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terça-feira, 30 de julho de 2013
RESENHA: A GLOBALIZAÇÃO SOB A PERSPECTIVA DE MILTON SANTOS: PENSANDO A EDUCAÇÃO COMO UM CAMINHO PARA OUTRA GLOBALIZAÇÃO
julho 30, 2013
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por
Vinícius...
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"Assim, é necessário que se priorize o debate sobre a civilização, deixando de lado o crescimento econômico, pois este não tem gerado a dignidade humana."
*por Queith Rebouças Meneses Brito
O documentário de Sílvio Tendler Encontro com Milton Santos ou O Mundo Global Visto do Lado de Cá é um trabalho bastante criativo, cujo principal objetivo é expor através da linguagem cinematográfica o conteúdo do livro Por uma outra globalização do pensamento: do pensamento único à consciência universal, escrito pelo geógrafo brasileiro Milton Santos, demonstrando o compromisso do diretor em ampliar a visão da sociedade sobre o conceito de globalização, bem como desmascarar o atual contexto socioeconômico e cultural, suas crises e a profunda alienação em que se encontra a vasta maioria da população brasileira e mundial.
O filme, assim como o livro, apresenta de forma bastante crítica o processo de globalização sob a perspectiva da periferia, das cidades, dos continentes, principalmente das nações em desenvolvimento, tendo como base uma entrevista feita em janeiro de 2001 com o geógrafo citado.
Para Milton Santos, um dos maiores intelectuais do século XX, o mundo contemporâneo pode ser lido a partir de três pontos de vista: como uma fábula, como perversidade e como possibilidade. O mundo como fábula compreende as concepções de mundo e de globalização que um pequeno grupo faz erigir como uma verdade sólida, mas que não passam de mitos: a ideia de que vivemos em uma aldeia global; de que conhecemos verdadeiramente os acontecimentos da vida dos outros habitantes do planeta; de que vivemos as mesmas experiências em um mesmo tempo; a certeza de que, sob a direção de uma mais-valia universal, produzimos em prol da coletividade; e a certeza de que conhecemos o planeta ampla e profundamente, de modo que isso é suficiente para nos conceder a liberdade e o poder de transformação da realidade.
Já o mundo como perversidade é a verdadeira face da globalização, ou seja, suas implicações práticas sobre a vida das pessoas, da natureza, do planeta, tendo em vista que, por centralizar-se na busca de um pequeno grupo pelo dinheiro e pelo poder, acaba sendo uma fábrica de perversidade para os demais seres humanos e seu meio ambiente. Deste tipo de globalização, decorrem os mais diversos tipos de violência (verbal, física, simbólica, entre outras): a fome, o desemprego, o desabrigo, as doenças, a corrupção, a competitividade, a morte, etc.
Quanto ao mundo como possibilidade, este pode ser entendido como uma nova construção a partir da reeducação dos povos, a fim de que se utilizem dos mecanismos da globalização com vistas à humanização do homem e de suas produções técnicas e intelectuais. Isto significa que a humanidade precisa aproveitar este momento ímpar de desenvolvimento tecnológico e científico, para construir um mundo digno, outra globalização.
Neste sentido, a primeira parte do filme chama a atenção para a importância de se descortinar o olhar, de avaliar o presente para se ter uma dimensão consciente do futuro e, principalmente, a partir de um ponto de vista próprio, sem intermediários, uma vez que cada ser é responsável por sua existência individual e coletiva. Aponta, ainda, que a primeira globalização ocorreu no período das navegações marítimas, do processo de colonização, e se caracterizou pela ocupação territorial. Já a segunda globalização começou no fim do século XX, marcada pela fragmentação dos territórios e, em seguida, pelas revoluções tecnológicas, as quais determinaram a substituição do modelo humanista pelo modelo do consumismo voraz. Em consequência, as desigualdades se instalaram no planeta, tornando notável o abismo que separa ricos e pobres, países de primeiro mundo e o “terceiro mundismo”.
A segunda parte retrata a relação entre globalização (dinheiro e informação) e território, sendo este entendido como o local da vida social, econômica e cultural. Esta relação exerce influências negativas sobre a nova divisão internacional do trabalho. Em cada continente se concentram grandes empresas que se especializam na produção de algum bem, fazendo parte da produção internacional, porém elas não têm responsabilidade social e acabam prejudicando os territórios de forma profunda – social, econômica e moralmente, pois escapam ao controle dos Estados e, ao explorarem a mão-de-obra das populações dos países pobres, fazem com que haja o enriquecimento dos que já são ricos e o empobrecimento dos pobres, levando estes a uma situação de miséria. Diante disso, formou-se “o grupo dos que não comem e o grupo dos que não dormem com receio da revolta dos que não comem”, conforme citação de Josué de Castro (1961) em Geopolítica da Fome.
De acordo com Milton Santos, a partir do momento em que o homem deixou de ser o centro do mundo, assumindo o seu lugar “o dinheiro em seu estado puro”, abriu-se a possibilidade para todos os tipos de barbáries. Assim, é necessário que se priorize o debate sobre a civilização, deixando de lado o crescimento econômico, pois este não tem gerado a dignidade humana.
Neste contexto, a mídia, sob a direção de um pequeno grupo de agências internacionais da informação, que representa os interesses de grandes empresas e estão totalmente ligadas ao mundo das finanças, da produção, é o principal objeto de construção e fortalecimento da fábula da globalização. Para retratar isso, o documentário apresenta o Fórum Econômico Mundial, realizado no ano de 2006, em Davos, Suíça, indicando a importância desta cidade, desde a década de 1970, para a estruturação do dogma do pensamento único acerca da globalização, com o apoio do livre mercado, como se este fosse um caminho para a felicidade. Neste fórum, ao invés de se buscar soluções efetivas para extinguir a miséria da população e a má distribuição de renda, acabou-se desenvolvendo estratégias assistencialistas, um verdadeiro engodo.
Assim, fica evidente que a mídia funciona como uma intermediária no processo de leitura e interpretação do mundo. O mundo é visto conforme o ponto de vista de um grupo e não exatamente a verdade genuína dos acontecimentos. O que se procura expor são as notícias, ou seja, as interpretações dos fatos, produzidas com base em interesses pré-determinados. Neste sentido, a informação passa a produzir novas formas de “globalitarismos”, de “totalitarismos”.
No entanto, para Milton Santos, ao mesmo tempo em que a mídia serve aos interesses do capital, se utilizada de forma inteligente, pode gerar resultados positivos e capazes de transformar para melhor a realidade, isto é, de humanizar o mundo, veiculando um novo olhar sobre os fatos, sobre este tempo, sobre a globalização. Seria o mesmo que afirmar que a técnica pode ser usada a favor da liberdade, principalmente daqueles que vivem oprimidos, excluídos da sociedade. A exemplo, aponta-se o uso da internet por populações indígenas e das favelas do país, no sentido de se anunciarem como cidadãos e de denunciarem os males que lhes atingem.
Assim, surge a ideia de que as ações em prol de mudanças na sociedade partirão da classe popular. Milton entende este período como período demográfico e acredita que o período tecnológico da humanidade está terminando. Segundo ele, o período demográfico ou popular não será sincronizado como o que ainda estamos vivendo, pois, as explosões de revolta contra a opressão surgirão nas cidades dos diversos países, nos países dos diversos continentes e entre os continentes do globo terrestre.
Em seguida, discute-se o fato de que nós somos levados a imitação dos padrões de vida e cultura europeus e norte-americanos, deixando de pensar por nós próprios, já que é corrente a ideia de que o nosso modo de pensar não é chique, o que resulta numa enorme dificuldade de entendermos o mundo e estarmos preparados para lutar contra o sistema capitalista e neoliberal.
Outro trecho do filme retrata os olhares do Norte e os olhares do Sul, o que significa indicar a discrepância entre os países do Norte e os do Sul, a forma como cada um é tratado, inclusive destacando a liberdade dada aos turistas norte-americanos para realizar passeios nas favelas de cidades como o Rio de Janeiro, em contraposição aos olhares de reprovação e desconfiança das pessoas quando os moradores das favelas visitam um shopping numa zona sul da mesma cidade. Diante desse cenário, questiona-se a segmentação e a forma de elaboração dos códigos de ética, uma vez que há uma “ética dos poderosos”, uma “ética dos que não tem nada” e uma “ética dos desesperados”, os quais são levados a tomar o caminho da violência, porém não a violência gratuita, mas aquela que pode promover grandes mudanças. Infelizmente, os grupos que optam por esta última ética têm contra si todo um sistema, baseado na ética dos poderosos a que a maioria de nós cidadãos está submissa, fazendo com que deixe de perceber os motivos reais da luta dos sem-terra, sem teto e tantos outros, de modo que acabamos favorecendo a morte de crianças, jovens e idosos e enaltecendo o capital com todo o seu luxo, a sua fama e o seu lixo.
Milton Santos afirma que o Brasil jamais teve cidadãos, já que a classe rica explora as demais; a classe média no fundo não busca direitos, mas privilégios; e a classe pobre não tem sequer direitos. O que significa dizer que jamais houve neste país nem democracia nem cidadania. Esta realidade explica a presença da população nas ruas, a partir dos diversos movimentos em busca de uma globalização solidária. Ele ainda acredita que o único que pode contribuir com a melhoria da qualidade de vida da população é o Estado, pois foi pensado e existe para este fim, já que, através do exercício da política, pode cuidar do conjunto da população. Contudo, este Estado precisa modificar sua atual condição, tornando-se socializante. Além de ser, conforme Saramago, indispensável que a sociedade repense e discuta a democracia, tendo em vista que as decisões mais importantes para a nação são geralmente tomadas pelas organizações internacionais, bancos, FMI’s, entre outros, e não pelo povo.
Para Milton Santos, houve um esvaziamento da palavra democracia, sendo ela utilizada, convenientemente, de forma banal. Dela restou apenas sua face eleitoral, já que a responsabilidade e a representatividade perderam forças, e não há mais por parte dos representantes uma coerência entre as ideias que professam e suas ações.
Diante do exposto, surge uma proposta de luta por outra globalização, tendo em vista que a globalização atual é contraditória e paradoxal, pois defende a liberdade ao mesmo tempo em que aprisiona as pessoas em suas amarras, comprometendo o exercício da cidadania. Neste sentido, Milton diz: “a globalização produz o globalitarismo, globalitarismo que existe para reproduzir a globalização”, sendo esse um círculo vicioso que deve ser quebrado. O desafio, então, centra-se em se aproveitar as possibilidades desse tempo e produzir formas democráticas em seu sentido pleno.
Assim, Milton expõe o seu pessimismo diante desse tempo, mas um forte otimismo diante de outra realidade possível de ser construída. Para ele, a humanidade ainda se constituirá como tal e o que ora existe são apenas ensaios do que ela poderá ser.
Ao analisarmos o texto do livro de Milton Santos, relacionando-o ao filme de Tendler, compreendemos que o conteúdo neles abordado está profundamente ligado com a educação, a forma de organização do ensino e os princípios que o norteiam. Isto porque a escola é uma instituição constituída por cidadãos e voltada para a formação dos mesmos, possui uma multicultura, reflexo das culturas existentes na sociedade, mas também é frequentemente utilizada a serviço dos interesses de uma pequena parcela da população, uma elite que determina quem deve ser vencedor e quem deve ser vencido.
Pensar a globalização e suas influências sobre educação, leva-nos a descortinar o olhar para a realidade e para a nossa responsabilidade como educadores. As nossas ações, o nosso fazer político-pedagógico determinam que tipo de cidadãos estamos formando e, consequentemente, que tipo de sociedade e sistema político-econômico alimentamos. É impossível construir uma nova sociedade, uma globalização solidária, conforme esperava Milton Santos, sem reestruturar a educação, a escola. Através da educação é possível construir outra ética, a qual seja capaz de conceder ao ser humano sua dignidade e reconhecer sua importância, tornando o elemento econômico algo secundário.
Na verdade, a “revolução social”, voltada para a outra globalização idealizada por Milton, tem como um de seus palcos principais o espaço escolar, admitido como lócus da produção do pensamento e do conhecimento. Por esta razão, salienta-se no documentário a fala de Florestan Fernandes (1994): “Feita a revolução nas escolas, o povo a fará nas ruas. ”
REFERÊNCIAS
SANTOS, Milton. Por uma outra globalização do pensamento: do pensamento único à consciência universal. 17ª ed. – Rio de Janeiro: Record, 2008. p. 17-174.
TENDLER, Sílvio. Encontro com Milton Santos ou O Mundo Global Visto do Lado de Cá. [Filme-vídeo]. Produção e direção de Sílvio Tendler. Brasil, Caliban Produções, 2006. 1DVD, 89 minutos.
*Queith Rebouças Menezes Brito é Professora da Rede Pública Estadual, Diretora Administrativa da SEMEC-Anagé, Licenciada em letras pela UESB e Graduanda em Filosofia pela UESB e Pós-graduada em Gestão Educacional.
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