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sexta-feira, 8 de junho de 2018

ESTADO OU SOCIEDADE CIVIL: quem tem a responsabilidade de gestar as rupturas?



"Essa idiossincrasia infelizmente salta aos olhos de quem faz apenas política eleitoral, sinônimo de carreirismo em função do “trava nos olhos”.”

por Herberson Sonkha[1]

Mesmo com conflitos de interesses, o Estado até aceita reformas desde que não prejudique os interesses socioeconômicos e políticos das classes em domínio. Enquanto que a sociedade civil, verdadeiro tabuleiro das lutas de classes, pode vislumbrar rupturas radicais contra a sua própria natureza. Senão superar a aparência oferecida pelo senso comum de qualquer fenômeno socioeconômico e político, dificilmente se entenderá esses fenômenos para além daqueles que imputam maledicentemente as grandes rupturas estruturais da humanidade ao ocaso do “envelhecimento”.


Negar a necessidade de rupturas radicais é o mesmo que esconder embaixo do tapete a urgente punição das elites brasileiras, por serem flagrantemente culpadas há séculos por corrupção, estupro, violência institucional e genocídios. Destituído de conhecimento mais elementares (profundo?!) sobre a dinâmica da sociedade liberal burguesa em curso, qualquer pessoa poderá reforçar essa imagem invertida da realidade. Aliás, arremetendo o urgente debate sobre as indispensáveis rupturas estruturais ao rol das discussões consideradas anacrônicas, principalmente por certos interlocutores do carreirismo na política profissional que hesita com as mudanças radicais.

Infelizmente tornou-se um habito julgar que as mudanças radicais (revoluções sistêmicas) não fazem mais parte desse nosso tempo. Essa idiossincrasia infelizmente salta aos olhos de quem faz apenas a pequena política eleitoral, sinônimo de carreirismo em função da “trava nos olhos”. São tentados a cair nesse ardiloso labirinto em que todo aquele/a que não mantem nenhum tipo de leitura crítica regular (sobre filosofia, econômica, sociologia, história e política) geralmente caem.

Esse deus-nos-acuda favorece apenas aos opressores que instrumentalizam os incautos, exatamente por estarem desconectados do rico caldo intelectual oferecido pela teoria e práxis política. Entendendo aqui o conceito de práxis como sendo tudo aquilo que faz parte do conhecimento direcionando para as relações sociais e as cogitações políticas, econômicas e morais. Assim, foi o tumultuado movimento dos caminheiros no Brasil, que não "perceberam" o nível instrumentalização burguesa a quem estavam submetidos, mesmo que reconheçamos a legitimidade de suas pautas reivindicatórias.

Quando vi novamente a movimentação dos caminhoneiros e, principalmente a pífia exploração midiática, fiquei muito reticente. Independente do infantilismo intelectual da direita ressentida (de 2014), que fez coro com os extremistas de direita (de viés fascista) ao reverberar as aclamações das elites bizarras (burguesia caquética por intervenção militar. Obvio que sim! A memória acusa imediatamente, pois onde tem rede globo (Eu sou peremptoriamente contra!), certamente exala das entranhas da história recente do poder político no Brasil, o malcheiroso odor de sangue putrefato da horripilante participação dessa emissora no golpe civil-militar de 1964.

O periódico do “Le Monde Diplomatique Brasil”, traz em seu editorial de número 130 um sugestivo título “Nossos sonhos não cabem nas vossas urnas”, uma advertência providencial sobre os malefícios do “sistema político e econômico viciado no lucro e na concentração da riqueza” (BAVA, 2018). O desmemoriamento compulsório de parte da população brasileira se transformou num portal de oportunidades para a burguesia vencida (nas regras do seu próprio jogo). Essa, continua explorando historicamente a força de trabalho das classes trabalhadoras e mantem a opressão sobre as populações fragilizadas pelas elites brasileiras perversas, desde o período imperial brasileiro.

A falta de memória é, das doenças modernas, a mais perigosa porque deixa a pessoa afetada vulnerável à instrumentalização daqueles que o oprime. Isso é fato! Basta lembrar dessa mesma turma dos caminhões lá de 2014 sendo arrastados país a fora, encabrestado pela a ala de extrema direita no Brasil, para dar sustança a algumas atividades (de caráter fascista) contra quaisquer ideologias à esquerda. Principalmente, apoiar o golpe contra quaisquer governos legitimamente eleitos, só porque o considera (equivocadamente) comunista.

A falta de conhecimento escolástico e/ou de formação política dos caminhoneiros levou-os a afirmar peremptoriamente que os governos do PT eram corruptos, ditatoriais e comunistas. A cabeça das elites brasileiras que propõem dirigir o país é no mínimo estranha... Mesmo porque esse governo tinha um liberal orgânico das hostes rentistas (Bradesco!?) à frente da Fazenda Pública. Os mesmos capitalistas (a novidade é a assunção do viés fascista) de sempre promovendo um verdadeiro ataque aos símbolos da tradição comunista no Brasil e no mundo.

Em qualquer país de economia capitalista moderna, principalmente a contemporânea a questão dos gargalos decorrentes da matriz energética e da péssima malha de circulação da produção foram resolvidos com a intervenção bélica. Isso, a exemplo dos países pobres para garantir a sobrevivência do capitalismo. A solução para o capitalismo imperialista foi patrocinar a crueldade dos chefetes de milicos para invadir belicamente na América Latina. Isso se deu por meio de golpes civil-militares sanguinários para controlar o mercado interno de consumo, a matéria prima (commodities) e frear o processo de modernização do parque industrial desses países.

Os anos de 1960/70 marca uma mudança estrutural no movimento real do capital, especificamente na forma de reprodução do capitalismo. Essa mudança vai ocorrer com a substituição do padrão dólar/ouro, o que fez com quê o bem-estar social fosse dissubstituído pelo fim do modelo keynesiano de Estado-Nação e a efetiva financeirização da economia. Esse fenômeno marca a retomada da teoria macroeconômica liberal (ortodoxia) ao controle da economia mundial. Um estágio geopolítico conturbado pela guerra fria, com fortes esquemas de espionagem do governo Kennedy para impedir os avanços de forças contrarias ao imperialismo estadunidense.

Nesse momento, a América Latina se transformou num grande quintal dos interesses capitalista imperialista, ameaçado por uma ilhota chamada Cuba. Hostil ao modelo de “American way of life” por representar o bloco capitalista em sua propaganda de massificação de um padrão de conforto baseado na liberdade para desfrutar um estilo de vida consumista. A querela era desqualificar o que eles mesmos convencionaram chamar de socialismo real.

Esse período vai disseminar em larga escala propagandas para estimular o consumo. A mídia agressiva afirmava que, subliminarmente continha valores ideológicos fortíssimos de validação do capitalismo, qualquer pessoa poderia viver confortavelmente. Isso tudo independente de seu histórico anterior ou das condições materiais ou intelectuais de vida poderia facilmente ampliar significativamente a “qualidade de vida”, bastava apenas ter determinação, trabalho exaustivo e habilidade.

Essa ideologia capitalista criou uma espécie de religião política, baseada na crença inconteste de “superioridade” da cultura norte-americana. Essa corrente de pensamento engendrou a concepção de democracia imperialista, transformando-a num fetiche almejado por governos dirigidos pelas burguesias nacionais (como se fosse possível existir o capital ter pátria ou o burguês nacionalista) como idealização de sociedade perfeita.

Essa “perfeição” estava calcada na orientação ideológica do livre mercado e na liberdade concorrencial desenfreada. Ambas, reguladas apenas pela mão invisível de Adam Smith (e depois dizem cinicamente que nós comunistas é que somos utópicos), o mais importante teórico do liberalismo econômico. Essa expressão foi cunhada por ele em seu livro “A riqueza das nações (1776) para designar que o mercado se autorregula, portanto, dispensa a intervenção do Estado na economia. Segundo ele, “Ela irá regular de forma automática, como se houvesse uma mão invisível por trás de tudo” (SMITH, 1776).

Aqui no Brasil essa sanha fascista agressiva atuou politicamente em duas frentes para conspirar contra governos progressistas e potenciais forças de esquerda: jovens e caminhoneiros. Jovens porque são muitos e quando tomados por uma ideia (mesmo sendo estranhamente fascista) vão às últimas consequências. Queremos mudanças estruturais e não tem disposição para coisas de longe tempo porque compreende como ad infinito.

Caminhoneiro porque estrategicamente são indispensáveis para a malha rodoviária, principalmente nesse modal rodoviário existente no Brasil desde o século XIX, ampliada por Getúlio Vargas (1932) com a criação do Departamento Nacional de Estradas e Rodagens-DNER (1937) e consolidada por Juscelino Kubitschek na metade dos anos 1950 para atender a indústria automobilista e a mudança pela segunda vez da capital para o Oeste-Brasília.

Esse processo vai ser intensificado com a criação da Companhia Siderúrgica Nacional (criada em 30 de janeiro de 1941, o decreto-lei de Getúlio Vargas) que possibilita o desenvolvimento da manufatura em solo brasileiro (chapas e barra de fero e aço), oferecendo matéria prima indispensável para a fabricação de automóvel e suas peças. Se tornou a principal via de escoamento de cargas e passageiros no Brasil.

Os anos 80 vai ocorrer o limite desse modelo com a queda das receitas a partir da extinção (1988) do imposto que insidia sobre lubrificantes e combustíveis líquidos e impostos sobre serviços e transportes rodoviários. Esse setor da economia, no modal rodoviário passa a ser composto por 70% da dos caminhões responsáveis pela circulação de mercadorias. Estima-se que essa frota de caminhões relativamente velha movimenta cerca de U$$ 4 bilhões com consumo de óleo diesel.

A malha rodoviária transporta cerca de 60% das cargas transportadas no Brasil, organizadas em três modos de operações: empresas transportadoras, empresas de cargas e transportadores autônomos. Sendo esse último (autônomos) responsáveis por 70% da frota existente. Aqui se inicia a justificativa das mobilizações dessa turma que acreditou no “American way of life” e percebeu na pratica que isso não acontece.

Nesse sentido eu fico com o alvissareiro editorial do “Le Monde Diplomatique Brasil” ao considerar que nós:

“Queremos manter o SUS como sistema de saúde pública universal e gratuito. Queremos educação universal, gratuita e de qualidade em todos os níveis, inclusive a universidade. Queremos que os serviços públicos sejam pagos pelo conjunto de impostos, e não por seus usuários. Queremos uma matriz energética limpa e que o petróleo permanece no subsolo. Queremos garantir saneamento básico para todos e erradicar a pobreza e o analfabetismo de nosso país. Queremos leis que controlem o setor financeiro e os grandes bancos para que eles obedeçam à estratégia de melhoria da qualidade de vida para todos. Queremos implantar uma tributação progressiva que faça os ricos, finalmente, pagarem impostos condizentes com suas riquezas. Queremos controles efetivos que não permite a evasão de divisas e sonegação de impostos”. (BAVA, 2018)

Nesse sentido, precisamos de programa partidário operário popular para disputar no tabuleiro da sociedade civil. Que compreenda a urgente necessidade de rupturas estruturais que viabilize uma outra sociabilidade brasileira. Aliás, retomemos aqui o alvissareiro editorial do periódico que chama a atenção para a necessidade de partidos políticos assumirem essa agenda de forma sistêmica, contudo dialogando e interagindo ininterruptamente com os movimentos sociais. Retomando uma compressão clássica marxista de forma inequívoca que é “na sociedade civil que se gestam essas rupturas”.


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[1] Herberson Sonkha é professor de cursinhos em Vitória da Conquista. Estudante de Ciências Econômicas na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Foi gestor administrativo lotado no Hospital de Base de Vitória da Conquista. Foi do Comitê Gestor da Secretaria Municipal de Educação de Anagé. Presidiu o Conselho Municipal de Educação de Anagé. Coordenou o Programa Municipal Mais Educação e a Promoção da Igualdade Racial do município de Anagé. Foi Vice-Bahia da União Brasileira de Estudante (UBES) e Coordenador de Cultura da União Municipal dos Estudantes Secundaristas de Vitória da Conquista (UMES). Militante e ex-dirigente nacional de Finanças e Relações Institucionais e Internacional dos Agentes de Pastorais Negros/Negras do Brasil. Membro dirigente do Coletivo Ética Socialista (COESO) organização radical de esquerda do Partido dos Trabalhadores.

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