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EDITORIAL | Cai a última trincheira de resistência à extrema-direita bolsonarista no Conselho Municipal de Saúde
"A nova Mesa Diretora do Conselho Municipal de Saúde de Vitória da Conquista assume sob forte controle da prefeita Sheila Lemos, colocando em risco a autonomia do controle social. Após anos de ataques sistemáticos e embates com os governos bolsonaristas Herzem-Sheila, a mudança ocorre em meio a fiscalizações que expuseram corrupção na Secretaria de Saúde, falhas no combate à dengue, reprovação de contas e oposição à privatização da Fundação Esaú Matos. Em vez de corrigir as falhas gigantescas de sua gestão, a prefeita opta por investir pesado na tentativa de controlar o Conselho Municipal de Saúde. Contudo, essa manobra não invalida a ação da Operação Dropout da Polícia Federal, que investiga um esquema de superfaturamento em licitações para testes de Covid-19, resultando em um prejuízo de R$ 677,9 mil ao município. Além disso, a prefeita removeu o procurador responsável pela apuração sem apresentar justificativa plausível, levando-o a acionar o Ministério Público. Se o conflito entre controle social e gestão municipal foi “resolvido” com a nova composição do Conselho, os problemas da administração permanecem intocados: ausência de estofo intelectual, incapacidade técnica, incompetência administrativa e indícios de práticas imorais continuam a marcar um governo que mantém suas raízes no bolsonarismo."
*por Herberson Sonkha
Vitória da Conquista/BA - Na última segunda-feira (12), os novos conselheiros e conselheiras do Conselho Municipal de Saúde (CMS) tomaram posse e elegeram a nova mesa diretora. O evento, no entanto, ocorreu em um cenário de intensa interferência política e fragilização do controle social, aprofundando uma crise que remonta à gestão do ex-prefeito Herzem Gusmão (MDB) e que se mantém sob a administração da atual prefeita, alinhada ao bolsonarismo. Essa conjuntura expõe uma tentativa sistemática de desconstrução dos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), especialmente a participação social e a universalidade do acesso, pilares fundamentais definidos pela Lei nº 8.080/1990.
Desde o governo de Gusmão, que adotou uma postura negacionista durante a pandemia de COVID-19, o CMS tem sido alvo de ataques. O ex-prefeito adquiriu cloroquina — medicamento sem eficácia comprovada para o tratamento da doença —, posicionou-se contra o lockdown e tentou privatizar as ambulâncias do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU 192). O Conselho resistiu a essa sanha privatista, impedindo que a saúde pública fosse transformada em mercadoria para o lucro desenfreado de empresários do setor hospitalar e de clínicas privadas. Essa postura reafirmou o compromisso do CMS com os princípios do SUS, que preconizam a gestão pública e o controle social como ferramentas essenciais para a garantia da saúde como direito universal.
A relação da atual prefeita com o Conselho tem sido igualmente conflituosa, marcada por descaso e negligência, o que contraria diretamente as diretrizes do SUS, que exigem transparência e participação popular na gestão das políticas de saúde.
A destruição da resistência técnica e intelectual
Sob as gestões anteriores de Monaliza Barros, Lúcia Dória, Juliana Oliveira e Tereza Magalhães, o CMS de Vitória da Conquista manteve uma defesa intransigente do SUS, resistindo a sucessivas tentativas de imposição de uma gestão ultraconservadora e privatista. A atuação do Conselho sempre esteve alinhada aos princípios da integralidade e da equidade, fundamentais para o funcionamento do SUS, conforme destacado por Jairnilson Paim em sua obra O que é o SUS? No entanto, a recente eleição da nova mesa diretora sinaliza uma ruptura preocupante com essa tradição de resistência.
Os ataques sistemáticos ao Conselho parecem estar diretamente relacionados à sua qualificação técnica e intelectual, bem como ao seu papel fiscalizador. O órgão identificou indícios de corrupção na Secretaria Municipal de Saúde, o que levou à deflagração da Operação Dropout pela Polícia Federal. Durante a investigação, a PF cumpriu mandados de busca e apreensão na Secretaria Municipal de Saúde, apurando a atuação de uma organização criminosa que, em 2020, teria desviado recursos públicos por meio do superfaturamento de licitações para a compra de testes de Covid-19. Segundo reportagem da jornalista Camila Tíssia, publicada pela CNN Brasil em 25 de abril de 2024, o esquema resultou em um desvio de mais de R$ 2 milhões, gerando um prejuízo de pelo menos R$ 677,9 mil ao município.
Paralelamente à investigação, a prefeita Sheila Lemos determinou a retirada do procurador responsável pelo caso, sem apresentar justificativas plausíveis. Em resposta, o ex-procurador acionou o Ministério Público, questionando sua remoção e reforçando as denúncias sobre irregularidades na pasta da saúde.
Uma Mesa Diretora do Conselho subordinada ao bolsonarismo
A chapa eleita, articulada pelo governo municipal, é composta exclusivamente por homens, ignorando a paridade de gênero e deixando clara, desde os primeiros atos, sua orientação política. No mesmo dia da posse, a nova diretoria submeteu-se publicamente à prefeita, uma figura que historicamente nunca demonstrou qualquer respeito pelo controle social, princípio basilar do SUS. Essa submissão representa um retrocesso na luta por uma gestão democrática e transparente, além de sinalizar uma possível guinada rumo à privatização de serviços essenciais.
Há indícios de que a estratégia do governo municipal de tomar o controle do CMS está diretamente ligada à privatização da Fundação Pública de Saúde Esaú Matos. A instituição foi deliberadamente afundada financeiramente por meio da nomeação de gestores incompetentes e perseguições a funcionários. Denúncias apontam ainda o uso indevido do hospital para fins eleitorais — convertendo a máquina pública em um comitê de campanha do ex-diretor da fundação, que posteriormente se candidatou a vereador.
Se essa movimentação for confirmada, representará um golpe brutal contra as mulheres da periferia, que dependem dos serviços públicos de saúde do Esaú Matos. Isso comprometeria o caráter universal e democrático do SUS, conquistado por décadas de luta da sociedade civil organizada. Essa perspectiva contraria frontalmente o princípio da universalidade, que assegura o acesso igualitário aos serviços de saúde, independentemente de gênero, raça ou classe social.
O desmonte da participação popular
Apesar das dificuldades, o CMS continuou desempenhando seu papel institucional, fiscalizando a execução das políticas públicas de saúde, debatendo diretrizes e emitindo pareceres técnicos que, quase sempre, contrariavam as decisões políticas equivocadas do governo municipal. Durante a pandemia de COVID-19 e os surtos de dengue, o Conselho denunciou o abandono da cidade e o descumprimento de portarias do Governo do Estado, do Governo Federal e da Organização Mundial da Saúde (OMS).
Nos últimos meses, a prefeita articulou uma ofensiva para assumir o controle da direção do Conselho. A nova mesa diretora, alinhada à gestão municipal, já começou a difundir a narrativa de que o órgão está agora sob influência direta da prefeita. Essa estratégia, além de fragilizar o controle social, ameaça a equidade, um dos pilares do SUS, que busca reduzir desigualdades no acesso aos serviços de saúde.
A queda dessa última trincheira de resistência sanitarista à extrema-direita no CMS representa não apenas um ataque ao SUS, mas também uma ameaça à democracia e ao direito universal à saúde.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990. Diário Oficial da União, Brasília, 1990.
PAIM, Jairnilson Silva. O que é o SUS? Rio de Janeiro: Fiocruz, 2011.
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