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segunda-feira, 12 de dezembro de 2016

LEI QUE CALA

"Fala-se do direito ao pluralismo de ideias, mas suprimem de forma perniciosa o texto da Lei que garante  o pluralismo de concepções pedagógicas, chave do processo educativo."


Por Fabíola Lima Castro[1]

Professor Fabíola Lima Castro
Um professor (que não é educador!) deve limitar-se à matéria objeto de sua disciplina. Essa é uma das principais ideias do Projeto Escola Sem Partido, ou Lei da Mordaça, como ficou mais conhecido entre nós educadores.
Como não ser educador numa profissão formadora de indivíduos por natureza? Encontramo-nos diariamente com seres humanos em sala de aula com as mais diversas demandas de formação individual e social, com uma variedade de ideias e conceitos acerca da realidade que os cerca.

A escola é um espaço privilegiado de produção e propagação de conhecimento. Como proporcionar aos alunos essa oportunidade de crescer e aprender impedindo o professor de promover a livre discussão sobre aspectos sociais e políticos do cotidiano? Há mesmo a possibilidade de se desconectar o conteúdo escolar da vida do educando?

O Projeto Escola Sem Partido foi escrito pelo advogado Miguel Nagib, a pedido do deputado estadual Flávio Bolsonaro (PSC-RJ), seguido pelo vereador Carlos Bolsonaro (PSC-RJ) com um projeto do mesmo teor à nível municipal. Projetos similares tramitam na Câmara e no Senado Federal, de autoria do deputado Izalci Lucas (PSDB) e do senador Magno Malta (PR-ES).

Tal Projeto reflete um profundo desconhecimento do processo pedagógico por parte de seus idealizadores, visto que não existe educação sem incentivo ao diálogo e reflexão crítica sobre os diversos fenômenos. Pretende, entre outras coisas, alterar a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB, que garante no seu artigo 3º: “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber” e o “pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas”. Fala-se do direito ao pluralismo de ideias, mas suprimem de forma perniciosa o texto da Lei que garante  o pluralismo de concepções pedagógicas, chave do processo educativo.

De acordo com Vygotsky, famoso psicólogo bielo-russo que também foi professor, o ser humano é resultado da interação com outros seres humanos. Sem essa interação com o ambiente cultural, os processos internos de desenvolvimento que caracterizam a espécie humana não existiriam. Então, como coibir a ação direta do professor de propiciar em sala de aula que tal interação ocorra? Há mesmo possibilidade de ministrar o conteúdo da matéria de forma fria, imparcial, isolada?

Na cidade de Brumado, no sudoeste baiano, corremos há pouco tempo o risco de termos este mesmo projeto votado pela Câmara Municipal, justamente num período de intensas manifestações por parte da classe de professores, quando da reformulação de seu Plano de Carreira e reivindicações pelo cumprimento da Lei n° 11.738, Lei do Piso Nacional para os professores.

Foi nitidamente percebido o incômodo que tais manifestações (com greve, inclusive) causaram no governo municipal. Um governo que vê na figura do professor uma ameaça à sua hegemonia e que por consequência tentou calá-lo com uma lei infame. Tiveram sua resposta: a pressão exercida pela classe de educadores fez com que o projeto fosse arquivado. E oxalá ele lá fique eternamente, nas gavetas do esquecimento, porque serve apenas à manutenção do poder dessa elite perniciosa que tomou as rédeas deste país. Um governo que quer calar nossa boca em nome de uma suposta doutrinação que, na realidade não se justifica, dada a facilidade de acesso à informação hoje em dia, onde nossos educandos têm em mãos a oportunidade estarem conectados a uma gama enorme de redes, as quais oferecem um vasto leque de oportunidades de aprendizagem e confronto de ideias.

Parece-me meio ingênuo (ou nem tanto) que tal Projeto desconheça que somos frutos de diversas interações cotidianas em vários espaços, e que a escola é apenas mais um deles.
Se tal Projeto for de fato aprovado, ser professor no Brasil será correr o risco de ser punido por permitir que se cumpra em sala de aula justamente o objetivo primordial da educação: formar sujeitos pensantes e capazes de mudar a realidade que os cerca.

Como diz meu caro Bergher, companheiro de profissão, “o conhecimento que o professor adquire durante a sua trajetória tem que estar a serviço da emancipação dos trabalhadores e dos oprimidos. É preciso falar a verdade para a juventude, dizendo que a única saída para que se tenha uma vida digna é através da mobilização e da luta.” Paz e bem!









[1] Fabíola Lima Castro é natural de Brumado-BA, graduada em Pedagogia pela UNEB, especialista em Psicopedagogia pela Faculdade da Cidade do Salvador e em Gestão Educacional pela Faculdade Pitágoras de Belo Horizonte e é professora da Rede Pública Municipal de Brumado há 17 anos.

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