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Desnaturalizando o mercado do tipo liberal capitalista
Imagem: LavraPalavra |
"No entanto, rejeito completamente a ideia de que ele seja uma estrutura inalterável, desvinculada do contexto histórico, como defendem os liberais. O mercado, por sua natureza social, não é algo natural, nem ad infinitum.”
*por Herberson Sonkha
Ouvimos constantemente economistas renomados nos jornais repetirem as ideias de Friedrich Hayek, do livro “O Caminho da Servidão”, que tornam as suas noções de economia como absolutas verdades. Eles afirmam que a ordem do mercado é natural, contrastando com a visão de que essa ordem é uma construção histórica, ou uma invenção que poderia ser substituída por uma alternativa centralizada.
Além disso, jornalistas, com ou sem especialização, reproduzem de manhã, à tarde e à noite esse idealismo neoliberal, tornando-o presente em todos os noticiários de circulação nacional. Aqui está a síntese desse discurso ideológico dissimulado como “científicos”:
"A ideia de que a ordem espontânea que surge nos mercados livres é algo artificial e que a sociedade seria melhor servida por uma autoridade central que dirigisse a economia é uma visão que ignora a natureza do processo de formação do conhecimento e a eficiência dos sistemas descentralizados." (HAYEK, 1944, p.72)
Essa naturalização do mercado livre se transformou em uma convicção incontestável, em uma ideologia que propaga a ideia de que o mercado, enquanto sistema, se desenvolveu a partir da modernidade e atingiu sua “perfeição” com o capitalismo. Ele é descrito como um ser autônomo, independente do processo sócio-histórico, e considerado eterno e imutável. Assim, se apresenta como algo acima de questionamentos, uma verdade divina que controlaria e disciplinaria as pessoas.
Contudo, ao estudar a economia política, reconhece-se que o mercado, enquanto construção social, evoluiu de práticas primitivas de troca para se tornar o centro das relações econômicas, atingindo seu apogeu no capitalismo. No entanto, rejeito completamente a ideia de que ele seja uma estrutura inalterável, desvinculada do contexto histórico, como defendem os liberais. O mercado, por sua natureza social, não é algo natural, nem ad infinitum.
De fato, o mercado, tal como o conhecemos hoje, com sua lógica de acumulação capitalista, é um produto do sistema econômico moderno, e sua evolução é marcada pela ascensão do capitalismo desde a Revolução Industrial (Braudel, 1979). Antes disso, o mercado existia de formas menos complexas, vinculadas a economias locais e práticas de subsistência (Polanyi, 1944).
No capitalismo, o mercado se consolidou como o regulador central das relações econômicas, subordinando a produção às leis de oferta e demanda e atribuindo preços não apenas a bens e serviços, mas também ao trabalho humano. Sua lógica, movida pela busca incessante de lucro, pode, por um lado, promover avanços como o acesso ampliado a bens e serviços. No entanto, por outro lado, perpetua desigualdades sociais e ambientais, precarizando o trabalho e exacerbando as crises sociais.
O neoliberalismo, em particular, subordina o Estado às demandas do mercado, o que resulta em um aumento das disparidades econômicas e na negligência dos custos humanos e ambientais. Isso torna evidente que o mercado não é neutro, como alegam os seus defensores, mas sim um sistema que reflete relações de poder desiguais. Como argumenta Polanyi em A Grande Transformação (1944), a ideia de deixar o mercado regular todos os aspectos da vida social é permitir que uma lógica desumana prevaleça, subjugando a sociedade às suas dinâmicas.
O mercado não é uma entidade viva. Ele é uma construção humana, criada e regulada por relações sociais. Desde as práticas de troca do escambo nas sociedades primitivas, ele evoluiu, mas nunca deixou de ser um reflexo das necessidades e condições históricas de cada época. Afirmar que o mercado é natural e eterno é uma falácia que esconde suas contradições e as relações de poder que ele perpetua.
Além disso, a visão liberal de que as leis do mercado são naturais e irrevogáveis desconsidera o fato de que elas são, de fato, históricas e, portanto, passíveis de transformação. A ideia de que a sociedade não pode viver sem o mercado como o conhecemos é uma perspectiva datada, limitada ao contexto capitalista que se consolidou após a Revolução Industrial. A vida em sociedade não é condicionada a essa dinâmica, nem está imune à sua mudança.
O mercado moderno, em sua configuração atual, é um sistema altamente interconectado, movido por tecnologia e inovação. Ele regula as relações econômicas globais, mas é profundamente orientado para a maximização do lucro e a eficiência, muitas vezes em detrimento do bem-estar coletivo. O foco em lucro e crescimento econômico gera precarização do trabalho, agravamento das desigualdades sociais e exploração ambiental predatória. O mercado, em sua busca incessante por lucro, não se preocupa com as consequências sociais e ambientais de suas ações.
Neste contexto, a ideia de que o mercado age e sente, como se fosse uma entidade moral, deve ser desfeita. O mercado não tem consciência, nem emoções. Ele é um sistema regulador, movido por dinâmicas de competição e lucro, e não tem uma moral própria. A lógica que o orienta é a da acumulação, onde a exploração do trabalho humano e dos recursos naturais se tornam a norma.
Ao “obedecer” ao mercado, o governo, segundo a perspectiva neoliberal, deveria submeter-se às suas demandas, como se ele fosse a única instância capaz de alocar recursos de maneira eficiente. No entanto, essa lógica ignora os impactos sociais e ambientais das políticas que colocam o mercado como árbitro da vida social. A subordinação do Estado às leis do mercado leva a uma maior concentração de riqueza, aumentando as desigualdades e exacerbando crises sociais.
Por fim, ao desnaturalizarmos a ideia de que o mercado é um ente autônomo, imutável e acima das dinâmicas históricas, é possível questionar as relações de poder que ele perpetua. Como defendido por Polanyi, um mercado que visa exclusivamente à maximização do lucro e à eficiência econômica não pode ser considerado justo. Para que o mercado de fato sirva ao bem-estar coletivo, é necessário repensar suas bases, promovendo a justiça social e a preservação ambiental, e reconhecendo que ele é um sistema em constante transformação, passível de ser moldado de acordo com as necessidades humanas e não com os interesses do capital.
______________________________
*Herberson Sonkha é estudante de Economia pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Atua como pesquisador autônomo, com enfoque na obra marxiana e na formação da força de trabalho negra na Bahia durante o século XIX. Sua pesquisa aborda as dinâmicas econômicas, sociais e históricas que moldaram as relações de classe e trabalho no contexto do capitalismo e suas implicações na sociedade contemporânea.
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