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quarta-feira, 19 de março de 2025

O fim de Bolsonaro

Onde ficarão aqueles(as) que pregavam que
bandido bom é bandido morto”?

Imagem: Revista Veja

"(...) Bolsonaro, um ex-militar medíocre
expulso por indisciplina e tentativa de terrorismo,
passou 27 anos no Congresso sem apresentar
um projeto relevante, mas com um histórico de apologia à tortura,
elogios a torturadores, assassinos da ditadura e
defesa do extermínio de “bandidos”.” 


*por Herberson Sonkha


A revista Veja, um periódico da classe dominante, publicou, em sua edição de capa de 22 de novembro de 2024, a matéria intitulada "A Última Peça", acompanhada de uma foto que ilustra o tema. O foco da reportagem é Jair Bolsonaro e sua tentativa criminosa de derrubar o Estado Democrático de Direito.

No entanto, não se trata aqui de analisar a matéria da Veja, uma publicação que, previsivelmente, não aprofundará a crítica sobre quem Bolsonaro realmente representa e quais são as verdadeiras vítimas de seu discurso de ódio.

O slogan reacionário que prega que "bandido bom é bandido morto" serve como justificativa ideológica para a violência sistemática contra a classe trabalhadora e a juventude negra, enquanto seus verdadeiros algozes — a burguesia e seus representantes políticos — seguem impunes, protegidos pelo aparato estatal e pela mídia hegemônica.

Em qualquer sociedade capitalista contemporânea, independente das instituições democráticas, marcada pela interposição de interesses socioeconômicos do capital controlado pelas classes dominantes, a prisão jamais será uma consequência inevitável para todos que cometem crimes, sejam eles comuns ou de colarinho branco. No Brasil, país de capitalismo dependente, essa lógica se manifesta de forma ainda mais acentuada. A seletividade do sistema penal favorece determinados grupos sociais e pune outros de maneira desproporcional, evidenciando um mecanismo estruturado de desigualdade.

Embora a pena de morte seja proibida no Brasil, setores da direita e da extrema-direita promovem uma ideia-força que busca legitimar execuções extrajudiciais sob o lema “bandido bom é bandido morto”. Essa narrativa, amplamente difundida por discursos políticos e midiáticos de extrema-direita, naturaliza a violência policial e a eliminação sumária de indivíduos considerados indesejáveis pelo Estado e pela sociedade. Na prática, a ausência formal da pena capital é substituída por um sistema de extermínio seletivo, no qual cor da pele e classe social são determinantes para a aplicação da chamada "justiça".

Essa disparidade tem raízes estruturais profundas que, paradoxalmente, são pouco compreendidas por aqueles que mais sofrem com seus efeitos: a classe trabalhadora, as mulheres, populações LGBTQIAPN+, a população negra, a juventude negra e os povos originários. Em vez de garantir justiça equitativa, o Estado reproduz mecanismos ideológicos e repressivos que criminalizam e marginalizam esses grupos, perpetuando privilégios e aprofundando desigualdades.

A máxima hipócrita “bandido bom é bandido morto”, elevada a projeto político de poder desde 2016, não é um acidente retórico. Ela brota do solo envenenado do capitalismo dependente brasileiro, regado por séculos de violência colonial e escravidão. Como explica Florestan Fernandes (1965), a sociedade brasileira se ergueu sobre a exploração racial e de classe, mecanismos centrais para a acumulação de riquezas por uma elite branca e agrária. Os escravizados, tratados como “mercadorias” pelo Estado português, conforme Caio Prado Júnior (1942), eram alvo de um regime de terror: capitães-do-mato, tortura e execuções públicas garantiam a ordem escravocrata.

Essa lógica de extermínio, como analisa Jacob Gorender (1978), foi legitimada pela Igreja e pelas elites, que propagavam a ideologia da “pureza social” — um disfarce eugênico para justificar o genocídio negro e de povos originários. Após a abolição inconclusa de 1888, as periferias urbanas se tornaram “novas senzalas”, nas palavras de Kabengele Munanga (1999), onde a população negra foi confinada e criminalizada. A violência de Estado, agora travestida de “combate ao crime”, manteve seu alvo: pobres, negros e marginalizados, como denuncia Vera Malaguti Batista (2003).


Do terror colonial ao punitivismo moderno: a mesma lógica, novos disfarces

A frase “bandido bom é bandido morto” não é nova. Ela ecoa a mesma racionalidade dos senhores de engenho, que decidiam quem merecia viver ou morrer. Para a elite branca, escravizados e povos originários eram corpos descartáveis, como aponta Clóvis Moura (1983). Com a República, o Estado modernizou o aparato repressivo, mas manteve a lógica do extermínio. Florestan Fernandes (1976) destaca que a burguesia brasileira nunca permitiu a integração social da população negra, perpetuando-a nas margens da miséria.

A ditadura militar (1964-1985) deu roupagem “moderna” a essa prática. Como relata Carlos Marighella (1965), o regime usou a “Doutrina de Segurança Nacional” para justificar o assassinato de militantes de esquerda, negros e povos originários. A tortura virou política de Estado, e a expressão “bandido bom é bandido morto” foi aplicada a quem desafiava a ordem autoritária, como registra Nilo Batista (1990). Hoje, o mesmo discurso ressurge nas bocas da extrema-direita, que enxerga na violência policial um instrumento legítimo de controle social, conforme Vladimir Safatle (2015).


Bolsonaro: a expressão política da barbárie colonial

A eleição de Jair Bolsonaro em 2018 sintetiza o projeto neofascista que resgata o pior da herança colonial e ditatorial. Como define Jessé Souza (2017), o bolsonarismo é a “expressão política da barbárie colonial”, disfarçada sob uma fachada democrática. Bolsonaro, um ex-militar medíocre expulso por indisciplina e tentativa de terrorismo, passou 27 anos no Congresso sem apresentar um projeto relevante, mas com um histórico de apologia à tortura, elogios a torturadores, assassinos da ditadura e defesa do extermínio de “bandidos"— categoria que, segundo Loïc Wacquant (2001), inclui majoritariamente jovens negros das periferias.

Seu governo foi marcado pelo incentivo ao garimpo ilegal, à destruição ambiental e à perseguição violenta contra indígenas e comunidades pobres, como analisa Ruy Mauro Marini (2000). Aliado a milícias e grupos extremistas, Bolsonaro consolidou um projeto de poder baseado no ódio, na mentira e na supressão de direitos, conforme Nicos Poulantzas (1978). Mas a pergunta que se impõe é: se “bandido bom é bandido morto”, qual deve ser o destino de um político acusado de corrupção, articulação de golpe de Estado e crimes contra a humanidade?  


Criminologia crítica desmascara a farsa da “lei e ordem”

A teoria da criminologia marxista, representada por autores como Alessandro Baratta (2002), revela como o sistema penal serve para controlar as classes oprimidas. A retórica de “guerra às drogas” e “combate à criminalidade” mascara o genocídio negro. Angela Davis (2018) lembra que a seletividade penal é o “linchamento racial” do século XXI. Enquanto pobres são assassinados em operações policiais, crimes de colarinho branco — como os de Bolsonaro e seus aliados — são tratados com leniência.

O Estado Democrático de Direito não pode compactuar com a barbárie. A resposta à criminalidade deve passar por investigações rigorosas, julgamentos justos e punição dentro da lei — jamais por execuções sumárias. O Brasil precisa romper com o ciclo de violência colonial que ancora seu sistema de justiça. Como alerta Baratta (2002), justiça não se faz com sangue, mas com instituições que respeitem os direitos humanos.  


Sem anistia, sem esquecimento!

A história julgará não apenas Bolsonaro, mas toda uma elite que lucra com o extermínio negro e pobre. Se “bandido bom é bandido morto”, que a lei seja aplicada sem hierarquias de classe ou raça. O destino de quem defendeu essa máxima deve ser o mesmo que ele desejou aos outros: o rigor da justiça, não a vingança. Afinal, como ensina Florestan Fernandes (1965), só uma sociedade radicalmente democrática pode enterrar de vez o legado escravocrata que ainda nos assombra. 

Sem anistia! Justiça para todos!



REFERÊNCIAS

BARATTA, Alessandro. Criminologia Crítica e Crítica do Direito Penal. Rio de Janeiro: Revan, 2002.

BATISTA, Vera Malaguti. O Medo na Cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Revan, 2003.

BATISTA, Nilo. Introdução Crítica ao Direito Penal Brasileiro. Rio de Janeiro: Revan, 1990.

DAVIS, Angela. Estarão as Prisões Obsoletas? São Paulo: Boitempo, 2018.

FERNANDES, Florestan. A Integração do Negro na Sociedade de Classes. São Paulo: Dominus, 1965.

FERNANDES, Florestan. A Revolução Burguesa no Brasil, São Paulo: Zahar, 1976.

GORENDER, Jacob. O Escravismo Colonial. São Paulo: Ática, 1978.

MARIGHELLA, Carlos. Porque resisti à prisão. Rio de Janeiro: Brasiliense, 1965.

MARINI, Ruy Mauro. Dialética da Dependência. São Paulo: Boitempo, 2000.

MUNANGA, Kabengele. Rediscutindo a Mestiçagem no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 1999.

POULANTZAS, Nicos. O Estado, o Poder, o Socialismo. Rio de Janeiro: Graal, 1978.

PRADO JÚNIOR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1942.

SAFATLE, Vladimir. A Esquerda que Não Teme Dizer Seu Nome. São Paulo: Três Estrelas, 2015.

SOUZA, Jessé. A Elite do Atraso. Rio de Janeiro: Leya, 2017.

WACQUANT, Loïc. As Prisões da Miséria. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.


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