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sábado, 18 de janeiro de 2025

Monólogo de um Baiano: "O que é a Bahia?"

Capa: Edufba - 2019

Monólogo de um Baiano:
"O que é a Bahia?"


*por Herberson Sonkha



A Bahia, com sua riqueza cultural e histórica, transcende geografias e estereótipos, sendo uma experiência vivida e sentida. Inspirado pela obra “A Invenção da Baianidade: segundo as letras de canções” (2019), de Agnes Mariano, que analisa as múltiplas representações do ser baiano através das canções populares, recordo uma experiência recente que resultou neste monólogo — uma tentativa de traduzir o que, em minha opinião, ajuda a compreender a essência de ser baiano.

Retornava de uma viagem a Brasília, em dezembro de 2024, após participar de uma Conferência Nacional de Saúde. Meu voo tinha como destino final Vitória da Conquista, mas fazia uma conexão em São Paulo. Sentado na poltrona reclinada, comecei a ouvir, na diagonal direita, logo atrás de mim, duas pessoas conversando sobre a Bahia.

Uma delas, visivelmente interessada, esforçava-se em explicar para a amiga o que é a Bahia. Notei que a ouvinte era alheia à baianidade, provavelmente por ser de outro estado, mas demonstrava curiosidade em entender o que a Bahia representava.

Curiosamente, o diálogo parecia mais um monólogo. Apenas uma das pessoas falava, enquanto a outra ouvia atentamente, talvez por respeito ou falta de referências. Não percebi qualquer traço de desrespeito ou preconceito; no entanto, era evidente o desconhecimento sobre a Bahia. A explicação girava em círculos, sem jamais tocar a essência do que realmente é ser baiano.

Aquela situação me intrigou profundamente. A tentativa de traduzir algo tão vasto e subjetivo como a Bahia parecia semelhante a entregar um pandeiro a alguém que jamais presenciou uma roda de samba ou uma peleja entre repentistas nordestinos e pedir que explicasse o que é a embolada. A Bahia, assim como o som do pandeiro, não é uma narrativa simples; é algo que só pode ser vivido, sentido.

Essa experiência ficou gravada em minha memória e me fez refletir. Senti a necessidade de escrever sobre a Bahia, buscando, ainda que de forma limitada, capturar sua alma. Assim nasceu este texto, um monólogo de um baiano tentando responder: "O que é a Bahia?"


O que é a Bahia?

Você quer saber o que é a Bahia? — Pois bem, feche os olhos e permita-me conduzi-lo por essa jornada.

A Bahia não é apenas um ponto no mapa; é um estado de espírito, uma pulsação que ecoa no coração de quem vive, de quem passa e até de quem só ouve falar. É história esculpida no suor, no tambor, na fé e no sorriso de seu povo.

Imagine uma avenida onde o mundo inteiro se encontra, onde a alegria não pede licença e a tristeza não ousa entrar. Esse é o Carnaval de Salvador. Não é apenas uma festa; é a Roma Negra, o maior espetáculo popular do planeta. Aqui, o trio elétrico não toca — ele fala, grita e traduz quem somos: celebração e resistência. Quando o timbau chama, é como se os deuses do som estivessem entre nós, reverberando na alma de todos.

E a fé? — Ah, na Bahia, a fé tem cheiro de alfazema e sabor de caruru. Deus não habita apenas nas igrejas; Ele dança no samba de roda, canta nas rezas e caminha com um milhão de fiéis rumo ao Bonfim, debaixo de sol ou chuva. Aqui, o sagrado está no chão que se pisa, no ar que se respira e no mar que abraça a terra.

A música? — Na Bahia, o som de um arame, uma cabaça e um pedaço de pau vira poesia. É o berimbau, a voz da capoeira, o canto de luta e liberdade. Cada acorde tem uma história, cada melodia carrega o DNA de sua gente. Caetano, Gil, Gerônimo, Luiz Caldas, Mariane de Castro, Maria Bethania, Margareth Menezes, Dorival e familia Caymmi, Dodô e Osmar, Armandinho, Adelmário Celho, Ilê Ayê, Olodum, Filhos de Gandhy, Banda Reflexu's, Ivete, Banda Mel, Elomar Figueira de Melo, Paulo Dinis, Cheiro de amor, Chiclete com Banana... Aqui, música é identidade, expressão de quem somos.

Mas a Bahia não é só Salvador. Ela é Recôncavo, sertão, litoral e chapada. É o som da maré em Itacaré, o silêncio das montanhas na Chapada Diamantina e o grito do vaqueiro no semiárido. É o cheiro da moqueca na panela de barro, do café coado nas fazendas, o balanço suave da rede no quintal e a brisa salgada que vem do mar.

A Bahia também é poesia. Quando penso nela, lembro de Castro Alves: “A praça é do povo, como o céu é do condor!” É isso! A Bahia é praça, céu e condor; é liberdade cantada em versos e vivida em cada esquina.

Aqui, o trabalho é incansável, como o pulsar de seus tambores. Não se engane pelo sorriso fácil e pela ginga leve do baiano. A vida aqui é árdua. O campo, as ruas e o mar testemunham o suor de um povo que se recusa a desistir.

As festas?  — Na Bahia, até elas são trabalho. O Carnaval, por exemplo, é fonte de renda para milhares: ambulantes, costureiras, eletricistas, músicos, cozinheiros. O suor do trabalho se mistura ao som de risos e batuques.

Quer entender a Bahia? — Não tente reduzi-la a palavras. A Bahia é sentida, vivida, experimentada. Cada rua tem um ritmo, cada esquina uma história, cada sorriso celebra a vida.

Se você nunca veio, não se preocupe. Um dia, ao pisar em solo baiano, você vai entender. Ou melhor, vai sentir. E, então, nunca mais será o mesmo.


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