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segunda-feira, 5 de agosto de 2024

FSP: É hora de debater o sindicalismo pelego!

Imagem: Perito.Med

"A expressão "pelego" tem suas raízes em uma peça de lã usada entre a sela e o lombo do cavalo, que serve para amortecer impactos. Metaforicamente, descreve sindicalistas que atuam como amortecedores entre os trabalhadores explorados e os empregadores exploradores, atenuando as demandas das classes operárias."


*por Herberson Sonkha



Como membro fundador do Fórum Sindical e Popular (FSP) e integrante da corrente de oposição sindical, minha atuação sindical se dá na base do Movimento Luta de Classes (MLC), uma vertente enraizada na tradição marxista-leninista. É fundamental acompanhar as diversas correntes sindicais que compõem nosso espaço, mas é igualmente necessário reconhecer que nem todos os sindicalistas defendem as mesmas causas ou compartilham do mesmo horizonte. Nesse artigo, proponho distinguir o berço do movimento sindical revolucionário e seu desenvolvimento histórico e o contra-movimento sindical de berço liberal capitalista de caráter pelego.

Em artigo de junho de 2011, o pesquisador em História e doutor pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), Marco Antônio Brandão, analisa a origem social do empresariado industrial europeu, destacando as contribuições de E. P. Thompson e Eric J. Hobsbawm. Brandão argumenta que, embora esses autores sejam amplamente reconhecidos por seus estudos sobre a classe trabalhadora, suas obras também enfatizam a relação entre trabalhadores artesãos e industriais nos primórdios do capitalismo industrial. Essa análise oferece uma perspectiva rica sobre as dinâmicas sociais que moldaram o cenário econômico da época.

Segundo Dobb, os primeiros industriais eram, em grande parte, oriundos de origens humildes, provenientes de mestres artesãos ou pequenos proprietários rurais (Dobb, 1976). Em contrapartida, Sweezy defende que a indústria não emergiu da evolução do trabalho artesanal, mas de indivíduos com capitais disponíveis (Sweezy, 1977).

Marx sugere que muitos mestres artesãos se transformaram em capitalistas rudimentares através da exploração do trabalho assalariado (Marx, 2005). Assim, a análise revela que a classe operária e o empresariado industrial emergiram simultaneamente durante a industrialização, com muitos trabalhadores ascendendo à posição de industriais.

Thompson, em sua obra clássica, destaca a importância dos mestres tecelões na formação do empresariado industrial, enfatizando que a introdução de máquinas degradou a autonomia dos artesãos (Thompson, 1987). Ele observa que, apesar da perda de prestígio, muitos mestres artesãos conseguiram se transformar em industriais durante o processo de industrialização.

Erick Hobsbawm, por sua vez, descreve a transição dos camponeses-artesãos para o assalariamento e a formação de uma nova classe industrial, ressaltando que os primeiros industriais eram frequentemente self-made-men, ou "homens que se fizeram sozinhos" (Hobsbawm, 1991). Ele também aponta a dificuldade de ascensão social para os trabalhadores artesãos, que, mesmo possuindo habilidades, não conseguiram manter seu status diante da industrialização (Hobsbawm, 1977). Marco Antônio Brandão conclui que a origem social do empresariado capitalista industrial é marcada pela mobilidade de trabalhadores, revelando uma conexão intrínseca entre a classe trabalhadora e a burguesia industrial.

Contudo, é com a organização sociopolítica da classe trabalhadora denominada de sindicato que se vislumbra uma ruptura ideológica programática entre essas duas classes sociais antípodas. Muito provavelmente, estimulada pela entrada da classe trabalhadora organizada na luta de classes com base no Manifesto do Partido Comunista de 1948. No final do século XIX e no decorrer do século XX, outros teóricos revolucionários de primeira tradição marxiana, vão desenvolver estratégias e táticas de lutas sociais de enfrentamento ao sistema capitalista e sua ordem civil burguesa para a classe trabalhadora e suas instituições políticas (sindicato) no movimento social.

Do ponto de vista da organização social da classe trabalhadora, a concepção sindical de Lenin destaca a importância dos sindicatos como instrumentos de luta revolucionária, fundamentais para a organização da classe trabalhadora. Em sua obra “O Que Fazer?”, Lenin (1902) argumenta que "os sindicatos devem ser utilizados não apenas para a defesa dos interesses econômicos, mas também como uma escola de luta política, onde os trabalhadores aprendem a se organizar e a lutar contra a opressão" (p. 67).

Essa perspectiva enfatiza que os sindicalistas revolucionários têm a responsabilidade de elevar a consciência de classe dos trabalhadores, transformando os sindicatos em verdadeiros centros de mobilização e resistência contra o capitalismo. Lenin defende que a união entre a luta econômica e a luta política é essencial para a construção de uma sociedade socialista, onde os trabalhadores não apenas reivindiquem melhorias imediatas, mas também se preparem para a transformação radical da sociedade (LENIN, 1902, p. 72).

A concepção sindical marxista-leninista fundamenta-se na ideia de que os sindicatos devem ser instrumentos de luta da classe trabalhadora, visando a emancipação social e a superação do capitalismo. Segundo Gramsci (1978), em Os Escritos Políticos, "os sindicatos não são apenas instituições de defesa dos interesses econômicos imediatos, mas também espaços de conscientização e organização política dos trabalhadores" (p. 123).

Essa visão enfatiza a necessidade de uma atuação sindical que transcenda a mera negociação de condições de trabalho, promovendo uma consciência crítica entre os trabalhadores sobre suas condições de exploração e a luta de classes. Assim, a prática sindical deve estar imersa em uma estratégia de transformação social, unindo a defesa dos direitos trabalhistas à busca por mudanças estruturais na sociedade (GRAMSCI, 1978, p. 145).

É crucial estabelecer um critério teórico-metodológico que permita distinguir entre pelegos e revolucionários, evitando a mistificação da luta sindical para a classe trabalhadora. Para isso, é necessário primeiro definir o conceito de "sindicalismo pelego". Originado no Brasil durante a Era Vargas, esse termo refere-se a líderes sindicais que colaboram com o governo ou com os patrões, em detrimento dos interesses dos trabalhadores.

A expressão "pelego" tem suas raízes em uma peça de lã usada entre a sela e o lombo do cavalo, que serve para amortecer impactos. Metaforicamente, descreve sindicalistas que atuam como amortecedores entre os trabalhadores explorados e os empregadores exploradores, atenuando as demandas das classes operárias.

Historicamente, o sindicalismo pelego floresceu em contextos de forte controle estatal sobre os sindicatos. Durante o Estado Novo (1937-1945), o governo de Getúlio Vargas implementou uma política de "sindicalismo de Estado", onde os sindicatos eram integrados ao aparelho estatal, com líderes frequentemente nomeados ou controlados pelo governo.

Esse modelo de sindicalismo, em geral, colabora com governos liberais e patrões capitalistas. Essa colaboração evidencia por que os sindicalistas pelegos tendem a agir contra os interesses da classe trabalhadora, muitas vezes em troca de vantagens pessoais ou benefícios para uma minoria. Eles atuam com extrema repressão às lutas dos trabalhadores, desmobilizando greves e movimentos operários, e frequentemente se caracterizam por uma gestão marcada pela falta de transparência e corrupção.

Outro aspecto importante é a manipulação da informação. Os pelegos distorcem dados para manter os trabalhadores desinformados, evitando mobilizações que contrariem seus interesses. Essa prática gera uma mistificação ideológica e política, prevalecendo um comportamento reacionário, geralmente alinhado ao status quo. Essa liderança coercitiva busca manter uma relação de subordinação aos interesses das classes dominantes, sejam empresariais ou governamentais.

Politicamente, os sindicalistas pelegos favorecem a manutenção da ordem estabelecida, evitando conflitos que possam desestabilizar suas posições. Eles costumam estar associados a partidos políticos liberais conservadores ou centristas, que priorizam a paz social em detrimento das reivindicações operárias. Assim, seu principal adversário são as correntes sindicais de concepção marxista-leninista.

Essa oposição explica a virulência dos pelegos ao atacarem a militância vinculada a essa corrente, que representa uma ameaça direta ao seu modo de operação. O marxismo-leninismo defende a luta de classes e a emancipação dos trabalhadores por meio da organização autônoma e independente, contrastando com a postura colaboracionista dos pelegos.

Outra questão relevante é a negligência das questões de raça e gênero por parte dos sindicalistas pelegos, que reflete uma visão excludente que perpetua as desigualdades dentro da classe trabalhadora. Lélia Gonzalez (1988) enfatiza que a opressão racial e de gênero está intrinsecamente ligada à luta de classes, afirmando que "as mulheres negras são as mais afetadas pela exploração capitalista e pela opressão patriarcal" (GONZALEZ, 1988, p. 32).

Essa interseccionalidade, que reconhece a simultaneidade das opressões, é frequentemente ignorada por líderes sindicais que priorizam uma agenda que não abrange as especificidades das vivências de mulheres e trabalhadores negros. Ao desconsiderar essas questões, o sindicalismo pelego não apenas falha em representar adequadamente todos os trabalhadores, mas também contribui para a marginalização das vozes que deveriam ser centrais na luta por justiça social.

Angela Davis (1981) complementa essa análise ao afirmar que a luta feminista e a luta contra o racismo são inseparáveis da luta de classes, destacando que "não podemos lutar contra a opressão de uma classe sem considerar as opressões de raça e gênero que afetam as vidas das pessoas dentro dessa classe" (DAVIS, 1981, p. 15). Sueli Carneiro (2003) também critica o movimento sindical tradicional por sua tendência a marginalizar as questões de gênero e raça, argumentando que "as lutas por igualdade de gênero e raça não podem ser vistas como secundárias ou periféricas na luta sindical" (CARNEIRO, 2003, p. 45). Dessa forma, a postura dos sindicalistas pelegos, ao negligenciar essas dimensões, não apenas enfraquece a luta coletiva, mas também perpetua um modelo de sindicalismo que não atende às necessidades de todos os segmentos da classe trabalhadora.

Com esse histórico, surgem contradições na práxis política dos sindicalistas pelegos. Uma delas é a disparidade entre discurso e prática. Embora se declarem defensores dos trabalhadores, na prática, atuam para desmobilizar e reprimir movimentos operários. Essa contradição revela a primazia dos interesses pessoais sobre os coletivos, traindo a confiança depositada neles como representantes sindicais.

Esse cenário expõe uma aliança com o poder, tanto do setor público quanto privado. Ao se aliar a essas forças, os pelegos abandonam a luta por mudanças estruturais que beneficiariam a classe trabalhadora como um todo. Para manter essa aliança espúria, propagam desinformação, criando uma relação de desconfiança entre a base sindical e sua liderança.

O sindicalismo pelego, ao se constituir como um obstáculo à verdadeira emancipação dos e das trabalhadoras, revela-se uma manifestação de controle social que perpetua as desigualdades e limita a capacidade de luta da classe trabalhadora, especialmente nas questões cruciais de raça e gênero. Essa corrente não apenas desvia a atenção das legítimas reivindicações dos trabalhadores, mas também colabora ativamente com um sistema que prioriza a manutenção do status quo em detrimento da transformação social necessária.

A presença do peleguismo nos sindicatos enfraquece a organização autônoma e independente dos e das trabalhadoras, essencial para a construção de uma consciência crítica e de uma luta efetiva contra a exploração.

Portanto, é imperativo que os trabalhadores e as trabalhadoras se unam em torno de uma agenda classista que não apenas reivindique melhorias imediatas, mas que também desafie as estruturas de opressão que o peleguismo representa, buscando assim a verdadeira liberdade e justiça social para todos os segmentos da classe trabalhadora. É através dessa mobilização consciente e coletiva que podemos romper com as amarras do peleguismo e construir um movimento sindical classista verdadeiramente representativo e transformador.




BIBLIOGRAFIA


CARNEIRO, Sueli. "Racismo e feminismo: a luta por igualdade." In: Revista de Estudos Feministas, 2003.

DAVIS, Angela. Women, Race & Class. New York: Random House, 1981.

DOBB, Maurice. A evolução do capitalismo. 5. ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1976.

GONZALEZ, Lélia. "A interseccionalidade e a luta de classes." In: Cadernos de Gênero e Diversidade, 1988.

GRAMSCI, Antonio. Os Escritos Políticos. São Paulo: Editora Brasiliense, 1978.

HOBSBAWM, Eric J. A Era das Revoluções: Europa 1789-1848. 8. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991.

HOBSBAWM, Eric J. A Era do Capital. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.

HOBSBAWM, Eric J. Mundos do trabalho. 2. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.

HOBSBAWM, Eric J. Os trabalhadores. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.

LENIN, Vladimir Ilyich. O Que Fazer? São Paulo: Editora Abril, 1902.

MARX, Karl. A ideologia alemã. São Paulo: Martin Claret, 2005.

MARX, Karl. Manifesto do Partido Comunista. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1990.

MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. 18. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002. L. 1.

SWEEZY, Paul M. Do feudalismo ao capitalismo. São Paulo: Martins Fontes, 1977.

THOMPSON, E. P. A formação da classe operária inglesa. v. 3. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.


*Sonkha, Herberson. "FSP: É hora de debater o sindicalismo pelego." Fórum Sindical e Popular, 2024.


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