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terça-feira, 18 de março de 2025

Desmonte bolsonarista da Cultura em Vitória da Conquista

Foto: Conquista Repórter

O governo municipal replica o fascistóide playbook
bolsonarista contra políticas culturais progressistas


 

*por Herberson Sonkha 


 


Vitória da Conquista (BA) – Enquanto o sol inclemente do sertão baiano castiga as paredes rachadas do Teatro Carlos Jehovah, símbolo cultural abandonado pela prefeita, artistas locais organizam-se em resistência. A cena poderia ser um retrato de qualquer cidade brasileira sob governos alinhados ao projeto ultraliberal de Jair Bolsonaro. Mas aqui, no sudoeste da Bahia, a gestão da prefeita Sheila Lemos (União Brasil-UB) opera um manual de desmonte que espelha não apenas o legado de extrema-direita bolsonarista, mas ataca diretamente as políticas culturais construídas nas gestões petistas interrompidas pelo golpista Michel Temer, seguido pelo neofascista Jair Bolsonaro (2018-2022) e retomada por Lula em 2023 e seguida por Jerônimo Rodrigues 2023.


A Cultura como campo de batalha ideológica

Sob a lógica marxista [para um marxista], a cultura nunca é neutra: é um instrumento de dominação de classe ou de emancipação popular. Durante os governos Lula (2003-2010) e Dilma (2011-2016), o Ministério da Cultura (MinC) dirigido por figuras como Gilberto Gil e Juca Ferreira tornou-se um laboratório de políticas democratizantes. Programas como Cultura Viva e Pontos de Cultura buscavam descentralizar recursos e empoderar comunidades periféricas, rompendo com a lógica elitista do mecenato.

Em Vitória da Conquista, essa filosofia reverberou em gestões petistas anteriores (1997-2016), com editais transparentes, conselhos participativos e manutenção de equipamentos como o Teatro Carlos Jehovah. Hoje, porém, a cidade vive um refluxo. A gestão Sheila Lemos, aliada ao bolsonarismo, aplica um projeto claro: asfixiar a cultura pública para privatizar simbolicamente o imaginário coletivo, substituindo políticas de Estado por caridade de palanque.


O manual do desmonte: Da austeridade ao aparelhamento

Com base na reportagem da jornalista Karine Costa, intitulada “Representantes da cultura protocolam carta de reivindicação na Prefeitura de Conquista”, publicada em 07 de março no Conquista Repórter, são apresentados três eixos estratégicos desse desmonte:

Sucateamento de equipamentos públicos:  O fechamento do Teatro Carlos Jehovah não é acidente, mas tática. Espaços culturais públicos, quando abandonados, alimentam a narrativa de que "o Estado é ineficiente", pavimentando o caminho para parcerias público-privadas (PPPs) que beneficiam grupos empresariais. É a mesma lógica que levou ao leilão da Cinemateca Brasileira em São Paulo, sob gestão Bolsonaro.

Estrangulamento de editais: O atraso na divulgação dos resultados dos editais da Lei Aldir Blanc — recurso federal emergencial — não é mera incompetência. É sabotagem política. Ao dificultar o acesso a verbas, inviabiliza-se projetos independentes, fortalecendo apenas grupos alinhados ao governo. Na prática, reproduz-se o clientelismo da velha política coronelista, agora vestido de neoliberalismo.

Aparelhamento dos mecanismos de controle: A extinção de conselhos participativos e a nomeação de gestores sem diálogo com a classe artística seguem o roteiro bolsonarista de esvaziar a democracia participativa. Como escreveu Gramsci, a hegemonia cultural exige o controle dos aparelhos ideológicos do Estado. 


A resistência como contraponto dialético

A entrega de uma carta com 3,4 mil assinaturas à prefeitura não é apenas um ato de protesto: é a materialização da luta de classes no campo simbólico. Enquanto a gestão de Sheila Lemos nega até mesmo o direito à memória (deixando um teatro histórico em ruínas), coletivos como o Movimenta Cultura Conquista ocupam praças com saraus e lambe-lambes. Aqui, inevitavelmente, ecoa a máxima de Marx: "A história de toda sociedade até hoje é a história da luta de classes".


O PT e a cultura: Um projeto em xeque

A crítica marxista não pode ignorar contradições. Se, por um lado, governos petistas expandiram políticas inclusivas, por outro, mantiveram estruturas de financiamento amarradas à Lei Rouanet — mecanismo que, como denunciou o MST em 2013, privilegia elites artísticas. Em Conquista, mesmo sob gestões petistas, a concentração de recursos em eventos de massa (não menos importantes como o São João e Natal) em detrimento de coletivos periféricos revela limites estruturais.

Apesar das limitações estruturais apontadas, algumas ações foram implementadas nesse sentido. Nesse contexto, é fundamental reconhecer que uma das experiências mais exitosas do governo municipal de Vitória da Conquista, no que se refere a investimentos públicos na área cultural, ocorreu durante a gestão do músico, compositor e produtor cultural Nagib Barroso à frente da pasta de Cultura. Destaca-se, especialmente, o fomento à produção cultural da e na periferia durante o governo de Guilherme Menezes (PT).

Um exemplo dessa iniciativa foi o projeto A Voz do Muro, que promoveu a revitalização de espaços públicos por meio da arte urbana. Entre os paineis pintados por grafiteiros, um dos mais emblemáticos foi o do Teatro Carlos Jehovah, que se tornou um marco dessa ação cultural.

Todavia, a gestão atual não demonstrou nenhuma disposição para corrigir distorções: aprofunda-as. Enquanto os atuais governos de Lula com a Ministra Margareth Menezes e de Jerônimo Rodrigues (governador da Bahia pelo PT) tentam reerguer o MinC e o FazCultura (programa estadual de incentivo), a prefeitura local boicota até mesmo verbas federais. É o caso dos R$ 5 bilhões da Lei Paulo Gustavo (2023), que poderiam revitalizar o Teatro Carlos Jehovah, mas exigem contrapartida municipal — algo que a gestão Lemos ignora.


A Cultura não é mercadoria

Vitória da Conquista sintetiza o Brasil pós-golpe de 2016: um laboratório onde a extrema-direita testa sua guerra contra os direitos culturais, tratados como "gasto", não investimento. Enquanto Sheila Lemos aplica o receituário de Paulo Guedes ("ajuste fiscal acima de tudo"), artistas relembram Brecht: "Da violência que tudo esmaga, uma coisa sobrevive: a arte".

A pergunta que fica é: quanto tempo resistirá um teatro abandonado — ou um país — sob os escombros do neoliberalismo?  


Um comentário:

  1. Tempos difíceis. Tudo, porém, de que trata o texto, está evidenciado no descaso, no abandono deliberado e estratégico da face artístico-cultural pelo denominado "poder público" (que, de público, tem pouco ou nada). É bem verdade que, como se costuma dizer, "o sistema é cruel". A perpetuação de mandatos, a falência da "democracia representativa" (que, de resto, nada tem de democracia e cuja representatividade se restringe aos interesses dos mais ricos) desenham esse cenário escabroso que contemplamos. É preciso mais, bem mais do que o levantamento de cartazes para acender uma luz no final desse longo e tenebroso túnel que atravessamos.

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