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domingo, 28 de julho de 2019

A classe média vendida e a elite do atraso usurpando descaradamente o Brasil



"A classe média tem a ideologia de quem possibilita a ascensão socioeconômica. Ela tem a conveniência estrepitosa da oportunidade para fazer um bom discurso, escrever um excelente texto panfletário ou um artigo bem fundamentado teórico-metodologicamente para uma tese pseudocientífica momentânea, que afirme seus interesses financeiros estritamente pessoais."

*por Herberson Sonkha


A elite do atraso é a burguesia enquanto classe social historicamente constituída ao longo dos cinco séculos de opressões, corrupções, explorações, torturas, estupros e extermínios das populações subalternizadas pela perversa burguesia do Brasil. Por isso, a concepção burguesa de sociedade não é apenas um modus vivendi fortuito que deve ser aceito porque já está dado pelo processo histórico no país, que alguns equivocadamente a querem de modo ad infinitum.


Esse processo histórico engendrou a moderna sociedade brasileira, impulsionada em certa medida pelas ideias da revolução burguesa ocorrida na Franca entre 1789 e 1799, percursora do século “das luzes”, em contraposição a “escuridão” do ancien régime.

Embora essa revolução burguesa tenha sido incapaz de acabar com o sistema escravista em seu nascimento, antes se utilizou largamente por longos séculos do tráfico humano (africanos) e do sistema escravista altamente lucrativo para consolidar a fase da monocultura do agronegócio nas fazendas capitalistas, com trabalho escravo de africanos e povos originários.

Essa concepção na contemporaneidade é mistificadora porque no plano teórico se apresenta com a aparência de uma sociedade moderna, como sinônimo de bem-estar coletivo, avanço tecnológico, relações pacíficas e benévola e com “soberania popular”.

Isso só é possível se for visto pelas lentes binocular invertidas de alguém vivendo esse processo convulsionante de transição da idade média para a alvissareira modernidade. Contudo, na modernidade isso é literalmente impossível, dado a manutenção das desigualdades matérias e intelectuais.

Essa ilusão tem confundido muita gente douta, pois a liberdade de mercado é vista como uma liberdade universal e coletiva. Igualdade e liberdade são apresentadas como se fossem algo minimamente possível de serem vivenciadas na sociedade moderna, sobretudo pela a “ralé”. Essa estereotipia existe em função do arquétipo de sociedade livre pensada pelo liberalismo baseado no conceito de liberdade, igualdade e fraternidade que constituem o fundamento do sistema democrático (formal) moderno na contemporaneidade.

As pessoas comuns desconhecem o conceito do que venha a ser liberalismo por não saberem conceituar teoricamente o que é liberdade na prática com efetiva igualdade socioeconômica para todas as pessoas, independentemente de sua classe social. Pois, não conseguem enxergar que a democracia liberal é na sua essência a liberdade de consumo, sendo esta determinada pelo poder aquisitivo ligado a sua posição na relações de trabalho.

O desejo de comprar (roupa, carro, casa, eletrodomésticos de marca caríssima por que são de grife) e a sua realização tem a ver com o poder aquisitivo (salário ou lucro) da classe social a que pertence. É necessário que os mecanismos do sistema criem essa ilusão para que seja ignorado as “diferenças” para parecer algo efetivamente livre e democrático. Isso faz parte da lógica de mercado mantido pela civilização burguesa, contudo não faz de quem consome esses bens um burguês.

Aliás, tudo que existe na natureza e que pode ser é transformado pela força de trabalho em mercadoria é riqueza e, em tese, deveria ser distribuído e consumido coletivamente. Na verdade, isso é mistificado para escamotear a real função do capitalismo que é apropriação privada da riqueza (capital, terra, mercadorias, matéria-prima, insumos) e a compra da força de trabalho.

A única coisa que o capitalismo realmente socializa é a miséria, pauperização, violência e fome para quem efetivamente produz riqueza que é a classe trabalhadora. Portanto, o consumo não transforma ninguém em burguês, apenas em tipos diferentes de consumidores de produtos caros para ricos e baratos para pobres. Nesse sentido, a forma como se adquire esses bens é que determina o seu lugar de fala e a sua posição econômica de classe social.

Por isso, a classe trabalhadora é o tempo todo iludida no jogo político eleitoral entre as classes em disputas pelo poder institucional, sobretudo aquela ínfima parte (classe média) vacilante, que ascende socioeconomicamente por meio da venda de força de trabalho intelectualizada (graduação superior) ou pequeno acúmulo (poupança) de dinheiro transformados em investimentos feitos por pequeno-médio empreendimentos que sobressaem com a exploração de outros trabalhadores do exército de reserva em condições piores, passando a perceber (pró-labore) remuneração acima do salário mínimo.

Contudo, sua classe social continua sendo a trabalhadora porque não detém dinheiro excedente para converter em capital para comprar matéria-prima insumo, maquinaria, galpão e força de trabalho. Nesse sentido, não atua como força de produção capaz de alterar a dinâmica da cadeia produtiva com suas mercadorias como empresário capitalista negociando com suas próprias regras para remunerar o capital (mais-valia mais a taxa de lucro) no mercado.

Nesse movimento contraditório de reprodução do capital, a classe média é o acessório predileto da burguesia para levar a exaustão a divisão social do trabalho em favor da classe dominante porque é a classe mais mercenária, volátil e fugidia no mundo do trabalho e da política institucional porque ela visa sempre o seu status quo.

Ela não se apega a valores, princípios e nem a ideologia de classe e sim a oportunidade de manutenção de sua ascensão socioeconômica e política. Ela negocia a qualquer preço a manutenção de suas benesses sempre que o capitalismo entre em crise econômica para reajustar a sua margem de lucro.

Politicamente ela abandona a luta cotidiana para servir aos interesses de classe do patronato, contudo quando esse lhe açoite a chibatada nas costas e pelas costas, a classe média cinicamente se volta para a luta sindical ou social radicalmente sem nenhum puder para dar a linha política novamente nos movimentos sociais para reaver sua posição de comando.

Portanto, pensa como burguês, mas vive como a classe trabalhadora de sua força de trabalho. Salientamos ainda que a qualquer momento de oscilação nas estruturas de mercado para ajustar a reprodução de capital, perde imediatamente o seu poder aquisitivo. Essa é a principal contradição e volatilidade da classe média que faz com que ela não seja confiável.

Ela acompanha feliz da vida a quem oferecer a melhor oportunidade de estabilidade de seu status quo. A classe média tem a ideologia de quem possibilita a ascensão socioeconômica. Ela tem a conveniência estrepitosa da oportunidade para fazer um bom discurso, escrever um excelente texto panfletário ou um artigo bem fundamentado teórico-metodologicamente para uma tese pseudocientífica momentânea, que afirme seus interesses financeiros estritamente pessoais.

Em qualquer situação, essa turma conceitualmente da classe média opta por aquele dito popular antigo no Brasil do “farinha pouca meu pirão primeiro” e isso inclui beirar-se à mesa da classe dominante (burguesa) brasileira (embora o capitalismo não tenha nacionalidade), inclinando-se despudoramente para catar as migalhas de pão caídas da mesa da indigesta elite do atraso.

Entenderam agora porque só a classe média teria condições teórica e moral para fazer um discurso moralista contra a corrupção e ser ouvida amplamente pela a classe trabalhadora e as populações em situação de risco social. Como disse acima, a classe média se prestou a esse desserviço ao povo brasileiro porque a classe dominante, aquela que o sociólogo Jessé de Souza denominou de elite do atraso, não tem estofo e nem é respeitada por ninguém.

Havida por fama, grana e conforto a classe média curvou-se para realizar a vontade da elite do atraso. Escreveu as páginas recentes da história de destruição de todo um processo de construção contínua da frágil democracia brasileira. Caiu no conto da serei da burguesia e se prestou ao desserviço de acabar com direitos sociais conquistados pela classe trabalhadora, inclusive beneficiava a própria classe média.

Uma das ciências que estuda a relação entre os seres humanos, seu movimento tempo-espaço e suas instituições políticas brasileiras, síncrono as respectivas análises meticulosas desses processos e acontecimentos transcorridos no passado, é a sociologia. Sem ela dificilmente se poderia afirmar ou negar qualquer fenômeno de natureza sócio-histórica recente no Brasil que possa explicar minimamente e do modo crítico a atual conjuntura de retrocessos no país.

O notável teórico e pesquisador da sociologia contemporânea, o professor Jessé José Freire de Souza, um referencial na pesquisa sobre Teoria Social, Pensamento social brasileiro com relevantes estudos sobre a desigualdade e classes sociais no Brasil contemporâneo vem tratando dessa questão com várias publicações inéditas e criticamente desmistificadoras.

Jessé de Souza afirma em sua penúltima obra (A elite do atraso: da escravidão à Lava Jato -2017) que vivemos sob a égide de “velhas ideias” que condenam o Brasil ao mais abjeto estado de degenerescência moral por ser este um país corrupto por excelência, portanto sendo esse o maior problema nacional. Contudo, ele refuta esse constructo mental, por assim dizer, que toda mentira ou fraude tenha um quê de realidade, mesmo que seja um “pequeno grão de verdade”.

Vai mais além e diz que a “corrupção real” é a “grande fraude” que nos impede de tirar o país “esquecido e humilhado” das mãos das classes dominantes [elite do atraso] que “exercem o poder real” porque são forças hegemônicas constituídas e, se são, isso ocorre porque são invisibilizadas por intelectuais (parte da esquerda, centro e a direita).

A leitura de Jessé de Souza é obrigatória para quem pretende compreender criticamente as nossas matrizes teóricas permeadas por esse constructomental. Portanto, "É assim, afinal, que as ideias dominantes passam a determinar a vida das pessoas comuns e seu comportamento cotidiano sem que elas tenham qualquer consciência refletida disso." (SOUZA, 2017, p. 17).

Nesse sentido, Souza nos conta que essas “velhas ideias” no Brasil servem para justificar a existência de um país com larga tradição dessas instituições corrompidas e da existência atemporal de ethos que forja um tipo de sujeito dirigente peremptoriamente trapaceiro, sem exceções.

O “grão de verdade” reside no fato de que esses facínoras poderiam ser a exceção pelo seu modo particular de mau-caratismo, contudo se tornam a regra e se constituem numa espécie de espectro a-histórico que calcifica na mente da população sem consciência refletida, a ideia de que o Brasil e suas instituições políticas são poderes inexoravelmente corruptos.

Aqui observamos um aspecto relevante que é a volta sub-reptícia dos militares a cena política institucional após a retirada estratégica e articulada da cadeira de Chefe de Estado em 1985. Assim, por essas razões é que eles não entraram para história como sendo os torturadores, assassinos e assaltantes da riqueza do país.

Portanto, não consta no imaginário coletivo do povo brasileiro que os militares tenham sido as pessoas mais horrendas e bizarras da história recente do país, sobretudo porque engendraram instituições políticas opressoras e sanguinárias em todos os quadrantes do território brasileiro.

No que pese as atrocidades e crimes hediondos cometidos por esses bilontras, nenhum representantes do alto comando das Foças Armadas do Brasil (aterrorizantes Generais, Brigadeiros e Contra-Almirantes e seus subordinados coronéis peremptoriamente truculentos e inclementes, a exemplo do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra) foi condenando por apoiar e/ou quebrar a ordem jurídica que institui a legalidade constitucional do país.

Em qualquer outro país que se respeite a ordem constitucional, tal comportamento jamais seria tolerado, antes seria tratado com a mais rigorosa hostilidade e condenados a reclusão na forma da lei. As “velhas ideias” fizeram com que esses acontecimentos bárbaros voltassem à tona no Brasil para garantir que representantes da elite do atraso (protegidos militares de alta patente, juízes, parlamentares e empresários capitalistas), via golpe, pudessem sentar novamente na cadeira de Chefe de Estado.

O objetivo era simples, bastava ver a insatisfação da elite do atraso com as políticas públicas de proteção e promoção da classe trabalhadoras e as populações que ensaiava romper com a relação de subalternidade estabelecida pelas elites burguesas. A elite do atraso queria apenas restabelecer a manutenção da ordem social burguesa repressora e o progresso da exploração econômica do sistema capitalista.

E o fazem conscientes porque sabem que esse constructo mental os protege, aliás, exercem discricionariamente o poder de maneira implacável contra o povo e a favor de impérios socioeconômicos capitalistas europeus e/ou anglo-saxões.

Ao invés de se criar um constructo mental emancipacionista, ou até mesmo dentro dos limites da possibilidade social-liberal, paira sobre as cabeças mais “lucidas” o ideal de sociedade liberal burguesa baseada na democracia formal-quantitativa, fetichizada pela “mão invisível” que baseada na ilusória ideia de auto-organização da sanha e do egoísmo ganancioso dos livres mercados, como instancia ideal de liberdade e igualdade entre os homens.

Quanto ao povo, destituído de qualquer condição intelectual para fazer uma reflexão crítica e sem acesso as barbaridades e atrocidades e retrocessos e corrupção praticada pela cúpula das forças armadas, prevalece tão somente à crença doentia de que essa parte dos militares que comandam as casernas são pessoas honestas, justas, guardiãs da lei e por isso estão a serviço da paz e do desenvolvimento harmônico da nação.

Voltando a classe média, refiro-me aos pretensos “esclarecidos” que passaram de en passant pela graduação na universidade pública ou faculdade privada (embora nunca estivessem como estudiosos e formuladores preocupados com o povo na universidade) que acredita piamente que eles (cúpula militar e a burguesia) são nacionalistas preocupados com a riqueza da nação e a cidadania das populações em situação social de risco.

De modo geral, parte da intelectualidade do campo de esquerda também sucumbiu a essas “velhas ideias” e legitimaram esse constructo mental perverso com os oprimidos do campo e da cidade.

Ao negarem peremptoriamente as contradições presentes nas relações estruturais da sociedade burguesa moderna alicerçada nas lutas entre classes antagônicas, alinhando-se com quem “exerce o poder real”, alhures ao lugar de fala da classe social do trabalho e das populações oprimidas e fragilizadas pelas desigualdades socioeconômicas e política.

Não se faz essa luta despolitizando o debate ou sem o devido estofo teórico para tal análise de conjuntura que permita enxergar com nitidez as contradições estruturais da sociedade burguesa capitalista e se posicionar do lado correto da história.

Essa esquerda transvertida se comporta com ubiquidade porque quer ganhar a partida como isso fosse apenas um jogo numa partida de final de campeonato do time preferido, pois é que importa mesmo é o contrato com Estado que assegura o contracheque gordo no final do mês.

Partidos de esquerda não são condomínios de poder que observa apenas a aparência fenomênica negligenciando o conteúdo, pois as classes em disputa não são iguais. O comportamento político na arena das disputas institucionais é ideológico e não uma disputa numérica de eleitor ou como se fosse agente econômico que analisa investimento de mercado para disputar a preferência e conquistar a fidelização do consumidor.

Observe quem e onde estão aquelas pessoas que recentemente eram os aliados de primeira hora do governo federal do PT ou os seguidores da seita sociológica denominada de carlismos nos sucessivos governos de Antônio Carlos Magalhães na Bahia. Onde eles estarão amanhã caso o PT perca o governo do Estado da Bahia? Não precisa muito, pois basta saber que todos os aliados do PT na Bahia acompanharam as votações do atual presidente serviçal da elite do atraso.

Esse sequaz do fascismo, o presidente Jair Bolsonaro, pode até ser canalhamente demente (digo que é sem nenhum receio), mas ele sabe exatamente a quem ele serve por isso ainda está no poder e o será infalivelmente até quando for da conveniência dos seus financiadores (a burguesia universal), não o subestimem. Antes, combata-o vorazmente com todas as forças sociais possíveis e impossíveis.

Alinhar-se com o algoz ou faz o jogo binário de quem pretender ganhar de qualquer jeito é exatamente o método histórico desenvolvido pelas classes dominantes para manutenção da elite do atraso.

É preciso romper esse constructo mental dominante e avançar politicamente na perspectiva de radicalizar à luta estratégica de acumulo de forças de esquerda (estrategicamente de centro), com vistas à radicalização da democracia (curto prazo) e a superação (médio e longo prazo) da ordem social, econômica e política burguesa.
sábado, 20 de julho de 2019

A quem interessa a ideologia da morte?



“Isso nos impõe a árdua tarefa intelectual para compreender que, apesar de triunfar uma ideologia da morte, existe a necessidade inexorável de coexistir uma ideologia da vida”.

*por Herberson Sonkha

Não é de hoje que se fazem críticas às práticas partidárias da esquerda institucionalizada no Brasil que negligenciam a ideologia da vida, fazendo apologia à ideologia da morte. Cazuza nos disse isso enfaticamente desde 1987 (após voltar do tratamento nos EUA para AIDS) ao afirmar que a sua esperança de um país melhor, estava na ideologia dessa gente extraordinária que quer mudar o mundo.


Não obstante, criticar de maneira mordaz parte considerável dessa geração que sonhava com mudanças estruturais na sociedade brasileira e declinaram porque caíram no conto do vigário das benesses do capitalismo, passando a se satisfazer apenas com “As festas do Grand Monde”.

Meu partido, é um coração partido
E as ilusões, estão todas perdidas
Os meus sonhos, foram todos vendidos
Tão barato que eu nem acredito, ah, eu nem acredito
Que aquele garoto que ia mudar o mundo, mudar o mundo
Frequenta agora as festas do Grand Monde (Cazuza, 1987)

Óbvio que Cazuza estava desabafando politicamente em relação à importância e decepção com a calamitosa situação política e social do país que saiu da ditadura civil-militar sonhando com a liberdade, mas desvia-se desse caminho empurrando o país para o descalabro da vala comum do conservadorismo moralista. Se estivesse vivo, certamente diria que sua música foi um pressagio da era conservadora de extrema-direita do fascismo bolsonarista.

De mais a mais, Cazuza sabia qual era o seu lugar de fala (burguês), optando por desqualificar sua classe social ao afirmar durante toda a sua vida que existem ideologias sim e cantou efusivamente nos palcos por uma ideologia para viver. Para um bom entendedor, essa poética vituperar a ideologia burguesa basta. Isso nos impõe a árdua tarefa intelectual para compreender que, apesar de triunfar uma ideologia da morte, existe a necessidade inexorável de coexistir uma ideologia da vida.

O poeta iconômaco tem razão quando afirma sem vacilar a necessidade de se ter uma ideologia que garanta a vida numa sociedade que prega a ideologia da morte. A palavra ideologia é originada na França bonapartista da revolução burguesa e sua existência tem mais de 200 anos. Seu berço de nascimento é a modernidade criada pela civilização burguesa.  A expressão ideologia surge pela primeira vez no século XVIII com o filósofo francês Destutt de Tracy (1754-1836) para responder a uma polemica com Napoleão Bonaparte.

Com Tracy a ideologia assume a condição propositiva de ciência, baseada na percepção sensorial do mundo exterior como início das ideias humanas para explicar o mundo e suas intrincadas redes de relações humana criada pela sociedade moderna daquele período.

Karl Marx examinou detidamente seus pressupostos filosóficos, tomando-a como uma categoria de natureza empírica e constata que ela expressava a totalidade das formas de consciência social que valida o poder econômico da classe em domínio, embora estivesse invertida. Atribui sentido categorial universal e ganha status de ciência com o materialismo dialético.

No que pese a disposição de Tracy para contrariar o general Bonaparte, que a considerava uma mentira, coube a Marx o estofo teórico para afirmar ser um falseamento da realidade por estar invertida, corrigindo essa distorção que afetava (ainda afeta) as lentes mais críticas da sociedade da época.

Napoleão, no auge de sua importância histórica como um grande estrategista militar, apesar do tamanho pigmeu, até tinha razão (embora questionável) para negar a importância da recém-criada palavra ideologia, pois ainda era uma expressão pouco usual e de sentido dúbio. No entanto, inúmeros intelectuais da segunda metade do século XX se arvoraram a sentenciar a falência dessa palavra, a exemplo do sociólogo estadunidense da universidade de Harvard, Daniel Bell em sua obra “O fim da ideologia” (1960) que a considera anacrônica.

Segundo este pesquisador residente da American Academy of Arts and Sciences, as ideologias haviam perdido totalmente a sua validade em função da perda de funcionalidade e sua força motriz mobilizadora em todas as sociedades em que o capitalismo havia atingido a sua fase avançada. Vivendo ele as benesses do boom econômico do capitalismo dos anos 50/60, do século XX, afirmou que o antagonismo que decorre das lutas de classes havia desperecido e o capital se harmonizou com o trabalho.

A sociologia liberal de Bell afirmava categoricamente que o capitalismo havia desenvolvido as forças produtivas, eliminado as contradições estruturais no capitalismo a tal ponto que se chegou ao consenso entre o capital e trabalho. O sociólogo diz que houve uma combinação entre o modelo de governo denominado de democracia representativa com a prosperidade econômica para todos os extratos sociais da sociedade burguesa, por meio da economia de mercado, tendo como consequência a síntese historicamente construída pelo movimento de reprodução do capital.

Esse movimento histórico de desenvolvimento do capitalismo orientado pela economia keynesiana desde os anos 30 alçou o capitalismo a uma fase superior. O Wall Street Journal, Lewis Lehrman afirma que a decisão presidente dos Estados Unidos Richard Nixon causou "uma década de inflação e estagnação econômica". Após os anos 1971 com a mudança no sistema monetário que substituiu o padrão ouro para o dólar, encerrando o sistema monetário internacional de Bretton Woods, o mundo tornou-se uma aldeia controlada pelo capitalismo, liderada pelos EUA.

O sociólogo estava olhando para frente e idealizando o bonde da história partir com destino a uma nova estação, na qual a nova plataforma possibilitaria ao capitalismo mundial, assentando em bases monetarista, universalizar-se como sistema. Um novo momento de paz com prosperidade material mundial. Acreditou-se que nessa nova fase seriam resolvidas todas as contradições materiais estruturantes do capitalismo herdado da teórica econômica de John Maynard Keynes.

Bell projetou-se para um futuro ilusório em que as desigualdades existentes naquele momento entre países em situação de extrema pobreza e os mais ricos, não existiriam mais, pois ao ignorar a natureza do capitalismo, mistificou sua teoria. Nesse mundo “unificado” do nunca, o mercado e os governos democráticos elevaram-se as condições materiais e intelectuais de vida do globo. O fetiche se impõe a partir da universalização do padrão de consumo “american way of life”.

Ao vislumbrar esse mundo, o cientista social de Harvard vislumbrou também a morte das ideologias humanistas porque o capitalismo viabilizou o sonho prometeico de bem-estar na sociedade por meio do consenso baseado na oportunidade individual igual a pessoas diferentes e sem conflitos de interesses antagônicos.

Como ideólogo da classe dominante, Bell se propôs a uma escrita que mistifica o processo histórico ao buscar desnaturalizar o conteúdo de classe dominante da ideologia liberal burguesa, colocando-a como demiúrgica da humanidade, a histórica. Aqui esse processo é retomado pelos conservadores de extrema-direita com muita força nas primeiras décadas do século XXI que volta a decretar a morte das ideologias, com perspectiva de abolir radicalmente as diferenças teóricas e a práxis política entre ideologia de esquerda e de direita.

Nesse sentido, a morte da ideologia de classes social decretada por alguns intelectuais orgânicos da extrema-direita, visa subsumir na contemporaneidade o importante papel de partido político, inclusive os liberais sociais orgânicos são peremptoriamente contra esse assassinato. O Estado não tem serventia e os regimes também não porque não existe mais nenhuma ideologia. Sem contar que parte da esquerda partidária ajudou a consolidar esse constructo mental de classe dominante ao fazer alianças desorientadas de seus princípios ideológicos com os algozes da classe trabalhadora, gente imoral e corrupta em nome de uma governabilidade. 

Os grandes empresários capitalistas e os ideólogos da classe em domínio fazem discricionariamente esse discurso ideologizado do fim da ideologia. E o fazem porque o sistema econômico capitalista precisa garantir a liberdade irrestrita de mercado para reprodução do capital, necessária a livre produção e circulação de mercadorias. Essa ideia serve também como forma de consciência para validar o sistema e sua ordem civil na sociedade.

Esse discurso ideológico de classe dominante interessa apenas a eles porque seus interesses sociais, econômicos e políticos estão em disputa na sociedade burguesa. Esses interesses são garantidos pelo complexo sistema jurídico de leis que protegem a riqueza e o modo como se reproduz na sociedade. É com a anuência da maioria esmagadora das pessoas que vivem nessa sociedade que a classe dominante obtém e remunera o capital. Isso ocorre por meio da exploração baseada na mais-valia extraída da classe trabalhadora no primeiro momento, seguida pela lucratividade exorbitante obtida nas relações comerciais.

Por isso, torna-se um imperativo inadiável para os representantes dessa classe dominante, o desmonte das organizações políticas da classe detentora da força de trabalho (manual e intelectual). Do mesmo modo que pretendem acabar com a ascendência das instituições sociopolíticas do trabalho, espaço de mobilização política da classe trabalhadora para tensionar nas ruas governos, contra os pressupostos socioeconômicos fundantes do moderno Estado liberal burguês.

A correlação de força no interior da sociedade moderna é dada pela rivalidade entre essas instituições políticas de classes que disputam a sociedade com lugar de fala absolutamente diferente, uma vez que defendem interesses irreconciliáveis porque são historicamente antagônicos. Isso pode ser perfeitamente visível no coração do imperialismo norte-americano, com as disputas entre democratas (socialdemocratas) e republicanos (ultraconservadores), caracterizada por uma disputa entre a direita conservadora (extrema-direita) contra a direita social liberal.

Enquanto os democratas combatem o imperialismo ao seu modo, visando minimizar os aos efeitos deletérios dos gananciosos rentistas beligerantes, com adoção de medidas que visam controlar a exploração de mercados capitais com regramentos internos rígidos, os republicanos são os conservadores que defendem o ultraliberalismo econômico.

Embora isso ocorra concretamente nos EUA, vale ressaltar que essas regras estão circunscritas aos limites territoriais do país, pois fora desse espectro o que vale são os interesses capitalistas hegemônicos do imperialismo beligerante controlado com austeridade pelo Pentágono, Capitólio e o Departamento do Tesouro.

No Brasil até recentemente tínhamos neoliberais (FHC) conservadores na economia e social liberal nas relações sociopolíticas na sociedade.  Depois de 2014, passamos a ter um vertiginoso crescimento da extrema-direita articulada por capitalistas do agronegócio, banqueiro, militares e religiosos conservadores fanáticos. Esse quadro mudou radicalmente, desarticulando dos espaços institucionais de poder as forças social-liberais do país.

Os setores de esquerda partidária que defendem o perecimento compulsório das ideologias na contemporaneidade, certamente compartilham do mesmo pensamento ultraconservador de extrema-direita de quem pretende matar o caráter revolucionário da militância de esquerda nas escolas e universidades, adotando a religiosidade conservadora típica de estado teocrático extremista.

No entanto, cabe explicar aos leitores atentos que essa “morte” é apenas uma obstrução autocrática no tecido social ocasionada pela ausência de leitura teórica críticas que afeta o dialogo revolucionário, causando isquemia partidária que paralisa o lado esquerdo da sociedade. Desabilita apenas um lado das forças, pois ela continua existindo como uma verdade invisível extraterrena, que governa as pessoas e ordena toda a sociedade.

A ideologia por vezes poderá ser uma imagem invertida da realidade para conformação e manutenção das coisas como estão ou uma reprodução mental crítica do movimento real da sociedade e suas contradições. No caso em que a sociedade burguesa continua no domínio societal, prevalece como um instrumento indispensável para reprodução do status quo da própria sociedade.

Na percepção marxiana, calcada no materialismo dialético, a ideologia é um conjunto de ideias elaboradas pelos intelectuais (ideólogos burgueses) da sociedade moderna para escamotear os verdadeiros interesses de classe dominante (burguesia), com a finalidade de consolidar a hegemonia dessa classe no poder. Também é uma maneira de estabelecer a manutenção da ordem social com menor uso da violência.

Portanto, interessam apenas as forças reacionárias de direita e extrema-direita decretar a morte das ideologias porque desmobiliza as foças do trabalho e as populações subalternizadas pelo capitalismo. Além de abrir caminho livre para retirada de travas proteção e de promoção das populações em situação de risco, instituídas pelo Estado de bem-estar social e suas conquistas de direitos socioeconômicos pela classe trabalhadora.

Além desses retrocessos, permite a transferência de capital do setor público para às forças que operam no livre mercado e a venda das empresas estatais lucrativas que concorre no mercado em condições de igualdade de preço, pois possuem competitividade em função de sua política bem sucedida de precificação que aumenta à concorrência desmoralizando o discurso de eficiência de mercado das grandes empresas capitalistas transnacionalizadas pela fase imperialista do capitalismo mundial.
quarta-feira, 17 de julho de 2019

O silêncio dos “bons petistas” é o arnês do fausto governador petista

Foto: Max Haack/Agecom
*por Herberson Sonkha

"[...] Rui Costa tem defendido um tipo de política para um tipo de partido que é bem diferente do Partido dos Trabalhadores." (POMAR, 2019)


Talvez o proeminente ativista norte-americano por direitos civis para a população afro-estadunidense, o pastor protestante negro Martin Luther King, não tenha sido de fato o autor de a frase lapidar, “O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons”, que se tornou um mantra político em muitas manifestações por direitos civis ou exórdio de discursos eloquentes de democratas nos EUA até os dias atuais.


Não obstante essa autoria questionável admite-se sem pestanejar que é irrefutável o sentido dado por Martin quanto à reprimenda desmoralizante a hipocrisia das elites norte-americanas, sobretudo dos representantes de classe média na política institucional que se comportam veladamente em concluiu com os algozes, mas que assumem publicamente para a sociedade o “politicamente correto”, temendo a opinião pública.

Muitos desses demagogos se definem hipocritamente em suas narrativas como sendo contrários à opressão (de classe, racismo religioso, violência racial, LGBTfobia [aqui eu amplio para a orientação sexual]) e a destruição escancarada ou velada de direitos socioeconômicos e políticos, mas promove a reforma conservadora do Estado, baseada nos pressupostos estruturantes do pensamento neoliberal.

Na Bahia, por mais irônico que se parece, esses demagogos são filiados ao PT e fazem parte da principal ala dirige o partido: o campo hegemônico. Eles agem à espreita de uma oportunidade para se aproximar de maneira indiscriminada (a despeito da natureza institucional da famigerada governabilidade) de qualquer governo, sobretudo de gente gananciosa que vive à margem do trabalho alheio, ganhando à vida explorando eleitores desinformados e fragilizados para se manterem em cargos públicos bem pagos, regalias e mimos.

Na Bahia, a manifestação pública de Rui Costa nas mídias sociais e imprensa oficial demonstra isso. Bastas ler qual a sua opinião favorável a governos de extrema-direita que são (ou fazem) apologia às práticas fascistas e sua lógica econômica neoliberal de mercados capitalistas.

Vide o comportamento beneplácito do governador quanto à decisão neoliberal do presidente fascista de cobrar mensalidade de estudantes de universidade púbica. Além de adotar antecipadamente (desde 2014) o receituário nefasto da política econômica conservadora de caráter neoliberal de final dos anos 80 para o desenvolvimento e a ampliação do neoliberalismo nos países da América Latina.

Ao aplicar ipsis litteris as principais medidas recomendadas pelo Institute for International Economics, o governador Rui Costa supera a estupidez clássica intrínseca ao modelo coronelista instituído pelo carlismo na Bahia há 30 anos. O carlismo deu início, mas postergou a promoção das reformas propostas pelo economista John Willianson, no encontro de 1989 denominado de Consenso de Washington.

O governo do PT na Bahia modernizou (no sentido burguês pensado por Marx) o Estado por meio de reformas conservadoramente neoliberais para reestruturação institucional de custos de financiamento das políticas públicas que visam diminuir as desigualdades socioeconômicas na Bahia. O Rui Costa de forma audaz fez o que as elites baianas reacionárias nunca puderam fazer por questões intelectuais e sociopolíticas, além da forte oposição de esquerda liderada pelo próprio PT até o início do governo de Jaques Wagner.

Resguardando as devidas proporções, o que ocorreu no PT do Estado da Bahia foi exatamente o mesmo que aconteceu no governo federal. Assim como Dilma Rousseff o fez, após substituir o presidente Lula, Rui Costa o faz após substituir o governador Jaques Wagner no governo da Bahia. Aliás, para isto acontecer ele contou com o silêncio ensurdecedor da maioria dos militantes, “intelectuais” e a da bancada dos parlamentares do PT.

Com esse mimo servil, pago com cargos e privilégios que estimula o fetiche pelo poder enquanto expressão dessas benesses, o governador e sua equipe de governo construíram a conivência interna para que o governo do PT instituísse sua hegemonia. Ressalto ainda que o PT foi o mais forte opositor nos anos 90 do receituário contendo as principais medidas recomendadas por economistas rentistas (do FMI, Banco Mundial), monitorado pelo departamento do Tesouro dos EUA.

Uma rápida observada nos últimos acontecimentos nos bastidores da política institucional da governadoria, nos mostra o intenso movimento de negociação de cargos e jetons em sua base governista na ALBA, a maioria dela petista, todas estavam voltadas para a reforma conservadora de caráter neoliberal adotada por Rui Costa.

Aqui cabe uma rápida exposição dos elementos políticos que forja a natureza moral (antropológica) dos fios que tecem a trama sórdida que tornou um “petista” antipático e frenectômico, no queridinho das elites conservadoras da Bahia. O mais “tietado” governador (depois de ACM) pelas madames do high societybaiano.

Como advertiu Caetano Veloso lá em 1994 e o PT cantarolou ideopoliticamente contra Fernando Henrique Cardoso que “alguma coisa está fora da ordem fora da nova ordem mundial”. Mas, infelizmente o próprio Rui Costa que muitas vezes cantarolou essa canção no sindicato se contradiz ao infirmar que a militância não está “de pé em cima do monte de imundo lixo baiano” que é a tradição política criada pelo carlismo.

“A crítica arrancou as flores imaginárias que enfeitavam as cadeias, não para que o homem use as cadeias sem qualquer fantasia ou consolação, mas para que rompa com as cadeias e apanhe a flor viva” (Marx, 1968, p. 10).

Algo deveria estar errado (estranhamento) na Bahia do governador neoliberal eleito numa agenda de centro, pois essa relação espúria já deveria ter sido analisada criticamente, debatida e denunciada em documento crítico para as instancias internas do diretório estadual, se posicionando criticamente e exigindo do Rui Costa respeito à história do PT e uma reorientação política imediata ou mesmo a expulsão, como sugeriu o membro da direção nacional Valter Pomar que sugere que a expulsão do político baiano pode ser uma alternativa para “impedir a desmoralização” do partido.

Concordo com Valter Pomar, militante que teve o pai assassinado na chacina da Lapa em 16 de dezembro de 1976 (na Rua Pio XI, nº 767, no bairro da Lapa em São Paulo) pelos milicos sanguinários da ditadura civil-militar. Pomar foi implacável ao propor alternativa ao impasse, uma vez que o diálogo entre esse presidente fascista que faz apologia a torturador e o Rui Costa (que não vê nenhum problema se aproximar) é inadmissível, portanto cabe a possibilidade de “perder um governador, se este for o preço a pagar para impedir a desmoralização e a destruição do Partido”.

O Diário Oficial do Estado da Bahia que o diga ao registrar claramente os resultados dessa movimentação retrátil, pois se vê a redução do Estado, a exemplo do fechamento de várias escolas e o sucateamento educacional, econômico e financeiro das universidades estaduais; privatizações, a exemplo da tentativa de venda da Embasa, uma estatal estratégica para o desenvolvimento material, intelectual e de saúde pública de populações em situação de risco; ideologia neoliberal do endividamento fiscal, a exemplo da política de aumento da alíquota de 12 para 14% e medidas extremadas de contingenciamento.

Além dessas medidas oficializadas em DO, observa-se diariamente os cortes financeiros nos dispêndio com as áreas sociais para redirecionar recursos para glamorosos investimentos de bens de capital. O Palácio de Ondina passou a rivalizar em disputas intestinais com o prefeito de Salvador, investindo recurso do Estado só na capital, a exemplo do fabuloso montante pra construção da ponte de Itaparica à Salvador.

A política oficial da governadoria é descaracterizar cinicamente as categorias e ignorar todas as instituições políticas sindicais e suas pautas. Independente de concordar ou não, o governador do PT tem que ouvir (sem retaliações) e estabelecer o diálogo honesto com todas as categorias e suas demandas porque elas compõem a classe trabalhadora (isto te lembra de alguma coisa da sigla PT?), sobretudo do setor público.

Além da negação peremptória de todo esse processo histórico que dar sentido ideológico ao constructo mental que forja o PT, soma-se a perversa investida feita pelo governo de Rui Costa contra servidor público com a promoção compulsória da pauperização dessas categorias, por meio do o assalariamento.

Ao esconder seus reais objetivos durante as eleições, fazendo-se passar por alguém de “esquerda”, o Rui Costa cometeu um estelionatário eleitoral. Faço memória ao fato de que todas essas medidas antissociais foram escamoteadas no programa político, durante as disputas eleitorais. Isso é fato irrefutável!

Portanto, cabe aqui uma pergunta retorica: onde estão os militantes, intelectuais e parlamentares do PT baiano que não estão discutindo internamente isso (por limitação cognitiva ou má fé?) e levantando a sua voz altissonante como fizeram corretamente contra os governos carlistas anteriores? Digo uma pergunta retorica porque todo intelectual de esquerda que lê, discute, participa ativamente dos movimentos sociais e acompanha a política institucional sabe a resposta.

Nesse sentido, Martin assume lugar central ao manifestar preocupação ontológica com o silêncio imoral dos “bons” e o maniqueísmo reacionário que permeia as hostes do hegemonismo petista, pois não é assim que se apresentam eleitoralmente para a sociedade: “nós somos os bons e eles os maus?”

Não é confiável aquele (a) que emudece insolentemente diante da opressão e exploração da força de trabalho da classe trabalhadora, acovarda-se frente à destruição dantesca das condições materiais e intelectuais da classe trabalhadora no setor público (ou privado) e das populações subalternizada pela ordem civil burguesa, pois são inexequíveis quaisquer que sejas as alegações.

Nesse sentido, o debate textual ora apresentado tema a função de sugerir a todos nós militantes de esquerda (dentro e fora do PT), com a função de intelectual orgânico de vanguarda/retaguarda da classe trabalhadora e das populações em situação de múltiplas vulnerabilidades, uma inflexão entre o comportamento politicamente degenerado do governador e o devir Partido dos Trabalhadores no Estado da Bahia com reflexos destrutíveis para os diretórios municipais em todos os municípios baianos.

Essa voz crítica providencial de esquerda do PT ainda não se fez ouvida pelas massas adormecidas pela condição histórica de alienação, mesmo que grandes frases ainda ecoem estéril nessa trágica conjuntura baiana criada por Rui Costa. Isto não é suficiente para barrar os ataques explícitos aos direitos sociopolíticos, a carreira profissional e os salários dos servidores públicos do Estado da Bahia, acentuado pela precarização das populações subalternizadas.

Que as massas sigam a verborragia propagandeada pela tradicional mídia herdada do carlismo baiano, achando viver nos melhores dos governos, isto é perfeitamente compreensivo, embora como educador tenhamos que fazer, por dever de ofício, a contrainformação crítica dentro do processo de ensino-aprendizagem. Esperar o quê? Que nas próximas eleições de 2022, Rui Costa faça diletantemente a passagem idílica da faixa ao carlista e deixar todo o PT refém (inclusive à esquerda) da orientação do carlista neoliberal do Otton Alencar que votou na reforma neoliberal do presidente fascista contra a classe trabalhadora, pensionista e aposentado?

No entanto, não é honesto e nem coerente pousar de intelectual de esquerda nas eleições, na sala de aula, em palestras, documento-textos ou manifestações dos movimentos sociais, mas assiste salientemente (em tom de aprovação) da arquibancada como mero telespectador à destruição de garantias econômicas, financeiras e educacionais que amplia as desigualdades e o pauperismo das condições de vida dos servidores públicos do Estado da Bahia.
domingo, 14 de julho de 2019

CARTA AO COLETIVO ÉTICA SOCIALISTA




*por Herberson Sonkha

"Desde que havia chegado ao PT no início de 1999 com estigma de ser extremista de esquerda, após romper relações com os comunistas do “B” no começo de 1998, eu não havia encontrado algo que preenchesse minhas expectativas teóricas e a minha práxis política."


Aos membros do Coletivo Ética Socialista (COESO) o meu fraternal abraço socialista.


Após um longo período de intensas atividades políticas de militância, inúmeras vivencias lúdicas e intelectuais no Coletivo Ética Socialista (COESO), todas elas perpassadas por laços de solidariedade, me vejo de saída. Parece que mal cheguei e já estou de saída, aliás já se passaram alguns anos juntos.

Ao olhar no espelho percebo instantaneamente o quanto minha vida mudou desde que decidi fazer militância ainda na adolescência. Me vejo em algum lugar lá atrás e rememoro com nostalgia a minha chegada, sem a menor pretensão de ter uma relação fugaz de poder com o agrupamento simbolizado por uma margarida, originariamente criado no início da década de 90 na UESB, lá no século passado.

Naquele momento eu precisava pertencer a um propósito maior, intelectualmente sólido, de esquerda e revolucionário que correspondesse ao meu ardor juvenil que queimava por dentro desde 1986, quando comecei fazer militância lá no movimento estudantil em Jequié, recrutado pelo Partido Comunista do Brasil.

Desde que havia chegado ao PT no início de 1999 com estigma de ser extremista de esquerda, após romper relações com os comunistas do “B” no começo de 1998, eu não havia encontrado algo que preenchesse minhas expectativas teóricas e a minha práxis política. Percorri de an passant alguns outros agrupamentos internos, mas ainda me faltava algo que só o COESO poderia me oferecer.

Como em todo processo de caminhada em grupo tudo começa com um primeiro passo na direção coletiva, geralmente é seguido por algumas poucas caminhadas sem brusquidão, outras tantas com passadas abruptamente diligentes. Eu ri, cantei, dancei, li, reli, debati e fiz muita militância no COESO. Sou imensamente grato por todas as relações de amizade e construções teóricas-práticas feitas no COESO.

Esse rico ambiente me fez crescer em relação ao chegante novel, um sobrevivente carrancudo dos escombros da experiência malsucedida com o PCdoB, que decorre da terrível convivência com a conduta autocrática stalinista. Cheguei hostilizado pelo arquétipo de comunista do “B”, com pouca coisa na bagagem trazida do século passado, felizmente parte dela me livrei com a ampliação da leitura feita na acadêmica. Sobretudo os ismos...

Na academia senti imediatamente a minha indisposição visceral para conviver acriticamente com a ortodoxia partidária do hegemonismo petista, sobretudo alguns marxismos legatários do pusilânime stalinismo que perpassa quase toda a esquerda e, principalmente as correntes internas do Partido dos Trabalhadores.

Contudo, acendeu em mim o interesse encovado pela matriz marxiana, uma nova fase voltada para a literatura marxiana de caráter heterodoxo, livrando-me dos vícios deterministas e autoritários de algumas orientações doutrinárias de ortodoxias marxistas, visando reorientar criticamente minha práxis política.

Minhas críticas aumentavam compulsoriamente na medida em que as relações internas se tornavam ideologicamente conflituosas e indigestas. A convivência interna com partidários do poder e seus privilégios criados pelo campo hegemônico hermeticamente de direita se tornavam cada vez mais crítica.

Com o tempo sobreveio as brigas internas e inúmeros achaques ao COESO pelo arquétipo de radical de esquerda, por consequência da prática stalinista de defenestrar pessoas falantes, estereotipadas pela capacidade para leitura e formulação crítica.

A vida partidária profundamente prejudicada pelo esvaziamento compulsório dos espaços de discussões coletivas mais elaboradas, criou uma cultura de mandatos que se transformaram em verdadeiros condomínios de poder. O cisco nos olhos de quem acostumou-se com o conforto do Estado burguês: seus súditos obedientes, os mimos e as benesses deleitantes com seus carpetes e ar-condicionado.

Os ataques me fizeram perceber que só havia um caminho que era me refugiar no COESO para continuar militando no PT porque sempre foi um campo à esquerda. Contudo, quanto mais caminhava para esquerda, mais os hegemônicos tangenciavam o partido para a direita.

O COESO se transformou numa importante trincheira de lutas ideologicamente de esquerda, mesmo sendo minoria numérica permaneceu qualitativamente grande, combatendo internamente e externamente a contracultura hegemônica de instrumentalização do partido para servir aos interesses ideológicos do capital. O pragmatismo despolitizado (despolitizante) que deram origem as alianças espúrias com a direita, as defecções políticas e a temerária conciliação de classes historicamente antagônicas.

Nas eleições de 2018 isso se tornou tão cristalino que o COESO publicou um documento crítico recomendando voto em candidatos à esquerda e não em Rui Costa e seu desastroso coronel a tira colo, corolário das oligarquias escravocratas sustentadas pela força de trabalho escravo, expropriada violentamente das populações negras nos canaviais de açúcar da Bahia, da metade do século XVI e meados do século XVIII.

Essa tarefa política passou a orientar um comportamento inegociável, pois permanece o desejo irreversível de combater sistematicamente essa inflexão à direita dos hegemônicos, dentro e fora do partido.  Apesar disso, o tempo fez com que isso deixasse de ser algo central na estratégia do coletivo, me fazendo experimentar o gosto amargo das minhas divergências como chibatadas sobre os ombros do COESO.

Aqui começava a aprofundar minhas divergências internas com o COESO, de modo que percebi também que minhas idiossincrasias estavam subjugando o desejo e as expectativas desse agrupamento que se propunha ser um coletivo de esquerda, socialista e democraticamente comprometido com a unidade interna programática, esgarçado pela capitulação a direita dos hegemônicos. A tomada de consciência em processo de amadurecimento gradativo há mais de dois anos, me levou à percepção que me fez rever o meu caminho que guinava na direção do ocaso dentro do partido.

Cheguei aos poucos, permaneci com toda força e agora acredito que minha estada entre vós tenha chegado ao fim. É preciso continuar mantendo a coerência com o que acredito, pois é impossível conceber qualquer tipo de aproximação, conciliação, envolvimento e participação direta ou indireta com forças internas de direita na construção de uma unidade com quem pensa contra a classe trabalhadora e negligencia pautas das populações em situação de risco.

O que me incomoda não são os cães que ladram esganiçados em defesa do fascismo e seu castelo de mentiras pelas ruas ou de dentro do quartel, que funciona como a nova sede da república brasileira. Mas, do silencio ensurdecedor da grande maioria dos nossos parlamentares, militantes e intelectuais nas direções municipais e estadual do partido, frente a capitulação escancarada e escrota de um governador do Partido dos Trabalhadores, eleito com uma pauta ante fascista e de defesa de direitos socioeconômico e político do povo baiano.

A omissão, a conivência e a condescendência da direção do partido com o modus operandi do governador petista neoliberal é vergonhoso, um estelionato eleitoral que fere a história do PT, uma violência simbólica que descaracteriza o partido para a classe trabalhadora e demais populações subalternizadas.

A política neoliberal de desmonte das universidades baianas, que impõe contingenciamento, assalariamento dos servidores públicos estaduais e o sucateamento da educação de ensino médio e superior no Estado da Bahia é motivo mais que suficiente para expulsá-lo do partido.

Diante de tudo isso, reafirmo que minha única razão para permanecer filiado ao Partido dos Trabalhadores era estar militando no COESO. O coletivo fez uma escolha política democrática por um caminho que diverge radicalmente com o que penso, aliás isso torna irreconciliável com o que acredito e defendo.

Cabe a mim seguir com coerência o meu caminho, respeitando a escolha coletiva e desejar ao COESO sucesso em sua nova empreitada. Um abraço fraternal aos companheiros(as), amigos(as) e irmãos(as) e que a história nos absolva ou nos condene pelas escolhas feitas com consciência que orientam nossas opções políticas. Continuarei atuando nos movimentos sociais e militando no campo sempre a esquerda.
Saudações Socialistas!
Herberson Sonkha

Vitória da Conquista, outono de 2019.

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