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sexta-feira, 17 de julho de 2015

Somos todos Watusi!



Historiadora e Capoeirista Watusi Virgínia Santiago
"Ou a privação legal e moral do desfrute criminoso da concupiscência por meio de estupro, naturalizado historicamente pelos estatutos da escravidão no Brasil que permitia a vitimização das mulheres negras transformando-as em objeto de exploração sexual pelos senhores de engenho? "

* Por Herberson Sonkha


O episódio ocorrido na quarta-feira (14/07) em Goiânia marca mais uma trágica e hedionda ação de extremistas de direita nazifascista no país. Infelizmente eles insistem em aplicar o terror contra a cultura, a religião, a dignidade, a honra, a integridade física e moral de Watusi Virginia Santiago (APNS/GO), uma militante valorosa dos Agentes de Pastorais Negros do Brasil. Os APNS do Brasil possuem uma respeitável trajetória política e uma organização sociopolítica que atua há mais de três décadas no Movimento Negro brasileiro, com relevantes serviços prestados aos brasileiros e, sobretudo, a população afro-brasileira.




O que tanto incomoda estes agressores? O turbante gelê que possui funções sociais, religiosas e demonstra atitude política e a beleza da moda da África Negra? A sua conta no pescoço, que nos ensina sua posição hierárquica na liturgia do candomblé, que inspira respeito e confiança? Sua beleza negra irrepreensível e imortalizada pelas deusas do Ébano do Ilê Aiyê? Ou a privação legal e moral do desfrute criminoso da concupiscência por meio de estupro, naturalizado historicamente pelos estatutos da escravidão no Brasil que permitia a vitimização  das mulheres negras transformando-as em objeto de exploração sexual pelos senhores de engenho? Esse “por que” tem resposta sim! O APNS do Brasil combate politicamente estes comportamentos condenáveis com seus aliados históricos nas trincheiras contra o racismo, misoginia, machismo e intolerância religiosa.


O que justifica desferir frases pejorativas e arremessar um objeto contra uma mulher negra, mãe, yalorixá, historiadora, militante e esposa leal? Esta Senhora não oferece nenhum perigo à sociedade brasileira, pelo contrário, possui uma linda e irrepreensível história de lutas sociopolíticas pela emancipação da população negra urbana, quilombola e povos de terreiros no Estado de Goiás e no Brasil. Uma expressão irrefutável e implacável na luta política em defesa dos direitos humanos: gênero, orientação sexual e étnico racial.  Uma intelectual, graduada em História, cuja práxis política tem por orientação a emancipação humana.


A inexorável Watusi Virginia Santiago é mais uma mulher negra vitima dos fanáticos extremistas que violam constantemente direitos fundamentais neste país e, na maioria das vezes, são protegidos pelo poder socioeconômico. Não pode (e não deve) ficar impunes porque se há uma quintessência na Constituição Federal do Brasil, esta por certo é a que trata “Dos Direitos e Garantias Fundamentais.” Embora, não tenhamos nenhuma ilusão de que esta Carta Magna por si faça justiça, aliás, para que seja respeitada e cumprida indistintamente por todos os brasileiros e brasileiras, far-se-á necessário exigir que estes grupos organizados socioeconomicamente e ideologicamente de extrema direita sejam punido a luz dos direitos e garantias fundamentais previstos na lei. Doa quem doer! Atinja quem atingir!


As elites sob o tacão das famigeradas “questões estritamente religiosas” no Brasil, desde a Colonial até o século XXI, sempre infirmaram o direito ao culto das religiões de matriz africana, aliás, posicionam-se diligentemente contra candomblé e umbanda. Agride-se, chacina-se, desqualifica-se e ridiculariza-se qualquer liderança religiosa e seus membros e o Estado pouca coisa faz para garantir a integridade destas pessoas. Crimes desta natureza ainda são indiferentes para o povo brasileiro porque não tiveram acesso a uma educação que assegura a diversidade. 


Diferentemente do que ocorre com os católicos, protestantes, muçulmano, judeus e outras pequenas constelações religiosas (etnicamente hegemônicas) quando sofrem ataques contra suas religiões. Mas, excepcionalmente não acontece o mesmo para as religiões de matriz africana: candomblé e umbanda.  Por quê? Há uma mistificação ideológica no processo social, econômico, histórico, religioso e cultural que se encarregou de fazer a limpeza étnica e manter invizibilizada às populações trazidas involuntariamente de África para servir a coroa portuguesa nas Américas como escravos.



Exatamente por isso que ainda vivenciamos tais circunstâncias criminosas e sem punição na maioria dos casos. Há um pouco mais de um século, ainda que tenhamos uma Constituição Cidadã, ainda não conseguimos estender o estatuto da cidadania às populações negras no Brasil, que representa mais de 60% da população brasileira (IBGE, 2010). No que pese saber que a focinheira de aço (fundido com sangue, suor e a vida de milhões de brasileiros) que deveria conter a fúria dos monstros que vociferam insanamente contra a liberdade filosófica, política, religiosa, cultural e política ainda não consegue proteger como deveria a população negra no Brasil (Artigo 5º, inciso VI, da Constituição Federal). 


Considerando a presença do Estado forte, mas não forte o suficiente para impedir a sanha de maníacos racistas, a onda de ataques sórdidos as pessoas negras, mulheres, LGBT, muito menos conter indicadores crescentes de violências barbaramente cometidas pelo braço armado do Estado ou por grupos de classe media alta, etnicamente branca, contra o povo de terreiro e afrobrasileiros, especialmente a juventude negra.

Estes criminosos insistem em apagar o fogo que forja pessoas igualmente livres, cujo sentido maior equivale à quintessência da Constituição que narra o mais belo trecho da Constituição Federal ao instituir os direitos civis (Aequatis legis) mais elementares, tornando-os iguais, sem quaisquer distinções, garante a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade e à segurança. Se não bastasse, sitiam o direito (Ius legis) dos afrodescendentes à sexta parte desta mesma quinta essência que garante aos povos de terreiros a liberdade religiosa nos termos da lei: “e inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias;” (CFB, Art. 5º, inciso VI).


Portanto, frente a estas ações criminosas contra Watusi Virginia Santiago, que reflete um comportamento mais geral da sociedade, pejada de racismo, machista, misoginia, intolerância religiosa, lesbo-homofobia, xenofobia e etnofóbico devem ser combatidas sistematicamente e de forma implacável. Neste sentido, os Agentes de Pastorais Negros do Brasil devem tomar para si esta luta e fazê-la coletivamente como tarefa política imprescindível, a ser desenvolvida na arena política com determinação, disciplina, domínio teórico e a expertise característica da militância. Uma luta sistemática contra todo e qualquer ser humano que cometa tais crimes contra gênero, orientação sexual e etnia. Somos todos Watusi!!!!


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* Herberson Sonkha é Coord. Nacional de Relações Institucionais e Internacionais do APNS do Brasil

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