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segunda-feira, 19 de agosto de 2024

O parecer de Adriano Soares da Costa: A luta contra a perpetuação familiar no poder e a defesa da democracia

Foto: Alô Alô Bahia

"A perpetuação no poder, especialmente por meio de dinastias familiares, subverte os princípios democráticos fundamentais ao criar uma concentração indesejável de poder político em um grupo restrito" (Ackerman, 2014, p. 112). 

*por Herberson Sonkha


O parecer foi solicitado pela coligação "Força para Mudar Conquista", que representa uma frente democrática popular, e trata da possível inelegibilidade da prefeita Sheila Lemos (UB), vinculada a uma agenda política de extrema-direita, para as eleições de 2024, nas quais ela busca a reeleição. O objetivo deste texto é investigar o fundamento jurídico da peça processual apresentada ao juizado eleitoral sobre a violação do regramento constitucional.

A primeira hipótese levantada é a da inelegibilidade, cujo argumento se baseia na substituição temporária de Herzem Gusmão, ex-prefeito de Vitória da Conquista, por sua vice, Irma Lemos (mãe de Sheila Lemos), no final do ano de 2020. Segundo o parecer, isso configura a inelegibilidade de Sheila, pois a lei impede a reeleição de um terceiro membro consecutivo da mesma família no cargo de prefeito. Essa arguição considera o “período relevante” da substituição ocorrida dentro dos nove meses que antecedem a eleição, que é o ponto central do parecer. A jurisprudência entende que a lei deve prevenir a perpetuação de grupos familiares no poder.

A defesa argumenta que existe um entendimento diferente, contrapondo-se à hipótese acusatória com a discussão sobre “substituição versus sucessão”. A defesa de Sheila Lemos afirma que as substituições feitas por Irma Lemos foram temporárias e fora do período crítico dos seis meses que antecedem a eleição. A defesa sustenta que a sucessão só ocorreu após a morte de Herzem, o que não influenciaria na inelegibilidade de Sheila. Em tese, conclui-se que o parecer afirma que a candidatura de Sheila Lemos deve ser considerada inelegível, pois sua reeleição configuraria um terceiro mandato consecutivo de membros da mesma família no poder. A análise considera que a vedação à reeleição de um terceiro mandato familiar visa impedir a perpetuação de dinastias políticas.

Leva-se em consideração a hipótese de que há impacto nas substituições, dando ênfase à substituição temporária de Irma Lemos no final de 2020, que tem implicações legais significativas, especialmente no contexto da vedação à perpetuação familiar no poder. Este é um ponto crucial, pois sublinha o entendimento de que a simples substituição dentro do período relevante já constitui motivo para inelegibilidade.

A hipótese levantada dialoga com a interpretação da lei que se alinha com uma interpretação rigorosa das normas de inelegibilidade, apontando para a proteção do processo eleitoral contra a perpetuação de grupos familiares no poder. Essa interpretação visa reforçar a ideia de que a democracia deve ser protegida de dinastias políticas. Isso diverge da hipótese da defesa de Sheila Lemos, que se baseia na diferença entre substituição e sucessão, argumentando que não houve exercício contínuo de mandato por parte de Irma Lemos que justificasse a inelegibilidade. No entanto, o parecer contrapõe essa visão ao focar no período de substituição dentro dos nove meses que antecedem a eleição, o que seria suficiente para configurar a inelegibilidade.

A tentativa da defesa de desviar o foco da influência eleitoral, visando fragilizar o argumento da relevância eleitoral, tem como objetivo refutar a hipótese das implicações diretas para o cenário eleitoral de Vitória da Conquista, pois, caso acatado, impedirá Sheila Lemos de concorrer à reeleição, alterando a dinâmica da corrida eleitoral.

Os advogados autores da ação recorrem ao parecer do jurista Adriano Soares da Costa, que oferece uma análise detalhada e fundamentada sobre a inelegibilidade de Sheila Lemos, enfatizando a importância da vedação à perpetuação familiar no poder. Ele contribui para o debate jurídico sobre a aplicação das normas eleitorais, especialmente no que tange à proteção da democracia contra a influência excessiva de dinastias políticas.

Embora a peça tenha sido lida e analisada várias vezes, há a necessidade de aprofundar o debate acerca do parecer de Adriano Soares da Costa, que reitera a inelegibilidade de Sheila Lemos para as eleições de 2024. Isso pode ser analisado à luz de teorias constitucionais contemporâneas que abordam temas como inelegibilidade, dinastias políticas e a proteção da democracia.

Pesquisando em artigos e obras que discutem o pensamento teórico da constitucionalidade contemporânea, deparei-me com o posicionamento do estudioso jurídico americano Bruce Arnold Ackerman, que se equipara à abordagem do jurista Adriano Soares da Costa. Segundo Bruce Ackerman, em sua obra “Nós, o Povo: A Revolução dos Direitos Civis” [We the People: The Civil Rights Revolution] de 2014, ele discute a necessidade de mecanismos constitucionais que protejam a democracia de oligarquias e perpetuações indevidas de poder. Ackerman afirma que "a perpetuação no poder, especialmente por meio de dinastias familiares, subverte os princípios democráticos fundamentais ao criar uma concentração indesejável de poder político em um grupo restrito" (Ackerman, 2014, p. 112).

Nesse sentido, Adriano Soares da Costa adota uma interpretação rigorosa das normas de inelegibilidade, sustentando que até mesmo a substituição temporária dentro do período relevante (os nove meses que antecedem a eleição) é suficiente para configurar inelegibilidade. O rigor na interpretação de Adriano Soares da Costa se aproxima de outro estudioso, Richard Albert, um acadêmico canadense na área do direito, atuando como Professor de Constituição Mundial na Universidade do Texas (Austin) e como Diretor de Estudos Constitucionais e fundador do Fórum Internacional sobre o Futuro do Constitucionalismo.

Richard Albert defende uma posição semelhante em sua obra “Emendas Constitucionais: Fazendo, Quebrando e Mudando Constituições” [Constitutional Amendments: Making, Breaking, and Changing Constitutions] publicada em 2019. Albert argumenta que:

"as normas constitucionais devem ser interpretadas de maneira a assegurar a proteção dos princípios fundamentais da democracia, especialmente quando em jogo está a possibilidade de perpetuação de poder por um mesmo grupo político" (Albert, 2019, p. 198).


Ele destaca que uma interpretação estrita é essencial para evitar que brechas legais sejam exploradas para minar a integridade do processo eleitoral.

Sobre a diferença entre “substituição e sucessão”, levantada pela defesa de Sheila Lemos, visando esclarecer a distinção e alegando que as substituições temporárias não deveriam influenciar a inelegibilidade, vale destacar a discussão do jurista americano Mark Victor Tushnet em sua obra publicada em 2021, intitulada “Introdução Avançada ao Direito Constitucional Comparado” [Advanced Introduction to Comparative Constitutional Law], onde ele explora como diferentes sistemas constitucionais tratam as questões de elegibilidade e inelegibilidade.

Tushnet observa que "a distinção entre substituição e sucessão pode ser relevante, mas o contexto e as implicações para a continuidade do poder político devem ser cuidadosamente considerados" (Tushnet, 2021, p. 153). A advertência de Tushnet de que, em casos onde a substituição pode afetar significativamente o equilíbrio de poder, as normas devem ser aplicadas de forma a preservar a justiça eleitoral é relevante. O rigor interpretativo de Adriano Soares da Costa visa evitar o desequilíbrio do poder e a preservação da justiça eleitoral.

Seria negligente identificar, circunscrever e apresentar uma hipótese à justiça eleitoral sem o devido fundamento e rigor interpretativo. Isso se aplica também à hipótese de resguardar direito líquido e certo (não há dúvidas sobre a existência do direito; o direito é reconhecido e garantido por lei; e pode ser reivindicado em juízo sem necessidade de provas complexas) em relação a quaisquer dinastias políticas.

O que motiva a ação, preocupação expressa no parecer, é a tentativa de "eternização" de um grupo familiar no poder, como adverte o teórico e professor norte-americano David Landau em sua obra publicada em 2013, intitulada “Constitucionalismo Abusivo” [Abusive Constitutionalism]. Landau argumenta que:

"um dos grandes desafios para as democracias contemporâneas é prevenir o abuso das regras constitucionais para manter um grupo no poder por meio de mecanismos que aparentemente respeitam o direito formal, mas que, na prática, violam a essência democrática" (Landau, 2013, p. 197).

O parecer de Adriano Soares destaca a vedação ao terceiro mandato consecutivo da mesma família, mesmo quando disfarçado de sucessões legais.

O parecer de Adriano Soares da Costa alinha-se com as preocupações e interpretações dos principais teóricos constitucionalistas contemporâneos, como Bruce Ackerman, Richard Albert, Mark Tushnet e David Landau. A interpretação das normas de inelegibilidade e a preocupação com a perpetuação de poder familiar refletem uma abordagem que visa proteger a integridade do processo democrático.

Ao referenciar esses teóricos, podemos entender o parecer como parte de um esforço para garantir que o sistema constitucional resista às tentações de abuso e mantenha sua função de proteger a democracia contra o poder excessivo de grupos específicos.


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REFERÊNCIAS

ACKERMAN, Bruce. We the People: The Civil Rights Revolution. Cambridge: Harvard University Press, 2014.

ALBERT, Robert. Constitutional Amendments: Making, Breaking, and Changing Constitutions. Oxford: Oxford University Press, 2019.

LANDAU, David. Abusive Constitutionalism. UC Davis Law Review, v. 47, n. 1, p. 189-260, 2013.

TUSHNET, Mark. Advanced Introduction to Comparative Constitutional Law. Cheltenham: Edward Elgar Publishing, 2021.

SOARES DA COSTA, Adriano. Parecer Jurídico: Eleições 2024: Parecer Jurídico reitera a inelegibilidade de Sheila Lemos. Resumo apresentado pela coligação "Força para Mudar Conquista", 2024. Disponível em Blog do Sena: https://blogdosena.com.br/eleicoes-2024-parecer-juridico-de-escritorio-de-direito-eleitoral-reitera-a-inegibilidade-de-sheila-lemos/


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