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EDITORIAL | “O que a vida quer da gente é coragem”
EDITORIAL | “O que a vida quer da gente é coragem”
O Brasil entre a submissão e a soberania:
Um debate urgente sobre o futuro (1822-2025)
*por Herberson Sonkha
A história do Brasil, desde sua independência em 1822, é marcada por uma tensão constante entre a busca pela soberania nacional e a submissão a interesses externos, especialmente dos países capitalistas desenvolvidos, como os Estados Unidos.
Este artigo analisa essa dualidade a partir de duas perspectivas futuras:
a) uma visão de direita e extrema-direita, que propõe a submissão do país a potências estrangeiras, o desmonte do Estado Democrático de Direito e a pilhagem das riquezas nacionais;
e b) uma visão de esquerda e centro-esquerda, que defende um Estado de bem-estar social forte, autônomo e soberano, com investimentos massivos em educação, ciência, tecnologia e preservação ambiental.
Para tanto, recorremos a referências teóricas da história, geografia, sociologia, economia e ciência política, contextualizando o pretérito, o presente e sinalizando possíveis futuros.
O PRETÉRITO: Da Colônia à República (1822-1988)
Independência e Dependência
A independência do Brasil em 1822 não significou uma ruptura completa com as estruturas coloniais. Como afirma Boris Fausto em História do Brasil (1994), "a elite agrária manteve seus privilégios, e o país continuou dependente economicamente das potências estrangeiras, especialmente a Grã-Bretanha" (p. 123). A abolição da escravidão em 1888 e a Proclamação da República em 1889 não alteraram essa dinâmica, consolidando um Estado oligárquico e excludente. Essa dependência econômica e política criou as bases para um sistema que perpetuaria a desigualdade social e a submissão a interesses externos, temas que se repetiriam ao longo da história brasileira.
O Coronelismo e a formação das elites políticas
Antes de 1930, o Brasil era dominado pelo coronelismo, um sistema político baseado no controle local por grandes proprietários rurais. Victor Nunes Leal, em Coronelismo, Enxada e Voto (1948), descreve como "o coronelismo era a expressão política do poder privado dos grandes latifundiários, que controlavam o voto e a administração pública" (p. 45). Esse sistema perpetuou a desigualdade e a exclusão social, formando as bases das elites políticas brasileiras. Essa estrutura de poder local, aliada à dependência econômica externa, criou um cenário propício para a manutenção de um Estado frágil e subordinado, que seria desafiado apenas com a ascensão de Getúlio Vargas.
A Era Vargas e o nacional-desenvolvimentismo
Getúlio Vargas (1930-1945 e 1951-1954) tentou romper com essa dependência através do nacional-desenvolvimentismo, criando estatais como a Petrobras e promovendo a industrialização. No entanto, como aponta Celso Furtado em Formação Econômica do Brasil (1959), "a industrialização brasileira foi limitada pela falta de autonomia tecnológica e pela dependência de capitais estrangeiros" (p. 89).
Caio Prado Júnior, em História Econômica do Brasil (1945), complementa que "o modelo econômico brasileiro sempre foi voltado para a exportação de produtos primários, em detrimento do desenvolvimento interno" (p. 67). Apesar dos avanços, o projeto de Vargas não conseguiu superar completamente a herança colonial, e o país continuou vulnerável a pressões externas, como ficaria evidente durante a ditadura militar.
A ditadura militar e o alinhamento com os EUA
O golpe de 1964, apoiado pelos EUA, marcou um retrocesso na busca pela soberania nacional. Noam Chomsky, em Hegemony or Survival (2003), destaca que "os EUA financiaram e apoiaram regimes autoritários na América Latina para garantir o controle sobre recursos naturais e mercados" (p. 78). A ditadura militar (1964-1985) promoveu um modelo econômico excludente, baseado na concentração de renda e na repressão política. Esse período consolidou a submissão do Brasil aos interesses norte-americanos, criando um legado de dependência que persistiria mesmo após a redemocratização.
A reabertura política e o papel das elites reacionárias
A reabertura política na década de 1980 foi marcada pela resistência das elites reacionárias. Em 1989, as eleições presidenciais foram manipuladas para impedir a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva, líder operário e candidato do Partido dos Trabalhadores (PT). Como aponta Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil (1936), "as elites brasileiras sempre buscaram manter o controle do poder, mesmo que isso significasse a submissão a interesses estrangeiros" (p. 102).
A vitória de Fernando Collor de Mello, com apoio das elites agrárias, industriais e comerciais, representou um retrocesso na luta por um programa socialdemocrata. Esse episódio ilustra como as elites nacionais, aliadas a interesses externos, continuaram a influenciar o rumo do país, mesmo após o fim da ditadura.
O PRESENTE: Ameaças à soberania e à democracia (1988-2025)
A ofensiva neoliberal
A partir dos anos 1990, o neoliberalismo ganhou força no Brasil, promovendo a privatização de estatais e a abertura desregulada do mercado. Como aponta David Harvey em O Neoliberalismo: História e Implicações (2005), "o neoliberalismo é um projeto político que visa restaurar o poder das elites econômicas, muitas vezes em detrimento da soberania nacional" (p. 45).
O governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) aprofundou esse modelo, com desastrosas consequências sociais, econômicas e políticas para as populações urbanas e camponesas. Essa política neoliberal, aliada à globalização, intensificou a dependência do Brasil em relação ao capital internacional, preparando o terreno para crises futuras.
A ascensão da socialdemocracia e o golpe de 2016
Quase dois séculos (180 anos) após a independência do Brasil, a parte mais expressiva e popular da esquerda, em uma coalizão liderada pelo Partido dos Trabalhadores (PT), chegou ao poder. A eleição de Lula em 2002 representou uma virada na política brasileira, com a implementação de um programa de bem-estar social que priorizou a redução da pobreza, a ampliação do acesso à educação e a valorização do mercado interno.
No entanto, em 2016, um golpe parlamentar interrompeu o governo de Dilma Rousseff, com apoio das elites conservadoras e organismos internacionais como o FMI e o Banco Mundial. Como destacado em reportagem da Folha de S.Paulo (2025), "o golpe de 2016 foi um ataque à democracia e à soberania nacional, promovido por forças conservadoras e imperialistas." Esse evento marcou o início de um período de instabilidade política e econômica, que culminaria na ascensão da extrema-direita.
A ascensão da extrema-direita
A eleição de Jair Bolsonaro em 2018 representou um retrocesso na luta pela soberania nacional. Florestan Fernandes, em A Revolução Burguesa no Brasil (1975), já alertava que "a direita brasileira sempre esteve associada a projetos autoritários e submissos aos interesses estrangeiros" (p. 67). O governo Bolsonaro promoveu o desmonte de políticas públicas, a degradação ambiental e o alinhamento incondicional com os EUA. Esse período foi marcado por um aumento exponencial da pobreza, da fome e da violência, além de um ataque sistemático às instituições democráticas.
A reação do STF e a defesa da democracia
O Supremo Tribunal Federal (STF) tem sido um dos principais pilares de resistência ao autoritarismo. Como destacado em reportagem da Folha de S. Paulo (2025), "o STF tem atuado como guardião da Constituição, defendendo a democracia e os direitos fundamentais frente a ataques internos e externos." Essa defesa da democracia é crucial para garantir que o Brasil não retroceda a um estado de submissão e autoritarismo.
O FUTURO: Duas perspectivas
Perspectiva de direita e extrema-direita: A submissão e a pilhagem.
A primeira perspectiva futura é a de um Brasil submetido aos interesses de potências estrangeiras, especialmente os EUA. Nesse cenário, o Estado Democrático de Direito seria desmontado, com a destruição das instituições políticas (Executivo, Legislativo e Judiciário) e a pilhagem das riquezas nacionais. As estatais seriam privatizadas, os recursos naturais explorados de forma predatória, e o país retornaria à condição de colônia capitalista. Essa visão é defendida por setores da direita e extrema-direita, que buscam deslegitimar o STF e promover um golpe de Estado. Essa perspectiva representa um retrocesso histórico, que ameaça anular décadas de lutas por soberania e democracia.
Perspectiva de esquerda e centro-esquerda: A soberania e o Bem-Estar Social
A segunda perspectiva é a de um Brasil soberano, com um Estado de bem-estar social forte e autônomo. Nesse cenário, a economia seria voltada para o desenvolvimento dos setores primário, secundário e terciário, com investimentos massivos em educação, ciência e tecnologia. As universidades públicas seriam fortalecidas, promovendo pesquisa e inovação com independência tecnológica. Políticas públicas de preservação ambiental e valorização da diversidade cultural seriam implementadas, e a democracia participativa seria ampliada, formando cidadãos críticos e autônomos. Essa visão representa a continuidade das lutas históricas por justiça social e soberania nacional, oferecendo um caminho para um futuro mais equitativo e democrático.
O caminho a seguir
A história do Brasil é uma luta constante entre a submissão e a soberania. Enquanto a direita e a extrema-direita propõem a destruição do Estado Democrático e a pilhagem das riquezas nacionais, a esquerda e o centro-esquerda defendem um projeto de nação soberana, com justiça social, inclusão e desenvolvimento sustentável. O futuro do Brasil dependerá da capacidade de seus cidadãos em escolher entre esses dois caminhos: a submissão ao imperialismo ou a construção de uma nação autônoma e democrática. Como bem lembrou Guimarães Rosa (2001, p. 37), citado por Alexandre de Moraes, "o que a vida quer da gente é coragem." E é com coragem que o Brasil deve enfrentar os desafios do século XXI.
O romance Grande Sertão: Veredas, uma das obras mais importantes da literatura brasileira, é reconhecido por sua linguagem inovadora e por abordar questões essenciais da existência humana, como o destino, a luta entre o bem e o mal e os desafios da vida no sertão. Dentro desse contexto, a célebre frase de João Guimarães Rosa — "O que a vida quer da gente é coragem" — sintetiza a necessidade de enfrentar adversidades com firmeza e determinação.
Ao ser resgatada pelo ministro do STF Alexandre de Moraes, essa citação ganha um sentido cirúrgico no atual cenário político do Brasil, evocando a coragem como elemento indispensável para a defesa da democracia. Além disso, essa ideia dialoga diretamente com a postura histórica do povo nordestino, que, nas eleições recentes, desempenhou um papel fundamental ao rejeitar o projeto autoritário da extrema-direita. A resistência do Nordeste não foi apenas uma escolha eleitoral, mas um ato de bravura coletiva, reafirmando seu compromisso com a justiça social, a inclusão e a defesa das instituições democráticas.
Assim como no sertão de Riobaldo, onde cada decisão pode definir rumos e destinos, o Brasil se viu diante de um momento crucial. E, como nos ensina Guimarães Rosa, foi a coragem — simbolizada, sobretudo, pela força política do Nordeste — que se impôs contra as ameaças ao Estado de Direito, permitindo que a democracia prevalecesse.
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REFERÊNCIAS
CARVALHO, José Murilo de. Cidadania no Brasil: O Longo Caminho. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
CHOMSKY, Noam. Hegemony or Survival: America's Quest for Global Dominance. New York: Metropolitan Books, 2003.
FAUSTO, Boris. História do Brasil. São Paulo: Edusp, 1994.
FERNANDES, Florestan. A Revolução Burguesa no Brasil: Ensaio de Interpretação Sociológica. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1975.
FOLHA DE S.PAULO. "O STF e a defesa da democracia no Brasil." São Paulo, 2025.
FURTADO, Celso. Formação Econômica do Brasil. Rio de Janeiro: Fundo de Cultura, 1959.
GUIMARÃES ROSA, João. Grande Sertão: Veredas. 12. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.
HARVEY, David. O Neoliberalismo: História e Implicações. São Paulo: Loyola, 2005.
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Raízes do Brasil. Rio de Janeiro: José Olympio, 1936.
LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, Enxada e Voto: O Município e o Regime Representativo no Brasil. Rio de Janeiro: Revista Forense, 1948.
PRADO JÚNIOR, Caio. História Econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1945.
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