movimento de renascimento cultural e cientifico do século XVI com Maquiavel, vai tomando corpo até o nascimento do Estado moderno pesando por John Locke, John Stuart Mill, Isaiah Berlin, Montesquieu, Voltaire, Benjamin Constant, Immanuel Kant, Adam Smith e Alexis de Tocqueville, John Locke, Montesquieu, David Hume e outros pensadores do liberalismo clássico.

Se tomarmos como referência o tempo histórico do século XVIII, tendo como chão da história a revolução francesa, compreenderemos que foi nas assembleias que antecedem a revolução liberal burguesa que deu acento a burguesia no Estado moderno. Bobbio toma corretamente esse processo histórico para referenciar esquerda e direita. Contudo, o século XIX vai pesar criticamente sobre os limites da revolução política promovido pela burguesia e estabelecer seus movimentos e seu limite na reforma.

É a partir das obras de Karl Marx e Friedrich Engels que vão desenhar outra conformação sociopolítica para a classe trabalhadora traída pela revolução francesa. Eles vão condenar todos os teóricos que até a Revolução francesa defendia a revolução emancipacionista e abrem mão dessa condição transformadora para limitar-se apenas a algumas reformas pontuais toda vez que o capital entrar em crise. E isso não tem nenhuma relação política com as massas exponencialmente oprimidas, exploradas, famintas e violentamente sofridas.

Portanto, encerro minhas considerações apontando uma relação de igualdade entre esses dois sujeitos (Ruis Costa e Ciro Gomes) de nosso tempo, ambos são mercadores do sistema da morte, o capitalismo. Não pretende mudar absolutamente nada do mercado, antes reforça-lo contra os explorados e oprimidos. Não quer esgarçar o Estado liberal burguês para superá-lo, antes mantê-lo e ampliar a instrumentalização deste para beneficiar o próprio sistema em curso.

Eles são mecenas que financiam as ciências, os intelectuais e os projetos da mesma sociedade que derrubou o ancien régime com o propósito de levar a humanidade ao paraíso na terra, ao pleno conforto propiciado pelo desenvolvimento industrial, à bem-aventurança das ciências que multiplicariam a produção do alimento no campo para alimentar a humanidade; ergueria moradia para todas as pessoas transeuntes; construiria transportes rápidos, confortáveis e acessíveis para servir a coletividade; construiria escolas humanizadas, públicas, laicas e de qualidade.

Realmente tudo isso aconteceu, mas não se estendeu a todas as pessoas, pois nunca disseram que o bem-estar pensado pelos liberais, desde Adam Smith e David Ricardo, seria a satisfação de consumir, se limitava apena a liberdade de consumo. Esse é o liberalismo que traz em seu DNA as marcas indeléveis de injustiça social, causada por um sistema que se alimenta da desigualdade socioeconômica e política. Um sistema que cria a fome, o desemprego, a miséria, a inflação e as inúmeras violências física, psicológicas e morais entre as pessoas qualificadas como modernas e avançadas.



[1] No País dos Conflitos escrito em 1994; O Próximo Passo – Uma Alternativa Prática ao Neoliberalismo escrito em 1995; e Um Desafio Chamado Brasil escrito em 2002.

[2] Escreveu Roberto Mangabeira Unger, professor titular de Direito da Universidade de Harvard (Cambridge, EUA) sobre Ciro Gomes: "Li com grande atraso, no caderno de Finanças de 8/01, a coluna de Luís Nassif sob o título 'Nascimento de um oligarca'. Afirma Luís Nassif que Ciro Gomes faz aqui um 'cursinho livre que a Universidade de Harvard preparou para políticos latino-americanos'. É apenas a mais recente das informações fantasiosas sobre a estadia de Ciro Gomes na Universidade de Harvard que tenho lido na imprensa brasileira. Os fatos são os seguintes. Candidatou-se Ciro Gomes a duas posições na Universidade de Harvard: 'visiting scholar' (pesquisador visitante) na Faculdade de Direito e 'fellow' (associado) do Centro para Assuntos Internacionais (CFIA). Foi aceito para ambas. Apesar do grande empenho feito pelo CFIA para que Ciro Gomes aceitasse o convite do Centro, optou ele por ser 'visiting scholar' na Faculdade de Direito. Trata-se de posição destinada cada ano a um pequeno número de pessoas em meio de carreira, vindas de todo o mundo, que procuram desenvolver aqui seus próprios projetos de pesquisa. Por ela passaram alguns dos maiores juristas e estadistas contemporâneos. Ciro Gomes já começa a participar ativamente da vida intelectual da universidade, frequentando seminários e discutindo ideias com os professores. A Universidade de Harvard não ministra, nem nunca ministrou, cursos para políticos latino-americanos." (Publicado pelo site https://www1.folha.uol.com.br/fsp/1995/1/25/opiniao/11.html.

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