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terça-feira, 4 de fevereiro de 2025

A crítica ao "Centrão" e o “Dilema Berghiano Petista”

Foto: Publicação Revista Jacobin/Fernando Morais

A crítica ao "Centrão" e o “Dilema Berghiano Petista”:

O esgotamento do modelo de democracia burguesa



*por Herberson Sonkha Estado Sociedade & Governabilidade e Transformação Social




Em artigo publicado recentemente (03), o historiador e filósofo Joilson Bergher analisa as eleições para as presidências da Câmara dos Deputados e do Senado Federal no Brasil, aqui denominadas por minha inteira responsabilidade intelectual como “Dilema Berghiano Petista”. O dilema levantado por Joilson Bergher é uma leitura essencial e necessária, uma reflexão sobre a influência do "Centrão" e suas implicações para garantir a governabilidade. 

O autor argumenta que o presidencialismo de coalizão exige alianças pragmáticas, embora reconheça os dilemas que essas alianças impõem às forças progressistas. Ele destaca a vitória de Hugo Motta (Republicanos) e Davi Alcolumbre (União Brasil), ressaltando como esses resultados fortalecem o "Centrão" e impactam a agenda do governo Lula. O texto também questiona a real efetividade dessas alianças, ponderando se elas permitem avanços ou apenas mantêm o status quo (BERGHER, 2025, p. 03). 


Introdução: A falácia da democracia liberal no Brasil

O Brasil, após mais de 200 anos de uma história marcada pela desigualdade e exclusão, ainda se encontra em um impasse profundo entre o discurso democrático e a realidade estrutural atravessada pela herança escravagista. O modelo de democracia burguesa, amplamente defendido e institucionalizado desde a proclamação da República, revela-se exaurido. Sua falência não se dá apenas na forma de um processo eleitoral suscetível a falhas e manipulável (aqui não me refiro às urnas que são absolutamente invioláveis), mas na ineficácia de suas promessas de liberdade, igualdade e justiça social.

Este artigo, edição especial do editor do Blog do Sonkha, visa refletir criticamente sobre os sinais claros de esgotamento desse modelo, especialmente através da crítica ao "Centrão", um arranjo político que reflete a dependência das elites e a perpetuação do status quo. No centro desta reflexão, está o dilema da governabilidade e a hesitação entre a revolução e a reforma que caracteriza a dinâmica interna do Partido dos Trabalhadores, com destaque para a análise lucida do historiador e filósofo Joilson Bergher, e as possibilidades em aberto sobre o futuro da política brasileira.


O Estado brasileiro e a formação das Classes Sociais

Para entender a natureza do esgotamento da democracia no Brasil, é preciso olhar para sua gênese e evolução. O Estado brasileiro, desde o período colonial, foi constituído e se perpetuou como uma estrutura oligárquica, focada na manutenção dos interesses das elites agrárias e capitalistas. A base econômica do Brasil sempre foi marcada pela concentração de terras (latifúndio), pelo trabalho escravo e pela exclusão das grandes massas populares das decisões políticas. Essa estrutura foi consolidada ao longo do tempo e permanece como uma das principais características da nossa formação social.

Desde a transição da monarquia para a república, o país viu-se obrigado a transitar por um processo que nunca teve como objetivo romper com o poder das oligarquias. Na verdade, o processo republicano, tal como o processo de independência, foi uma manobra para consolidar o poder das elites brasileiras e garantir seus interesses perante as pressões externas, especialmente as das potências colonizadoras.

As classes sociais brasileiras, como bem nos ensina Florestan Fernandes, são herdeiras desse Estado oligárquico, que sempre favoreceu a classe dominante e marginalizou a classe trabalhadora, os negros e os povos indígenas. O “Centrão”, enquanto fenômeno contemporâneo, nada mais é do que a continuidade dessa estrutura. Ele surge como uma adaptação do sistema político às necessidades das elites de preservarem seu poder, ainda que sob a fachada de uma democracia representativa.


O “Centrão” e a manutenção do Status Quo

O "Centrão", como arranjo político, é uma das manifestações mais claras do que Gramsci chamaria de hegemonia passiva. Ele se constitui em um agrupamento político que não se identifica com uma ideologia clara ou uma proposta de transformação social, mas age como um bloco que se adapta a qualquer governo, com o único intuito de garantir a manutenção do controle do Estado e dos recursos públicos.

O "Centrão" age como uma colcha de retalhos formada por diversos partidos que, apesar de divergentes ideologicamente, compartilham o objetivo comum de controlar as instituições e preservar os privilégios das elites. Esta organização não apenas se alimenta da governabilidade, mas também atua diretamente para enfraquecer qualquer tentativa mínima de transformação social e/ou criminalizar qualquer tentativa de transformação mais radical.

Esse modelo de arranjo político tem sido fundamental para a governabilidade no Brasil, mas também é um dos maiores obstáculos à implementação de reformas estruturais que poderiam, efetivamente, combater a desigualdade social. O "Centrão", com seu poder de barganha, se alimenta do sistema político burguês, que, ao invés de buscar uma radicalização da democracia, recorre a pactos de interesses para garantir que as classes dominantes continuem a exercer seu poder.

Em outras palavras, o "Centrão" representa a face de um sistema político que não busca realmente resolver os problemas estruturais da sociedade, mas sim garantir que a base de poder permaneça intacta – aqui temos uma espécie de comportamento político característico da Ave de Rapina (Urubu se preferir) que observa atentamente e inerte o corpo falecer para se alimentar da carcaça em decomposição.


O medo de dependência: Elites internas e externas

Outro ponto crucial no debate sobre o esgotamento da democracia burguesa é o medo profundo das elites internas e externas de qualquer mudança significativa nas estruturas de poder no Brasil. A dependência das elites internas (agrárias, industriais e financeiras) e externas (as potências imperialistas) é um dos fatores que alimenta a hesitação de uma verdadeira transformação social. A classe dominante brasileira tem, ao longo de sua história, se aliado ao capital estrangeiro para preservar sua posição econômica e política, sem se preocupar com os reais problemas da população. Este é um dos maiores obstáculos à construção de uma agenda política que busque a transformação estrutural do país.

A dependência das elites externas é também um reflexo da nossa inserção subordinada no mercado global. O Brasil, ao longo de sua história, sempre foi tratado como uma grande fábrica de matérias-primas para os países desenvolvidos. Isso limita as possibilidades de autonomia econômica e política, colocando o país em uma posição de vulnerabilidade constante. As elites, ao invés de buscar uma agenda nacionalista (anti-imperialista) que priorize o bem-estar do povo, optam por manter os privilégios legados do sistema colonial, entregando as riquezas do país para o capital externo e mantendo a população em um estado de abandono e de miséria.


O “Dilema Berghiano Petista”: Governabilidade ou Transformação Social?

No centro dessa análise, surge o dilema do Partido dos Trabalhadores (PT), refletido na crítica do filósofo e historiador Joilson Bergher. Bergher nos apresenta a seguinte questão: é possível transformar a sociedade brasileira dentro das estruturas existentes, ou a governabilidade exige que o PT se adeque às regras do jogo do "Centrão" e das elites?

A reflexão de Joilson Bergher é relevante, pois evidencia a constante hesitação do PT entre a necessidade de garantir a governabilidade e a possibilidade de implementar uma verdadeira transformação social. Por um lado, existe a necessidade de negociar com o Congresso, formado majoritariamente por forças que representam os interesses das elites; por outro, existe a urgência de uma mudança radical nas condições materiais de vida das massas populares.

Bergher aponta que o PT tem se afastado de sua base mais radical e das propostas que poderiam, efetivamente, transformar a estrutura social brasileira. Em vez disso, ele busca uma aliança com o "Centrão" e outras forças políticas conservadoras, na tentativa de garantir a governabilidade. Contudo, essa estratégia de pragmatismo político pode ser fatal, pois ela reflete uma submissão ao status quo e uma incapacidade de enfrentar as forças que perpetuam a desigualdade e a opressão. O dilema, então, é claro: ou o PT se torna mais uma engrenagem no sistema político burguês, ou ele assume a radicalidade de sua proposta e enfrenta as forças do capitalismo oligárquico.


A não revolução burguesa no Brasil

A ausência de uma verdadeira revolução burguesa no Brasil é, portanto, um dos maiores obstáculos à construção de uma sociedade mais justa. Ao contrário de outros países que passaram por revoluções que quebraram as estruturas feudais ou oligárquicas e construíram Estados modernos, o Brasil nunca passou por uma ruptura radical com o sistema colonial. Em vez disso, o país foi marcado por uma sucessão de reformas que, embora pontuais, nunca foram capazes de romper com a estrutura social e política profundamente desigual.

Como Marx e Engels já destacaram, a burguesia em determinado período da historia é uma classe revolucionária, mas também uma classe que, uma vez no poder, busca preservar seus próprios interesses. A revolução burguesa, no caso brasileiro, nunca foi levada a cabo, e a classe dominante se manteve unida por pactos de classe que impediram a ascensão das massas populares. No caso do PT, a hesitação em romper com esse sistema reflete a falta de uma visão clara (ou de método analítico adequado) sobre como construir um novo Estado que a burguesia nunca quis edificar, mais democrático (robustamente substancial) e socioeconomicamente justo, que não dependa do arranjo político do "Centrão".


Conclusão: O futuro da democracia no Brasil

O Brasil vive um momento de grande tensão política e social, com a extrema-direita a espreita, onde o esgotamento do modelo de democracia formal burguesa se torna cada vez mais evidente, dando sinais de que não concluirá a transição iniciada em 1985 com o fim dos anos de chumbo da ditadura militar fascista no Brasil (1964-1985).

O arranjo político do "Centrão" (que não tem nenhum reserva, não hesita em conspirar e negociar golpes fascistas contra o Estado Democrático de Direito com a extrema-direita) que é o verdadeiro baluarte da manutenção do status quo, mostra como a democracia brasileira tem sido manipulada para manter os privilégios das elites. O dilema do PT, refletido na análise de Joilson Bergher, é um reflexo crítico desse impasse: até onde é possível transformar a sociedade dentro de um sistema que perpetua as desigualdades?

A crítica marxista nos ensina que, para que o Brasil se liberte das amarras do colonialismo interno e externo, é necessária uma ruptura radical. Sem isso, continuaremos presos a um sistema político tradicionalmente ultraconservador que, embora democrático na aparência (formal), na prática (na essência) serve aos interesses capitalistas das elites.

Se o Brasil não for capaz de dar esse salto histórico, continuaremos a viver sob o regime da dependência, da exploração e da opressão, com um "Centrão" que serve como uma espécie de guardião da ordem estabelecida. A verdadeira revolução social no Brasil, portanto, não é uma questão de governabilidade, mas de transformação radical das estruturas sociais e políticas que ainda nos prendem a um passado-presente colonial e oligárquico.


Foto: Publicação Revista Jacobin/Fernando Morais

Mesa: Manuel da Conceição, trabalhador rural, o crítico Mário Pedrosa, a atriz Lélia Abramo, o historiador Sérgio Buarque de Holanda e o bancário Olívio Dutra



 

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REFERÊNCIAS

BERGHER, Joilson. Dilema Berghiano Petista: Entre Governabilidade e Transformação Social. 2025.

MORAIS, Fernando. Foto extraída da publicação de matéria de Fernando Morais, "Como Lula fundou o PT – e foi preso pela ditadura dois meses depois", no site da "Revista Jacobin", acesso em 04/-2/2025. https://jacobin.com.br/2022/02/como-lula-fundou-o-pt-e-foi-preso-pela-ditadura-2-meses-depois/

MORAIS, Fernando. No dia 10 de fevereiro de 1980 Lula apresentava o PT ao público no auditório do Colégio Sion, em São Paulo. Na mesa que presidiu o ato,: Manuel da Conceição, trabalhador rural, o crítico Mário Pedrosa, a atriz Lélia Abramo, o historiador Sérgio Buarque de Holanda e o bancário Olívio Dutra. (MORAIS, 2022).

SONKHA, Herberson. O esgotamento do modelo de democracia burguesa: A crítica ao "Centrão" e o Dilema Berghiano Petista. Blog do Sonkha, 2025. Disponível em: https://blogsonkha.blogspot.com/. Acesso em: 04 fev. 2025.


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