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quinta-feira, 26 de dezembro de 2019

O Novo Homem para O Novo Mundo

Pintura surrealista do espanhol Salvador Dali,
datada de 1943
*por João Paulo Pereira

A cada dia estou mais convencido de que a grande responsável pelo sucesso do capitalismo é a ideologia burguesa. Entende-se por ideologia burguesa as ideias e representações sociais simbólicas predominantes na sociedade organizada para reprodução do capital, portanto em suas múltiplas fases capitalistas. A ideia reinante é produto dessa relação de dominação de uma classe social detentora do capital (burguesa) sobre a classe social detentora da força de trabalho (classe trabalhadora e populações subalternizadas).
sábado, 21 de dezembro de 2019

O Sr. Pseudólogo, seus corsários e o condomínio de poder da politicagem



“A personalidade escaramuçada do Senhor Falsiano esconde inúmeras personalidades que o fazia crescer os olhos na Política, ao observar espertamente a pujança de uma geração de dirigentes que mantinham o município forte financeiramente, economicamente equilibrado e institucionalmente gozando do respeito e reciprocidade da população”

*por Herberson Sonkha

Vou me arriscar a escrever algo sobre um determinado sujeito pernóstico que presta um desserviço à população Conquistense, especialmente para aquela parcela historicamente desassistida que foi beneficiada por um determinado governo de 20 anos.

Usarei um nome fictício, pois a judicialização como perseguição política tem sido um instrumento usualmente perverso contra o pensamento crítico da militância, visando restringir a liberdade de exercício da verdade contra gente mentirosa que insiste em bancar o “bom mocismo”.
segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

O indefectível musicista Vivaldo Bomfim, um músico de gosto refinado



*por Herberson Sonkha

Meu pai Alicio (Silva) desde muito cedo possibilitou a mim e meu irmão Herberg (Binho) acesso a boa música. Aliás, tivemos o privilégio de conhecer excelentes músicos frequentando a nossa casa, quando não íamos aos ensaios na casa de meu padrinho Juscelino (Nego). A boa música sempre permeou os nossos caminhos e isso reflete o gosto musical exigente de nossa família. Quando Milton Nascimento cantou pela primeira vez e 1981 a canção “Nos bailes da vida”, imediatamente todos os musicistas se identificaram com essa linda canção de construção poética profunda.

PROFESSOR IRANILDO FREIRE: POR UMA ANAGÉ MAIS HUMANIZADA



Professor Iranildo Freire: Por uma Anagé Mais Humanizada.
MCOESO - Por que Professor Iranildo Freire?

16/12/2019

O Brasil vive momentos conturbados em sua recente história política. Mais uma vez o povo brasileiro teve sua vontade, seus direitos, seus sonhos, usurpados quando mais uma vez as elites dominantes promoveram um Golpe de Estado tirando da direção do Estado Brasileiro uma presidenta legitimamente eleita pelo voto popular e sem que ela tivesse cometido nenhum crime contra a República.
sábado, 14 de dezembro de 2019

A requentada democracia burguesa dos anos 40/50 como canto da sereia dos liberais petistas

"A dialética: tese, síntese e antítese"


*por Herberson Sonkha

Escrevi recentemente esse texto com outro título (Chamar um liberal de conservador é pleonasmo), mas por razões pedagógicas resolvi reescrevê-lo com esse novo título para explicar duas questões centrais: porque o liberalismo fez escola dentro do Partido dos Trabalhadores e a guinada dos hegemônicos petistas ao campo liberal – que é de per si conservador.
sexta-feira, 29 de novembro de 2019

Táticas bolsonarianas



“Preparar iscas para atrair o inimigo, fingir desorganização e depois esmagá-lo / Se ele for temperamental, procure irritá-lo....” (Sun Tzu, A Arte da Guerra)

*por Josafá Santos

Desde as campanhas eleitorais, esse demente mor que aí está, juntamente com o resto de sua milícia, ainda ovacionado pelos zumbis que o seguem, adotou a tática da ofensa gratuita a tudo aquilo que represente o que se conhece como o Estado de Direito. O que muitos, inclusive EU, achavam que seria o seu óbvio túmulo ainda em campanha, se tornou no seu trampolim e depois no seu pedestal, hoje blindado.


Quanto mais obscenidades contra o ser humano, contra a vida, contra o bom senso, ele vomitava, algumas coisas ficavam evidentes:

01)  Sua completa ignorância (em todos os sentidos) sobre o gerenciamento da coisa pública;
02)  Sua estrutura psíquica claramente sociopata;
03) Que isso, esse show de horrores era uma cortina de fumaça, para esconder as duas questões anteriores e...;
04) Além de ser uma cortina de fumaça, era também uma tática de provocação, com a intenção de forçar a massa ofendida (negros, mulheres, massa campesina, estudantes, sociedade civil organizada em torno da defesa dos Direitos Humanos, LGBTQ+...), todos e todas enfim que eram ofendidos e ameaçados e atacados por eles, a reagir, lhe dando um palco para atuar.

Mas não eram provocados a simplesmente reagir. A provocação sempre foi tamanha e rasteira, tornando-se óbvio que a intenção era provocar no ofendido uma reação instintiva, física, visceral, para ai então se fazerem de vítimas, justificando a força do Estado como a contenção necessária para se evitar o pior, o levante da horda, que para eles, somos nós. Funcionou.

A cortina de fumaça escondeu as entranhas podres do então candidato e suas crias; à medida que mais provocavam, mais os ofendidos reagiam (em seu direito e dever inegável à reação), mais eles aglutinavam em torno de si, mais dementes. O processo de zumbização se retroalimentava. O cheiro de sangue, mesmo que apenas possível, sempre atraiu os carniceiros e os vermes vampiros de plantão.

O efeito Bolsonaro permitiu a muitos, a milhões, o despirem de suas capas de bons cristãos e saírem (às ruas e às redes) exibindo seu coração, cheio de ódio, de preconceitos mil, de desumana estrutura psíquica, sociopatas em menor ou maior grau quer eram, rendendo “Urras e vivas!” ao agora seu novo líder, herói, mito e messias. As eleições passaram, o horror não.

Uma vez no poder, o seu estratagema continua a ser posto em funcionamento: a mesma cortina de fumaça, agora para desviar o foco do que tem realizado nas surdinas, a mesma provocação disfarçada, para forçar uma reação popular aos seus desmandos. Só nos resta raciocinar assim, pois é impossível que esse circo de horrores que tem dado shows todos os dias, desde o discurso bisonho de sua posse até hoje, sejam somente o desenrolar natural de um governo formado por imbecis. Essa esquizofrenia governamental que aí está não é o resultado de um despreparo, é justamente um projeto em sua plena execução. A ideia é instalar um Estado Manicômio, em suas piores versões, onde nós, o povo, seremos os chamados e tratados como loucos.

Ainda hoje escuto que o monstro foi eleito, na verdade, por seus opositores, por nós, por todos aqueles e aquelas que emprestaram suas vozes no imenso coro do movimento “#ELENÃO!”. Ainda hoje escuto que aquele movimento deu ao verme os holofotes que ele, sendo verme, nunca teria. Discordo. O que restava às mulheres, em especifico, e a todo e qualquer um que do lado delas estivessem e estejam, a não ser reagir aos ataques diuturnos que sofriam, sendo chamadas de putas histéricas, de mal comidas, de aberrações sexuais, de gente que não merecia sequer ser estuprada, pois era feia...? Como os negros, os campesinos, os estudantes, os pobres, os trabalhadores semiescravizados e os desempregados, o povo, ofendidos por extensão, poderiam não reagir a tudo aquilo? Ainda escuto tal análise, mas continuo discordando dela. Me recuso a aceitar que a culpa do espancamento é do espancado que reage, que se nega a apanhar em silêncio, que levanta a voz contra seu espancador.

Estão nos atacando em bando, pois é assim que as hienas atacam. Estão desviando o nosso foco: somos levados a ver o chapéu ridículo na cabeça do inimigo, que se mostra vestido de palhaço, mas não percebemos o punhal envenenado, escondido por baixo de sua mão; Estamos sendo provocados, com golpes baixos, desmedidos, desproporcionais, para que percamos a calma, o controle, para que esqueçamos a regra do jogo, as normas da luta, e partamos com tudo para cima da jugular desses escrotos. Façamos isso e a tropa de choque entra em campo.

Estamos lutando contra um mal inimigo, que traçou sua estratégia desonesta antes de começar a partida. E nessa estratégia estava incluída a tática de fazer com que NÓS sejamos mostrados como o inimigo. Nós estamos sendo arrastados para um uma zona de comportamento instintivo, estamos sendo forçados, provocadamente forçados a reagirmos da maneira que eles querem, para que aí então, eles soltem os seus cães em cima de nós.

Velez, Weintraub, Carvalho, Guedes, Damares, Camargo, os três dementes, a horda imbecil... Toda essa bosta, todo esse vômito misturado e jogado no ventilador contra nós se transformou numa imensa e podre cortina de fumaça. Nos cega os olhos, nos desviam do foco, nos intoxica, nos provoca de tal modo que a qualquer momento vamos perder a calma. Sim, isso é uma possibilidade. E é isso, é exatamente tudo isso, que eles querem, ao mesmo tempo: Distrair, ganhar tempo, nos desequilibrar, nos envenenar, nos transformar em animais.

Arrisco avaliar que estamos presos numa armadilha: se reagimos ao discurso diário e desumano desses vermes, desviamos nosso foco, no mínimo nos cansamos, pois isso cansa, exaure nossa força física e psíquica; se não reagimos ao discurso diário e desumano desses vermes, do discurso eles passam à prática, e não nos perdoaremos por não termos reagido quando era tempo. A questão, a meu ver, não é reagir ou não reagir. REAGIR é a ação óbvia, dever imperativo que nos guia, que nos resta, única opção ao escravizado, ao ofendido em seu direito à vida. A questão é SABER REAGIR DA MANEIRA CORRETA. E claramente está nos faltando a organização necessária para isso. E enquanto isso, todos os dias, recebemos mais vômito podre espalhado pelo ventilador, bem no meio dos nossos olhos.

Um projeto está em curso. Ele inclui a nomeação de imbecis dementes ao posto de ministros, de secretários fascistas, de gurus vermes por eles chamados de filósofos. Os discursos e as encenações ridículas, as ações oficiais que a cada dia tira mais e mais direitos do povo, as imbecilidades ditas ao vivo ou gravadas, pelo verme débil mor e / ou pelos seus, os ataques abertos à Democracia, à Constituição, ataques completamente desprovidos de medo ao se dizê-las, isso tudo é um projeto, uma tática de guerra, posta em andamento, contra nós. Estamos sendo atacados por todos os lados, pelo uso de diversas estratégias, que se valem de confundir/distrair o inimigo, cansá-lo, desmoralizá-lo, a quebrar a sua identidade, separá-lo, aterrorizá-lo, humilhá-lo, ANIMALIZÁ-LO, o enlouquecer por fim, com um objetivo: Ao animal louco... o abate, óbvio. Não é isso que a Lei diz?


*Graduando em Psicologia, Historiador e Professor de história concursado da rede estadual de ensino.
quinta-feira, 28 de novembro de 2019

A luta: destruição do capital e a construção de uma sociedade emancipada, igualitária e justa



*por Uelber Barbosa Silva

"Dona Isabel que história é essa? / Dona Isabel que história é essa / Oi ai ai! / de ter feito abolição? / De ser princesa boazinha / que libertou a escravidão / Tô cansado de conversa / tô cansado de ilusão / Abolição se fez com sangue / Que inundava este país / Que o negro transformou em luta / Cansado de ser infeliz" (Mestre Toni Vargas)


Parte do movimento negro organizado desde a década de 1970 faz referência ao dia 20 de novembro de 1695 (ocasião do assassinato de Zumbi dos Palmares, pelas forças bandeirantes pagas pelo governo colonial), como dia para reflexões e ações em torno do combate ao racismo, também numa tentativa de fugir das atividades que ocorriam no 13 de maio (data da abolição da escravidão no Brasil).


Em 2003, a partir da sanção da Política Nacional de Combate ao Racismo, o calendário escolar nacional passou a considerar o dia 20 como Dia Nacional da Consciência Negra e em 2011, com a aprovação da lei nº 12.519, de 10 de novembro, o dia passou a ser feriado nacional, para os Estados e municípios que aderirem por meio dos seus legisladores. A partir daí o mês de novembro passou a ser considerado por muitos como o mês da consciência negra.

Entre tantas opiniões sobre a necessidade e implicações de um mês referência e/ou um feriado nacional, destaco duas que considero mais relevantes:

1. Para muitos é um dia importante de reflexão sobre a situação das (os) trabalhadoras (es) negras (os) e para criar estratégias de enfrentamento à alienação racial promovida pela separação das (os) trabalhadoras (es) dos meios de produção e do produto do seu trabalho;

2. Outros tantos consideram que é um dia para comemorar, inclusive o fato do reconhecimento da cidadania para negras (os).

Eu me coloco numa terceira via, ocupada por aqueles que pensam que feriados desmobilizam a luta e estimulam a manutenção do sistema, através do estímulo ao consumo; grupo dos que veem no reconhecimento da cidadania negra uma estratégia perversa para encobrir o genocídio da juventude negra e o encarceramento em massa, como um dos elementos de controle da classe trabalhadora, numa evidente noção de "limpeza étnica". Portanto, me coloco no entorno daqueles que criticam qualquer ação que tenha o Estado como interlocutor, por considerar o Estado como parte do mecanismo que possibilitou a criação, manutenção e aprofundamento do racismo.

Compreender o racismo como uma das expressões da alienação conduzida pela ideologia burguesa – da mais reacionária de um Gobineau, à mais sofisticada de um Hegel - (SILVA, 2012) foi possível ao considerarmos ontologicamente a sociedade do capital, através da perspectiva marxiana, compreendendo o Estado como uma necessidade demandada pela propriedade privada e pela divisão da sociedade em classes sociais (MARX, 1996). Neste sentido, no modo de produção capitalista, o Estado assume a função social de correção dos defeitos estruturais do sistema (em sua totalidade) e torna-se um mecanismo auxiliar na reprodução e acumulação do capital (MÉSZÁROS, 2002). Revelada essa natureza do Estado, percebe-se que a cidadania é um instrumento jurídico que legaliza a expropriação da mais valia das(os) trabalhadoras(es), corroborando com o aprisionamento do trabalho aos processos de subordinação impostos pelo capital (LUKÁCS, 2018).

Para revolucionar as forças produtivas aprisionadas às relações servis do feudalismo em crise, o capital precisou utilizar a escravidão e formas sofisticadas de servilismo, levando ao tráfico negreiro (transatlântico) e ao racismo científico. Logo depois de abandonar as ideias revolucionárias (igualdade, liberdade e fraternidade) e voltar suas poderosas armas contra a classe operária, por volta de 1848, a burguesia passou a utilizar também o racismo como mecanismo de divisão e controle da classe trabalhadora – e esse se tornou um traço marcante do capitalismo monopolista.

O aprofundamento do neoliberalismo tornou a vida dos trabalhadores ainda mais penosa, ao mesmo tempo em que a burguesia ostenta a riqueza produzida pela classe operária do campo e da cidade. A crise econômica que levou ao esgotamento do petismo e à onda reacionária expressa por uma direita encarniçada e ligada a poderosas milícias tornou evidente o racismo que o mito da democracia racial lutou por décadas para esconder.

Nesse contexto de ódio racial e exploração do trabalho, agravados pela crise estrutural do capital, que extrapola as barreiras nacionais, o Centro Educacional de Treinamento Arte e Movimento Capoeira (CETA Capoeira Escola) realizou o seu VI Encontro Nacional e VIII 20Bimba.

“Eu só levo pra capoeira o que é bom / eu sou só levo pra capoeira o que sou / se eu merecer, ela vai me dar / de braços abertos eu vou receber” (Mestre Tucano Preto)

A festa foi surpreendentemente linda, com uma energia super contagiosa, pois somente quando as pessoas levam pra capoeira a solidariedade e a bondade que são, conseguem expressar tamanha energia ao som do berimbau. A proposta do CETA segue nessa direção, de crítica à sociabilidade do capital e de solidariedade entre mulheres, LGBTQI+ e homens que acreditam na possibilidade de uma nova sociabilidade pautada no trabalho associado, ou seja, na livre associação das (os) trabalhadoras (es), independentemente de suas particularidades físicas, subjetivas, culturais etc.

As reminiscências surgem ainda com muita vivacidade em minha mente. O boi dançando para rememorar a vida dura, bela, contraditória do sertão da ressaca, da vida de boiadeiros e tangedores de boi, numa convivência de contradições, inclusive de classe. O duelo de Santa Maria, explorando a forma de ser do racismo brasileiro, com toda perseguição à capoeira e às trabalhadoras (es) negras (os), e também o machismo misógino de uma sociedade patriarcal e conservadora. Contudo, essa triste realidade foi transmitida com a força do maculelê e a leveza da dança afro, com o mandinga das sambadeiras e sambadores e a malícia da capoeira primitiva.

"Ê, seu Bimba me deu a cadência, a cintura desprezada, os oito toques e a sequência" (Mestre Xalatão)

O Encontro serviu para reacender a chama de rebeldia que alimenta a nossa luta de resistência contra a exploração do trabalho e a opressão social que o capital impõe à humanidade.

No ano passado, em um texto de agradecimento por ter me tornado, também em novembro, graduado do CETA Capoeira Escola, eu disse que o evento foi um momento para "Sentar, ouvir, aprender, refazer o pensamento e consertar os erros", pois a "capoeira é um complexo cultural riquíssimo que vai muito além da expressão corporal... a mandinga, a manha, a paciência e a calma fazem com que ela se reinvente constantemente, refazendo até mesmo sua estética." (Rasta, 2018). E é preciso o cuidado para não permitir que a capoeira seja apreendida e enquadrada pela ditadura do mercado, por regras transformadas em fundamento pelos que querem apenas usufruir financeiramente de sua parte técnica. Dedicar-se à capoeira requer também militância, estar atento aos oportunismos e prezar pela manutenção dos seus valores igualitários.

Passar esses dias (em que muito se fala em uma maluca contraposição entre uma consciência negra e uma consciência humana) no “quilombo” CETA Capoeira Escola, na cidade onde a luta contra o racismo deve ser cotidiana, foi importante para que eu pudesse consolidar a ideia de que a luta antirracista potencializa a luta revolucionária APENAS quando ela quebra as correntes da prisão que é a cidadania, ou seja, a luta antirracista tem que ser uma luta também contra a origem das desumanidades que vivemos devido a alienação do trabalho provocada pela propriedade privada, o capital. Enfim, pensar a luta antirracista isolada da luta de classes coloca os seus combatentes no beco sem saída de terem que lutar por “cotas” em um contexto de genocídio e encarceramento em massa, no qual a juventude negra trabalhadora se encontra entre o tráfico, a milícia e o conformismo de ser explorado para garantir o mínimo pra reprodução de sua família monogâmica.

Espero que a resistência representada pela capoeira, como complexo cultural integrado à cultura afro-brasileira, possa iluminar nossa reflexão sobre o modo de ser da atual sociedade de forma que nos permita tirar as lições libertadoras, que apontem para o fim das opressões e da exploração das(os) trabalhadoras(es).

Eu quero agradecer ao mestre Dendê, anfitrião da festa, a mestra Jô e aos mestres Itapoan, Xalatão, Lucas e Tucano Preto. Aos mestres, contramestres, professores e demais capoeiristas, pais e amantes da arte da rasteira presentes no evento e, sobretudo, ao esforço de todas as pessoas envolvidas nos bastidores dessa festa cheia de boas energias.

“O berimbau é festeiro, é um instrumento que agrega a todos e convida todos a estarem na roda. Mas o estar na roda de muitos é muito superficial, são poucos de fato que estão na roda (...). Mas a capoeira, o elemento capoeira na mão de quem entende, é ferramenta contra o racismo, contra todo tipo de algema, tudo que nos aprisiona, tudo que nos coloca em condição de inferioridade, é a arma libertadora” (Mestre Dendê)

Que a luta seja para a destruição do capital e a construção de uma sociedade emancipada, igualitária e justa!

Uelber Barbosa Silva
Graduado Rasta.

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Referências utilizadas:

LUKÁCS, Georg. Para uma ontologia do ser social. (vol. 14). Tradução: Sergio Lessa. Maceió: Coletivo Veredas, 2018.

MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. Vol. I. Livro Primeiro. Tradução: Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. São Paulo: Editora Nova Cultural Ltda, 1996.

MÉSZÁROS, I. Para além do capital. Tradução de Paulo Cezar Castanheira e Sérgio Lessa. São Paulo: Boitempo, 2002.

SILVA, Uelber B. Racismo e alienação: uma aproximação à base ontológica da temática racial. São Paulo: Instituto Lukács, 2012.

*Possui graduação em Licenciatura Plena em História, pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (2009), mestrado em Serviço Social, pela Universidade Federal de Alagoas (2011), e atualmente cursa o doutorado em Serviço Social, pela Universidade Federal de Alagoas (2017), atuando principalmente nos seguintes temas: História da África, História e Cultura Afro-Brasileira e Indígena, Teoria das Raças, Racismo, Alienação, Ideologia, Políticas Sociais, Políticas Afirmativas e Filosofia.
terça-feira, 26 de novembro de 2019

Evangélicos da arminha: picaretas da palavra a serviço dos vendilhões do templo e da riqueza do Estado!



"Sem armas, sem acumulo de riquezas, sem opressão e sem tortura, pois o novo homem dessa escritura primitiva se dará pela construção diária efetiva do amar incondicional à vida simples, mas com abundancia coletiva."

*por Herberson Sonkha


Ao escrever sobre esse tema polêmico, não menos necessário, antes gostaria de assegurar aos meus caros leitores que não se trata de atacar levianamente a fé, a crença ou a liberdade de exercício confessional de quem historicamente sempre teve o lugar de fala do privilegio na sociedade ocidental capitalista, contra os marginalizados pelo sistema socioeconômico e político liberal montado na exploração da fé dos mais fragilizados.


Esse sistema é perversamente cruel com que diverge do partido da ordem. Não é à toa que o Papa Gregório XIII (1502-1585) determina o início da era cristã com o nascimento de Jesus, lá no século VI pelo monge armênio Denis (o Pequeno) que reteve o ano de 754 da era romana como o ano 1, escolhendo o dia primeiro do ano no dia 25 de março como sendo o dia em que Jesus é concebido pela Virgem Maria.

Em 1565 d.C Carlos XI redefine esse dia anunciando que o anuário iniciaria em primeiro de janeiro, aliás, isso vai servir de definição para a reforma do calendário Juliano dezessete anos depois feita pelo Papa Gregório XIII, que passará a ser chamado de calendário Gregoriano, que orienta nosso anuário até os dias de hoje. Nossa agenda temporal passou a ser orientada pelos interesses socioculturais e religiosos do império romano, que passa a ter o credo confessional cristão.

Portanto, consolidando o desejo de definir o marco zero no calendário na linha histórica desde o advento da institucionalização da cristandade, assegurada pelo Imperador Romano Constantino I, entre as décadas de 20 e 30 do terceiro século calendário Juliano ainda em vigor para os cristãos ortodoxos - herdeiros da cristandade do Império Bizantino.

Tendo feito essa rápida explicação de como a ocidentalização, de algum modo, passou a reproduzir coercitivamente o interesse sócio, econômico, político e religioso do Vaticano vamos o cerne da questão que discernir os vilões da arminha da proposta apresentada pela reforma protestante (1517), no que pese todas as minhas profundas divergências. O primado de uma filosofia eurocentrista baseada em valores determinado por uma etnia branca imperialista, virulentamente beligerante com quem se opunha aos domínios “sagrados” do sacrossanto ofício da Igreja Católica Apostólica Romana e isso só seria revisado pelos ventos insurrectos do renascimento cultural e cientifico entre os séculos XV e XVI.

Portanto, proponho um diálogo crítico que visa contribuir para desmontar a couraça falso-moralista que protege os faustos da religiosidade “cristã”, picaretas que legislam em causa própria. Esses falastrões demagogos atuam cinicamente dentro de igrejas, na política e nas empresas da iniciativa privada.

Sobretudo aquela armadura envolta aos algozes do povo (essa gente hipócrita), com a qual se metralha discursos e práticas agressivamente criminosas contra gente humilde, fragilizada e em situação de risco pela violência simbólica e física por causa do sistema econômico capitalista e sua sociedade burguesa gestada pelos ventos do liberalismo que sopram desde o século XVI.

A humanidade precisa somar esforços para superar a superfície falaciosa desses “arautos da verdade”, hipócritas que ousam apresentar a sociedade brasileira os seus próprios interesses financeiros mesquinhos como se fossem legítimos de sua deidade (Jesus?) como se fosse legitimamente constituída pelo processo histórico da coletividade.

Uma abordagem do espectro truculento (vingativo, punitivo, perseguidor e torturador) que ronda o imaginário coletivo e vem influenciando os processos democráticos de escolha de representantes para o executivo e legislativo. Contudo, não poderia deixar de reforçar de “en passant” os aspectos centrais da crítica do bureau político, acerca desse fenômeno contemporâneo na sociedade burguesa que tende ao fascismo, instrumentalizado pela extrema-direita para dar golpes nas democracias latino-americanas.

Tendo feita essa ressalva, gostaria de começar relembrando ao meu leitor que isso tudo começa lá no século I, quando o Império Romano se encontrava em ruínas econômicas, crise sociais eclodindo entre facções religiosas e a política institucional de Roma estava vivenciando um total descrédito por parte dos seus concidadãos. Refiro-me ao inexorável Concilio de Niceia e suas deliberações canônicas que passaram a ter força de lei e inevitavelmente mudaria (e mudou) o curso civilizatório da humanidade.

Antes da primeira grande reunião de bispos cristãos no século I, convocada e presidida por uma autoridade romana pagã, exceto a Torah, não existia de forma escriturada no formato de bíblia e nem possuía o caráter normativo de cânone a presença de Maria Mãe de Jesus, a tríade de deidades cristã (Pai, Filho e Espirito Santo), as manifestações sobrenaturais e a questão da vida após a morte, para católicos e protestantes se limita apenas a ressurreição de Jesus Cristo.

Esse grande evento na história da humanidade marca o surgimento da Bíblia constituída pelo Antigo e Novo Testamento, que vai estabelecer o marco regulatório legal da Igreja Católica Apostólica Romana e quinze séculos depois a primeira cisma denominada de Protestantismo em 1517 com o advento das 95 teses levantadas pelo professor de teologia moral, o doutor Martinho Lutero na Universidade de Wittenberg, Alemanha. A cátedra do monge suscitou inúmeros debates que circunscrevem a questão do poder e da eficácia das indulgencias, feitos pelo mestre de Artes e de Santa Teologia.

O fato ocorreu na cidade de Niceia da Bitínia, em Roma no ano de 325, denominado de Concilio de Niceia, chamado pelo Imperador Romano Constantino I, organizando a assembleia com a mesma dinâmica do senado romano, embora seja comum afirmar que Constantino não votou.

Para a maioria absoluta dos Judeus contemporâneos de Jesus, o nazareno da periferia que não era branco e nem rico, aliás, nascido em Belém no reinado de Herodes Magno e do implacável imperador César Augusto, esse moço de pele mais escura, olhos de jabuticaba e cabelos pretos era apenas um blasfemador dos sagrados mandamentos deixadas por Moisés que viveu entre 1550 e 1510 a.C.

Esse Jesus periférico que não é branco nasceu em Nazaré, uma região imensa ao norte de Israel que pertencia ao terreno rochoso de Hagalil, em latim escreve-se Galileia, possivelmente na região ocidental, território de predominância semipagã, portanto desprezada pelos israelitas considerados puros (FORTE, 1985, p. 207).

Esses mesmos religiosos ortodoxos continuam afirmando dois mil anos depois da morte de Jesus Cristo, que ele é apenas um profeta entre vários outros da linhagem de Davi, segundo o que fora anunciado pelo seu primo, o pregador do deserto João Batista. Para a maioria dos grupos que se reivindicavam judeus daquela época, todos diziam que o messias ainda não tinha vindo e o esperava ansiosamente pelo clarão de fogo no céu que se abria para dar passagem ao seu cavalo alazão branco, olhos de fogo e arreios de ouro e cravejados de pedras precisas.

Eis que o messias era um homem alto, braço, olhos azuis, cabelos loios e corpo atlético e, certamente viria impávido por entre as nuvens do céu, vestindo uma túnica branca resplandecente, portando espada flamejante, cabelos de algodão e olhos de fogo. Portanto, esse Messias derivava do Deus punitivo, duro e vingativo desde Noé, de Moisés, de Abraão, de Salomão e por último de Davi, a quem escolhera para ser o segundo rei de Israel, mesmo sendo um frágil pastor e tocador de arpa. E não um pobretão que ousava desafiar o establishmentda tradicional religião judaica.

Os judeus esbravejavam ardilosamente contra aquele pobretão que semeava a paz, o respeito, a concórdia e o amor incondicional aos necessitados, vindo dos confins da pobre Galileia, sentado num jumento que significava paz e não um cavalo imponente de guerra, simbolizando o “príncipe da paz” e não um rei da guerra.

A entrada triunfal simbolizava seu papel de “bode expiatório” para libertar a todos, sobretudo aqueles que o recebeu como o messias prometido. A cidade passaria por inúmeros sofrimentos e antevendo sua morte, pois uma semana depois daquele fatídico Domingo de Ramos, antes da pascoa ele seria crucificado com a anuência dos judeus. E, na medida em que se aproximava de Jerusalém, ele chorava copiosamente pela cidade, num evento conhecido em latim por flevit super illam.

Portanto, não existe qualquer traço de afinidade ou ligação política da figura histórica do Jesus de Nazaré com qualquer forma ou mecanismo de opressão usado pelo Estado por meio de governos políticos. Para esse Jesus toda e qualquer arma é uma violência simbólica, razão pela qual abomina o uso individual ou coletivo de arma contra quem quer que seja. Uso de armas é impensável, principalmente se for usada contra a classe empobrecida.

Vide a parábola exemplar da tapa no rosto, em que o Jesus de Nazaré orienta oferecer a outra face. Aqui está a base teórica da pacificação, quando visa não justificar a violência, interrompendo o ciclo vicioso da ação/reação, ficando a violência limitada apenas a quem deu a tapa, sendo esse o único agressor.

Não existe o viés insurrecto contra o Estado, o sistema capitalista, mas também não existe conformação a ordem temporal estabelecida, pois em sua narrativa sempre esteve presente à ideia de que seus seguidores não deveriam conformar com o mundo. Que mundo é esse senão o mundo engendrado pela sociedade civil e pelo Estado em vigência.

O reino dos céus não se estabelecerá pela violência da revolução armada, mas supõe-se Jesus que poderia revolucionar esse mundo (egóico, mesquinho, opressor, explorador, perseguido) com amor e não com a influência da Lei do Talião, lá em Levítico, no antigo testamento. A vinda do Jesus como o messias, ocorre para romper o véu da tenda do sacerdote antigo e o código de Hamurábi.

Jesus veio reformar as leis antigas e inexoravelmente vingativa, a sua missão é mostrar ao mundo que o reino dos céus pertence aos pobres, manso de espírito e humildes de natureza porque dele serão o reino dos céus. Quanto ao os ricos, certamente não passaram no fundo da agulha e por isso não herdaram o reino. Jesus veio dizer que não é justo juntar tesouros na terra, pois a lei desse mundo (capitalismo) tem por premissa a usura (acumulação de riqueza baseado na exploração de outrem) que enferruja e corrói toda e qualquer riqueza material.

Esse Jesus destruiu o comércio enfrente (agora está dentro) ao templo, mostrando que a palavra não é uma mercadoria e o templo não é um mercado. Por fim, veio acabar com a lei da “reciprocidade direta” legada do império babilônico, pois o cordeiro santo veio para colocar fim à tradição judaica do Lex Talionis.

Sem armas, sem acumulo de riquezas, sem opressão e sem tortura, pois o novo homem dessa escritura primitiva se dará pela construção diária efetiva do amar incondicional à vida simples, mas com abundancia coletiva. Qualquer coisa fora disso é charlatanismo e picaretagem de quem insiste em levar Jesus novamente ao calvário.
segunda-feira, 18 de novembro de 2019

Colégio Camilo de Jesus Lima: um ponto fora da curva

Colégio Estadual Camilo de Jesus Lima

*por Herberson Sonkha 

"Vapor barato, um mero serviçal do narcotráfico
Foi encontrado na ruína de uma escola em construção
Aqui tudo parece que é ainda construção e já é ruína
Tudo é menino e menina no olho da rua
O asfalto, a ponte o viaduto ganindo pra lua"

(VELOSO, Circuladô, 1991)


Nesta quinta (14) participei no Colégio Estadual Camilo Jesus Lima da “Sexta Semana da Consciência Negra: Nossas raízes, minha identidade”. Na oportunidade apresentei a oficina "Compreender a natureza das desigualdades raciais no Brasil Contemporâneo” para duas turmas (2º e 3º ano) na etapa final do ensino médio da educação básica.

O lugar de fala do conhecimento é a escola, portanto discordo que devamos escrever senso comum, sob a pífia alegação de que as juventudes não conseguem ler porque vivemos o irreversível emergencismo responsável pela escrita curta na modernidade – elementos da modernidade líquida – constatado pelo filósofo Zygmunt Bauman (1925-2017), pois precisamos aprofundar o debate crítico para superar esse ciclo vicioso idiotizante da sociedade, usado como estratégia para emburrecer às pessoas ao extremo de negarem covardemente o papel da formação intelectual legado à educação, do conhecimento crítico que liberta e a importância dos profissionais da educação, principalmente o da docência.

Nesse sentido, o Colégio Camilo de Jesus Lima está na contramão desse ciclo, pois mesmo com o perfil étnico racial em sua grande maioria negra – tradicionalmente negligenciada pela educação bancária – ascende como referência de educação de qualidade pelos resultados positivos conseguidos pelos egressos desse colégio que ingressaram na universidade pública – UESB e particulares.

A atividade pedagógica coordenada pela professora historiadora Vanessa da S. Nascimento Andrade acontece pela quarta vez consecutiva e a nossa participação foi uma indicação do amigo professor da rede municipal e estadual da área de humanidades, Davino Nascimento Silva. A recomendação se deu em função de minha militância no Movimento Negro, atuando há mais de duas décadas como militante dos Agentes de Pastorais Negros (as) do Brasil – APN’s.

A escola está situada na periferia de Vitória da Conquista, numa região tradicionalmente conhecida pelos elevados índices de mortes que compõem a estatística do mapa da violência urbana brasileira. A cena da guerra entre facções que disputam a liderança no comando do tráfico na região nordeste da cidade é reforçada pelo nível de evasão escolar, indicadores de baixa-renda, desemprego e demais mazelas que constituem o perfil socioeconômico da periferia de qualquer cidade de porte médio no Brasil, como é o caso de Vitória da Conquista.

O colégio está localizado nessa região sinalizada pelo índice elevado de criminalidade, no que pese reconhecer que é um equipamento público estrategicamente bem posicionado, certamente o nonsense diria que o perfil do Camilo de Jesus Lima em nada diferencia das demais escolas brasileiras “protegidas” por grades nas janelas que as tornam com aspecto de presídio, aparência de escolas apáticas, bagunçadas, destruídas, depredadas, vilipendiadas e tantos outros adjetivos perversos que atribuem à coitada da escola pública, enquanto espaço físico coletivo nesse país.

Engana-se essa leitura rasa da escola pública, pois os resultados obtidos revelam o papel central do Colégio Camilo de Jesus Lima para aquela comunidade e adjacência na questão da perspectiva dos filhos (as) da classe trabalhadora e das populações em situação de risco causado por múltiplas vulnerabilidades. Sobretudo, pelo debate realizado acerca da “disciplina e do poder no mundo contemporâneo”, próprio de uma sociedade de classes na formulação original do filosofo francês Michael Foucault: “vigiar e punir”.

Talvez, seja por essa razão que o Estado da Bahia por meio da Secretaria Estadual de Educação tenha feito vários investimentos dessa natureza em áreas consideradas de riscos, construindo equipamentos bem estruturados, visando intervir por meio da política pública de educação no trágico “destino” dessas populações jovens, muitas vezes disputadas diariamente pelo crime organizado, aliás, seduz com muita eficiência essas diversas tribos juvenis fragilizadas.

A escola ainda está muito longe de ser um espaço agradável, pedagogicamente adequado para acolher todas às vivencias coletivas entre essas múltiplas tribos juvenis. Isto é fato! Pois, além das expectativas das estruturas físicas humanizadas, equipamentos pedagógicos avançados e um quadro de pessoal da educação – do porteiro à direção – é preciso estabelecer uma política pedagógica libertária, avançada em seu sentido epistemológico. Articulado a mecanismos de gestão democraticamente forte, rápido e eficaz/eficiente que possibilite a radicalização compulsória do convívio com a diversidade, pautado pelo exercício minimamente necessário para emancipação humana.

Essa escola possível ainda não existe efetivamente, mas observamos elementos que a constitui na vivencia com o Camilo de Jesus Lima. Essa experiência exitosa poderá contribuir decisivamente com a desconstrução da propaganda ostensivamente beligerante do tráfico conhecidas como “boca de fumo”. Ela oferece aos incautos viços certos “meios e facilidades” que a conduzem a meteórica ascensão social e econômica (carro, roupa de marca, tênis caro, celulares com versões atualíssimas, drogas licitas e não licitas e sexo) sem cobrar escolaridade e titulação, mas que efetivamente não passam de ilusões.

Mas, foi exatamente por essa razão analítica crítica que me ocupei em fazer minúsculas observações sobre a eficácia/eficiência do projeto político pedagógico do Colégio Estadual Camilo de Jesus Lima, eu diria a principal razão pela qual estou escrevendo. Pois, fui tomado por uma pletora de alegria com todas as atividades realizadas na Semana da Consciência Negra.

Esse movimento pedagógico bem-sucedido me fez perceber que é perfeitamente possível ousar disputar o “vapor barato” para superar essa sensação angustiante da docência – não menos impotente – de que “Aqui tudo parece que é ainda construção e já é ruína”. Verdade seja dita, pois ao dedicar-se aos discentes têm-se como recompensa os frustrantes relatos cotidianos de que parte deles sucumbiu-se a sinistra condição de presidiários nos noticiários da TV. Ou ser surpreendido diariamente com algum estudante estirado no chão após ser alvejados – pelas mãos da polícia ou do tráfico.

A cadeia de produção do submundo do tráfico que remunera acima do salário mínimo, com o qual essas tribos juvenis inteligentíssimas lidam diariamente, contam com isso para que esses jovens se tornarem “um mero serviçal do narcotráfico”, sendo que a maior parte deles nem chegarão aos 25 anos, pois se morre cada vez mais jovem.

Essa é a motivação essencial dessa escrita, portanto é evidenciar o ponto fora da curva do Colégio Camilo de Jesus Lima na triste história da educação pública de nosso Estado: a recepção, interação e a reação positiva dessas tribos juvenis com o debate sobre a natureza do recrudescimento do racismo, muitas vezes tido como maçante e desinteressante – razão pela qual prosperou no Brasil um sentimento virulento que passou a dialogar com o ultraconservadorismo das “elites do atraso”, que não é o lugar natural de falar dessas tribos juvenis, mesmo que a escola pública ainda nos mostre que “Aqui tudo parece que é ainda construção e já é ruína”.

A programação do mês de novembro contou com várias atividades comemorativas ao dia 20 de novembro, o Dia Nacional da Consciência Negra. Os olhos sinalizavam positivamente com as razões históricas do dia 20 de novembro de 1695, data em que o pernambucano negro Zumbi, nascido livre e escravizado aos seis anos de idade. Houve uma vontade de saber por que Zumbi voltaria para liderar o mais importante quilombo de resistência ao regime escravocrata criado pela Coroa Portuguesa, o de Palmares. O “e aí professor” com braços abertos e os olhos arregalados, passou a significar uma pergunta quase que angustiante: E quem é Dandara dos Palmares nisso tudo?

A finalidade de qualquer projeto político pedagógico que vise emancipar grupos em situação de subalternidade socioeconômica e política tem-se como princípio elementar o despertar do interesse pelo conhecimento das várias ciências sociais e humanas. No caso do regime político escravista adotado no Brasil formalmente até 1888 – informalmente persiste até os dias atuais – possibilita a comunidade acadêmica apropriar-se desse conhecimento cientifico para realizar uma reflexão crítica sobre o importante papel do povo de África e sua cultura para a formação e desenvolvimento da sociedade brasileira contemporânea. Aliás, aproveitou para analisar as consequências práticas no dia-a-dia desses povos africanos na formação e desenvolvimento da identidade sociocultural, religiosa e política na cultura brasileira.  

Eu creio que o propósito de resgatar, proteger e promover elementos da cultura africana que permeia o processo de vivencias no Brasil e suas inúmeras influências nas diversas manifestações (artístico-cultural, intelectual, científica, gastronômica) afro-brasileira e africana, foi extremamente exitoso e, não menos prazeroso para o Colégio Estadual Camilo de Jesus Lima.

Esse evento mostrou disposição político-pedagógica da docência-discência desse colégio para dialogar com as diretrizes da lei 10.639/03 que prevê o ensino da história e cultura afro-brasileira e africana no Brasil, não apenas como discreto recorte da escravidão negra africana. Nesse sentido, o colégio em tela compreendeu perfeitamente a lei 11.645/08 retirando dela a habitual angustia (que a torna obrigatória) que é trabalhar obrigatoriamente os conteúdos durante o ano letivo não apenas em sala de aula. O ensino da história e cultura afro-brasileira e africana passou a ser uma obrigatoriedade em todas as escolas (públicas e particulares) em território brasileiro do fundamental ao ensino médio.

As diversas apresentações abordaram a temática “escravo” em seu sentido primeiro que é atribuída a pessoas que realizam alguma tarefa produtiva sem remuneração e vivendo sob certas condições do jugo que o aliena a vida livre em sociedade, que o abriga coercitivamente a realizar o trabalho de maneira não livre. Portanto, a palavra escravo foi amplamente debatida em todos os coletivos dessas tribos juvenis como algo ligado ao significado dado ao trabalho e as condições para realização do mesmo. Assim sendo, passou-se a compreender que não existe “escravo africano” porque nenhum (a) africano (a) é escravo (a), pois as pessoas trazidas coercitivamente da África foram e continuam sendo escravizadas.

Ao usar essa palavra (escravo) para atribuir valor inexorável aos seres humanos vindos de África, tem-se a finalidade de naturalizar (como se fosse possível) essas condições exclusivamente intrínsecas às pessoas capturadas feito bichos no continente africano e vendidas pelos mercadores da morte que negociavam nos principais portos do continente americano como se fosse mercadoria – para o recém-surgido capitalismo comercial os negros (as) era mercadorias sim.

Nessa atividade, o uso da expressão “escravidão moderna” passou a ter o sentido que se diferencia das demais em função do caráter restritivo as pessoas negras, pois se entendeu que a escravidão anterior à moderna se originava quando aquele povo em estado de conflito perdia a guerra. As pessoas e seus bens (despojos) eram apropriados privadamente pelo vencedor que passavam a ser dono das pessoas e de seus bens. O tráfico dos povos africanos começou lá no século XV com a coroa portuguesa ultramarina que havia chegado em 1444 no Sudão, após explorar riquezas na costa da África e iniciado a colonização da Américas.

Por isso, a expressão escravo foi trabalhada para desconstruir conceitualmente essa ideia de que a escravidão é uma condição inerente aos seres humanos ocultando seu caráter de cativo, além do sentido aviltante e discriminativo construído no decorrer de toda a história da humanidade. Considerando também outro aspecto da palavra escravo moderno que é a condição especifica do translado na condição de prisioneiros dessa população vinda contra a própria vontade – pois foram capturados – trazidas da África, como se elas fossem submissas e passivas.

A Lei 10.639/03 propõe por meio de suas diretrizes curriculares para o estudo da história e cultura afro-brasileira e africana descontruir esse constructomental que forja a ideia de inferioridade da cultura dos povos africanos. A cultura afro-brasileira é parte integrante do processo socioeconômico e político de formação da sociedade brasileira, na qual os negros devem ser considerados como sujeitos históricos, valorizando-se. Portanto, o pensamento escrito que materializam as ideias de importantes intelectuais negros brasileiros deve ser trabalhado em todos os espaços acadêmicos, principalmente em sala de aula – a ciência, a cultura (música, culinária, dança) e as religiões de matrizes africanas.

Nesse sentido, o Dia da Consciência Negra deve ser indicado como um dia de luta nacional contra o racismo e suas diversas formas de expressão. No espaço escolar podem-se desenvolver atividades com iconografias, pinturas, fotografias, artes-plásticas, danças e músicas.  Assim, o colégio estimula a imaginação dos discentes e dar o suporte docente subsidiando a discussão por meio da transdisciplinaridade dialogando com os vários campos do conhecimento – Filosofia, História, Geografia, Sociologia e Antropologia. Essa atividade coletiva que envolve a energia intelectual da docência para elaborar o projeto, o planejamento da gestão administrativo-financeiro escolar e o envolvimento criativo da população estudantil.

Esse movimento intenso de gente jovem cheia de disposição e transbordando energia criativa, transcende a sala de aula porque estimula o ensino-aprendizado por meio da demanda por pesquisa, leituras, discussões coletivas que levam a descoberta e a produção de conhecimento fora do espectro tradicional de sala de aula que já não consegue mais seduzir a população estudantil que está em outra vibeinfluenciada pela tendência científica de última geração, surfando nas novas tecnologias que também oferecem informações e conhecimentos livres – a rapidez, a desburocratização e a ausência de exigência no critério de acesso e leitura, acabam sendo mais sedutor para essas tribos juvenis.

Nesse processo observa-se que essas juventudes conseguem desfazer o constructomental reacionário de uma educação tradicionalmente bancária – no dizer de Paulo Freire. Eles apreender conceitos e categorias complexos (considerados maçantes em sala de aula) que os libertam do preconceito e racismo, pois passam a enxergar que a rica cultura afro-brasileira e africana contribui para formação da sociedade brasileira. Eles começam a se enxergar como sujeitos históricos, despertando a pertença étnico-racial. Melhora a autovalorização enquanto pessoa negra que porta dignidade humana.

O acesso ao mundo da produção intelectual gera apreensão de inúmeros conhecimentos, aliás, um empoderamento dessa população estudantil pelo sujeito histórico, vocalizado por ideias-força desenvolvidas por intelectuais negros (as) brasileiro em todas as dimensões da produção da vida material e intelectual desfrutadas na sociedade. Até então, desconhecida para uma boa parte dessas juventudes.

A feira aflora o sentimento de pertencer ao mundo que passa a ser real porque o outro também é ele (outro “igual”). Se o outro é ele, então ele pode sonhar ser o outro que é músico, intelectual, cientista, médico, juiz, engenheiro e etc. Esse momento da descoberta é essencialmente mágico, uma espécie de Eureka – a interjeição exclamada por Arquimedes de Siracusa. Para eles tudo que era sem sentido antes, se conecta porque está interligado e passa a ter significado e dar uma direção, mostrando que encontrou o seu caminho.

Isso ajuda a ressignificar a vida de quem vive equilibrando-se diariamente no fio da navalha da zona de risco e a partir daí se faz múltiplas projeções com os novos valores absorvidos pela vivencia lúdica – que também é essencialmente cognitiva – muda-se peremptoriamente o trágico destino dessas tribos juvenis. Muda-se o futuro da periferia, transformando o deserto num oásis.

Por isso, parabenizo a capacidade cognitiva e criativa todas essas tribos juvenis, a escola – sobretudo a coordenadora, a professora Vanessa – e toda a equipe envolvida nesse processo de libertação humana tão necessária para possibilitar a essas lindas tribos juvenis à oportunidade da vida plena e não se perderem pelo caminho, pois “Eu não espero pelo dia em que todos os homens concordem / Apenas sei de diversas harmonias possíveis sem juízo final / Alguma coisa está fora da ordem / Fora da nova ordem mundial...”.

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