Translate

Seguidores

quarta-feira, 23 de setembro de 2015

Carta de um brasileiro petista negro caminhando para meia idade.


Herberson Sonkha
Militante Estudantil nos anos 90
Presidente do Grêmio Livre Raimundo Viana
Colégio Estadual Polivalente.

"O partido surge da disposição política de uma militância aguerrida, combativa, intelectualizada e uma práxis à esquerda que combate o espontaneísmo e pragmatismo despolitizado. Essa força petista impôs derrotas pontuais aos conservadores, impediu os avanços neoliberais agressivos dos anos 90."



À Militância Petista. 

Nestes últimos anos e, principalmente nos dois anos que sucederam as eleições gerais no país, tenho visto uma ruidosa movimentação antipolítica de pessoas quê, de acordo com a história, sempre foram favorecidas economicamente pelas benesses oportunizadas pelas ‘facilidades’ deste modelo de Estado e sua forma de governar, contra o Partido dos Trabalhadores por todo o país. Portanto, o partido deve rever a sua história e fazer autocrítica para encontrar a saída deste labirinto suicida que vem grassando a vitalidade e força revolucionária da militância.



Esta imperiosa tarefa do diretório, implicará em dois movimentos “antipáticos”: o primeiro de retomar o projeto coletivo de empoderamento das forças sociopolíticas que compõe o campo democrático e popular, abrindo mão do projeto de capitulação à direita e o segundo nos remete a perspectiva da caminhada rumo à emancipação humana. Este deve ser o antídoto amargo contra esta ‘crise’ urdida contra o partido.

As duas possibilidades exigem da militância à esquerda algo que lhe é intrínseco: práxis política e coerência com as diversas literaturas emancipacionistas existentes dentro do partido. Mas, só pra recordar estes textos não orientam o comportamento dirigente partidário. O berço das lutas de classes desde o século XIX tem sido a teoria marxiana, da qual deriva os vários marxismos, no que pese suas implicações, existe uma atualização destas elaborações realizadas pelas várias correntes internas ao partido e importantes contribuições de teóricos heterodoxos (esquerda não partidária), visando superar alguns anacronismos e desvios à direita.

Neste sentido, por exemplo, poder-se-ia apropriar-se da farta e contundente elaboração teórica e das práxis das feministas petistas que lutam para libertar os homens do machismo milenar, ao defender a igualdade de gênero por meio do empoderamento das mulheres e a emancipação destas dos grilhões do machismo existente dentro e fora do partido. Outra militância importante que deve ser imediatamente apropriada e incorporada ao partido são as elaborações teóricas emancipacionista das populações negras, o combate sistemático contra o racismo, a igualdade étnica racial e o empoderamento destas populações negras. De igual maneira as elaborações teóricas que dão conta da liberdade para orientação sexual que orienta o debate LGBT e o empoderamento destas populações articuladas à emancipação humana.

Saúdo a violência revolucionária e a força da militância petista das populações negras urbanas e quilombolas, contra o racismo e pela igualdade étnica racial. Pela coragem política de enfrentar com sua militância um dos pilares de sustentação do capitalismo (Terra, Capital e Trabalho) disputando cada palmo de terra deixado pelas suas ancestralidades Africanas neste país.

Saúdo a jovialidade e violência revolucionária da militância petista presente nas feministas que de pronto rasgam despudoradamente o véu da inocência criado pela alienação desumanizante do machismo e disputam com a mesma capacidade intelectual e disposição para as grandes transformações política contra a violência dos homens, pela sua própria libertação.

Saúdo a militância petista LGBT pela vitalidade, coragem, força e pujança revolucionária petista que ousa construir uma ordem em que homens e mulheres possam ser felizes independe de suas orientações sexuais. Pela coragem de desnudar o senso comum do fanatismo dos conservadores, religioso ou não, na defesa intransigente da liberdade para o pleno exercício de sua sentimentalidade.

Saúdo os militantes petistas egressos das classes trabalhadoras pelo caráter revolucionário engendrado à suas organizações políticas ao expor as contradições de um sistema de exploração que promove a depauperamento e violência contra quem efetivamente produz a riqueza e dela não usufrui.

Saúdo os valentes e combativos dirigentes petistas nos movimentos sociais pela compreensão política de quem é necessário tencionar os governos visando superar os limites do Estado liberal burguês com objetivo de melhorar as condições das massas privadas do exercício de seus direitos.

Importante ressaltar o viés de luta de classes destes combates específicos, evitando a despolitização e por consequência a mistificação por deslocamento ideológico comunista, porquanto mesmo promovendo o empoderamento destas populações, não implica na emancipação humana, antípoda a quaisquer sistemas baseada na exploração de mulheres e negros, independente de sua orientação sexual.

O partido surge da disposição política de uma militância aguerrida, combativa, intelectualizada e uma práxis à esquerda que combate o espontaneísmo e pragmatismo despolitizado. Essa força petista impôs derrotas pontuais aos conservadores, impediu os avanços neoliberais agressivos dos anos 90, mas sucumbiu a mistificação da ideologia burguesa, “descuidando-se” de se certificar de que eleições por si só não resolveriam as contradições capitalistas e nem as ciladas da ordem burguesa criada e consolidada na metade de um milênio de domínio, exploração e consolidação de instituições políticas e econômicas voltadas a manutenção dos seus criadores: a burguesia brasileira e internacional.

Neste sentido, mesmo com a exitosa trajetória política do Partido dos Trabalhadores, nestas três últimas décadas no Brasil, que criou vínculos fortes e uma reciprocidade política cada vez mais crescente com a população e isto foi constatada várias vezes nas urnas, o que não significa que jamais poderia ser abalada. Dos discursos operários revolucionários à gestão democrática popular, o petismo foi se firmando aos poucos em uma força colossal, transformando-se em farol para as classes trabalhadoras e movimentos sociais da América Latina, mas não conseguiu converter esta força em transformações mais profundas, capaz de banir das relações sociais comportamentos que refletem o modus operandi de dirigentes internos do partido e, muito menos, de dirigentes históricos das elites nacionais e internacionais que continuaram operando a política, inclusive, em nome do próprio partido.

O PT nasce em berço operário e socialista. Afirma seus clamores e movimentações políticas a partir de uma militância petista de contestações e resistências ideológicas extremamente politizadas. Estas são algumas das principais marcas das duas primeiras décadas de existência do partido (anos 80 e 90), absolutamente diferente das experiências vivenciadas pela esquerda brasileira apta a realizar grandes manifestações por liberdade e participação política ou contra lideranças populistas, que surgem impávidas no limiar deste século sob o signo das transformações socioeconômicas, que criou um DNA político diferenciado, mas nunca fora reformista.

Inequivocamente não há qualquer associação da militância petista ao reformismo caudilhista, nem de en passant. Uma diminuta massa crítica, extremamente intelectualizada formada por trabalhadoras(es) articulados em sindicatos, estudantes, artistas, cientistas e religiosos ligados ideologicamente a um verdadeiro exército de explorados, de reserva e invisibilizados construíram uma força social sem precedentes na história deste país. Um feito inédito, pois tal força foi capaz de levantar-se uníssona contra as elites cristalizadas no poder por mais de 500 anos e impunha bandeiras históricas derivadas das contradições de um sistema perverso, cônscios de suas mazelas, com clareza política de seus antagonismos socioeconômicos e sua programática partidária contrária aos interesses das populações sofridas.

Não eram bandeiras envelhecidas pelas ferrugens do reformismo insolente e estéril dos populistas de plantão. Eram indignações resultantes do sofrimento popular, egressas das populações vítimas de todas as situações de vulnerabilidades. Manifestações de apoio eclodem como expressão do povo brasileiro que até então nunca existiu, numa correlação de forças favoráveis às grandes transformações que se articulavam entorno de vários projetos de esquerda revolucionária no mundo. Pela primeira vez o povo optava por outro projeto de cunho ideológico claramente popular, desde a criação da primeira unidade político administrativa no Brasil.

O campo popular ergueu-se destemido do lodaçal criado das agendas das elites fossilizadas que controlavam o Estado desde sempre, vitoriosa. A burguesia nacionalista, todavia se manteve inalterada por séculos no poder, desde o controle da casa grande à senzala, do cortiço à mansão, da viela ao paço, baseado no domínio socioeconômico e político da coroa portuguesa até os primórdios do século XXI. Características culturais, físicas, psicológicas e emocionais indelevelmente marcantes entalharam no corpo, na alma e no coração da população empobrecida brasileira um ânimo e aplacou o medo, que diferenciava a condição do voto nas candidaturas do campo popular a cada eleição em todos os quadrantes deste país, desde a primeira eleição em 1824, durante o Império.  

O medo voltou a rondar o país, anunciando a liquidação de um partido que ganhou a preferência do povo brasileiro e até marcam data para missa de sétimo dia com direito a passeatas, fogos e frases de efeito para comemorar o “fim” desta organização partidária que alterou o curso da população brasileira em um pouco mais de uma década, contra séculos de atraso e sofrimento. Mas, precisamos voltar ao partido para rever a nossa história e fazer as críticas que precisam ser feitas, doa a quem doer porque precisamos de um partido forte e uma militância organizada, pois nunca se sabe o que poderá acontecer... Afinal, em tempos de anuncio de golpe é sempre bom relembrar trechos da canção de Zé Ramalho, “Ele (Getúlio Vargas) disse muito bem: "O povo de quem fui escravo Não será mais escravo de ninguém."

Não é verdade que somos corruptos por definição, mas é absolutamente correta a crítica de setores à esquerda que nos condena (lê-se dirigentes) por abandonar as lutas populares, as organizações políticas sindicais, estudantis e dos movimentos populares e, principalmente o projeto de emancipação humana em nome de uma suposta racionalidade burguesa, denominada de reformismo, que infirma o caráter revolucionário da luta pela emancipação humana. Não somos reformistas, mas a direita petista tenta imputar ao partido esta tarefa ideologicamente degenerativa. 

Ao caminhar a meia idade observo que o caminho nunca foi flertar com o conservadorismo e apetecer o triunfo do capitalismo e suas instituições políticas. Ao completar um pouco mais que quarenta anos e ao voltar-se para trás para enxergar meu ponto de partida, (1986 a 1998 no PCdoB e partir do final de 1999 no PT) e a partir daí refazer criticamente toda minha trajetória de militância chego em 2015, certo de que o caminho à esquerda está corretíssimo, provavelmente para os dirigentes do partido nem tanto, e a nossa luta é organizar politicamente as populações exploradas, invisibilizadas, oprimidas e juntos acumular forças e estruturar as condições objetivas e subjetivas visando à emancipação humana.

Um forte abraço a quem tem coragem de construir o novo, na contramão da história. Contra tudo e contra todos os percalços da ordem burguesa!

Herberson Sonkha
Militante Petista

Coletivo Ética Socialista!
terça-feira, 15 de setembro de 2015

Uma roda de conversa sobre a crise econômica com o economista José Sergio Gabrielli.

José Sergio Gabrielli : PhD em Economia pela Universidade de Boston

Crise Política e Ajuste Fiscal  Exigem Posicionamento Distributivo: Mais ricos devem pagar mais impostos


* Por José Sergio Gabrielli de Azevedo 

Com o agravamento da crise econômica e política, o Governo enfrenta três grandes desafios na gestão da Economia no curtíssimo prazo: como ajustar o déficit previsto para o Orçamento de 2016, como minimizar o impacto inflacionário da disparada do dólar e como apresentar um horizonte de retomada do crescimento no médio e longo prazos.


Todos são problemas de soluções complexas no âmbito da Economia, mas não encontram saída a não ser através da negociação política, tanto com o Parlamento, que tem a ultima palavra do ponto de vista institucional na aprovação dos marcos legais, como com a sociedade, que sofrerá os seus impactos e que pode influenciar os parlamentares, seja na direção que se consolida através dos meios de comunicação e por ação da oposição, seja numa movimentação contra hegemônica, buscando alternativas menos custosas do ponto de vista social. Em ambos os casos, a movimentação é essencialmente política.

No que se refere ao cambio e juros é imprescindível uma mudança da gestão das reservas internacionais e na concepção das relações juros domésticos e inflação para que possamos sair da armadilha de curto prazo de metas inflacionárias anuais. Somente um novo pacto político permitirá esta mudança.

A retomada do crescimento precisa ampliar o horizonte temporal do ajuste macroeconômico com perspectivas de manter o ritmo do investimento e financiamento sustentável o que só será possível em uma perspectiva plurianual. A passagem pela fase de ajuste financeiro das contas de curto prazo precisa apontar caminhos para o que acontecerá depois da ponte atravessada. Sem isto, os agentes não se mobilizarão sequer para atravessar a ponte. Estes dois temas não serão aqui demais detalhados e nos concentraremos na questão orçamentária.

Em relação ao PLOA2016 há pouca margem de manobra no corte dos gastos. Quase 90% das receitas do Governo estão comprometidas com despesas de compressão muito difícil, envolvendo salários, aposentadorias, verbas atreladas ao comportamento da receita e vinculações constitucionais. As mudanças destes marcos legais demandarão tempo e um potencial agravamento da crise, especialmente no que se refere aos seus efeitos sobre grupos sociais mais atingidos positivamente pelas políticas sociais que necessitarão de cortes.

Do ponto de vista das receitas, a Carga Tributária Bruta já atinge cerca de 35% do PIB havendo pouco espaço para sua elevação geral. No entanto, como a matriz tributária brasileira é muito regressiva, com os pobres pagando relativamente mais tributos do que os mais ricos, há alguma espaço para alterar sua estrutura, aumentando sua progressividade.

Considerando que  a maior fonte da injustiça arrecadatória é a   predominância  dos impostos indiretos sobre os diretos esta mudança teria maior impacto. No    entanto, esta reforma tributária precisaria mudar substancialmente o sistema do ICMS, com enormes repercussões no pacto federativo e na repartição dos tributos entre União, Estados e Municípios, o que torna praticamente impossível sua realização no curto prazo.

Os impostos ligados a produção e importações correspondem a quase metade da carga tributária total.  A distribuição da carga tributária brasileira por bases de incidência revela que a tributação de propriedades correspondia apenas a pouco mais de 3% dos tributos, com o imposto de renda sendo responsável por 22% e as Contribuições Providenciais, FGTS e PIS-PASEP, correspondendo a quase 28% dos recolhimentos. 

Referentes ao ano de 2013, com base no IR de 2013, a Fazenda Federal divulgou dados que mostram que os rendimentos exclusivamente tributados na fonte correspondiam a mais ou menos 4% do PIB. Entre estes rendimentos, que pagam em geral 15% de alíquota de IRPF, 52% eram provenientes de rendimentos de aplicações financeiras e ganhos de capital.

Com base nos mesmos dados, um estudo de um economista, que não se afina politicamente com o atual governo[1]  , mostra que os rendimentos isentos e não tributáveis correspondem a 12,8% do PIB. Entre tais rendimentos encontram-se os lucros e dividendos que no Brasil, desde 1995, não pagam IRPF sob a alegação de que poderia haver bitributação, uma vez que as empresas que geraram esta renda já pagaram o seu IRPJ. Existem poucos países no mundo que tem esta liberalidade brasileira com os detentores de rendimentos da propriedade, com muito deles adotando alíquotas diferenciadas para este tipo de rendimento, ou adotando alguma forma de compensação dos tributos já cobrados na fase de pessoa jurídica.

Há que se separar daqueles 12,8% do PIB, cerca de 3% que se enquadram como rendimentos isentos, mas correspondem as cadernetas de poupança, de amplo uso no pais para acumular poupanças de pessoas de menor renda. Isto leva a uma estimativa grosseira de que mais ou menos 9% do PIB correspondem aos lucros e dividendos, possibilitando uma base tributária que poderia aumentar a arrecadação federal, digamos, em 0,9% da produção interna do pais se a alíquota incidente sobre esta fonte fosse de 10%. 

Também no que se refere aos tributos sobre renda proveniente do trabalho assalariado a alíquota máxima brasileira de 27,5% não somente é baixa, comparativamente a outros países, como sua incidência ocorre sobre rendimentos muito baixos, em torno de 4,8 mil reais de salários mensais.
Aumentar a alíquota máxima e ter alíquotas mais progressivas a partir de níveis mais altos de rendimentos poderia também corrigir a regressividade de nossos impostos. Além do nível da alíquota formal que poderia ser alterada, também poderiam ocorrer ajustes na alíquota efetiva com mudanças no sistema de deduções que cada um pode fazer para calcular seu IRPF efetivo, onde as despesas com saúde privada, por exemplo, não apresentam limites superiores, beneficiando diferenciadamente as pessoas com maior nível de renda, que podem adiantar a despesas com planos de saúde, hospitais e médicos privados.

Esta discussão sobre o IRPF atinge um pouco mais de 14 milhões de brasileiros, que são aqueles que declararam em 2012 tem algum imposto a pagar, equivalentes a um pouco mais de 7% de nossa população. 

Dentre estes, aqueles que poderão a ser atingidos por estas mudanças propostas representam uma parcela muito pequena. Se nós tomarmos apenas aqueles contribuintes do IR com rendimento tributável superior a 20 salários mínimos[2]  eles correspondem a um pouco menos de um terço de todos os rendimentos tributáveis de 2012, mas foram responsáveis por mais de dois terços do IRPF recolhido, o que mostra o seu potencial contributivo. Utilizando-se de dados da PNAD, o estudo anteriormente citado sugere que esta faixa de rendimentos conta com 0,64% da população brasileira, portanto um pouco mais da metade de um por cento dos brasileiros.

Estas mudanças do IRPF apesar de atingirem poucos pessoas, atingem aqueles com maior renda e com maior poder de influenciar os tomadores de decisão, a opinião publicada e os meios de comunicação. Atingem, portanto aqueles com maior poder de convencimento dos parlamentares que utilizarão o falso argumento de que a classe média já está penalizada pela Carga Tributária para se opor a este ajuste da injustiça de nosso sistema de tributos.

Só a mobilização política e uma campanha em torno de difundir que 0,6% da população, que mais ganha, pode ajudar a sair da crise, no lugar dos cortes de programas sociais, salários e aposentadorias de servidores e pensionistas pode reverter esta conjuntura contra o Governo. O núcleo político do Governo está disposto a fazer este deslocamento de base de apoio em direção à sociedade?

_________
* José Sergio Gabrielli é graduado em Economia pela Universidade Federal da Bahia onde também obteve mestrado com a dissertação Incentivos Fiscais e Desenvolvimento Regional.
Em 1987, obteve o título de PhD em Economia pela Universidade de Boston, com dissertação sobre o Financiamento das Estatais durante o Governo Geisel. Entre 2000 a 2001 foi pesquisador visitante na London School of Economics and Political Science, em Londres. Na UFBA, foi pró-reitor de Pesquisa e Pós-Graduação, diretor da Faculdade de Ciências Econômicas e coordenador do Mestrado em Economia. Foi também superintendente da Fundação de Apoio a Pesquisa e Extensão (FAPEX).
Escreveu diversos artigos e livros sobre reestruturação produtiva, mercado de trabalho, macroeconomia e desenvolvimento regional. Foi considerado pela Revista Época um dos 100 brasileiros mais influentes do ano de 2009. É membro não executivo do Conselho de Administração do Itaúsa S.A. e membro do Conselho de Administração e Comissão para a Estratégia Internacional da Galp Energia. Além de ter sido membro dos Conselhos de Administração das subsidiárias da Petrobras: Gaspetro, Petrobras Distribuidora (BR), Petroquisa, PBio (Petrobras Biocombustível), Transpetro e Petrobras Argentina. Em 23 de janeiro de 2012, anunciou sua saída da presidência da Petrobras para assumir a chefia de uma secretaria de Estado no Governo da Bahia. Assumiu o cargo de Secretário do Planejamento da Bahia em 9 de março de 2012[7] e comanda um programa de rádio que é veiculado todas as quintas nas rádios baianas onde comenta das ações do governo do Estado, e temas conjunturais e de pesquisas (emprego e desemprego, comércio varejista, indústria e resultados do PIB) e avaliando a economia regional, nacional e internacional.

[1] Afonso, Jose Roberto. Imposto de Renda e Distribuição de renda e Riqueza: As Estatisticas Fiscais e um Debate Premente no Brasil. Revista da Receita Federal: estudos tributários e aduaneiros [S.I.], v. 1, n. 1, pp. 28-60, Ago/Dez 2014 2014.  
http://www.revistadareceitafederal.receita.fazenda.gov.br/index.php/revistadareceitafederal/article/view/97.

[2] Castro, Fábio Avila de. Imposto de Renda da Pessoa Física: Comparaçoes Internacionais, Medidas de Progressividade e Redistribuição, UNB,  115 pp.  2014, Departamento de Economia, UNB (Dissertação) Bugarin, M. c. Available from http://repositorio.unb.br/handle/10482/16511




sexta-feira, 11 de setembro de 2015

“A juventude é uma banda numa propaganda de refrigerante”?


* Por Herberson Sonkha

"Ao contrário dos nossos ancestrais africanos que descendem de uma cultura milenar baseada na tradição da oralidade e que foram proibidos de reconstruir sua cultura, religiões, valores e sonhos aqui no Brasil."

A Banda Engenheiro do Hawaii, do Rio Grande do Sul, cantava 1987 uma das canções mais ‘provocativas’ para a juventude naquele período, no seu segundo álbum de estúdio chamado “A revolta dos Dândis”. Para conhecimento público, o nome do álbum tem a ver com o significado narcisista da palavra “dandy”, um janota, que quer dizer: um burguês, ou seja, um ser humano fútil, um 'homem que tem preocupação exagerada com a aparência pessoal'.


Esta expressão possui origem inglesa e faz referencia aos “bons modos” de alguns homens com senso estético aguçado, mas que não descende da linhagem nobre. Diz-se também que o “dandy” é um cavalheiro lapidar, impecável que escolhe viver de forma hedonista: leviana e superficial. É um pensador, embora diletante, que se ocupa do lazer, atividades lúdicas e aprecia a ociosidade. Obsessivo pelos requintes das classes burguesas, mas é um dissidente vulgar.

O Humberto Gessinge canta para a juventude que acabara de sair de uma ditadura civil-militar perversa, traumática e criminosa sem quaisquer liberdades de expressão, política, cuja maioria empobrecida morria jogados nos rincões deste imenso país desgovernado. Para este bom moçinho de olhos azuis, pele branca e protegido pela culta intelligentsia das ciências positivistas, insigne representantes da cultura universal europeia liberal realmente não poderia haver diferença entre Fidel e Pinochet, entre americanos e soviéticos, entre o sul e o norte, entre rapadura e caviar, entre farinha e cocaína, entre cachaça e whisky, Dom Bosco e Vosne-Romanée, entre gregos e troianos, entre stalinista e trotskista, entre Marx e Hayek; e o mais importante é revoltar-se contra a opção ideológica que infirma o narcisismo da estética e afirmar a futilidade do bom burguês e sua ordem socioeconômica “Das kapital”. Ou seja, para este garoto lindo e benquisto ser diletante, cultivar a ociosidade e ser hedonista era algo acessível aos brasileiros e principalmente à juventude. Não importa quem vai pagar a conta, pois as costas não são as suas.

Este moço não conheceu a pobreza porque é filho de imigrantes europeus, radicalmente diferente dos renegados prisioneiros de África, que contra a sua vontade e de suas comunidades e suas culturas foram trazidos ao Brasil, a América latina, as Antilhas, a Espanha, aos EUA, a Europa ou qualquer outro lugar deste planeta para serem escravizados, violentados, amordaçados, vendidos como mercadoria, suas mulheres estupradas, seus filhos explorados pelo trabalho forçado e sua força de trabalho expropriada, sem quaisquer condições de dignidade, uma desumanidade.  

Esta música ganhou os quatros cantos do Brasil, na voz de Humberto Gessinger, um descendente de alemão por parte de pai e Italiano por parte materna. Estudou na faculdade de arquitetura da federal do Rio Grande do Sul, mas não concluiu. O porta-voz da juventude produziu seu pensamento através de longas listas de “grandes feitos intelectuais”, egressos da tradição europeia da escrita, tais como produção artístico-cultural, livros e participações em entrevistas e artigos à banda foi alvo de duras criticas pelos críticos literários por considerá-los de elitistas e os mais enfáticos de fascista pela fluidez de citações que iam de Sartre a Albert Camus.

Ao contrário dos nossos ancestrais africanos que descendem de uma cultura milenar baseada na tradição da oralidade e que foram proibidos de reconstruir sua cultura, religiões, valores e sonhos aqui no Brasil. Eram Reis e Rainhas de África que foram subjugados pela escrita, que sempre serviu de instrumento ideopolítico de dominação cultural dos povos africanos e originários da terra brasilis. Mas, sempre existiu o controle cultural e ideológico da juventude, basta observar o papel da educação institucional no Brasil e seus crescentes indicadores de analfabetismo funcional e principalmente a quem atinge.

Não há tempo e nem disposição para propor ociosidade às classes trabalhadoras e principalmente à população negra que compõem mais de 60% desta formação populacional. Não há tempo para defender diletantismo quando os índices de homicídios ocorrem entre jovens negros e pobres.  Não há tempo nem condições materiais para defender o hedonismo quando nossa juventude não possui infância muito menos juventude decente em nosso país. Não há tempo nem paciência para defender uma escola cuja educação continua sustentando posições racistas, filosoficamente positivista, xenófoba, machista, misógina, lesbo-homofóbica.

Portanto, as juventudes brasileiras em sua imensa maioria não são jovens que pertencem a “uma banda numa propaganda de refrigerante” como dizem os sicofantas nazifascistas de plantão, chamados de cochinha, alguns possui nomes pomposos com Engenheiros do Hawaii, muitas vezes com a função de convencer estas tribos de forma subliminar de que é tudo igual, todo político é ladrão, o Estado é pra oprimir e garantir a mais-valia, a juventude negra é pra ser assassinada, as mulheres negras estupradas, as religiões de matriz africana devem ser demonizadas, crianças e adolescentes alienados, o meio ambiente destruído para reprodução do capital, as classes trabalhadoras para explorar e LGBT é pra ser exterminados assim como fizeram com nossos povos originários (Não uso indígena porque é uma expressão do colonizador) em suas musicas que são só dançantes.

Numa manhã de janeiro 93, ao participar de uma atividade da UBES em São Paulo, fui tomado por uma força maior que os grilhões que nos aprisionava, pois estava estampado em uma camisa da juventude marxista:

"Que as classes dominantes tremam à ideia de uma revolução Comunista! Os proletários nada tem a perder nela a não ser as correntes que o aprisionam. Tem um mundo a ganhar”. (Karl Marx)




quinta-feira, 10 de setembro de 2015

IDEOLOGIA E CULTURA COMO FERRAMENTAS PARA A MANUTENÇÃO DA ORDEM DOMINANTE

"À medida que o modelo de desenvolvimento capitalista foi ganhando corpo e se tornando hegemônico em todo o planeta, a classe dominante começa compreender que tudo poderia ser fonte de riquezas, tudo poderia ser transformado em mercadoria, ao mesmo tempo, desenvolvem também a capacidade de utilizar tudo que estivesse nas relações da classe que vive do trabalho contra o próprio trabalhador. "
* Por Prof. João Paulo Pereira
Professor João Paulo
Mudanças climáticas, escassez de água, crise energética, crise de civilização, um mundo conflitante figura aos nossos olhos inertes, que não conseguem enxergar e compreender a realidade que nos envolve e que a cada dia, parece se fortalecer, com a ação da classe que domina o poder político e econômico no mundo, criando ao bel prazer, uma realidade que de forma alguma serve aos interesses da classe que vive do trabalho por todo o mundo, já sacrificada por séculos de exploração pelo capitalismo. O que tem determinado essa situação de inércia de grande parte da população mundial? Porque, nós os explorados e relegados no processo de acumulação de capital imposto pelo modo de produção capitalista não reagimos?

Correntes do pensamento de esquerda e popular no mundo, durante muitos anos tem debatido a respeito do modo de produção capitalista e sobre os seus efeitos na economia e na política mundial. Entretanto, há um debate que não é feito com tanta ênfase pelos meios acadêmicos e que também não chegam aos movimentos sociais organizados pelo planeta. Este mesmo debate não chega às escolas públicas e particulares no Brasil, não chegam às instituições religiosas e muito menos nas famílias, células de todas as sociedades e que hoje cumpre um papel capital, para a manutenção do “status quo” burguês.
Não que seja privilegio do capitalismo utilizar deste expediente como forma de dominação da sociedade. Durante toda a história da humanidade, parafraseando Marx, “foi à luta de classe que moveu a história”, e neste histórico conflito, os setores dominantes sempre se utilizaram do domínio cultural sobre os dominados, hora pela questão religiosa, hora pela força, hora pelo convencimento filosófico, mas sem o expediente cultural e ideológico, jamais a classe dominada aceitaria a condição de dominada. A diferença é que no modo de produção capitalista, o processo de dominação se tornou muito mais evidente, já que tudo que está ao alcance dos capitalistas se tornou ferramenta de dominação cultural e social.
Durante a Idade Antiga, a dominação passava pela divinização dos governantes, na Idade Média, foi à ideia de predestinação do homem que manteve os explorados passivos ante ao processo de exploração, com o surgimento da burguesia, comerciantes que fizeram riqueza com a chamada “revolução comercial”, e com sua escalada ao poder do Estado, durante a Idade Moderna, as relações políticas, econômicas, sociais e culturais ganham outro contorno. O capitalismo é um modo de produção baseado na exploração do trabalho, o que gera riquezas neste novo mundo é a utilização da mão de obra alheia, desta forma o trabalhador perde a condição de ser humano, para ser uma mercadoria, exposta nas prateleiras do mercado de trabalho.
Ao longo da história do capitalismo a humanidade foi obrigada a ir se adaptando gradativamente às transformações culturais impostas pelo modelo de produção. Inicialmente vivenciamos a fase inferior do capitalismo, revolução comercial, ou “mercantilismo”, onde o poder estava no Estado Absolutista, onde o poder divino dos reis prevalecia sobre a racionalidade burguesa, e culturalmente era essa relação ainda divinal que determinava a aceitação da grande maioria da população ao processo de empobrecimento e a subordinação aos interesses do Estado e da burguesia por trás do Estado Absolutista.
A história europeia vai desenvolvendo e a mesma burguesia que há três séculos trabalhavam para a consolidação da revolução comercial, e do Estado Absoluto, percebe que para que seus interesses continuassem sendo atendidos pelo novo modelo de desenvolvimento capitalista, era necessárias mudanças na estrutura do sistema, essas mudanças, primeiro, vão surgir no campo do pensamento, era fundamental a construção de outra mentalidade social, que atendesse aos novos desafios traçados pela burguesia para continuar acumulando riquezas. Surge então o ILUMINISMO E O LIBERALISMO ECONÔMICO, mudanças filosóficas e econômicas no cenário da história, que paralelas ao nascimento das REVOLUÇÕES INDUSTRIAIS, colocaram definitivamente a burguesia na direção do Estado Democrático de Direito.
As duas teorias apontadas acima provocaram uma mudança radical na sociedade, foi alimento para as revoluções burguesas na Europa no século XVIII e XIX, na América com as rupturas com a empresa colonial europeia, e ainda hoje, servem de bases estruturantes do modo de produção capitalista. Mas estas teorias filosófica e econômica não atuaram sós na consolidação do modo de produção, não dá para deixar de lembrar que este momento a religiosidade ainda era fundamental nas vidas dos indivíduos e da sociedade e o PROTESTANTISMO, com sua teologia de conformidade com a ordem política e mesmo a CONTRA REFORMA CATÓLICA, a partir do Concílio de Trento, foram determinantes para a montagem de uma cultura teológica de aceitação da ordem social nascente.
À medida que o modelo de desenvolvimento capitalista foi ganhando corpo e se tornando hegemônico em todo o planeta, a classe dominante começa compreender que tudo poderia ser fonte de riquezas, tudo poderia ser transformado em mercadoria, ao mesmo tempo, desenvolvem também a capacidade de utilizar tudo que estivesse nas relações da classe que vive do trabalho contra o próprio trabalhador. Neste momento, a família, a escola, as igrejas e, sobretudo, os meios de comunicação de massa, passam à condição de ferramentas para a difusão da ideologia e da construção de uma cultura política-social, que atendesse aos interesses de manutenção da ordem estabelecida pela burguesia.
Ao falar sobre meios de comunicação de massa, no primeiro momento, séculos XVIII e XIX, pensamos imediatamente na impressa escrita, e depois, no cinema, primeiras expressões de comunicação de massas, em seguida no início do século XX, surge o rádio. Segundo pensadores da Escola de Frankfurt, o advento dos meios de comunicação de massa, criaram uma nova modalidade de produção cultura, a “indústria cultural de massas”, onde a classe dominante, detentora dos meios de comunicação, passa a produzir a cultura a partir da sua visão de mundo, impondo-a radicalmente sobre a sociedade, substituindo as culturas populares e determinando os caminhos a serem seguidos pelos trabalhadores.
A partir do século XX, se tornou um padrão da sociedade capitalista à utilização dos meios de comunicações de massas como principal ferramenta para a construção de uma cultura social a partir da perspectiva daqueles que dominam o sistema econômico e político. Culturas milenares foram aos poucos sendo abandonadas, posto que elementos populares tradicionais sucumbiram aos interesses do mercado, que gradativamente foi transformando tudo em mercadoria. As artes plásticas, a música, as danças, a religiosidade, tradições folclóricas, tudo ganhou valor de mercado, tudo passou a transmitir a ideologia burguesa a serviço dos interesses da classe burguesa.
Desde Getúlio Vargas, tudo em que a burguesia toca se transforma em ferramenta para transmissão de seu pensamento no Brasil. Com Vargas inicia um programa de controle cultural sobre o povo brasileiro. Desde os anos 30 do século passado, que a educação se tornou um canal transmissor do pensamento do regime, onde a burguesia nacionalista brasileira transformou o chefe de Estado, numa figura acima do bem e do mal, acima das classes sociais, era o Populismo, ditando as regras do jogo, até os dias atuais, muitos dos que viveram o momento, bem como a história oficial brasileira, pensam e apresenta o governante como o “pai dos pobres”, mas não foi só a educação do regime, responsável por esta afirmação. É bom lembrar que é neste governo que surge no Brasil, o rádio, e a primeira rádio em cadeia nacional, que divulgava o pensamento do regime para todo o país. No cinema, sobretudo, na Atlântida, empresa cinematográfica do período, o orgulho nacional estava estampado nos filmes, geralmente parodias da cultura norte-americana, elevando a cultura nacional e a defesa da soberania cultural brasileira. Características também percebíveis na produção musical do período.
Por outro lado, a Igreja Católica no mesmo período tomava outro rumo na America Latina, após a publicação da Rerum Novarum e mais tarde com o Concílio Vaticano II, a opção pelos pobres, começa a ganhar destaque na estrutura da Igreja, principalmente ao “sul do equador”, nascia uma nova teologia, voltada para as lutas populares, para superação da pobreza, tanto espiritual, quanto material, movimentos sociais com base na Teologia da Libertação nasceram por toda a America Latina, nasce uma nova ideologia social na Igreja, mudando o jeito de pensar o “ser Cristão”, o que demonstra mais uma vez que a ideologia e a cultura são fundamentais para a construção de uma prerrogativa política para o bem ou para o mal da sociedade.
A carruagem da história continua seu caminho e traz os anos 50, com ele os avanços das tecnologias da comunicação, sobretudo, com o advento da televisão, que muito rapidamente se torna o principal meio de comunicação de massas e com a mesma velocidade a classe burguesa a cada período da história mais hegemônica, passa a utilizar desta nova ferramenta a seu favor. Trataram de universalizar o acesso ao aparelho em tempo muito menor do que o dispensado para a universalização da educação básica. Nota-se que, já na década de 70, o país já tinha uma grande emissora de TV e outras emissoras menores com o objetivo de atender a todas as faixas etárias da população, a todos os níveis de formação educacional, a todas as classes sociais.
A televisão foi pensada pela burguesia brasileira, a partir de um projeto de dominação cultural, a programação obedecia claramente a um padrão, de estimulo ao estilo de vida norte americano, ao advento da sociedade de consumo, a negação de tudo que estivesse de encontro às prerrogativas burguesas de sociedade, a construção de um novo modelo de sociedade onde a família celular e tudo que pudesse consolidar os alicerces de uma sociedade estruturada, justa e humanizada, fossem dilapidadas pelos interesses do capitalismo. É importante ressaltar que a televisão no Brasil é privada, pertence à classe burguesa, as concessões foram distribuídas de forma planejada pela Ditadura Militar aos seus pares políticos, sob-regras claras para a manutenção destas concessões, estão todas, a serviço da classe dominante brasileira, que neste momento do surgimento da TV não era mais a burguesia nacionalista, agora o país estava nas mãos das antigas oligarquias internacionalistas, agora travestidos de burguesia liberal brasileira, sob a direção de militares a serviço dos EUA.
Já na década de 60 surge o exemplo claro que tudo estava a serviço desta burguesia. O Brasil e o mundo vivam uma efervescência cultural, com o rock and roll e o movimento Hippie, o mundo da juventude ganhava novos contornos, já não se aceitavam os velhos padrões morais, determinados pelo capitalismo, à juventude buscava através da música uma nova forma de viver, questionavam a ordem social, instituíam novos padrões de comportamento e de conhecimento da história e do mundo. No Brasil, jovens artistas, universitários, membros da Igreja Católica, colocava em cheque a ordem política vigente no país. Os ventos do “socialismo soviético” sopravam em direção a América Latina, já havia acontecido a Revolução Cubana.
Temendo uma tomada de posição desta nova juventude à esquerda, os norte-americanos, trabalhando em parceria com as burguesias internacionalistas da América Latina, tramaram golpes militares por todo o continente, claro que precisou de uma justificativa ideológica, “a defesa da liberdade, da família, da pátria”, contra a ameaça comunista vinda da Europa oriental. Mas também precisavam consolidar esse discurso para que seu projeto tivesse êxito, nada melhor do que a cultura. No Brasil, logo após a tomada do poder pelos militares, surge a JOVEM GUARDA, movimento musical que tendo o rock and roll, como base, demonstrava certa rebeldia juvenil, emoldurada pela ideologia burguesa, rebelde, mas nem tanto, boa para a juventude de classe média pudesse se rebelar, uso de gírias, roupas joviais constituindo modas, músicas dançantes, mas sem nenhum conteúdo político, para não estimular o questionamento ao regime. O movimento da Jovem Guarda foi estimulado pelas elites para contrapor a movimentos de juventude como o Teatro de Arena e ao CPC, movimentos que seguiam uma tendência mundial de luta por uma nova sociedade que surgia no meio juvenil. A repressão à música brasileira chegou a um estágio tal durante a década de 70, que artistas brasileiros passaram a cantar em Inglês para fugir da regulação da censura militar, somente tinha liberdade para cantar aqueles que defendiam os interesses do sistema.
No final dos anos 60, o Brasil passa a viver o que foi chamado pela história de Gigantismo. A política do Gigantismo foi desenvolvida pela mídia burguesa, leia-se Rede Globo, e os governos militares para desenvolver a ideia de que o Brasil caminhava para um futuro brilhante, já tínhamos o maior estádio de futebol do mundo, a maior estátua do Cristo Ressuscitado do mundo, agora iríamos construir a maior usina hidrelétrica, a estrada que ligava o Oceano Atlântico ao Pacífico, e outras obras consideradas pelo governo militar fundamentais para o desenvolvimento do país, como as usinas nucleares de Angra dos Reis. Mas essa política esquecia-se de dizer que nossa divida externa e interna crescia rapidamente, que a pobreza no país era gigantesca, que a inflação crescia sem controle, que o déficit em moradias aumentava consideravelmente, a qualidade da educação e saúde se deteriorava com o avanço das políticas liberais desenvolvidas pela ditadura.
Para abafar os baixos índices do IDH nacional, surge outra expressão de nossa cultura como acalentador das mágoas, como disfarce para o descaso com o povo, passa-se a utilizar o futebol, expressão máxima da formação cultural do povo brasileiro, que passa a fazer parte do ambiente ideológico das elites, sobretudo, a partir do tri campeonato brasileiro, que coincidentemente aconteceu exatamente no ano em que João Havelange ganhou notoriedade como candidato a direção da FIFA. Desde então, o futebol passa a ser importantíssimo para a manutenção da ordem política, constituindo-se em uma das ferramentas de controle ideológico com maior projeção na sociedade brasileira, em todos os momentos de crise é fácil perceber que o esporte aparece como solução ou problema a ser resolvido. Basta lembrar que enquanto jovens eram torturados, meninas estupradas, militantes assassinados por todo o país, nos porões da ditadura militar, a massa de senso comum, torcia para acontecer o milésimo gol de Pelé no início dos anos 70.
O futebol também passa a fazer parte do ideário de formação cultural do regime, assim como o carnaval, é construído um ambiente cultural, onde o Brasil passava a ser o país do carnaval, das mulatas e do futebol, enquanto, a maioria da população mergulhava na pobreza material e, sobretudo cultural, a televisão assume o lugar dos livros, a leitura perde seu espaço até mesmo nas escolas, os livros didáticos eram classistas e ufanistas, foram criadas disciplinas como OSPB (Organização Social e Política Brasileira), EMC (Educação Moral e Cívica), Educação Para o Lar, com o objetivo claro de difundir através da educação a ideologia do regime político, claro que para que os professores não saíssem da linha determinada pela ditadura havia um patrulhamento intensivo da educação.
Na contramão da história, a Igreja Católica e setores da Igreja Protestante marchavam rumo a Teologia da Libertação, setores do operariado fabril se organizavam em sindicatos livres buscando melhoria da qualidade de vida e de trabalho, sobretudo, no ABCD paulista. Era o início das lutas da classe que vive do trabalho, por um novo país. Desta forma o avanço da burguesia sobre o ambiente cultural se ampliava, o cinema passou a seguir uma linha meramente pornográfica, tendo como base o próprio cinema norte americano, que promovia uma ruptura ideológica com o movimento Hippie, transformando o “Amor Livre” em “sexo livre”.
Na produção literária escritores que tratavam do individual, do esoterismo, romances norte-americanos, fotos novelas, revistas sobre moda e decoração de ambientes, jornais que seguiam os mesmos padrões ideológicos dos jornais televisivos ganharam espaços foram universalizados para a sociedade brasileira. Programas como o de Chacrinha, Programa do Bolinha, que passava uma visão anárquica da vida, foram tirados do ar, o Cinema Novo de Glauber Rocha, perdeu espaço, para o erotismo o “cinema pornochanchada”, que servia aos interesses do capital, deturpando a ideia de amor, superando a perspectiva de relacionamentos saudáveis e humanizados, dando ao sexo um caráter promiscuo e banal. Essa compreensão do mundo e da vida leva a desconstrução da família celular, o que certamente produziria gerações futuras, também desestruturadas, presas fáceis para a ideologia burguesa, um retrato do que assistimos atualmente.
A partir de 1977, a Ditadura começa a perder força, na Igreja Católica, volta a se organizar as Pastorais militantes, CEBs, Pastoral da Juventude, Pastoral Operária, entre outras. No ABCD, se organiza o movimento grevista, lutando por melhores condições de trabalho, a partir dos metalúrgicos e dos trabalhadores de montadoras de carros, militantes partidários de esquerda e centro, por dentro do MDB (Movimento Democrático Brasileiro), único partido de oposição permitido pela ditadura militar, iniciam lutas pelo fim da ditadura militar e pela anistia política dos exilados brasileiros, pela abertura política e pela redemocratização do país. Uma nova mentalidade política começa a se formar no horizonte do povo brasileiro, sobretudo, da juventude.
Paralelamente a este movimento de retomada da consciência coletiva no país, e diante do enfraquecimento dos “anos de chumbo”, era necessário criar outras formas de dominação, rapidamente às elites internacionalistas brasileira, escoradas na ditadura militar, volta à cena, investindo numa produção cultural para o momento histórico, tomando como base os rumos sociais da história do país. Mundialmente surgia uma efervescência de uma musicalidade voltada para a dança, para festas, os ritmos dançantes norte-americano, ingleses e franceses ganhavam espaços sociais, as danceterias ou discotecas espalhavam por todos os cantos do país, no Brasil esta tendência se fortalecia, sobretudo, após a exibição da novela global, Dancin’ Days, que fez espalhar discotecas pelos mais longínquos cantos do país.
Neste clima festivo no país, a tendência musical era seguir a “onda” do momento, atrair a juventude através da música, dos romances e livros de autoajuda, outra tendência cultural do início dos anos 80 que agradava a juventude era o “esoterismo”, escritores que publicavam nessa linha, era certeza de sucesso, astrologia, numerologia, vidência, tudo se torna apaixonante para essa nova geração de jovens. Ao mesmo tempo em que afastava parte significante desta geração das discussões políticas, econômicas, criava a ideia de felicidade, de uma geração festiva, só para ilustrar isso, o trecho desta canção, mostra bem o que pensava setores significativos da “geração Coca Cola”, “se há uma crise lá fora não foi eu quem fiz, então viver é um lance legal”, apesar de ser uma bela canção, mas retrata bem o que deveria ser ouvido, dançado e curtido pela nova geração de jovens.
Surge um movimento musical em São Paulo e no Rio de Janeiro, seguindo basicamente os padrões ideológicos e culturais da Jovem Guarda uma música para a classe média, estimulante de uma rebeldia juvenil, mas descolada das grandes lutas que a sociedade deveria enfrentar no período de enfraquecimento da ditadura militar no país, é preciso deixar claro, que outros países da América Latina, passavam pelo mesmo processo cultural. Surge no país, uma música destinada a este público, jovens de classe média e filhos das elites dominantes, que certamente ira chegar a todas as camadas sociais no país.
A partir de meados da década de 80, vindo de Brasília, com eco em São Paulo, e na Bahia, o Pop Rock nacional, assume um caráter questionador da realidade social, surge um movimento “Pós-Punk e o Punk”. Na Bahia, a chamada música de trio, ou música baiana, também passa a questionar a realidade social, traz para o debate temas como preconceito racial, preconceito religioso, a questão dos moradores de rua, a pobreza, despertando na juventude, prerrogativas de transformação social, questionando a ordem social estabelecida pela burguesia e apontando para uma nova ordem de justiça social e igualdade.
O resultado desta nova musicalidade foi o crescimento do Partido dos Trabalhadores, e de outros movimentos de esquerda no país, o surgimento de uma juventude militante, a retomada do movimento estudantil, o crescimento da Teologia da Libertação na Igreja Católica, o aumento das pastorais militantes por todo o país, o fortalecimento de movimentos populares a organização das chamadas minorias, que iniciam lutas pontuais contra o preconceito racial, de gênero, pela emancipação das mulheres. Essa tendência politizadora começa a mudar a forma de a juventude ver o mundo, que culminou com a disputa eleitoral de 1989, quando o candidato do PT, mesmo tendo contra si, toda a organização das elites dominantes e da mídia burguesa, conseguiu chegar ao segundo turno, numa disputa apertada contra o candidato da burguesia, perdendo por poucos votos e em função de uma série de armações eleitorais divulgadas pela mídia, com destaque para a Rede Globo, que trabalhou incansavelmente para a eleição do candidato da burguesia.
Mas o processo de construção de uma ideologia capaz de consolidar uma cultura burguesa na história futura do país não tardou em acontecer. Os pensadores da burguesia nacional, percebendo o movimento cultural da sociedade brasileira, inicia um movimento de contracultura à postura libertária crescente no país. Para isso foi necessário resgatar um antigo modelo de produção musical tendo como base a música dos anos 40 e 50, agora com uma roupagem country norte-americana, estilo moderno ditando moda, na forma de vestir, no gosto musical, na forma de ver o mundo, ressurge a música Sertaneja, de 1988 a 2002, várias duplas sertanejas surgiram no país, seguindo a escrita de Chitãozinho e Chororó. Uma música ultrarromântica, estimulante de amores impossíveis, ou paixões não correspondidas, um sofrimento individualizado, descontextualizado das questões sociais coletivas, objetivando a construção de uma mentalidade que buscasse o caminho individualista e a resolução destes problemas seguia o mesmo pressuposto individual.
Outro fator preponderante foi o estimulo ao futebol, agora a partir de uma nova perspectiva, claramente a mídia passou a investir em alguns clubes de futebol, dando um foco maior, mais espaço midiático, produzindo resultados de campeonatos, atraído investimentos para determinados clubes que se tornaram de massa, sendo utilizados como ferramentas ideológicas para os interesses da classe burguesa dominante no país. O mesmo processo também passou a acontecer globalmente, a copa do mundo, deixou de ser disputada por paixão, para ganhar o status de uma mercadoria, servindo aos interesses de patrocinadores e empresários, que passaram a fabricar resultados a partir da necessidade comercial das empresas patrocinadores em comum acordo com a FIFA e Federações de Futebol por todo o mundo.
A conjunção destes fatores culturais determinou uma nova ordem política, econômica e cultural, ideal para a manutenção do status quo das elites pelo mundo o que não era diferente no Brasil. Desta forma a classe dominante brasileira, a partir dos anos 90 do século passado, desenvolveu um projeto cultural e ideológico que ao mesmo tempo em que se tornou um negocio extremante rentável para o mercado fonográfico nacional, e para a nova mercadoria chamada de futebol, servia como ferramenta de dominação social, política e econômica dos trabalhadores. De forma projetada e rigorosamente articulada, a música, os esportes, a televisão, o rádio, o cinema e todo tipo de comunicação de massa, passaram a forma consciências, estabelecer modismos, estilos de vida. As três gerações de juventude, a partir dos anos 80 do século passado, tem sido moldados por este conjunto de ferramentas, que se tornaram o braço forte da classe dominante, que conseguiu nas últimas décadas estabelecer sua ideologia de forma inquestionável na sociedade brasileira, os poucos gritos contrários, são violentamente silenciados. Sem espaço midiático, os bons artistas nacionais sucumbiram aos interesses do mercado, os que resistem são lançados ao ostracismo total, desportistas que ousam se manifestar contra a ordem estabelecida, perdem espaços midiáticos e são isolados ou esquecidos pela grande mídia. Os grandes pensadores nacionais se tornaram desconhecidos do grande público, a produção artística foi substituída por um produto meramente mercadológico e descartável, a televisão aberta nacional e internacional se tornou uma reprodutora do ideário dominante, bem como, as rádios e revistas de grande circulação.
O mesmo caminho seguiu as tradições festivas e culturais do país, que ganharam um valor de mercado e atualmente nada mais é, do que mercadorias expostas nas prateleiras do mercado neoliberal, substituindo costumes, tradições populares, pela necessidade de geração de lucro, tanto para produtores de eventos, quanto para o Estado Burguês. Este modelo de sociedade tem sido pensado e colocado em prática com o objetivo de garantir a manutenção da ordem dominante burguesa, ampliando o processo de dominação cultural, o que certamente favorecerá a permanência do capitalismo como modo de produção hegemônico por todo o planeta, pois esse processo que hoje está em curso no Brasil é também desenvolvido em todos os cantos desta nossa nave mãe e certamente não será fácil derrota-lo, já que ele se estabeleceu como ideologia.
Só para ilustrar o que foi discutido acima, vejam a qualidade da produção musical hoje no Brasil e no mundo. Veja quem são os grandes ídolos das atuais gerações e como são pensadas as músicas, as danças, os eventos culturais como o Carnaval, e o São João no Brasil. Vejam como está o nosso futebol, quem são os grandes ídolos do nosso esporte de forma geral? Onde estão os jovens nascidos de famílias de trabalhadores? É de fato um novo momento, pensado e construído gradativamente pelos senhores do modo de produção capitalista.

O culto a estereótipos e caricaturas de humanidade, a ostentação e a busca pelo “TER”, em detrimento de uma mentalidade humanizadora da sociedade, a busca irracional pela acumulação de riquezas e a necessidade juvenil de se estabelecer como inseridos em um grupo social, a construção de uma mentalidade coletiva, fútil, banal e individualista, voltada para a propriedade dos itens postos como “moda”, tem sido a tônica deste novo momento social e histórico. É esta nova geração que será responsável pelo futuro da humanidade, que herdarão a responsabilidade de construir uma nova ordem social onde prevaleça o cuidado com a vida, com o Planeta Terra, com a construção de uma um mundo mais justo, mais fraterno do que o atual. Diante deste processo de desconstrução da humanidade com ser humano, as gerações futuras estarão prontos para garantir essa nova ordem?

_________________
* João Paulo Pereira é licenciado em História pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia em 2001, Especialista em Gestão Escolar, Professor fundamental II da rede pública municipal de Anagé e Professor de ensino médio na rede estadual em Vitória da Conquista, Bahia.

Buscar neste blog

Inscreva seu e-mail e receba nossas atualizações:

Arquivo