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domingo, 14 de julho de 2019

CARTA AO COLETIVO ÉTICA SOCIALISTA




*por Herberson Sonkha

"Desde que havia chegado ao PT no início de 1999 com estigma de ser extremista de esquerda, após romper relações com os comunistas do “B” no começo de 1998, eu não havia encontrado algo que preenchesse minhas expectativas teóricas e a minha práxis política."


Aos membros do Coletivo Ética Socialista (COESO) o meu fraternal abraço socialista.


Após um longo período de intensas atividades políticas de militância, inúmeras vivencias lúdicas e intelectuais no Coletivo Ética Socialista (COESO), todas elas perpassadas por laços de solidariedade, me vejo de saída. Parece que mal cheguei e já estou de saída, aliás já se passaram alguns anos juntos.

Ao olhar no espelho percebo instantaneamente o quanto minha vida mudou desde que decidi fazer militância ainda na adolescência. Me vejo em algum lugar lá atrás e rememoro com nostalgia a minha chegada, sem a menor pretensão de ter uma relação fugaz de poder com o agrupamento simbolizado por uma margarida, originariamente criado no início da década de 90 na UESB, lá no século passado.

Naquele momento eu precisava pertencer a um propósito maior, intelectualmente sólido, de esquerda e revolucionário que correspondesse ao meu ardor juvenil que queimava por dentro desde 1986, quando comecei fazer militância lá no movimento estudantil em Jequié, recrutado pelo Partido Comunista do Brasil.

Desde que havia chegado ao PT no início de 1999 com estigma de ser extremista de esquerda, após romper relações com os comunistas do “B” no começo de 1998, eu não havia encontrado algo que preenchesse minhas expectativas teóricas e a minha práxis política. Percorri de an passant alguns outros agrupamentos internos, mas ainda me faltava algo que só o COESO poderia me oferecer.

Como em todo processo de caminhada em grupo tudo começa com um primeiro passo na direção coletiva, geralmente é seguido por algumas poucas caminhadas sem brusquidão, outras tantas com passadas abruptamente diligentes. Eu ri, cantei, dancei, li, reli, debati e fiz muita militância no COESO. Sou imensamente grato por todas as relações de amizade e construções teóricas-práticas feitas no COESO.

Esse rico ambiente me fez crescer em relação ao chegante novel, um sobrevivente carrancudo dos escombros da experiência malsucedida com o PCdoB, que decorre da terrível convivência com a conduta autocrática stalinista. Cheguei hostilizado pelo arquétipo de comunista do “B”, com pouca coisa na bagagem trazida do século passado, felizmente parte dela me livrei com a ampliação da leitura feita na acadêmica. Sobretudo os ismos...

Na academia senti imediatamente a minha indisposição visceral para conviver acriticamente com a ortodoxia partidária do hegemonismo petista, sobretudo alguns marxismos legatários do pusilânime stalinismo que perpassa quase toda a esquerda e, principalmente as correntes internas do Partido dos Trabalhadores.

Contudo, acendeu em mim o interesse encovado pela matriz marxiana, uma nova fase voltada para a literatura marxiana de caráter heterodoxo, livrando-me dos vícios deterministas e autoritários de algumas orientações doutrinárias de ortodoxias marxistas, visando reorientar criticamente minha práxis política.

Minhas críticas aumentavam compulsoriamente na medida em que as relações internas se tornavam ideologicamente conflituosas e indigestas. A convivência interna com partidários do poder e seus privilégios criados pelo campo hegemônico hermeticamente de direita se tornavam cada vez mais crítica.

Com o tempo sobreveio as brigas internas e inúmeros achaques ao COESO pelo arquétipo de radical de esquerda, por consequência da prática stalinista de defenestrar pessoas falantes, estereotipadas pela capacidade para leitura e formulação crítica.

A vida partidária profundamente prejudicada pelo esvaziamento compulsório dos espaços de discussões coletivas mais elaboradas, criou uma cultura de mandatos que se transformaram em verdadeiros condomínios de poder. O cisco nos olhos de quem acostumou-se com o conforto do Estado burguês: seus súditos obedientes, os mimos e as benesses deleitantes com seus carpetes e ar-condicionado.

Os ataques me fizeram perceber que só havia um caminho que era me refugiar no COESO para continuar militando no PT porque sempre foi um campo à esquerda. Contudo, quanto mais caminhava para esquerda, mais os hegemônicos tangenciavam o partido para a direita.

O COESO se transformou numa importante trincheira de lutas ideologicamente de esquerda, mesmo sendo minoria numérica permaneceu qualitativamente grande, combatendo internamente e externamente a contracultura hegemônica de instrumentalização do partido para servir aos interesses ideológicos do capital. O pragmatismo despolitizado (despolitizante) que deram origem as alianças espúrias com a direita, as defecções políticas e a temerária conciliação de classes historicamente antagônicas.

Nas eleições de 2018 isso se tornou tão cristalino que o COESO publicou um documento crítico recomendando voto em candidatos à esquerda e não em Rui Costa e seu desastroso coronel a tira colo, corolário das oligarquias escravocratas sustentadas pela força de trabalho escravo, expropriada violentamente das populações negras nos canaviais de açúcar da Bahia, da metade do século XVI e meados do século XVIII.

Essa tarefa política passou a orientar um comportamento inegociável, pois permanece o desejo irreversível de combater sistematicamente essa inflexão à direita dos hegemônicos, dentro e fora do partido.  Apesar disso, o tempo fez com que isso deixasse de ser algo central na estratégia do coletivo, me fazendo experimentar o gosto amargo das minhas divergências como chibatadas sobre os ombros do COESO.

Aqui começava a aprofundar minhas divergências internas com o COESO, de modo que percebi também que minhas idiossincrasias estavam subjugando o desejo e as expectativas desse agrupamento que se propunha ser um coletivo de esquerda, socialista e democraticamente comprometido com a unidade interna programática, esgarçado pela capitulação a direita dos hegemônicos. A tomada de consciência em processo de amadurecimento gradativo há mais de dois anos, me levou à percepção que me fez rever o meu caminho que guinava na direção do ocaso dentro do partido.

Cheguei aos poucos, permaneci com toda força e agora acredito que minha estada entre vós tenha chegado ao fim. É preciso continuar mantendo a coerência com o que acredito, pois é impossível conceber qualquer tipo de aproximação, conciliação, envolvimento e participação direta ou indireta com forças internas de direita na construção de uma unidade com quem pensa contra a classe trabalhadora e negligencia pautas das populações em situação de risco.

O que me incomoda não são os cães que ladram esganiçados em defesa do fascismo e seu castelo de mentiras pelas ruas ou de dentro do quartel, que funciona como a nova sede da república brasileira. Mas, do silencio ensurdecedor da grande maioria dos nossos parlamentares, militantes e intelectuais nas direções municipais e estadual do partido, frente a capitulação escancarada e escrota de um governador do Partido dos Trabalhadores, eleito com uma pauta ante fascista e de defesa de direitos socioeconômico e político do povo baiano.

A omissão, a conivência e a condescendência da direção do partido com o modus operandi do governador petista neoliberal é vergonhoso, um estelionato eleitoral que fere a história do PT, uma violência simbólica que descaracteriza o partido para a classe trabalhadora e demais populações subalternizadas.

A política neoliberal de desmonte das universidades baianas, que impõe contingenciamento, assalariamento dos servidores públicos estaduais e o sucateamento da educação de ensino médio e superior no Estado da Bahia é motivo mais que suficiente para expulsá-lo do partido.

Diante de tudo isso, reafirmo que minha única razão para permanecer filiado ao Partido dos Trabalhadores era estar militando no COESO. O coletivo fez uma escolha política democrática por um caminho que diverge radicalmente com o que penso, aliás isso torna irreconciliável com o que acredito e defendo.

Cabe a mim seguir com coerência o meu caminho, respeitando a escolha coletiva e desejar ao COESO sucesso em sua nova empreitada. Um abraço fraternal aos companheiros(as), amigos(as) e irmãos(as) e que a história nos absolva ou nos condene pelas escolhas feitas com consciência que orientam nossas opções políticas. Continuarei atuando nos movimentos sociais e militando no campo sempre a esquerda.
Saudações Socialistas!
Herberson Sonkha

Vitória da Conquista, outono de 2019.

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