Translate

Seguidores

domingo, 12 de outubro de 2025

O tragicômico novo presidente do Conselho Municipal de Cultura de Vitória da Conquista

Foto: Arquivo / Dirlêi Bonfim


*por Dirlêi Andrade Bonfim¹ e Herberson Sonkha²



 


VITÓRIA DA CONQUISTA/BA - O histórico do radialista realista, conhecido por seu posicionamento ultrarreacionário e de extrema direita, revela uma contradição alarmante: ele acaba de assumir a presidência do Conselho Municipal de Cultura (CMC) de Vitória da Conquista, na atual gestão. Esse fato não é isolado — trata-se da materialização local de um fenômeno mais amplo que, como analisaram os pensadores da Escola de Frankfurt, representa a captura da cultura pela lógica do mercado e do espetáculo, transformando o espaço simbólico da criação e da crítica em mero instrumento de reprodução ideológica do poder.

O extremismo de direita é inimigo mortal da compreensão crítica das contradições sistêmicas do capitalismo que circunscrevem a realidade social, econômica, cultural e política brasileira. Como nos alertam Theodor Adorno e Max Horkheimer, em Dialética do Esclarecimento (1947), a “indústria cultural” converte a arte em mercadoria, apagando sua função emancipatória e submetendo o pensamento à racionalidade instrumental — a mesma que serve à dominação.

Em um país dividido entre a razão e o delírio; entre a fartura da riqueza extrema e a escassez que perpetua a pobreza, essa lógica se manifesta em todos os campos, inclusive no da cultura. A fome e a miséria da maioria contrastam com a ostentação de poucos; são os mesmos poucos que controlam tudo — da produção, do capital e da terra ao imaginário social e aos bens simbólicos. Qualquer verdade só se sustenta quando submetida ao rigor crítico da realidade brasileira e à crítica da razão instrumental que a sustenta.

A extrema direita, enquanto expressão política da razão instrumental denunciada por Adorno e Horkheimer, é essencialmente antidemocrática. Mesmo as formas liberais de democracia lhe são incômodas, pois nelas ainda resiste — ainda que de forma frágil — o princípio da crítica e da autonomia do sujeito. Em essência, seus agentes são partidários do golpismo e da cultura do ódio, que produzem o terrorismo social, a escalada da fome, o desemprego desenfreado, as múltiplas violências e a consolidação de um Estado mínimo para quem produz a riqueza, mas máximo para quem dela se apropria covarde, opressora e violentamente.

A eleição que conduziu o referido radialista à presidência do CMC foi forjada e deliberadamente manipulada por grupos ligados à gestão municipal, especialmente pela equipe da SECTEL. A cultura, assim, torna-se refém daquilo que Guy Debord, em A Sociedade do Espetáculo (1967), denominou de “representação total da vida social”: tudo o que era vivido se transforma em imagem, e o espetáculo torna-se o principal mecanismo de dominação. Não se busca o pensamento, mas a visibilidade; não se incentiva a criação, mas o consumo. É a estetização da política e a espetacularização da cultura.

A quem interessa o caos senão àqueles que, em condições normais, jamais seriam aceitos como referência de seriedade, honestidade política e competência intelectual? Por essas bandas do sertão baiano, o que se vê é a carência deliberada de pensamento crítico, substituído pelo simulacro de prestígio e poder — um sintoma da barbárie cultural que Adorno identificava como efeito direto da mercantilização da arte.

A atual administração municipal vem, de forma gradual e estratégica, desarticulando os Conselhos Municipais, pois não deseja que esses órgãos cumpram suas funções constitucionais de fiscalizar, auditar e emitir pareceres técnicos. A crítica é vista como ameaça. Enfrentar a realidade e lidar com a multiplicidade de perspectivas de verdade nunca foi o forte da direita, menos ainda da extrema direita — o que explica a predisposição para mentir deliberada e descaradamente à população.

Assim, repete-se o mecanismo descrito por Herbert Marcuse em O Homem Unidimensional (1964): a supressão da negatividade e da contestação, substituídas por um consenso artificial que esvazia o pensamento e reduz a cidadania à passividade. Esse processo de supressão da crítica manifesta-se de forma evidente em diversos comportamentos da Secretaria de Cultura de Vitória da Conquista. Um exemplo claro é o uso de um “consenso artificial”, mecanismo que tem esvaziado a opinião da comunidade sobre a relevância dos equipamentos públicos de cultura do município e sobre a necessidade urgente de investimento para a revitalização desses espaços.

Abriu-se um processo de escuta pública com a finalidade de permitir que a comunidade escolhesse, de forma participativa e democrática, o melhor destino para o recurso destinado pelo governo federal através da Política Nacional Aldir Blanc de Fomento a Cultura (PENAB). A partir dessa escuta, definiu-se que o investimento — de mais de 1 milhão de reais — deveria priorizar a reforma e revitalização do Teatro Carlos Jehovah, da Casa Glauber Rocha e do Cine Madrigal, considerados pela população como as principais demandas e prioridades culturais do município.

Entretanto, de maneira arbitrária, o secretário de fato, contrariando o secretário de direito [Será?] da pasta, o músico Xangai, desconsiderou o resultado da escuta e optou pela compra de uma carreta-palco. Tal decisão ignorou as críticas e manifestações da comunidade que reivindicavam o cumprimento das prioridades definidas coletivamente. Assim, o que prevaleceu foi a vontade da toda soberana, e não as escolhas legítimas da população.

Ressalta-se que não há nenhum problema em adquirir uma carreta-palco; contudo, essa não era a prioridade estabelecida pela escuta pública, tampouco refletia o interesse popular manifestado de forma transparente e democrática. Essa é a lógica do governo que vem suprimindo o controle social dos conselhos municipais de Vitória da Conquista, principalmente o de cultura para adequá-lo aos interesses pessoais e de mercado da prefeita. Como isso acontece?

O método é simples: cooptar os membros dos conselhos (preferencialmente, àquelas pessoas sem estofo intelectual, volúveis e sempre à espreita de uma oportunidade para se dar bem) mais estratégicos — como os da Saúde e da Educação, que concentram maiores recursos — e, em seguida, controlar os demais, como os de Cultura, Meio Ambiente e Serviços Públicos. Trata-se de um processo de aniquilamento das ideias, do debate e da crítica, realizado por meio do sequestro institucional dos conselhos, do linchamento moral de lideranças de esquerda e da capitulação escancarada daqueles que, seduzidos pela lógica do espetáculo, oferecem seus préstimos privados ao governo de plantão. O que Debord chamou de “colonização do imaginário” assume, aqui, a forma de um espetáculo político-cultural que destrói a autonomia da arte e a reduz a instrumento de legitimação do poder.

É dessa forma que a atual administração pública municipal vem atuando em todas as áreas, impondo um controle autoritário e afastando a participação popular. O que se instala é o que Adorno e Horkheimer chamariam de racionalidade administrada: um sistema em que até a cultura é submetida à lógica do gerenciamento e da utilidade, perdendo seu caráter crítico e transformador.

Essa é a triste realidade de Vitória da Conquista — o terceiro maior município da Bahia, detentor do terceiro maior orçamento do Estado —, hoje controlado com mão de ferro pela atual gestora. A política cultural é convertida em mercado e espetáculo, onde o artista é transformado em produto e o público, em consumidor passivo. Uma verdadeira tragédia para a democracia, para a crítica e para a cultura conquistense — pois, como diria Adorno, “onde tudo se converte em mercadoria, até a liberdade perde o seu sentido”.

  

REFERÊNCIAS

ADORNO, Theodor W. Minima Moralia: Reflexões a partir da vida danificada. São Paulo: Ática, 1993.

ADORNO, Theodor W.; HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1985 [1947].

DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Rio de Janeiro: Contraponto, 1997 [1967].

MARCUSE, Herbert. O Homem Unidimensional. Rio de Janeiro: Zahar, 1967 [1964].


_____________________________________

[1] Dirlêi Andrade Bonfim - Professor, é Pós-Doutor em Educação, pelo PROGRAMA/PPGED, DA UESB Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Doutor em Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente, pela UESC, Mestre em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente pelo PROGRAMA/PRODEMA DA UESC – Universidade Estadual de Santa Cruz. Presta Assessoria/Consultoria na área Administrativa e Contábil, para empresas da cidade de Vitória da Conquista e região. É Professor concursado da SEC/BA. Secretaria da Educação do Estado da Bahia. É Professor pesquisador da FASU – Faculdade do Sudoeste. É Poeta, Escritor, Compositor, Músico, membro fundador do MAC – Movimento Artístico e Cultural de Vitória da Conquista, atualmente Coordenador. É membro da ACL Academia Conquistense de Letras.

[2] Herberson Sonkha é poeta, compositor, escritor, Blogger, produção de conteúdo de mídias, militante social (APN’s e MNU) comunista, produtor cultural, projetista, assessoria técnica (econômica, administrativa e financeira) do projeto.

0 comments :

Postar um comentário

Buscar neste blog

por autor(a)

Arquivo

Inscreva seu e-mail e receba nossas atualizações: