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sábado, 20 de julho de 2019
A quem interessa a ideologia da morte?
julho 20, 2019
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por
Vinícius...
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“Isso nos impõe a árdua tarefa intelectual para compreender que, apesar de triunfar uma ideologia da morte, existe a necessidade inexorável de coexistir uma ideologia da vida”.
*por Herberson Sonkha
Não é de hoje que se fazem críticas às práticas partidárias da esquerda institucionalizada no Brasil que negligenciam a ideologia da vida, fazendo apologia à ideologia da morte. Cazuza nos disse isso enfaticamente desde 1987 (após voltar do tratamento nos EUA para AIDS) ao afirmar que a sua esperança de um país melhor, estava na ideologia dessa gente extraordinária que quer mudar o mundo.
Não obstante, criticar de maneira mordaz parte considerável dessa geração que sonhava com mudanças estruturais na sociedade brasileira e declinaram porque caíram no conto do vigário das benesses do capitalismo, passando a se satisfazer apenas com “As festas do Grand Monde”.
Meu partido, é um coração partido
E as ilusões, estão todas perdidas
Os meus sonhos, foram todos vendidos
Tão barato que eu nem acredito, ah, eu nem acredito
Que aquele garoto que ia mudar o mundo, mudar o mundo
Frequenta agora as festas do Grand Monde (Cazuza, 1987)
Óbvio que Cazuza estava desabafando politicamente em relação à importância e decepção com a calamitosa situação política e social do país que saiu da ditadura civil-militar sonhando com a liberdade, mas desvia-se desse caminho empurrando o país para o descalabro da vala comum do conservadorismo moralista. Se estivesse vivo, certamente diria que sua música foi um pressagio da era conservadora de extrema-direita do fascismo bolsonarista.
De mais a mais, Cazuza sabia qual era o seu lugar de fala (burguês), optando por desqualificar sua classe social ao afirmar durante toda a sua vida que existem ideologias sim e cantou efusivamente nos palcos por uma ideologia para viver. Para um bom entendedor, essa poética vituperar a ideologia burguesa basta. Isso nos impõe a árdua tarefa intelectual para compreender que, apesar de triunfar uma ideologia da morte, existe a necessidade inexorável de coexistir uma ideologia da vida.
O poeta iconômaco tem razão quando afirma sem vacilar a necessidade de se ter uma ideologia que garanta a vida numa sociedade que prega a ideologia da morte. A palavra ideologia é originada na França bonapartista da revolução burguesa e sua existência tem mais de 200 anos. Seu berço de nascimento é a modernidade criada pela civilização burguesa. A expressão ideologia surge pela primeira vez no século XVIII com o filósofo francês Destutt de Tracy (1754-1836) para responder a uma polemica com Napoleão Bonaparte.
Com Tracy a ideologia assume a condição propositiva de ciência, baseada na percepção sensorial do mundo exterior como início das ideias humanas para explicar o mundo e suas intrincadas redes de relações humana criada pela sociedade moderna daquele período.
Karl Marx examinou detidamente seus pressupostos filosóficos, tomando-a como uma categoria de natureza empírica e constata que ela expressava a totalidade das formas de consciência social que valida o poder econômico da classe em domínio, embora estivesse invertida. Atribui sentido categorial universal e ganha status de ciência com o materialismo dialético.
No que pese a disposição de Tracy para contrariar o general Bonaparte, que a considerava uma mentira, coube a Marx o estofo teórico para afirmar ser um falseamento da realidade por estar invertida, corrigindo essa distorção que afetava (ainda afeta) as lentes mais críticas da sociedade da época.
Napoleão, no auge de sua importância histórica como um grande estrategista militar, apesar do tamanho pigmeu, até tinha razão (embora questionável) para negar a importância da recém-criada palavra ideologia, pois ainda era uma expressão pouco usual e de sentido dúbio. No entanto, inúmeros intelectuais da segunda metade do século XX se arvoraram a sentenciar a falência dessa palavra, a exemplo do sociólogo estadunidense da universidade de Harvard, Daniel Bell em sua obra “O fim da ideologia” (1960) que a considera anacrônica.
Segundo este pesquisador residente da American Academy of Arts and Sciences, as ideologias haviam perdido totalmente a sua validade em função da perda de funcionalidade e sua força motriz mobilizadora em todas as sociedades em que o capitalismo havia atingido a sua fase avançada. Vivendo ele as benesses do boom econômico do capitalismo dos anos 50/60, do século XX, afirmou que o antagonismo que decorre das lutas de classes havia desperecido e o capital se harmonizou com o trabalho.
A sociologia liberal de Bell afirmava categoricamente que o capitalismo havia desenvolvido as forças produtivas, eliminado as contradições estruturais no capitalismo a tal ponto que se chegou ao consenso entre o capital e trabalho. O sociólogo diz que houve uma combinação entre o modelo de governo denominado de democracia representativa com a prosperidade econômica para todos os extratos sociais da sociedade burguesa, por meio da economia de mercado, tendo como consequência a síntese historicamente construída pelo movimento de reprodução do capital.
Esse movimento histórico de desenvolvimento do capitalismo orientado pela economia keynesiana desde os anos 30 alçou o capitalismo a uma fase superior. O Wall Street Journal, Lewis Lehrman afirma que a decisão presidente dos Estados Unidos Richard Nixon causou "uma década de inflação e estagnação econômica". Após os anos 1971 com a mudança no sistema monetário que substituiu o padrão ouro para o dólar, encerrando o sistema monetário internacional de Bretton Woods, o mundo tornou-se uma aldeia controlada pelo capitalismo, liderada pelos EUA.
O sociólogo estava olhando para frente e idealizando o bonde da história partir com destino a uma nova estação, na qual a nova plataforma possibilitaria ao capitalismo mundial, assentando em bases monetarista, universalizar-se como sistema. Um novo momento de paz com prosperidade material mundial. Acreditou-se que nessa nova fase seriam resolvidas todas as contradições materiais estruturantes do capitalismo herdado da teórica econômica de John Maynard Keynes.
Bell projetou-se para um futuro ilusório em que as desigualdades existentes naquele momento entre países em situação de extrema pobreza e os mais ricos, não existiriam mais, pois ao ignorar a natureza do capitalismo, mistificou sua teoria. Nesse mundo “unificado” do nunca, o mercado e os governos democráticos elevaram-se as condições materiais e intelectuais de vida do globo. O fetiche se impõe a partir da universalização do padrão de consumo “american way of life”.
Ao vislumbrar esse mundo, o cientista social de Harvard vislumbrou também a morte das ideologias humanistas porque o capitalismo viabilizou o sonho prometeico de bem-estar na sociedade por meio do consenso baseado na oportunidade individual igual a pessoas diferentes e sem conflitos de interesses antagônicos.
Como ideólogo da classe dominante, Bell se propôs a uma escrita que mistifica o processo histórico ao buscar desnaturalizar o conteúdo de classe dominante da ideologia liberal burguesa, colocando-a como demiúrgica da humanidade, a histórica. Aqui esse processo é retomado pelos conservadores de extrema-direita com muita força nas primeiras décadas do século XXI que volta a decretar a morte das ideologias, com perspectiva de abolir radicalmente as diferenças teóricas e a práxis política entre ideologia de esquerda e de direita.
Nesse sentido, a morte da ideologia de classes social decretada por alguns intelectuais orgânicos da extrema-direita, visa subsumir na contemporaneidade o importante papel de partido político, inclusive os liberais sociais orgânicos são peremptoriamente contra esse assassinato. O Estado não tem serventia e os regimes também não porque não existe mais nenhuma ideologia. Sem contar que parte da esquerda partidária ajudou a consolidar esse constructo mental de classe dominante ao fazer alianças desorientadas de seus princípios ideológicos com os algozes da classe trabalhadora, gente imoral e corrupta em nome de uma governabilidade.
Os grandes empresários capitalistas e os ideólogos da classe em domínio fazem discricionariamente esse discurso ideologizado do fim da ideologia. E o fazem porque o sistema econômico capitalista precisa garantir a liberdade irrestrita de mercado para reprodução do capital, necessária a livre produção e circulação de mercadorias. Essa ideia serve também como forma de consciência para validar o sistema e sua ordem civil na sociedade.
Esse discurso ideológico de classe dominante interessa apenas a eles porque seus interesses sociais, econômicos e políticos estão em disputa na sociedade burguesa. Esses interesses são garantidos pelo complexo sistema jurídico de leis que protegem a riqueza e o modo como se reproduz na sociedade. É com a anuência da maioria esmagadora das pessoas que vivem nessa sociedade que a classe dominante obtém e remunera o capital. Isso ocorre por meio da exploração baseada na mais-valia extraída da classe trabalhadora no primeiro momento, seguida pela lucratividade exorbitante obtida nas relações comerciais.
Por isso, torna-se um imperativo inadiável para os representantes dessa classe dominante, o desmonte das organizações políticas da classe detentora da força de trabalho (manual e intelectual). Do mesmo modo que pretendem acabar com a ascendência das instituições sociopolíticas do trabalho, espaço de mobilização política da classe trabalhadora para tensionar nas ruas governos, contra os pressupostos socioeconômicos fundantes do moderno Estado liberal burguês.
A correlação de força no interior da sociedade moderna é dada pela rivalidade entre essas instituições políticas de classes que disputam a sociedade com lugar de fala absolutamente diferente, uma vez que defendem interesses irreconciliáveis porque são historicamente antagônicos. Isso pode ser perfeitamente visível no coração do imperialismo norte-americano, com as disputas entre democratas (socialdemocratas) e republicanos (ultraconservadores), caracterizada por uma disputa entre a direita conservadora (extrema-direita) contra a direita social liberal.
Enquanto os democratas combatem o imperialismo ao seu modo, visando minimizar os aos efeitos deletérios dos gananciosos rentistas beligerantes, com adoção de medidas que visam controlar a exploração de mercados capitais com regramentos internos rígidos, os republicanos são os conservadores que defendem o ultraliberalismo econômico.
Embora isso ocorra concretamente nos EUA, vale ressaltar que essas regras estão circunscritas aos limites territoriais do país, pois fora desse espectro o que vale são os interesses capitalistas hegemônicos do imperialismo beligerante controlado com austeridade pelo Pentágono, Capitólio e o Departamento do Tesouro.
No Brasil até recentemente tínhamos neoliberais (FHC) conservadores na economia e social liberal nas relações sociopolíticas na sociedade. Depois de 2014, passamos a ter um vertiginoso crescimento da extrema-direita articulada por capitalistas do agronegócio, banqueiro, militares e religiosos conservadores fanáticos. Esse quadro mudou radicalmente, desarticulando dos espaços institucionais de poder as forças social-liberais do país.
Os setores de esquerda partidária que defendem o perecimento compulsório das ideologias na contemporaneidade, certamente compartilham do mesmo pensamento ultraconservador de extrema-direita de quem pretende matar o caráter revolucionário da militância de esquerda nas escolas e universidades, adotando a religiosidade conservadora típica de estado teocrático extremista.
No entanto, cabe explicar aos leitores atentos que essa “morte” é apenas uma obstrução autocrática no tecido social ocasionada pela ausência de leitura teórica críticas que afeta o dialogo revolucionário, causando isquemia partidária que paralisa o lado esquerdo da sociedade. Desabilita apenas um lado das forças, pois ela continua existindo como uma verdade invisível extraterrena, que governa as pessoas e ordena toda a sociedade.
A ideologia por vezes poderá ser uma imagem invertida da realidade para conformação e manutenção das coisas como estão ou uma reprodução mental crítica do movimento real da sociedade e suas contradições. No caso em que a sociedade burguesa continua no domínio societal, prevalece como um instrumento indispensável para reprodução do status quo da própria sociedade.
Na percepção marxiana, calcada no materialismo dialético, a ideologia é um conjunto de ideias elaboradas pelos intelectuais (ideólogos burgueses) da sociedade moderna para escamotear os verdadeiros interesses de classe dominante (burguesia), com a finalidade de consolidar a hegemonia dessa classe no poder. Também é uma maneira de estabelecer a manutenção da ordem social com menor uso da violência.
Portanto, interessam apenas as forças reacionárias de direita e extrema-direita decretar a morte das ideologias porque desmobiliza as foças do trabalho e as populações subalternizadas pelo capitalismo. Além de abrir caminho livre para retirada de travas proteção e de promoção das populações em situação de risco, instituídas pelo Estado de bem-estar social e suas conquistas de direitos socioeconômicos pela classe trabalhadora.
Além desses retrocessos, permite a transferência de capital do setor público para às forças que operam no livre mercado e a venda das empresas estatais lucrativas que concorre no mercado em condições de igualdade de preço, pois possuem competitividade em função de sua política bem sucedida de precificação que aumenta à concorrência desmoralizando o discurso de eficiência de mercado das grandes empresas capitalistas transnacionalizadas pela fase imperialista do capitalismo mundial.
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