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sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

A falta de Compromisso-ético pública da educação privada no Brasil



* Por Joilson Bergher


“Não podemos ser coniventes com uma política educacional que prioriza o lucro à formação de qualidade, muito menos com um governo que desvia dinheiro público, para enriquecer os grandes tubarões da educação”, é o que afirma o Coletivo Saída de Emergência da Assembléia nacional dos Estudantes – Livre (ANEL), Jornal Brasil de Fato, dez, 2012. 


Então quer dizer quê o que importa nessa lógica é só o lucro? Pois sim! Numa determinada universidade particular em São Paulo, por exemplo, a ideia que se tem é de estar exatamente dentro de um Shopping Center. Prédio suntuoso, grandes marcas desses lanches rápidos, roupas de grife, salões de cabeleireiros...se preocupam mais com o embelezamento da fachada estrutural do que com a produção de conhecimento. É necessário atrair clientela, principalmente aquela que não consegue passar em vestibulares na universidade pública. 

Na década de 1990, tais universidades receberam um 'presentaço', ou um ganho lotérico (?) do governo acéfalo e irresponsável de FHC, aquele mesmo que vive a falar mal do Brasil mundo afora. Elas deixaram de serem geridas por fundações (?) para se transformarem em empresas. Em curso: cumprir metas globalizantes junto ao Banco Mundial. Aliás, a  ideia de globalização está associada a uma sensação de ruptura temporal: o momento atual não seria apenas decorrência e conseqüência do passado, mas um novo momento, fruto de uma reorganização produtiva internacional e de uma maior importância dos mercados financeiros, decorrente de sua maior integração e crescimento. Uma pergunta: crescimento pra quem mesmo, cara pálida? Os números da expansão: atualmente, das 2.365 instituições de ensino superior, 2.081 são particulares e apenas 284 são públicas. Dos mais de 30 mil cursos oferecidos no ano passado, mais de 20 mil foram criados em Universidades particulares, o que, necessariamente, não implica em cursos de excelência. São fábricas de diplomas! É só observar a proliferação desses cursos EAD(?), Brasil adentro. É fato: o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes, Enade, 2011, revelou exatamente aquilo que sabemos, faz é tempo, os piores desempenhos foram registrados em universidades e faculdades particulares. Menos de 2% dessas instituições que se dizem acadêmicas conseguiram a nota máxima. 

Lamentável e criminoso essa forma de auferir apoios e recursos junto aos governos nos três níveis de Estado via pró-une ou Fies, por exemplo, para ao invés de criar conhecimento, aplicar em fachadas e prédios suntuosos e ostensivos: aí está a deficiência do ensino particular. Na Bahia, por exemplo, numa Resolução restritiva do MEC fora incluídas 8 instituições baianas:  Universidade Católica de Salvador (Ucsal) e o Centro Universitário Estácio da Bahia (FIB) não poderão expandir a quantidade de vagas de alguns cursos no processo seletivo de 2013.  A medida afeta, ainda, cursos de quatro instituições de ensino superior particulares - Unibahia, Unifacs, Área 1 e Hélio Rocha - proibidas de realizar processos seletivos programados para  o próximo ano em alguns cursos.  É só acessar o MEC e encontrar a lista de cursos superiores que não alcançaram resultados satisfatórios no Conceito Preliminar de Curso (CPC) de 2008 e de 2011.  

Concretamente tais resultados revelam o acinte de como empresários desse setor estratégico e produtivo do Brasil tratam o que deveria ser público dentro de uma determinada ótica: a do lucro acima de tudo e de todos: eis aí o resultado, cursos com deficiência técnica, sem professores qualificados, sem pesquisa acadêmica, sem pós-graduação ou extensão...o engraçado, aliás, é de da pena ou dó uma determinada Associação que congrega tais universidades particulares espernear e invocar a Constituição Federal do Brasil, estão a reverberar, acusando a medida adotada pelo MEC de arbitrária e ilegal.  É como afirma o Ministro de Educação, Aloísio Mercadante, “Temos, portanto, recursos públicos para aquisição dessas vagas e a competência do MEC é exigir qualidade”, e ponto final.

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*Joilson Bergher, jbergher@hotmail.com,  professor de História, Especialista em Metodologia do Conhecimento Superior, Pesquisador Independente do negro no Brasil, Estudante do Curso de Filosofia, Uesb – Vitória da Conquista, Bahia. 

domingo, 23 de dezembro de 2012

Descoberto homem que compreende Gilberto Gil




Um cientista da Universidade Federal de Viçosa demonstra porque o recolhimento do abacateiro é justamente o significado da palavra temporão

Um projeto do departamento de lingüística da Universidade Federal de Viçosa descobriu a existência de uma pessoa que compreende perfeitamente o que diz Gilberto Gil. Muricy Viana da Costa Santos, 74 anos, lavrador de Monte do Carmo, Tocantins teria a capacidade de decodificar sem dificuldade a obra musical e retórica do cantor e compositor baiano. Costa Santos ouviu vários trechos de canções e discursos de Gil e, imediatamente, sem hesitar, explicou o que acabara de ouvir. Suas respostas corresponderam quase perfeitamente à exegese produzida por um grupo interdisciplinar da UFV, integrado por filósofos, físicos, historiadores, um pai de santo e Carlinhos Brown. Os cientistas ficaram surpresos quando, já na primeira resposta, o lavrador explicou porque amanhecerá tomate e anoitecerá mamão. Costa Santos não possui televisão nem rádio em casa. Nunca ouvira falar de Gilberto Gil. Não obstante, achou muito clara a resposta do ex-ministro a um jornal de São Paulo que, em 2006, lhe pedira impressões sobre a estreia da Seleção Brasileira na Copa da Alemanha: “Os jogadores do Brasil são experientes e jogam torneios que estão ligados a essa dimensão da fenomenologia.” Muricy Viana da Costa Santos, conhecido como seu Gerson, disse que concordava, e referiu o grupo às obras de Edmund Husserl, filósofo da fenomenologia, cujos livros principais citou em alemão, idioma que não fala. Os cientistas acreditam que o dom de Costa Santos seja absolutamente especializado. O lavrador não entende uma palavra de Djavan.
Fonte:http://revistapiaui.estadao.com.br/blogs/herald/cultura/descoberto-homem-que-compreende-gilberto-gil

Cientistas britânicos comprovam que Alceu Valença e Moraes Moreira são a mesma pessoa




Após ser desmascarado, o músico mudou seu nome artístico para Alceu Moreira

NOTTING HILL - Um centro de pesquisas britânico especializado em estudos inusitados divulgou sua descoberta mais marcante de 2012. "Já provamos que os fetos podem bocejar, que as músicas de Adele são as melhores para adormecer e que o agrião ajuda a prevenir a hipocondria", comemorou o Dr. Graham Chapman, que completou: "Mas a descoberta de que Alceu Valença e Moraes Moreira são a mesma pessoa redefine os rumos das pesquisas inúteis do século 21", concluiu, com os olhos marejados.

Animados com a descoberta, os pesquisadores implementaram a mesma metodologia para refutar a tese de que Susana Vieira e Regina Duarte seriam uma só. "Encontramos compatibilidade de 99%, mas parece que toda a libido de Ms. Duarte foi transferida para Ms. Vieira de forma desproporcional", explicou Chapman.

Para 2013, o centro de pesquisa anunciou que estudará a migração do sotaque baiano de Ivete Sangalo para Claudia Leitte.

Fonte:http://revistapiaui.estadao.com.br/blogs/herald/internacional/cientistas-britanicos-comprovam-que-alceu-valenca-e-morais-moreira-sao-a-mesma-pessoa

Não menos do que nada, mas simplesmente Nada



* Por Slavoj Žižek / 02 julho de 2012


Se eu estou repelido pela revisão de John Gray dos meus dois últimos livros ("As Visões violentas de Slavoj Žižek,  New York Review of Books , 12 de julho de 2012), não é porque a revisão é altamente crítico do meu trabalho, mas porque a sua argumentos são baseados em tal leitura errada de um bruto de minha posição de que, se eu fosse a responder em detalhes, eu teria que gastar tempo demais apenas respondendo a insinuações e estabelecendo retas os equívocos da minha posição, para não mencionar diretos declarações falsas - que é, para um autor, um dos exercícios mais chatos imagináveis. Então eu vou me limitar a um exemplo paradigmático que mistura demissão teórica com indignação moral, que diz respeito ao anti-semitismo e vale a pena citar em detalhes:


Zizek diz pouco sobre a natureza da forma de vida que poderia ter surgido havia sido Alemanha governada por um regime menos reativo e impotente do que os juízes de Hitler ter sido. Ele faz deixar claro que não haveria espaço nesta nova vida para uma forma particular de identidade humana:

"O estado fantasmática de anti-semitismo é claramente revelada por uma declaração atribuída a Hitler:" Temos que matar o judeu dentro de nós "... declaração de Hitler diz mais do que quer dizer:. Contra suas intenções, confirma que os gentios precisam a figura anti-semita do "judeu", a fim de manter a sua identidade. Assim, não é apenas que "o judeu é dentro de nós", o que Hitler fatalmente esqueceu de acrescentar é que ele, o anti-semita, também está o judeu. O que isso significa entrelaçamento paradoxal para o destino do anti-semitismo? "

Žižek é explícito na censura de "certos elementos da esquerda radical" para "seu mal-estar quando se trata de condenar de forma inequívoca o anti-semitismo." Mas é difícil entender a afirmação de que as identidades de pessoas semitas e anti-judaica são de alguma forma se reforçam mutuamente, que se repete, palavra por palavra, em menos de nada, exceto como sugerindo que o único mundo em que o anti-semitismo pode deixar de existir é aquele em que não há mais qualquer judeus.

O que está acontecendo aqui? A passagem acima citada de  menos do que nada imediatamente continua com:

Aqui podemos encontrar novamente a diferença entre o transcendentalismo kantiano e Hegel: o que eles tanto vêem é, naturalmente, que a figura anti-semita do judeu não é para ser reificado (para dizer o ingenuamente, ele não se encaixa "" judeus de verdade "), mas é uma fantasia ideológica (" projeção "), é" no meu olho. "O que Hegel acrescenta é que o sujeito que fantasia o judeu é em si mesmo" na foto ", que a sua própria existência dobradiças sobre a fantasia de o judeu como o "pouco do real" que sustenta a consistência de sua identidade: tirar a fantasia anti-semita, e do sujeito cuja fantasia é próprio se desintegra. O que importa não é o local do Eu na realidade objetiva, o impossível real de "o que eu sou objetivamente", mas como eu estou localizado em minha própria fantasia, como a minha própria fantasia sustenta o meu ser como sujeito.

São estas linhas não perfeitamente claro? A implicação recíproca não é entre os nazistas e os judeus, mas também entre os nazistas e sua fantasia anti-semita próprio : " . você tirar a fantasia anti-semita, e do sujeito cuja fantasia é próprio desintegra "  O ponto não é que judeus e anti-semitas são de alguma forma co-dependente, de modo que a única maneira de se livrar dos nazistas é livrar-se dos judeus, mas que a identidade de um nazista depende da sua fantasia anti-semita: o nazista é "em o judeu "no sentido de que sua própria identidade é baseada em sua fantasia do judeu. Insinuação de Gray que eu de alguma forma, implicam a necessidade de a aniquilação dos judeus é, assim, uma obscenidade ridiculamente-monstruoso que só serve os motivos de base de desacreditar o oponente por atribuir-lhe algum tipo de simpatia para o crime mais terrível do século XX.

Então, quando Gray escreve que "Zizek diz pouco sobre a natureza da forma de vida que poderia ter surgido havia Alemanha foi governada por um regime menos reativo e impotente que ele juízes de Hitler ter sido", ele simplesmente não é dizer a verdade : o que eu aponto é que essa "forma de vida" seria precisamente não ter a necessidade de procurar um bode expiatório como os judeus. Em vez de matar milhões de judeus, um regime de "menos reativo e impotente do que os juízes de Hitler ter sido" seria, por exemplo, transformar as relações sociais de produção, de modo que eles perderiam o seu caráter antagônico. Esta é a "violência" Eu estou pregando a violência em que nenhum sangue tem que ser derramado. É a violência totalmente destrutiva de Hitler, Stalin e do Khmer Vermelho, que é para mim É neste sentido simples que eu considero Gandhi mais violento que Hitler "reativa e impotente.": 

Em vez de atacar diretamente o estado colonial, Gandhi organizou movimentos de desobediência civil, de boicotar produtos britânicos, de criar espaço social fora do âmbito do Estado colonial. Deve-se então dizer que, louco que possa parecer, Gandhi foi mais violento do que Hitler. A caracterização de Hitler que tê-lo como um cara mau, responsável pela morte de milhões de pessoas, mas ainda assim um homem com bolas que buscaram seus objetivos com uma vontade de ferro não é apenas eticamente repugnante, também é simplesmente errado: não, Hitler fez "não tem as bolas" realmente para mudar as coisas. Todas as suas ações eram fundamentalmente reações: ele agiu de modo que nada iria mudar realmente, ele agiu para impedir a ameaça comunista de uma mudança real. Sua segmentação dos judeus era finalmente um ato de deslocamento em que ele evitou o real inimigo, o núcleo das relações sociais capitalistas próprios. Hitler encenou um espetáculo da Revolução de modo que a ordem capitalista poderia sobreviver - em contraste com Gandhi cujo movimento efetivamente tentou interromper o funcionamento básico do estado colonial britânico.

Em vez de furar o leitor com dezenas de exemplos semelhantes de leituras equivocadas de Gray, deixe-me mencionar que Gray conclui sua análise com uma observação sobre o "isomorfismo" alegada entre capitalismo contemporâneo e meu pensamento que 

reproduz o dinamismo, a propósito compulsivo que ele percebe nas operações do capitalismo. Alcançar uma substância enganosa por interminavelmente reiterando uma visão essencialmente vazio, Žižek trabalho muito bem ilustrar os princípios da lógica paraconsistentes-montantes no final para menos do que nada.

Qualquer coisa pode ser comprovada com tais superficiais pseudo-marxistas-homologias essas homologias, juntamente com numerosos Gray distorções tendenciosas, são indicações tristes de o nível do debate intelectual na mídia de hoje. É um trabalho de Gray, que se encaixa perfeitamente nosso universo capitalista tardio ideológica: você ignora totalmente o que o livro está a rever é sobre, você renunciar a qualquer tentativa de alguma forma, reconstruir a sua linha de argumentação, em vez disso, você joga junto vagas livro-texto de generalidades, em bruto distorções da posição do autor, analogias vagas, etc-e, a fim de demonstrar o seu empenho pessoal, você adiciona a tal bric-a-brac  de pseudo-profundo provocativo one-liners tempero de indignação moral (imagine, o autor parece para defender um novo holocausto!). Verdade não importa aqui, o que importa é o efeito. Isto é o que hoje os consumidores de fast-food intelectual anseiam por: simples fórmulas cativantes misturado com indignação moral. Diverte-te e faz você se sentir moralmente bom. Análise de Gray não é ainda menos do que nada, é simplesmente um nada desprezível.

NB Em uma recente revisão de menos do que nada ( The Guardian , sábado 30 de Junho), Jonathan Rée atinge uma nova profundidade em insinuações moralistas:

[Žižek] nunca discute desigualdade, pobreza, guerra, finanças, assistência à infância, a intolerância, o crime, a educação, a fome, o nacionalismo, a medicina, a mudança climática, ou a produção de bens e serviços, mas ele leva a si mesmo para ser a braços com o social mais premente questões do nosso tempo. Ele está feliz em deixar o mundo para queimar enquanto ele joga seus jogos de soldados de brinquedo filosóficas.

Como alguém pode escrever isso sobre um autor que produziu recentemente uma série de livros dedicados precisamente esses tópicos está além da minha compreensão, mesmo em menos de nada , um livro sobre Hegel, há uma ampla discussão de problemas sócio-políticos nos livros conclusão.

Visite o New York Review of Books para ler comentário de John Gray na íntegra. Visite o Guardião para ler comentário Jonathan Rée na íntegra.
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As visões violentas de Žižek

Realidade é detalhe na obra cheia de som e fúria do filósofo pop star




* Por JOHN GRAY 

Poucos pensadores ilustram melhor as contradições do capitalismo contemporâneo do que o filósofo e teórico cultural esloveno Slavoj Žižek. A crise econômica e financeira demonstrou a fragilidade do sistema de livre mercado, cujos defensores acreditavam ter triunfado na Guerra Fria. No entanto, não há sinal de nada parecido com o projeto socialista que foi visto por muitos no passado como o sucessor do capitalismo. A obra de Žižek, que reflete essa situação paradoxal de várias maneiras, fez dele um dos intelectuais públicos mais conhecidos no mundo.


Nascido e educado em Liubliana, capital da República Popular da Eslovênia – parte da antiga federação iugoslava até que esta se desfez e a Eslovênia declarou independência, em 1990 –, Žižek ocupou vários cargos acadêmicos na Grã-Bretanha, nos Estados Unidos e na Europa Ocidental, assim como em seu país. Sua produção é prodigiosa, com mais de sessenta obras desde a publicação em 1989 de seu primeiro livro em inglês, Eles Não Sabem o que Fazem: o Sublime Objeto da Ideologia [lançado no Brasil pela editora Zahar e esgotado]. Os livros, somados aos incontáveis artigos e entrevistas, além de filmes como Žižek!(2005) e The Pervert’s Guide to Cinema (2006), lhe deram uma projeção que vai muito além da academia. Sintonizado com a cultura popular, em especial com o cinema, ele tem entre seus fãs jovens de muitos países, inclusive na Europa pós-comunista. Tem também uma publicação dedicada à sua obra – o International Journal of  Žižek Studies, fundado em 2007, cujos leitores se registram via Facebook. Em outubro de 2011, fez um pronunciamento aos integrantes do movimentoOccupy Wall Street, no Zuccotti Park, em Nova York, que foi amplamente divulgado e pode ser visto no YouTube.

A enorme influência de Žižek não significa que seu ponto de vista filosófico e político possa ser facilmente definido. Membro do Partido Comunista da Eslovênia até 1988, Žižek teve relações difíceis com as autoridades partidárias durante anos, em decorrência de seu interesse por ideias consideradas heterodoxas. Em 1990, candidatou-se à Presidência pelo Partido Liberal Democrata da Eslovênia, legenda de centro-esquerda que foi a principal força política do país na última década do século passado. Mas as ideias liberais, exceto por servirem como ponto de referência para posições que ele rejeita, nunca moldaram o seu pensamento.



ižek foi demitido do seu primeiro emprego como professor universitário no início dos anos 70. Autoridades eslovenas julgaram que a tese escrita por ele sobre o estruturalismo francês – na época um movimento influente na antropologia, linguística, psicanálise e filosofia – era “não marxista”. O episódio demonstrou como era limitada a liberalização intelectual promovida no país na época, mas os trabalhos posteriores de Žižek sugerem que as autoridades tinham razão ao julgar que sua orientação não era marxista.

Na vasta obra que ele construiu desde então, Marx é criticado por ser insuficientemente radical na rejeição dos modos existentes de pensamento, enquanto Hegel – uma influência muito maior sobre Žižek – é louvado por sua disposição para deixar de lado a lógica clássica a fim de desenvolver uma maneira de pensar mais dialética. Mas Hegel também é criticado por ter apego demasiado aos modos tradicionais de raciocínio. Um tema central dos escritos de Žižek é a necessidade de descartar o compromisso com a objetividade intelectual que orientou pensadores radicais no passado.

A obra de Žižek se coloca em oposição a Marx em muitos pontos. Apesar de tudo o que devia à metafísica hegeliana, Marx também foi um pensador empírico, que procurou elaborar teorias que dessem conta do curso real dos acontecimentos históricos. Sua preocupação central não era a ideia abstrata da revolução, mas sim um projeto revolucionário envolvendo alterações concretas e radicais nas instituições econômicas e nas relações de poder.

Žižek mostra pouco interesse por esses aspectos do pensamento de Marx. Visando “repetir a ‘crítica marxista da economia política’ sem a noção utópico-ideológica do comunismo como seu quadro de referência obrigatório”, ele acredita que “o projeto comunista do século XX era utópico precisamente na medida em que não era suficientemente radical”. Segundo Žižek, a maneira como Marx compreendia o comunismo foi parcialmente responsável por esse fracasso: “A noção de Marx da sociedade comunista é, em si, uma fantasia do próprio capitalismo, isto é, uma projeção fantasmática[1] para resolver as contradições capitalistas que ele descreveu tão bem.”

Embora rejeite a concepção de Marx do comunismo, Žižek não dedica nenhuma única página das mais de mil de seu livro Less Than Nothing: Hegel and the Shadow of Dialectial Materalism  [Menos que Nada: Hegel e a Sombra do Materialismo Dialético, que deverá ser publicado no Brasil no próximo ano] para especificar qual sistema econômico ou quais instituições de governo deveriam figurar numa sociedade comunista do tipo que ele defende. Em vez disso,Less Than Nothing, na verdade um compêndio da obra de Žižek até agora, se dedica a reinterpretar Marx por meio de Hegel – uma das partes do livro se chama “Marx como leitor de Hegel, Hegel como leitor de Marx” – e a reformular a filosofia hegeliana fazendo referência ao pensamento do psicanalista francês Jacques Lacan.



acan, um “pós-estruturalista” que rejeitou a noção de que a realidade pode ser capturada pela linguagem, também rejeitou a interpretação mais aceita da ideia hegeliana da “astúcia da razão”, segundo a qual a história mundial é a concretização, por meios oblíquos e indiretos, da razão humana. Para Lacan, tal como Žižek o resume: A Astúcia da Razão [...] não implica, de modo algum, a fé numa mão invisível que, de alguma forma, conduziria todas as contingências aparentemente irracionais à harmonia da Totalidade da Razão: de fato, a Astúcia da Razão implica confiar na irracionalidade. Nessa leitura lacaniana, a mensagem da filosofia de Hegel não é o desdobramento progressivo da racionalidade na história, mas sim a impotência da razão.

Assim, o Hegel que surge nos escritos de Žižek tem pouca semelhança com o filósofo idealista que figura nas histórias convencionais do pensamento. Hegel é comumente associado à noção de que a história tem uma lógica intrínseca, na qual as ideias são concretizadas na prática e depois deixadas para trás, em um processo dialético no qual são superadas por outras ideias que representam o seu oposto. Inspirando-se no filósofo francês contemporâneo Alain Badiou, Žižek radicaliza a noção da dialética, propondo que ela signifique a rejeição do princípio lógico da não contradição, segundo o qual uma proposição não pode ser verdadeira e falsa ao mesmo tempo.

Desse modo, em vez de enxergar a racionalidade em ação na história, Hegel rejeita a própria razão, tal como ela foi entendida no passado. Segundo Žižek, está implícito em Hegel um novo tipo de “lógica paraconsistente”, na qual uma proposição “não é realmente suprimida pela sua negação”. Essa nova lógica, sugere Žižek, é bem adequada para se compreender o capitalismo hoje. “Pois não é o capitalismo ‘pós-moderno’ um sistema cada vez mais paraconsistente”, pergunta ele retoricamente, “no qual, de várias maneiras, P é não P: a ordem é a sua própria transgressão, de tal forma que o capitalismo pode prosperar sob um governo comunista, e assim por diante?”

Vivendo no Fim dos Tempos [recém-lançado no Brasil pela Boitempo Editorial] é apresentado por Žižek como uma obra preocupada com essa situação. Resumindo o tema central do livro, ele escreve:

O ponto de partida do presente livro é simples: o sistema capitalista global aproxima-se de um ponto zero apocalíptico. Seus “quatro cavaleiros do Apocalipse” são a crise ecológica, as consequências da revolução biogenética, os desequilíbrios do próprio sistema (problemas de propriedade intelectual, a luta vindoura por matéria-prima, comida e água) e o crescimento explosivo de divisões e exclusões sociais.

Com suas generalizações e sua grandiloquência retórica, a passagem é típica do trabalho de Žižek. O que ele chama de premissa do livro é simples só porque passa por cima de fatos históricos. Ao lê-la, ninguém iria suspeitar que, além da matança de milhões por motivos ideológicos, alguns dos piores desastres ecológicos do século passado – tais como a destruição da natureza na antiga União Soviética ou a devastação do campo durante a Revolução Cultural de Mao – ocorreram em economias planificadas. A devastação ecológica não resulta apenas do sistema econômico vigente hoje em grande parte do mundo. Embora possa ser verdade que a versão predominante do capitalismo é insustentável em termos ambientais, nada na história do século passado sugere que o meio ambiente estará mais protegido se for implantado um sistema socialista.

Mas criticar Žižek por ignorar esses fatos é não compreender sua intenção. Ao contrário de Marx, ele não pretende fundamentar suas teorias em uma leitura da história baseada em fatos. “A conjuntura histórica atual não nos obriga a abandonar a noção de proletariado, ou da posição proletária – ao contrário, ela nos obriga a radicalizá-la até um nível existencial, para além até mesmo da imaginação de Marx”, escreve ele. “Precisamos de uma noção mais radical do sujeito proletário [ou seja, o ser humano que pensa e age], um sujeito reduzido ao ponto evanescente do ‘Penso, logo existo’ cartesiano, esvaziado do seu conteúdo substancial.” Nas mãos de Žižek, as ideias marxistas – as quais, na visão materialista de Marx, se destinavam a designar fatos sociais objetivos – se tornam expressões subjetivas de compromisso revolucionário. Saber se essas ideias correspondem a alguma coisa que existe no mundo é irrelevante.

Há um problema neste ponto: por que alguém haveria de adotar as ideias de Žižek, e não quaisquer outras? A resposta não pode ser “porque as ideias do filósofo são verdadeiras”, em qualquer sentido tradicional da palavra. “A verdade de que estamos tratando aqui não é a verdade ‘objetiva’”, escreve Žižek, “mas sim a verdade autorreferente a partir da posição subjetiva de alguém; como tal, é uma verdade engajada, medida não pela sua precisão factual, mas sim pela forma como ela afeta a posição subjetiva da enunciação.”

Se isso significar alguma coisa, quer dizer que a verdade é determinada pela forma como se encaixa nos projetos com que o orador está comprometido – no caso de Žižek, o projeto da revolução. Mas isso só nos leva a colocar o problema em outro nível: por que alguém deveria adotar o projeto de Žižek? A pergunta não pode ter uma resposta simples, uma vez que está longe de ser claro no que consiste o seu projeto revolucionário.

Ele não dá sinais de duvidar que uma sociedade em que o comunismo fosse posto em prática seria melhor do que qualquer outra que já existiu. Por outro lado, ele é incapaz de imaginar quaisquer circunstâncias em que o comunismo pudesse ser concretizado: “O capitalismo não é apenas uma época histórica entre outras. [...] Francis Fukuyama tinha razão: o capitalismo global é o fim da história.” O comunismo não é para Žižek – como era para Marx – uma condição realizável, mas sim o que o filósofo Alain Badiou descreve como uma “hipótese”, um conceito com pouco conteúdo, mas que permite a resistência radical contra as instituições vigentes. Žižek insiste que essa resistência deve incluir o uso do terror:

A ideia provocante de Badiou de que se deve reinventar hoje o terror emancipatório é um dos seus insightsmais profundos. [...] Lembrem-se da defesa exaltada do Terror na Revolução Francesa feita por Badiou, na qual ele cita a justificativa da guilhotina para Lavoisier: “A República não precisa de cientistas.”

Junto com Badiou, Žižek celebra a Revolução Cultural de Mao como “a última grande explosão realmente revolucionária do século xx”. Mas ele também a considera um fracasso, citando a conclusão de Badiou de que “a Revolução Cultural comprova, em seu próprio impasse, a impossibilidade de libertar, verdadeira e globalmente, a política do arcabouço do Estado de partido único”. Mao, ao incentivar a Revolução Cultural, evidentemente deveria ter encontrado uma maneira de quebrar o poder do partido-Estado. Mais uma vez, Žižek elogia o Khmer Vermelho por ter tentado romper totalmente com o passado. Essa tentativa incluiu matanças em massa e tortura numa escala colossal. Mas, na visão de Žižek, não é por isso que fracassou: “De certa forma, o Khmer Vermelho não foi suficientemente radical: embora levasse a negação abstrata do passado até o limite, não inventou qualquer forma nova de coletividade.” Uma verdadeira revolução pode ser impossível nas atuais circunstâncias, ou em quaisquer outras que possam ser imaginadas atualmente. Mesmo assim, a violência revolucionária deve ser comemorada como “redentora”, até mesmo “divina”.

Embora Žižek se defina como leninista, não há dúvida de que essa posição seria um anátema para o líder bolchevique. Lênin não tinha escrúpulos em usar o terror para promover a causa do comunismo (para ele, um objetivo plenamente alcançável). Sempre utilizada como parte de uma estratégia política, a violência era de natureza instrumental. Em contraste, embora Žižek aceite que a violência não conseguiu atingir os objetivos comunistas e que não há perspectiva de que venha a fazê-lo, ele insiste em que a violência revolucionária tem um valor intrínseco como uma expressão simbólica de rebelião – uma posição que não tem paralelos em Marx ou Lênin. Pode-se encontrar um precedente no trabalho do psiquiatra francês Frantz Fanon, que defendia o uso da violência contra o colonialismo como uma afirmação da identidade das populações submetidas ao poder colonial; mas Fanon via essa violência como parte de uma luta pela independência nacional, um objetivo que foi, de fato, alcançado.

Um precedente mais claro pode ser encontrado na obra de Georges Sorel, teó-rico francês do sindicalismo do início do século XX. Sorel argumentou que o comunismo era um mito utópico – mas um mito que tinha valor, ao inspirar uma revolta moral regeneradora contra a corrupção da sociedade burguesa. Os paralelos entre essa visão e a ideia de Žižek sobre a “violência redentora” inspirada pela “hipótese comunista” são reveladores.



celebração da violência é uma das principais vertentes na obra de Žižek. Ele critica Marx por pensar que a violência pode ser justificada como parte do conflito entre classes sociais definidas objetivamente. A luta de classes não deve ser entendida como “um conflito entre agentes particulares dentro da realidade social: não é uma diferença entre agentes (que pode ser descrita por meio de uma análise social detalhada), mas sim um antagonismo (‘luta’) que constitui esses agentes”. Aplicando essa visão ao discutir os massacres de Stálin ao campesinato, Žižek descreve como a distinção entre os kulaks (camponeses ricos) e os demais se tornou “turva e inviável: numa situação de pobreza generalizada, os critérios claros não se aplicam mais, e as outras duas classes de camponeses muitas vezes se uniam aos kulaks em sua resistência à coletivização forçada”. Em resposta a essa situação, as autoridades soviéticas introduziram uma nova categoria, o sub-kulak, o camponês pobre demais para ser classificado como kulak, mas que partilha os valores dos kulaks:

Assim, a arte de identificar um kulak deixou de ser uma questão de análise social objetiva; tornou-se uma espécie de complexa “hermenêutica da suspeita”, de identificar “as verdadeiras atitudes políticas” de um indivíduo escondidas debaixo das suas enganosas afirmações públicas.

Descrever o assassinato em massa dessa maneira, como um exercício de hermenêutica, é repugnante e grotesco; é também característico da obra de Žižek. Ele critica a política de coletivização de Stálin, mas não por conta dos milhões de vidas que foram violentamente interrompidas ou destruídas em seu curso. O que Žižek critica é o apego persistente de Stálin (mesmo que incoerente ou hipócrita) aos “termos marxistas ‘científicos’”. Confiar na “análise social objetiva” como orientação em situações revolucionárias é um erro: “Em algum ponto, o processo tem que ser interrompido com uma intervenção maciça e brutal de subjetividade: o pertencimento de classe nunca é um fato social puramente objetivo, mas também é sempre o resultado da luta e do envolvimento social.” O que Žižek condena em Stálin não é o uso implacável da tortura e do assassinato, mas sim o fato de ter tentado justificar o recurso sistemático à violência mediante referências à teoria marxista.



rejeição de Žižek a qualquer coisa que possa ser descrita como um fato social vem junto com a sua admiração pela violência na interpretação que faz do nazismo. Comentando o envolvimento muito discutido do filósofo alemão Martin Heidegger com o regime nazista, Žižek escreve: “Seu envolvimento com os nazistas não foi um simples erro, mas sim ‘um passo certo na direção errada’.” Contrariamente a muitas interpretações, Heidegger não era um reacionário radical. “Lendo Heidegger contra a corrente, descobre-se um pensador que era, em alguns pontos, estranhamente próximo ao comunismo” – de fato, em meados da década de 1930, Heidegger poderia ser considerado “um futuro comunista”.

Se Heidegger optou, equivocadamente, por apoiar Hitler, seu erro não foi subestimar a violência que Hitler iria desencadear:

O problema de Hitler era que ele “não foi suficientemente violento”, sua violência não foi suficientemente “essencial”. Hitler realmente não agia; todas as suas ações eram, fundamentalmente, reações, pois ele agia de modo que nada fosse mudar realmente, encenando um gigantesco espetáculo de pseudorrevolução para que a ordem capitalista sobrevivesse. [...] O verdadeiro problema do nazismo não é ter ido “longe demais” na sua arrogância subjetivista-niilista de exercer o poder total, mas sim não ter ido longe o suficiente; sua violência foi uma encenação impotente que, em última análise, continuou a serviço da própria ordem que o nazismo desprezava.

O que havia de errado com o nazismo, ao que parece, é que – tal como a experiência posterior na revolução total do Khmer Vermelho – ele não conseguiu criar qualquer novo tipo de vida coletiva. Žižek diz pouco sobre a natureza da forma de vida que poderia ter surgido caso a Alemanha tivesse sido governada por um regime menos reativo e impotente do que ele julga ter sido o de Hitler. Mas ele deixa claro que não haveria espaço nessa nova vida para uma determinada forma da identidade humana:

O status fantasmático do antissemitismo é claramente revelado por uma declaração atribuída a Hitler: “Temos que matar o judeu dentro de nós.” [...]Essa afirmação de Hitler diz mais do que ela quer dizer: contra as suas intenções, ela confirma que os gentios precisam da figura antissemita do “judeu” para sua identidade. A questão, portanto, não é apenas que “o judeu está dentro de nós” – o que Hitler esqueceu de acrescentar é que ele, o antissemita, também está no judeu. O que esse entrelaçamento paradoxal significa para o destino do antissemitismo?

Žižek é explícito ao censurar “certos elementos da esquerda radical” pelo “seu desconforto quando se trata de condenar o antissemitismo inequivocamente”. Mas é difícil entender a afirmação de que a identidade dos antissemitas e a dos judeus se reforçam mutuamente, de alguma forma – ideia que se repete, palavra por palavra, em Less than Nothing –, exceto como uma sugestão de que o único mundo em que o antissemitismo pode deixar de existir é um mundo em que não existam mais judeus.

Interpretar Žižek nesta questão ou em qualquer outra tem suas dificuldades. Primeiro existe a sua prolixidade excessiva, a torrente de textos que ninguém poderia ler na sua totalidade, mesmo porque ela nunca para de jorrar. Depois, há o uso de um tipo de jargão acadêmico com alusões a outros pensadores, o que lhe per-mite usar a linguagem de uma forma ardilosa, hermética.Como ele próprio reconhece, Žižek toma emprestado o termo “violência divina” de “Para uma crítica da violência”, ensaio de Walter Benjamin (1921). É duvidoso que Benjamin, um pensador com afinidades importantes com o marxismo humanista da Escola de Frankfurt, tivesse qualificado como “divino” o Khmer Vermelho ou o frenesi destrutivo da Revolução Cultural maoista.

Mas isso não vem ao caso, pois, ao utilizar a construção de Benjamin, Žižek consegue louvar a violência e, ao mesmo tempo, alegar que está falando da violência em um sentido especial, recôndito – um sentido em que se pode descrever Gandhi como mais violento do que Hitler.[2]

E há, ainda, o constante recurso de Žižek a um jogo de palavras laborioso e circense:

A [...] virtualização do capitalismo é, em última análise, a mesma do elétron na física das partículas. A massa de cada partícula elementar é composta pela sua massa em repouso mais o excedente fornecido pela aceleração do seu movimento; no entanto, a massa de um elétron em repouso é zero, pois a sua massa consiste apenas no excedente gerado pela aceleração, como se estivéssemos lidando com um nada que adquire uma substância enganosa apenas por girar magicamente até tornar-se um excesso de si mesmo.



impossível ler o trecho acima sem lembrar o caso Sokal, em que Alan Sokal, um professor de física, apresentou um artigo-paródia – “Transgredindo as fronteiras: rumo a uma hermenêutica transformativa da gravidade quântica” – a uma revista de estudos culturais pós-modernos. Também é difícil ler isso, e muitas passagens semelhantes de Žižek, sem desconfiar que ele esteja envolvido – seja intencionalmente ou não – em uma espécie de autoparódia.

Pode existir quem se sinta tentado a condenar Žižek como um filósofo do irracionalismo, cujo louvor à violência é uma reminiscência da extrema-direita, mais do que da esquerda radical. Seus escritos com frequência são ofensivos e, por vezes (como ao escrever que Hitler está presente “no judeu”), obscenos. Há uma frivolidade zombeteira nos louvores de Žižek ao terror que faz lembrar Gabriele D’Annunzio, futurista italiano e ultranacionalista, e seu companheiro de viagem, o fascista (e depois maoista) Curzio Malaparte, mais do que qualquer pensador na tradição marxista. Mas há outra leitura de Žižek, que pode ser mais plausível, em que ele não é um epígono da direita, assim como não é discípulo de Marx ou Lênin.

Seja ou não a visão marxista do comunismo “uma fantasia do próprio capitalismo”, o fato é que a visão de Žižek – que, além de rejeitar concepções anteriores, carece de qualquer conteúdo definido – é bem adaptada a uma economia baseada na produção contínua de novas experiências e novos produtos, cada um supostamente diferente de qualquer outro que já tenha existido antes. Com a ordem capitalista vigente consciente de que está em apuros, mas incapaz de conceber alternativas viáveis, o radicalismo sem forma de Žižek se adapta muito bem a uma cultura paralisada pelo espetáculo da sua própria fragilidade. Não surpreende que haja esse isomorfismo entre o pensamento de Žižek e o capitalismo contemporâneo. Afinal, apenas uma economia do tipo que existe hoje poderia produzir um pensador como Žižek. O papel de intelectual público mundial que Žižek desempenha surgiu juntamente com um aparato de mídia e uma cultura da celebridade que são parte integrante do atual modelo de expansão capitalista.

Em uma façanha estupenda de superprodução intelectual, Žižek criou uma crítica fantasmática da ordem atual, uma crítica que afirma repudiar praticamente tudo o que existe atualmente, e em certo sentido realmente o faz; mas que, ao mesmo tempo, reproduz o dinamismo compulsivo, sem propósito, que ele vê nas atividades do capitalismo. Ao alcançar um conteúdo enganoso com a reiteração interminável de uma visão essencialmente vazia, a obra de Žižek – que ilustra muito bem os princípios da lógica paraconsistente – consiste, no final, em menos que nada. J


[1]Conceito psicanalítico, muito presente na obra do francês Jacques Lacan, que significa a leitura inconsciente da realidade, ou a fantasia (“fantasma”) que reveste a percepção da realidade.



[2]“É crucial enxergar a violência que é cometida repetidamente para manter as coisas como são. Nesse sentido, Gandhi foi mais violento do que Hitler.” Veja a entrevista de Shobhan Saxena com Žižek: First they called me a joker, now I am a dangerous thinker (“Primeiro me chamaram de piadista, agora sou um pensador perigoso”), em The Times of India,10 de janeiro de 2010.
sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Oscar Niemeyer:A mudança e a miséria



"Com a Internacional Socialista e gritos de "comunista", corpo do arquiteto Oscar Niemeyer é enterrado em cemitério no Rio."



A mudança e a miséria
Oscar Niemeyer

A miséria existe. E a burguesia brasileira, que é das mais atrasadas, está sentindo isso na pele pela primeira vez. A chance de mudança está aí, nesta situação-limite. E há o inesperado, com o qual devemos contar. Um dia, lá em Paris, Sartre me disse que gostava de ter dinheiro no bolso para dar esmola. O sujeito chegava, Sartre dava um dinheirinho e quase agradecia por isso. Mudei minha opinião sobre a esmola. Como dizia o padre Teillard Chardin, quando ser for melhor que ter, estará tudo resolvido no mundo.


Entrevista de Ricardo Antunes sobre o novo livro "Continente do Labor", publicada no Estadão.





* Por Mônica Manir - O Estado de S.Paulo

Ricardo Antunes pôde escolher a capa de seu último livro e não fugiu ao lavoro. Quis A Vendedora de Flores, do mexicano Diego Rivera, porque ali há uma mulher carregando um fardo e ele queria explorar, sem mais-valia, a feminização do trabalho. "Porque, quando se vai para o mundo latino-americano, é gênero, é etnia."


Estudioso do universo do trabalho há quase 40 anos, metade deles voltados à classe operária brasileira, metade aos que suam nos países capitalistas do Norte, ele agora trata do continente do labor, que é como chama a nuestra América no título do livro que lança no último dia de outubro. Nesta entrevista dada no feriado de quarta-feira, o sociólogo da Universidade de Campinas explica de onde vem essa nossa pendência para o extenuante. Também usa as greves dos Correios, recém-desmontada, e a dos bancários, ainda em vigor, para fazer um balanço do movimento sindical do País, que pena para entender a classe trabalhadora ampliada e diversificada. Por fim, como um recreio entre quase duas horas de conversa, sai-se com esta brisa, à moda latina: "Às vezes até no trabalho se brinca, como se buscam coágulos de felicidade".



Por que chamar a América Latina de  continente do labor?

Ricardo Antunes: A América Latina nasceu sob o signo de apêndice das metrópoles Espanha e Portugal, que converteram esse continente num prolongamento. No caso hispânico, um prolongamento de extração de ouro e prata. No brasileiro, além dos metais preciosos, houve a montagem de um processo de produção que Caio Prado Jr. bem chamou de colônias de exploração. Essa montagem se assentava na intensificação do trabalho, seja sob o modo escravista indígena, seja com base na mão de obra africana. Nosso continente, portanto, nasceu para o labor. O labor chama a atenção para a dimensão extenuante, de sofrimento. Se o trabalho é um pêndulo entre criação e servidão, o labor é o pêndulo no seu lado negativo. Vivemos para o enriquecimento externo.

Quando se deflagraram as primeiras greves no continente?

O assalariamento no continente latino-americano começou em meados do século 19. Em 1858, há uma greve de trabalhadores gráficos no Rio de Janeiro. Em 1890, uma manifestação na Argentina, que marcou o 1º de Maio naquele país. Na viragem do século, ocorreu, pela política de substituição de importações, um assalariamento intensificado. Aí as greves não mais pararam. Tivemos a de 1917 no Brasil e outras importantes na Bolívia, na Colômbia, no México, no Uruguai, na Argentina. Na década de 50, às vésperas da revolução cubana, a greve geral em Havana também foi importante.

E quanto à organização dos sindicatos? Há elementos comuns na América Latina?

O continente é muito heterogêneo nesse sentido. Houve no Brasil uma importante experiência anarcossindicalista, que tem relação nítida com a imigração italiana, espanhola e outras que povoaram nosso mundo assalariado, especialmente no início do século 20. O anarcossindicalismo também teve expressão no Uruguai e intensidade relativa no Chile e no Peru. Os anarcossindicalistas eram contra a organização político-partidária. Lutavam pela ação direta, o aqui e agora, a confrontação. Mas há países onde o anarcossindicalismo disputava com o chamado socialismo da Segunda Internacional, o socialismo reformista. É aquele socialismo que quer mudanças da sociedade capitalista para a socialista por meio de reformas do processo eleitoral. Na Argentina, por exemplo, o socialismo reformista disputou com o anarcossindicalismo a hegemonia nos sindicatos. O descontentamento com um e outro gerou o movimento comunista, que propunha um partido político para a organização dos trabalhadores. Queriam transformar o Estado burguês num Estado operário.

De qual corrente está mais próximo o sindicalismo brasileiro hoje?

Ele é hoje é uma confluência complexa de três ou quatro movimentos. Primeiro, o “novo sindicalismo”, assim entre aspas, que nasceu nos anos 70 e do qual Lula foi a maior liderança. O novo sindicalismo gerou uma linhagem que fundou a Central Única dos Trabalhadores, a CUT, em 1983, e, através da renovação de suas lideranças e de suas gerações, predomina hoje na Central, embora muito diferente de seu início. Uma segunda vertente importante é o sindicalismo pelego dos anos 30, 40, 50, que foi se revigorando. O pelego, aquele amaciador que vai entre o lombo do cavalo e o cavaleiro que está trotando, aquele líder sindical que amortece os conflitos entre o capital e o trabalho, esse você não elimina. Os pelegos se diziam colaboradores de classe. Qualquer que fosse o governo, eles apoiariam. A Força Sindical herda uma parte desse velho sindicalismo. Não por acaso ela apoiou o Collor, apoiou o Itamar, apoiou o Fernando Henrique, apoiou o Lula, apoia a Dilma e é capaz de sentar no palanque com Serra e Alckmin. Claro que a Força Sindical não é só peleguismo. Ela tem ex-comunistas e ex-militantes do novo sindicalismo que hoje acham que a sociedade capitalista é boa, só precisa ser um pouquinho mais justa. Se for olhar dentro da CUT, há tendências que se aproximavam do anarcossindicalismo, mas no passado. Hoje essas correntes estão em núcleos de estudo, em poucos militantes mais antigos ou num movimento com traços de anarquia presente mais na juventude e menos no movimento operário.

As diferenças entre a Força Sindical e a CUT têm diminuído?

Em muitos pontos, sim. Na década de 90, elas não passavam do mesmo lado da rua. Hoje, quem não é ministro quer uma secretaria no governo. Ambos estiveram na gestão Lula e agora estão na da Dilma. Isso mostra a capacidade que o Lula teve de cooptar no aparato de Estado uma parte importante da cúpula do sindicalismo brasileiro. Trouxe a Força Sindical, porque não é difícil trazer a Força Sindical para governo nenhum. E trouxe a CUT, porque a CUT tem relações ontogenéticas com o PT, são em certo sentido aparentados. Num governo petista, ainda que com tudo que está lá dentro, é evidente que a CUT se sente mais em casa do que se sentia no do PSDB.

Elas pensam de forma parecida sobre o imposto sindical?

A Força Sindical defende o imposto porque, tendo dinheiro, para ela tudo fica mais fácil. A CUT é contra o imposto sindical, mas não o devolve. Aliás, uma das piores coisas do governo Lula, das mais nefastas, foi ter ampliado o imposto sindical para as centrais, coisa que nem o Getúlio ousou fazer. As centrais sindicais hoje têm uma fatia de dinheiro enorme, que vai para elas direto. A nenhum associado é perguntado se quer descontar esse imposto ou não. A única entidade sindical que não o aceita e, nesse ponto, é absolutamente coerente é a Conlutas. Ela diz que vai viver do pagamento autônomo dos associados. Porque, quando se vive de um recurso que o Estado arrecada e repassa, desvirtuou-se a autonomia.

No seu livro, o senhor afirma que o governo Lula contou com o suporte de forte parcela da burocracia sindical. Dilma, ao indicar o corte de pontos dos trabalhadores dos Correios, gerou antipatia nos sindicalistas?

O Lula é um dos casos mais bem-sucedidos da política brasileira do self-made man, daquele indivíduo que vai subindo as escadas e chega ao alto. Cada degrau da sua ascensão foi um valor que ele deixou para trás. Já cansou de falar que trabalhador tem de ser descontado, esquecendo seu passado. Nos anos 78, 79 e 80 ele celebrizava as greves por buscar melhores direitos e lutar para que não houvesse o desconto dos dias parados. Ao mesmo tempo, Lula é um conciliador, uma variante de semibonaparte. Não no sentido ditatorial, o que ele nunca foi. É um semibonaparte porque é o pai de todos, concilia os inconciliáveis. A Dilma é mais dura e o corte de ponto pode ser uma questão de conflito, sim. Já houve greve metalúrgica de 41 dias. Se um trabalhador fica 41 dias sem receber num ano, imagine como fica seu orçamento anual, que já é caótico na normalidade. Tem muita gente dizendo que fazer greve é tirar férias. O Guimarães Rosa diz que pão e pães é questão de opiniães. Cada um dá a sua, mas, ao fazer greve, as pessoas têm medo da repressão, não sabem se serão demitidas, às vezes a família é contra. Não raro fazer greve é muito pior que trabalhar, pensando no infortúnio que o trabalhador sente porque pode perder não o aumento, mas o emprego.

Durante a greve dos Correios, os sindicatos teriam reclamado que as franquias e as empresas mistas de logística criariam portas para a privatização do serviço. A presidente diz que isso não procede. Procede?

Não tenho dúvida de que procede. Ela não disse na campanha eleitoral que não ia privatizar mais nada? O que está acontecendo com os aeroportos? É evidente que os Correios estão intentando ações para se tornar uma transnacional latino-americana. A empresa arrocha seus trabalhadores. Onde havia três, agora há um. Tem muita gente interessada em que essa privatização se dê. Quando os Correios garantem um custo mínimo para entregar uma carta simples no interior da floresta amazônica, essa correspondência é antieconômica para a empresa, mas profundamente humana, justa e social. Numa empresa privada, vão dizer ao cidadão que vá buscar a sua carta na cidade mais próxima, que dista 150 km, e de barco. Uma empresa privada tentará tornar a carta rentável. Nenhuma que se privatizou prestou melhor serviço para a população e mais barato. Quando o serviço é melhor, ele é muito mais caro – e frequentemente é mais caro e não é melhor. E não é só no Brasil que isso acontece.

Deveria haver regulamentação das paralisações dos servidores públicos?

Esse é um capítulo delicadíssimo. Tivemos na constituição de 88 o direito pleno de greve. Numa legislação suplementar, seriam estudados casos excepcionais. Às vezes ouço: a greve está penalizando a população. Mas não conheço nenhum caso bem-sucedido em que uma empresa diz que vai dar mais do que pedem os empregados. O continente do labor é isto: lutar para conseguir o mínimo, especialmente nas categorias que não dispõem de capital cultural para que possam negociar o preço de sua força de trabalho com mais intensidade. Se for regulamentar, tem de saber primeiro o que é vital. Em hospitais, não se pode deixar as pessoas morrerem. Agora, se tudo é prioritário, por que o salário não o é? Só para lembrar: o que os bancos estão propondo de aumento acima da inflação para os bancários não chega a 1%, e nesta quase uma hora em que estamos falando é incalculável o lucro que os bancos tiveram num dia que é feriado, só pela especulação.

O senhor comenta a drástica redução do contingente de trabalhadores bancários na América Latina. A que se deveu isso?

Chegamos perto de 1 milhão de bancários em 1980. Hoje são cerca de 490 mil, mas certamente há um outro tanto, perto disso, que está terceirizado. Quando você liga à noite para o banco e quer fazer uma operação, não está falando com um funcionário, e sim com uma empresa terceirizada. Isso tem riscos de todo tipo, até mesmo de sigilo bancário. Vivemos uma nova morfologia do trabalho, na qual há um trabalho invisibilizado ao qual precisamos dar uma dimensão corpórea, humana e subjetiva. É o call center, o motoboy, os trabalhadores dos grandes supermercados. Só no call center do Brasil há mais de 1 milhão. É uma das mais significativas categorias que aglutinam trabalhadores, quantitativamente falando. O filósofo Jürgen Habermas disse, em 1980, que o problema da classe trabalhadora europeia é que ela tinha se integrado ao capitalismo tardio e se pacificado. Imagino o que está pensando da “pacificação” da Grécia hoje, de Portugal, da Espanha, da Itália, dos EUA, da China. Aliás, o país onde há mais greves no mundo é a China.

E eles conseguem o que pedem?

Como saber? Mas, até um ano atrás, a China não tinha legislação social do trabalho. O discreto charme do trabalhador e da trabalhadora chinesa é a intensa exploração do seu trabalho. Pois há uma empresa que obriga os candidatos a emprego a assinar um documento em que está escrito que não vão se suicidar. Se se suicidarem, o pecúlio que ficaria para a família será perdido. É tentar impedir o nível de suicídio no país, que começa a ser alto, como é alto na França e na Coreia. Para entender o abominável mundo do trabalho hoje, só na France Telecom, nos últimos três anos, houve aproximadamente 45 suicídios. Isso abalou o governo Sarkozy, você está entendendo?

É suicídio de recém-demitidos ou  de empregados?

É de empregados. A Telecom entrou num processo de privatização. Aí passou a exigir metas e competências, mais metas e mais competências, quem não as atingia era demitido. A pessoa entrava na Justiça e conseguia voltar. Então a empresa pegava esse trabalhador e dizia: “Veja como um trabalhador não pode ser”. Botava ele num boxe e isolava como um mau exemplo a evitar. No terceiro dia, o indivíduo não aguentava mais a discriminação. Deixava um bilhete.

Isso se assemelha às mortes por excesso de trabalho que acontecem no Japão?

A morte por excesso de trabalho é o karoshi. O trabalhador está vendo que sua empresa está falindo. Diz que vai trabalhar mais porque se sente culpado por isso. Pode ser o trabalhador de base ou o gestor. Ele fica 4, 10, 12 dias sem sair da empresa e sem parar de trabalhar. Então morre. É interessante saber que nesse país em que mais se trabalha no mundo existem hoje cybercafés em que, a partir de certa hora da noite, o preço da internet é quase zero. O jovem trabalhador japonês, imigrante ou migrante, que não tem casa para morar nem dinheiro para alugar aqueles cubículos, vai para esse cybercafé e faz o chamado três em um. Primeiro, descansa. Depois interage com sua rede social. Então aproveita para buscar trabalho contingente, em que porto vai descarregar, em que fábrica. É melhor fazer isso que ficar pela rua. Isso é em Tóquio. Em Tóquio. É por isso que a classe trabalhadora está nervosa em escala mundial.

Várias empresas estão investindo no bem-estar do funcionário para aumentar a produtividade. Massagem, aulas de esporte e até acupuntura estão sendo usadas. O senhor vê isso como uma conquista?

O corpo produtivo está adoecendo e o subjetivo também. E o mundo das empresas precisa desse corpo para intensificar a meta e a produção. Se eu não trato esse corpo doente do trabalho com aspirina, a dor é alta. Então dá aspirina para o povo, ainda que a doença seja mais profunda.

Isso é aspirina?

E tenho dúvida se do melhor laboratório.

Como os sindicatos podem atuar quanto aos desempregados?

Difícil. Tenho acompanhado Itália, Espanha, Inglaterra, EUA, Japão. O sindicato nasceu como um órgão da fábrica. Não está fácil na fábrica saber quem é o terceirizado, quem não é. Também parece complicado medir o desemprego. Quem trabalha uma hora por dia está empregado ou desempregado? E aquele que não procura emprego porque não tem dinheiro? Ele também não é considerado desempregado. Em 2001, de cada dois argentinos, um estava fora do mercado. Então nasceu a Central dos Trabalhadores Argentinos (CTA), que tem uma política voltada para a organização dos trabalhadores desocupados. Isso é uma experiência importante, mas é como se o sindicato tivesse de lidar com uma experiência que desconhece. E desconhece tantas… Por que, por exemplo, o presidente do sindicato dos trabalhadores em telemarketing é um homem, sendo que 60 a 70% da categoria é composto por mulheres?

Essa discriminação acontece na maioria dos sindicatos, não?

Tenho uma série de livros de pesquisa que se chama Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil. No volume 1 há um depoimento muito bonito de uma metalúrgica de Campinas. Ela disse: “Eu e meu marido trabalhamos na mesma empresa. Quando tem uma assembleia de noite, meu marido fala o seguinte: ‘Você vai pra casa e prepara a janta que eu vou passar no sindicato. Lá pelas 10 horas eu chego. Mas fica tranquila, a gente janta junto’”. Aí ela pergunta: “Por que eu tenho de ir pra casa, e não ele?” Porque ainda existe uma divisão sócio-sexual tradicional do trabalho. Nas decisões sindicais, para não falar das partidárias, há predominância masculina. E trato dos sindicatos mais combativos, que sabem que homens e mulheres trabalham, jovens e não jovens também, brancos, negros e índios idem. Se os sindicatos não entendem essa nova morfologia do trabalho, como vão representar a classe trabalhadora ampliada e diversificada?

Quem critica o novo aviso prévio, de até 90 dias, diz que aumentará o ônus dos empregadores e intensificará a informalidade. O senhor concorda com esse raciocínio?

Os que dizem isso são os mesmos que foram contra o prolongamento da licença-maternidade, que são a favor de acabar com o descanso semanal remunerado, sempre com o pretexto de que as empresas têm prejuízo com essas medidas. É falacioso isso. O aviso prévio está na constituição de 88. Deveria estar regulamentado pelo Congresso há mais de 20 anos. O Congresso é o fórum do parasitismo, a paralisia, a corrupção, a travagem, a deslegislação para a negociação. Quando o Judiciário começa a se mexer, o Congresso corre. A medida tomada é muito razoável. O aviso prévio de quem está há 20 anos numa empresa tem que ser maior do que aquele que está há um ano porque o primeiro perdeu o pé do mercado de trabalho. Vai ter de entrar na lei da selva com seus 35, 40 anos. Alguém dizer que isso vai diminuir o lucro da empresa… É evidente que vai diminuir, mas pouco. O Brasil tem uma das mais altas taxas de lucro do mundo. A comida do pintinho é a quirera. Vai ser na quirera.

E quanto ao aumento da informalidade?

Fui convidado pelo TST para aquele seminário da regulamentação da terceirização que citei. Ali ouvi um industrial dizer que, se você limitar a terceirização, você precariza.

Precariza o quê?

Precariza o trabalho. Por consequência, se deixar a terceirização livre, para fazer o que quiser, é bom para os trabalhadores. Não há nenhuma pesquisa científica, feita com independência, que defenda essa tese, entendeu? Todos os estudos sérios mostram que o maior número de acidentes de trabalho ocorre entre os terceirizados, assim como o maior número de mortes no trabalho e os adoecimentos. Quem disse isso deve estar nadando em diamantes em cima do trabalho dos terceirizados. Pessoas razoavelmente lúcidas dos países avançados, nem falo de gente de esquerda, mas dos mais brandos, entendem que não se combate a estagnação cortando salário nem direitos porque haverá menos produção, menos consumo, menos emprego. Mas os governos intervêm nos bancos com bilhões e os bancos pegam esses bilhões para remunerar os gestores que faliram os bancos. Aí a população diz: “Não dá mais”. E ocupa Wall Street.

O senhor apostaria em um Ocupar a Avenida Paulista?

Já imaginou? Depois você pode imaginar a Revolta dos Imigrantes do Brás e do Bom Retiro, ou o Levante da Periferia do M’ Boi Mirim, de gente que não quer mais morar em casas à beira da explosão porque foram construídas em cima de lixões. Falando sério, aqui o quadro é diferente porque houve, por parte da população brasileira, a perspectiva de que, em 2002, o governo iria mudar. O Bolsa Família é algo muito mais do que o R$ 1 que o rico deixa na porta da missa depois que sai de alma lavada. Se o Bolsa Escola do FHC atingia 2 milhões de pessoas, o Bolsa Família chega a 12, 13 milhões. E a população percebe a diferença. Agora os movimentos sociais sabem que uma coisa é lutar contra o Collor, outra é enfrentar o Fernando Henrique, outra é lutar contra um governo como foi o de Lula e parece ser o de Dilma, que tem ascensão sobre todos os movimentos sociais. Os anos 80 foram uma das décadas mais importantes de lutas sociais no Brasil. Tivemos uma das mais altas taxas de greve do mundo, com quatro delas gerais. Se olharmos a década de 2000 frente a essa, veremos que nossos movimentos entraram na longa desertificação da era neoliberal. Não está sendo fácil passar por essas mudanças todas.


___________
Ricardo Antunes é  Sociólogo e professor titular do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade de Campinas (Unicamp). Autor dos livros Os sentidos do trabalho, Riqueza e Miséria do Trabalho no Brasil, entre outros.

Entrevista publicada originalmente no sítio do Estadão: http://www.estadao.com.br/noticias/impresso,labor-sem-rosto,786078,0.htm

Mészáros: a emancipação feminina e as lutas de classes, de Demétrio Cherobini



"Só quem já morreu na fogueira sabe o que é ser carvão."
(Rita Lee e Zélia Duncan)


* Por Demétrio Cherobini
  

Com a proximidade do Dia Internacional da Mulher ganha força a exigência de se refletir acerca de um tema que interessa a todos nós da classe trabalhadora: através de que parâmetros se pode orientar uma luta coerente e radical pela realização de uma comunidade humana na qual estejam definitivamente abolidas as práticas sociais - que de múltiplas maneiras se expressam - de subordinação hierárquica e discriminatória das mulheres em relação aos homens? Em outras palavras: que tipo de igualdade se deve buscar? A condição para a resolução dessas questões é a máxima clareza possível a respeito do conjunto de relações que organizam o sociometabolismo humano no contexto onde atualmente se dão as batalhas pela emancipação feminina.


É necessário, então, que nos perguntemos: o que é que define, em todos os períodos de sua supremacia histórica, o ser da relação-capital? Em Para além do capital: rumo a uma teoria da transição, o filósofo húngaro István Mészáros apresenta-nos uma resposta clara, sintética e precisa:

"As características essenciais que definem todas as possíveis formas do sistema do capital são: a mais elevada extração praticável do trabalho excedente por um poder de controle separado, em um processo de trabalho conduzido com base na subordinação estrutural hierárquica do trabalho aos imperativos materiais da produção orientada para a acumulação - 'valor sustentando-se a si mesmo' (Marx) – e para a contínua reprodução ampliada da riqueza acumulada. As formas particulares de personificação do capital podem variar consideravelmente, contanto que as formas assumidas se moldem às exigências que emanam das características definidoras essenciais do sistema." (2002, 781)

Eis aí, portanto, a essência da estrutura de relacionamento social hoje hegemônica sobre a superfície do globo e que nos domina a todos: uma forma fetichista e hierárquica de controle sobre a atividade produtiva humana, que se estabelece a fim de lhe extrair, num movimento sempre acumulativo e expansivo, a maior quantidade possível de trabalho excedente.[1] Paradoxalmente, tal sistema é o fruto da própria ação coletiva dos seres humanos, que, em certa época histórica, se autonomizou, voltou-se contra eles e passou a subjugá-los, compondo uma realidade profundamente antagônica na qual a criatura é a senhora dos seus criadores. Por tais razões, Marx definiu o capital como sendo a contradição em processo.

Mészáros se esforça, em seu magistral estudo, em desvelar o modo como esse sistema se organizou a partir de uma articulação dinâmica entre suas inúmeras partes constituintes – o capital é, no dizer do filósofo, um sistema de mediações -, cada uma delas inerentemente contraditória, que vai desde a família nuclear, os meios alienados de produção e o dinheiro, passando pelos objetivos fetichistas de produção e o trabalho "estruturalmente separado da possibilidade de controle", até as várias formas de Estado do capital e o "incontrolável mercado mundial", em cuja estrutura os participantes da atual ordem sociometabólica devem se integrar e se adaptar.[2]

O capital, diz o filósofo húngaro, não inventou todas as mediações materiais contraditórias que lhe conformam o ser. Algumas delas existem há milênios, como, por exemplo, a divisão hierárquico-estrutural do trabalho, que antecede historicamente em muito as formas embrionárias do capital. Entretanto, no momento em que este sistema se tornou hegemônico sobre a atividade produtiva humana, assimilou tal divisão, que veio a se constituir mesmo em um dos seus componentes fundamentais.

Nesse processo, esta mediação particular – a divisão hierárquica do trabalho - adquiriu novas determinações e, coadunada com todas as demais mediações do sistema, passou a compor a especificidade do complexo do capital como processo acumulativo e expansivo de exploração de trabalho excedente. "O mesmo acontece, diz Mészáros, com todas as formas de dominação historicamente precedentes: elas se subordinam ou são incorporadas às mediações de segunda ordem específicas do sistema do capital, da família às estruturas de controle do processo de trabalho, e das variadas instituições de troca discriminadora até o quadro político de dominação de tipos muito diferentes de sociedades." (2002, 206-7)

O mesmo acontece, pois, com a subordinação hierárquica e discriminatória das mulheres em relação aos homens. O capital, historicamente, não foi o responsável por produzir esse tipo peculiar de relacionamento contraditório. Contudo, uma vez que o sistema se tornou dominante sobre o metabolismo social humano, passou a englobar tal conflito e a se servir dele para realizar seus propósitos de exploração material. Daí a impossibilidade de, no interior do sistema do capital, as mulheres conseguirem mais do que uma igualdade meramente formal em relação aos homens e de atingirem, enfim, uma emancipação verdadeiramente digna deste nome.

Mészáros afirma que, dentro dos limites da ordem atual, é até possível encontrar algumas "ilhas" de relacionamentos igualitários, verdadeiramente horizontais, entre homens e mulheres, no meio do "oceano" de submissão e discriminação do sistema, mas tais casos não passam aí de eventos isolados. Nas palavras do filósofo:

"Pares isolados podem ser capazes de ordenar (o que certamente fazem) seus relacionamentos pessoais em verdadeira igualdade. Na sociedade contemporânea existem até mesmo enclaves utópicos de grupos de pessoas que interagem comunitariamente e podem se afirmar engajados em relações interpessoais não-hierárquicas humanamente satisfatórias e em formas de criar os filhos muito diferentes da família nuclear e suas fragmentações. Não obstante, nenhum desses dois tipos de relação pessoal pode se tornar historicamente dominante no quadro do controle sociometabólico capitalista. Sob as circunstâncias prevalecentes, o übergreifendes Moment [isto é, o momento predominante – neste contexto, o macrocosmo do capital] determina que os microcosmos da reprodução devem ser capazes de se aglomerar num conjunto abrangente que não pode, de forma alguma, funcionar numa base de verdadeira igualdade. O menor de todos os 'microcosmos' da reprodução deve sempre proporcionar sua participação no exercício global das funções sócio-metabólicas, que não incluem apenas a reprodução biológica da espécie e a transmissão ordenada da propriedade de uma geração à outra. Nesse aspecto, não é menos importante seu papel essencial na reprodução do sistema de valores da ordem estabelecida da reprodução social, totalmente oposto – como não poderia deixar de ser – ao princípio da verdadeira igualdade." (ibid., 269-70)

Ou seja, os "microcosmos da reprodução" - isto é, as famílias nucleares – estabelecem uma relação dialética com o "macrocosmo" do capital. Mas, em virtude desta instância ser o "momento predominante" da relação, as transformações históricas que porventura ocorram na estrutura das famílias devem se ajustar aos parâmetros mais amplos do complexo social do qual fazem parte - justamente, o sistema hierárquico de exploração de trabalho excedente. Ainda que essa determinação não seja absoluta – o que se comprova pelo fato de haver casos alternativos isolados de real horizontalidade –, o sistema vai sempre forçar suas microestruturas a reproduzir, a partir do seu interior, o sistema de valores necessário para a perpetuação da ordem maior. A subordinação das mulheres, portanto, apesar de não ter sido criada pelo capital, é reforçada por ele diuturnamente com o auxílio dos "microcosmos" que o sistema exige para prolongar no tempo e no espaço a sua vigência.

Mészáros explica que o capital perpetuou a subordinação das mulheres e se serviu dela historicamente de várias maneiras. Na família, como foi dito, reproduzindo os valores discriminatórios, antagônicos à horizontalidade das relações sociais e necessários para a manutenção da macroestrutura hierárquica de exploração da atividade produtiva. No "mundo do trabalho", por sua vez, atribuindo às mulheres, na mais larga escala, uma remuneração inferior à dos homens. Nesse contexto, diz o filósofo, apesar de se verificar a existência de algumas conquistas históricas – possibilitadas, entre outras coisas, pela expansão do capital em sua fase ascendente –, elas tendem a ser negadas na prática nos momentos em que o sistema porventura enfrentar dificuldades maiores para a realização da acumulação de capital – como na atual época de crise estrutural, por exemplo.

Mészáros assinala ainda que nem no campo da política a igualdade, a participação eqüitativa das mulheres em comparação com os homens, se materializou de forma efetiva. Isso se deve precipuamente ao fato de que, no sistema do capital, o Estado não tem, entre suas atribuições, a tarefa de promover a igualdade real entre os participantes de tal ordem sociometabólica. Por ser uma mediação constituinte indispensável da base material do referido complexo – fato que implica em férreas determinações -, sua função principal acaba sendo a de viabilizar – ora por meios diretos, ora por meios indiretos - a reprodução dessa mesma estrutura de controle hierárquica e discriminatória da qual ele é um dos elementos essenciais. O capital, diz o filósofo húngaro, nos momentos favoráveis para sua expansão, é até capaz de acolher, através do Estado, algumas das demandas sociais particulares de cada conjuntura histórica, desde que estas não modifiquem a estrutura mais íntima do "macrocosmo" do capital – ele não pode, portanto, proporcionar nada mais do que igualdade formal entre as pessoas.[3]

Ora, uma vez que as diversas contradições no plano do relacionamento social humano, criadas historicamente, se integram e se articulam organicamente dentro do grande sistema contraditório de produção e reprodução do capital, o objeto a ser negado – as "cadeias radicais" -, para todos aqueles que aí se encontram nas mais variadas posições de subordinação estrutural hierárquica, torna-se rigorosamente o mesmo: o próprio macro-sistema de exploração de trabalho excedente, com todas as suas correspondentes micro-estruturas de reprodução de valores e práticas sociais discriminatórias. Em outras palavras: além das demandas particulares inerentes à posição de cada grupo, há também uma contradição fundamental, que a todos afeta, e que deve, por isso, se converter em foco canalizador de suas plurais energias combativas.

Concomitantemente, a nova realidade a ser afirmada torna-se um objetivo comum para as múltiplas forças emancipadoras em questão: a realização de uma comunidade humana na qual estejam definitivamente superados os modos de relacionamento social organizados a partir de antagonismos estruturais hierárquicos e discriminatórios - ou seja, a configuração da sociedade dos produtores associados de forma livre, autônoma, cooperativa, sustentável, horizontal e consciente.

Aqui, no entanto, é cabível a seguinte pergunta: diante das tantas derrotas históricas dos movimentos que visavam à superação da ordem do capital, o que nos leva a pensar que a sua derrocada seja possível em nossos dias? Responde Mészáros: justamente, a nova época de crise estrutural do sistema do capital, na qual nos situamos, onde esta macro-estrutura se desenvolveu a tal ponto que acabou por produzir contradições potencialmente explosivas, para si e para todos os que se encontram no seu interior, e que comprometem por isso a sua viabilidade como controladora do sociometabolismo humano.

O filósofo explica que, durante a sua fase histórica de ascendência, o capital usou as mediações contraditórias como "motor" do seu processo de acumulação e expansão continuada. Com o término de tal fase de ascendência, contudo, alguns desses antagonismos começaram a se manifestar como poderosos entraves para o desenvolvimento do complexo global como um todo. Exatamente neste momento – em torno do fim da década de 1960 -, teve início a chamada crise estrutural do sistema do capital, uma situação em que a única maneira encontrada pela ordem vigente para lidar com as suas contradições mais problemáticas – os seus "limites absolutos" - foi fomentar uma forma de produção que tem na destrutividade (produção destrutiva) a sua dinâmica propulsora.

A produção destrutiva do capital se expressa de múltiplas formas: na precarização do trabalho, na degradação ambiental, na obsolescência planejada, no "complexo militar-industrial" - setor fundamental da economia mundial atual, onde as mercadorias (artefatos bélicos, etc.) se destroem imediatamente no ato mesmo do seu consumo -, entre outras. É esta condição, na qual o capital, para sanar algumas das suas contradições, começa a fazer uso de remédios amargos até para si mesmo – e é isto o que configura, segundo Mészáros, uma era de transição -, que abre, justamente, a possibilidade objetiva para a sua transcendência positiva.[4]

O capital pode, portanto, ser vencido. Para tanto, precisa ser energicamente negado em conjunto, em todos os âmbitos onde faz prevalecer o seu domínio, por todos os grupos sociais que, no interior desse complexo, se encontram numa posição de antagonismo estrutural em relação às personificações do capital. Mas não somente a negação é essencial para uma práxis revolucionária radical e conseqüente. Também a afirmação, nesse processo, adquire profunda importância. É aqui que ganha destaque a proposta mészáriana da igualdade substantiva para a superação da ordem social que, em nossos dias, se sustenta sobre uma miríade de estruturas hierárquicas e discriminatórias.

A igualdade substantiva, assinala o filósofo húngaro, é diferente da igualdade formal assegurada pelo capital. Também não equivale ao "nivelamento por baixo", que muitos acusam o socialismo de querer preconizar. Ela deve ser definida qualitativamente, e não de forma meramente quantitativa. Para melhor explicitar os fundamentos de sua tese, Mészáros recorre a Marx e a algumas das influências políticas do célebre pensador alemão, especialmente François Babeuf e Felippe Buanorroti.

Lemos, então, em O poder da ideologia, que

"A igualdade deve ser medida pala capacidade do trabalhador e pela carência do consumidor, não pela intensidade do trabalho nem pela quantidade de coisas consumidas [grifo nosso]. Um homem dotado de certo grau de força, quando levanta um peso de dez libras, trabalha tanto quanto outro homem com cinco vezes a sua força que levanta cinqüenta libras. Aquele que, para saciar uma sede abrasadora, bebe um caneco de água, não desfruta mais do que seu camarada que, menos sedento, bebe apenas um copo. O objetivo do comunismo em questão é igualdade de trabalhos e prazeres, não de coisas consumíveis e tarefas dos trabalhadores." (BABEUF, apud Mészáros, 2004b, 42)

Tais são os princípios – endossados, segundo Mészáros, por Marx - que definem a igualdade substantiva e que precisam ser afirmados contra a forma de sociabilidade estabelecida atualmente pelo capital. É este, pois, o tipo de igualdade que necessitamos buscar. Não a mera equivalência de coisas consumidas, nem de tarefas ou horas de trabalho realizadas, mas a igualdade avaliada pelas capacidades e carências não alienadas dos indivíduos sociais. É nisto que se deve basear o projeto alternativo socialista para, na luta de classes, superar o modo de controle sociometabólico do capital e instaurar uma nova maneira, qualitativamente diferente, de intercâmbio e de relação entre os homens e as mulheres e entre a humanidade e a natureza.[5] Leiamos, mais uma vez, o que afirma o filósofo húngaro nesse sentido:

"A natureza da nova forma [isto é, da comunidade humana emancipada] pode ser resumida, citando as palavras de Marx, como um sistema baseado em 'um plano geral de indivíduos livremente combinados'. Isso quer dizer, em termos mais simples, a substituição das cadeias de trabalho impostas pelo capital pelos elos cooperativos dos indivíduos e os vários grupos a que eles pertencem. Por meio dessa mudança qualitativa, eles terão condições de estabelecer uma forma superior e potencialmente muito mais produtiva de coordenação geral do que a que é viável com base no controle externo autoritário da mão-de-obra no sistema de trabalhos forçados do capital." (ibid., 43-4)

Somente o controle social instituído e realizado dessa maneira pode garantir a sustentabilidade das relações metabólicas estabelecidas entre homens, mulheres e a natureza. A sustentabilidade é entendida por Mészáros, nesse contexto, justamente, como o "controle consciente do processo de reprodução sociometabólica pelos produtores livremente associados." (ibid., 44) Ficam definidos, desse modo, os princípios orientadores da práxis capaz de proporcionar tanto a emancipação dos proletários,[6] quanto a emancipação das mulheres – estas lutas, em verdade, não podem mais ser vistas como isoladas uma da outra.

Para fazermos uso novamente das palavras do filósofo húngaro:

"sem mudanças fundamentais no modo de reprodução social, não se poderão dar sequer os primeiros passos em direção à verdadeira emancipação das mulheres, muito além da retórica da ideologia dominante e de gestos de legislação que permanecem sem a sustentação de processos e remédios materiais adequados. Sem o estabelecimento e a consolidação de um modo de reprodução sociometabólica baseado na verdadeira igualdade, até os esforços legais mais sinceros voltados para a 'emancipação das mulheres' ficam desprovidos das mais elementares garantias materiais; portanto, na melhor das hipóteses, não passam de simples declaração de fé. Jamais se enfatizará o bastante que somente uma forma comunitária de produção e troca social pode arrancar as mulheres de sua posição subordinada e proporcionar a base material da verdadeira igualdade." (2002, 303)

Fica descartada, assim, a retórica mistificadora própria à ideologia dos defensores da ordem estabelecida, que defende que a mera "igualdade de oportunidades" dá conta de suprir as exigências concernentes aos problemas da emancipação humana.

O poeta brasileiro Ferreira Gullar, nos tempos em que ainda usava da pena como arma crítica em favor dos oprimidos do mundo, escreveu, sobre os povos da América Latina, algumas de suas palavras mais lúcidas: "Somos todos irmãos/ Não porque dividamos/ O mesmo teto e a mesma mesa:/ Divisamos a mesma espada/ Sobre nossa cabeça." Sutilmente transformado, este poema nos serve para expressarmos sinteticamente o anseio inerente ao presente artigo. E, nesse sentido, se levarmos em conta o fato de que a mesma espada não está assentada apenas sobre a cabeça dos latino-americanos e sim sobre todos aqueles que, pelos mais distantes rincões do planeta, se encontram enredados nas múltiplas estruturas hierárquicas que realizam os imperativos do sistema do capital, teremos uma boa imagem do tamanho do nosso fardo e também da magnitude do nosso desafio.

Se se aperceberem disto, os proletários e feministas conseqüentes de nossa época histórica poderão bem andar de mãos dadas em suas lutas políticas daqui por diante.

Notas:

[1] Com base numa leitura particular dos escritos de Marx e sob a influência dos economistas marxistas norte-americanos Paul Baran e Paul Sweezy – mas com algumas sutis modificações -, Mészáros irá estabelecer a exploração de trabalho excedente – e não meramente a da mais-valia – como elemento definidor do ser do capital. Para maiores esclarecimentos a esse respeito, ver, além do já referido Para além do capital, Baran (1984) e Baran e Sweezy (1966).

[2] Estas são as assim chamadas mediações de segunda ordem do sistema do capital. São, enquanto criações históricas, qualitativamente diferentes das mediações de primeira ordem da atividade produtiva. Tanto em Para além do capital quanto em Estrutura social e formas de consciência (2009), Mészáros apresenta-nos uma lista detalhada dos componentes de ambos os conjuntos.

[3] Por esses mesmos motivos, esclarece Mészáros, nem nos países pós-capitalistas do século XX se logrou superar a verticalidade das relações entre homens e mulheres. A citação da escritora feminista norte-americana Margaret Randall, que a seguir transcrevemos, é bastante ilustrativa de sua concepção a respeito do tema: "Na verdade, nem as sociedades capitalistas que tão falsamente prometem a igualdade nem as sociedades socialistas que prometeram a igualdade e até mais, adotaram a bandeira do feminismo. Sabemos como o capitalismo coopta qualquer conceito libertador, transformando-o em slogan utilizado para nos vender o que não carecemos, onde as ilusões de liberdade substituem a liberdade. Agora me pergunto se a incapacidade do socialismo de abrir espaço para a agenda feminista – para realmente adotar esta agenda à medida que emerge naturalmente em cada história e cada cultura – seria uma das razões pelas quais o socialismo não poderia sobreviver como sistema" (RANDALL, apud Mészáros, ibid., 290). Nesse contexto, deve ser dito também que, para o filósofo húngaro, o fato de as garantias dadas pelo Estado não serem suficientes para assegurar a verdadeira emancipação, não significa que as lutas no interior dessa instância específica não sejam importantes. Elas o são, sim, e devem ser realizadas enérgica e criticamente. O fundamental, contudo, é que esses combates estejam articulados com a formação das mediações extraparlamentares capazes de se assenhorear do controle sobre o metabolismo social humano de maneira consciente e sustentável. É isto que, justamente, configura a proposta da ofensiva socialista estabelecida por István Mészáros ao longo de sua fecunda teorização política. Infelizmente, em virtude das limitações deste texto, não há espaço para uma maior explanação acerca de tais temas. Para maiores informações sobre as complexas formulações do filósofo húngaro a respeito da relação entre o capital e o Estado, da função e da vigência continuada desse sistema nas sociedades do chamado "socialismo realmente existente" (com destaque para as explicações sobre as diferenças entre a extração econômica e a extração política do trabalho excedente) e da impossibilidade de se realizar a emancipação das mulheres no interior desse complexo sociometabólico, remetemos os leitores interessados especialmente aos capítulos 2, 5, 17, 18 e 22 de Para além do capital. De nossa parte, recentemente procuramos dar uma singela contribuição para o entendimento da concepção de Estado em Mészáros através de um breve artigo (2011), que listamos nas referências.

[4] É necessário explicar, nesse contexto, que, de acordo com a teoria de Mészáros, o próprio antagonismo existente na relação entre homens e mulheres configura hoje um dos limites absolutos do capital – os outros três são a contradição entre o capital transnacional e os Estados nacionais, a "eliminação das condições de reprodução sociometabólica", isto é, a contradição entre a necessidade de expansão infinita do capital e a finitude dos recursos naturais e humanos disponíveis, e o desemprego crônico. Os limites absolutos - que ao serem ativados dão início à crise estrutural do capital – são aqueles que só podem ser eliminados pela transformação estrutural do próprio complexo em que se inserem, com a sua conseqüente substituição por outro modo de organização social qualitativamente diferente e viável. São distintos, portanto, dos limites relativos do sistema, isto é, as contradições com as quais se pode lidar dentro da ordem mesma, sem que seja preciso alterar substancialmente seus fundamentos. Aqui, um ponto importante deve ser frisado: a ativação dos limites absolutos do capital e a conseqüente crise estrutural que daí emerge não significam que o sistema esteja em vias de se acabar ou que vá implodir por conta própria. O sistema do capital, nesta conjuntura, continua vivo, mas vivo como um câncer – daí o termo crescimento canceroso utilizado por Mészáros (2004) -, configurando, portanto, uma dinâmica altamente destrutiva e agressiva. É isto que funda, justamente, a atualidade histórica da ofensiva socialista de que fala o filósofo húngaro. Nesse contexto, vale a pena mencionar ainda, a respeito da crise estrutural do capital, que Mészáros tece interessantes considerações sobre as manifestações dessa situação em termos de teoria do valor (e também do antivalor). É impossível, contudo, dentro dos limites deste artigo, aprofundarmo-nos sobre tais questões. Para maiores informações, remetemos novamente os interessados à leitura de Para além do capital: rumo a uma teoria da transição, especialmente os capítulos 5 e 16. Para uma boa visão das implicações políticas das constatações do filósofo húngaro, é útil ler também Mészáros (2010). Em uma recente pesquisa teórica (2010), realizada junto à Universidade Federal de Santa Catarina, desenvolvemos uma análise detida sobre todos esses temas.

[5] A igualdade substantiva é, enquanto um dos princípios orientadores da estratégia revolucionária socialista, o primum inter pares em relação aos demais - isto é, o "primeiro entre iguais", conforme Mészáros (2008). Em seu magnífico ensaio Socialismo no século XXI - que está contido no livro O desafio e o fardo do tempo histórico (cit.) -, o filósofo húngaro articula, arquimedianamente, tal princípio com outros sete, a saber: o imperativo de se trazer à luz uma ordem alternativa historicamente sustentável, a fim de se superar o enorme desperdício de recursos naturais e humanos levados a cabo pela lógica capitalista do lucro; a promoção da real participação dos "produtores associados", por meio da transferência progressiva a estes do poder de decisão sobre a atividade produtiva; o planejamento, que deve fazer vir à tona um modo de organização social que não agrida as condições materiais de existência e que torne possível a reprodução do gênero humano sobre o planeta numa perspectiva de longo prazo; o crescimento qualitativo em utilização dos produtos do trabalho, para que se possa combater a destrutividade que satisfaz as demandas do capital auto-expansivo; a complementaridade entre os âmbitos nacional e internacional nas lutas pela emancipação humana; a unificação das esferas da reprodução material e da política, que foram separadas pelo capital durante seu movimento histórico auto-constitutivo; e, finalmente, a educação, realizada em meios formais e não formais, como alavanca para se produzir o desenvolvimento contínuo da consciência e dos valores socialistas necessários para a realização da nova forma histórica, uma educação que se converta, em última instância, em auto-educação permanente para uma sociedade que supere definitivamente as determinações fetichistas do sistema produtor de mercadorias.

[6] Damos, aqui, ao conceito de proletários, o significado preciso que Mészáros atribui a ele. Partindo da compreensão de que o sistema do capital é uma estrutura de controle hierarquicamente estabelecida sobre o metabolismo social, o filósofo húngaro estabelece que proletário não é somente o empregado da fábrica, mas todo aquele sujeito - empregado ou não, na fábrica ou fora dela - alijado do controle consciente dos processos sociometabólicos da humanidade. Nas palavras do autor de O desafio e o fardo do tempo histórico: "As classes operárias industriais constituem-se, em sua totalidade, de trabalhadores manuais, desde a mineração até os diversos ramos da produção industrial. Restringir o agente social da mudança aos trabalhadores manuais não é obviamente a posição do próprio Marx. Ele estava muito longe de pensar que o conceito de 'trabalhador manual' proporcionaria uma estrutura adequada de explicação sobre aquilo que uma mudança social radical demanda. Devemos recordar que ele está falando de como, pela polarização da sociedade, um número cada vez maior de pessoas é proletarizado. Assim, é o processo de proletarização – inseparável do desdobramento global do capital – que define e em última instância estabelece o problema. Ou seja, a questão é como a maioria esmagadora de indivíduos cai em uma condição na qual perde todas as possibilidades de controle sobre a sua vida e, nesse sentido, torna-se proletarizada [grifo nosso]." (2007, 70)

Referências:

BARAN, Paul. A economia política do desenvolvimento (Coleção Os economistas). São Paulo: Abril Cultural, 1984.

BARAN, Paul e SWEEZY, Paul. Capitalismo monopolista. Ensaio sobre a ordem econômica e social americana. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1966.

CHEROBINI, Demetrio. Educação e política no pensamento de István Mészáros: estudo introdutório. Florianópolis, SC: 2010. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências da Educação. Programa de Pós-Graduação em Educação.

CHEROBINI, Demetrio. O mito do Estado como "indutor do desenvolvimento", 2011. Disponível em 

MÉSZÁROS, István. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição. São Paulo: Boitempo, 2002.

MÉSZÁROS, István. A globalização capitalista é nefasta. (Entrevista a Brasil de Fato), 2004. Disponível em http://www.rebelion.org/noticia.php?id=3314

MÉSZÁROS, István. O poder da ideologia. São Paulo: Boitempo, 2004b.

MÉSZÁROS, István. O desafio e o fardo do tempo histórico. São Paulo: Boitempo, 2007.

MÉSZÁROS, István. Princípios orientadores da estratégia socialista. in Margem Esquerda – ensaios marxistas nº 11. São Paulo, Boitempo, 2008, p. 57-69.

MÉSZÁROS, István. Estrutura social e formas de consciência: a determinação social do método. São Paulo: Boitempo, 2009.

MÉSZÁROS, István. Atualidade histórica da ofensiva socialista. São Paulo: Boitempo, 2010.

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