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domingo, 19 de janeiro de 2014

Epístola ao Educador João Paulo



“Educadores, onde estarão? Em que covas terão se escondido? Professores há aos milhares. Mas o professor é profissão, não é algo que se define por dentro, por amor. Educador, ao contrário, não é profissão; é vocação. E toda vocação nasce de um grande amor, de uma grande esperança” 
(ALVES, 200 0, p.16)


* Por Herberson Sonkha



A educação possui um papel dupla face, ao mesmo tempo em que aliena e oprime, noutra, também liberta e transforma. Meu caro educador João Paulo, assim como vós tendes pensado e agido durante todos esses anos dedicados a docência, penso que vós tendes razão, pois não há como pensar alterações no curso dos acontecimentos sociais e políticos, por mais hediondo que seja, e o é, sem determinar a natureza e a causa social deste instrumento.

Como vós sabeis, a educação é uma importante aliada estratégica dos oprimidos na busca de um mundo diferente desta babilônia que vivenciamos. Autor único que cria seus próprios monstros desumanizando as pessoas, destruindo o alto estima de milhões de pessoas confiando-as na depressão; apodrece a alma tornando-a incapaz ao amor; desencadeia surtos de epidemias como as drogas sintéticas que dilacera lares e ceifam vidas aos milhares pior do que campo de concentração; aniquila a possibilidade de vida coletiva em detrimento do egoísmo forjado pelo liberalismo como sendo natural.


Ao pensar um tema tão oportuno para quem busca mudanças como a educação pública, neste momento, com tão propriedade tendes alertado, de retomada de grandes manifestações populares, confusas porque possuem infiltração de pessoas contrarias, mas que há também aqueles que estão denunciando as crises financeiras e econômicas causadas pela ambição do capitalismo; a incapacidade governabilidade despolitizada em resolver a situação caótica da saúde, educação e corrupções. Por tudo isso é que vós sabeis também que se faz presente o espirito inquieto de homens que se dispuseram a pensar e praticar essa matéria com a condição de possibilitar aos moradores do andar de baixo às grandes cogitações críticas e consequentemente despertá-las para a indigência de compreenderem o funcionamento das estruturas de exploração e dominação e realizar transformações sociais profundas tão imprescindíveis quanto inalar um ar limpo para que os pulmões mantenham-nos respirando enquanto coração bombeia oxigênio através da corrente sanguínea levando sangue limpo que irriga nossos menores e mais distantes membros do corpo.


Do mesmo modo o é para a maioria da população constituída pela etnia racial afrodescendente, povos originários e tradicionais, gênero, LGBT que ainda vivem nas mais absolutas condições de opressão e violência social, pois a sociedade que aí está é a causadora dos males que afligem a humanidade nestes dias tão sombrios, portanto poder-se-ia dizer que vivemos as consequências trágicas de uma educação “bancária” como bem definiu Paulo Freire em seu livro que a “Educação “bancária”, o professor conduz o educando à memorização dos conteúdos, sendo que os mesmos devem ser “enchidos” pelo professor. Nesta concepção ocorre a mera transmissão de conteúdos, na qual o educando deve recebê-los, guarda-los e decorá-los. Desta forma, não há saber, não há criticidade, não há transformação. Há apenas a reprodução de conteúdos (...)[1]”.


No sentido mais geral, penso que a sociedade enxerga a educação como caminho para se chegar à ascensão social e econômica, ou seja, ao naipe do bom burguês, como se isso fosse possível, pois não passa de fetiche. Isso porque a educação na sociedade atual, vós sois responsáveis por tais denuncias também, cumpre um papel de canal pelo qual se faz a transmissão dos hábitos, costumes e valores de uma sociedade já constituída, vós compreendeis que me refiro a sociedade burguesa e seus sistema econômico e financeiro capitalista, às gerações que se seguem. Assim, as gerações em formação são violentamente submetidas às experiências vivenciadas por outros em situações presenciais e mais recentemente a distancia. Penso meu caro que fazem parte deste entendimento mais amplo acerca da educação, níveis de cortesia, delicadeza e civilidade demonstrada por um indivíduo e sua capacidade de socializar.


A partir do conceito sócio técnico, a educação far-se-á através do processo contínuo de desenvolvimento das faculdades físicas, intelectuais e morais do ser humano, visando à integração no sentido amplo à sociedade, e no sentido mais restrito ao seu próprio grupo social. Este é o conceito professoral adotado em sua grande maioria pela docência. De tal modo que a educação no seu sentido formal é todo o processo contínuo (ensino-aprendizagem) formalmente constituído pela legislação (LDB) e praticado pelos estabelecimentos oficializados de ensino através dos clássicos professores.


Portanto, meu caro amigo Educador João Paulo, neste país, infelizmente a educação desenvolvida pelos estabelecimentos oficiais de ensino (Federal, estadual, distrital e municipal) possui um conhecimento e uma prática de mundo já firmado em hábitos, costumes e valores de uma sociedade em curso, que é passado em forma de ideologia, porque não fomos organizados o suficientes para propor e bancar mudanças mais profundas. Infelizmente meu caro Educador João Paulo, vós sabeis também que ainda estamos buscando construir isso com muitas dificuldades e resistências internas e externas porque não consegue abstrair para romper com esse ciclo viciado de práticas educacionais.


Por conseguinte, vou falar aqui da transmissão de uma matriz ideológica transferida ás crianças, jovens e adultos, objetivando desenvolver o raciocínio destes “alunos”, (uso a expressão “aluno” porque é mais clara demonstração de conservadorismo das elites que tratam-no como seres vazios e sem luz) propendendo a condicioná-los quanto ao uso da razão matricial predeterminada pela ideologia. Desta forma, o desenvolvimento do pensar está condicionado a dar respostas de caráter prático (pragmática) aos problemas gerais e específicos, com a mesma lógica.


Assim, infelizmente eles crescem e calcificam este suporte ideológico burguês introjetado ainda na fase infantil e adotado plenamente no plano consciente quando adulto porque solidificará como saber intelectual voltado para responder pragmaticamente aos impulsos da sociedade: ficar rico. Meu caro Educador vós que sois adepto também do juízo crítico de que se vivemos num mundo das mercadorias, cujo valor máximo se obtém das trocas, em substituição ao valor de uso, e estas são realizadas com sucesso pelos seus donos só porque é possível extrair mais valor com a exploração dos trabalhadores, portanto são elas que determinam o bem estar das pessoas, precisamos elaborar uma pedagogia contra hegemônica e de ante-dominação para libertação destas classes exploradas. Está exatamente aí a concepção da economia clássica, meu caro Educador, a fetichização da liberdade de mercado pregada pelos (neo)liberais, já que os mesmo vão definir bem estar como sendo a sensação de prazer por ter a liberdade de comprar (Adam Smith e David Ricardo) o que bem quiserem. Neste caso, o Estado não pode ferir o principio do bem estar das pessoas que os mantém com seus impostos mesmo que seja à custa da expropriação das classes trabalhadoras.


Neste modelo a educação vai cumprir o papel de consolidar ideologicamente estas trocas e seu sistema universal de riquezas como sublimação em face da alienação pela expropriação de riquezas de quem às produz, passando a existir como uma compensação meritocrática aos diligentes, ou seja, a “naturalização” da educação como condição para ascender social e economicamente. Uma educação burguesa.


O fundamento que impede transcender à lógica matricial desta ideologia burguesa é a eticidade, uma qualidade do que é ético e moral, portanto um modal austero que afeiçoa o comportamento de alguém determinando como deve agir ad infinitum.  A ética, como fundamento às exigências morais na perspectiva da realização dos hábitos, costumes e valores capitalistas, cria suas leis com fins a estabelecer a conduta moral da vida pessoal e coletiva. Aqui podemos perceber como se forja a ferro e fogo a cidadania, para pleno funcionamento da vida em sociedade, ou seja, do ethos burguês.


No que pese saber do caráter subjetivo da eticidade, porque este debate possui raízes profunda e plural no campo da filosofia do direito, recusar sua importância para o bom debate, retira dele a vivacidade e consistência teórica, transformando-a numa bela peça retórica, reportamo-nos ao Condigo Civil como normativa da conduta societal dos indivíduos como principio que determina o espírito de boa-fé[2] objetiva, no sentido condicionar aos indivíduos a agirem em boa-fé nas relações de caráter civil. Articulados com a operabilidade e a sociabilidade, a eticidade constitui a base do Código Civil que norteia o a conduta dos discentes e docentes, atribuindo-lhes valor à dignidade do ser humano, devendo este ser íntegro, leal, honesto e justo para com o conjunto ideológico transmitido pela educação, portanto, conforme tais princípios qualquer comportamento de insubordinação ideológica o “aluno” deverá ser punido.


Não obstante a este modal de educação transmitido historicamente às sucessivas gerações, o contraponto vem do outro lado do que se entende como uma educação antagônica, contrária a visão de conformação aos hábitos, costumes e valores de mundo capitalista, rompendo com eticidade burguesa. As polêmicas são intermináveis, mas oportuna porquanto o conceito de educador vem na contra mão da história da educação justamente por questionar e propor uma educação libertadora que recoloca o indivíduo crítico no centro de suas decisões e rompe com hábitos, costumes e valores burgueses.



O grande pensador e formulador nordestino de uma pedagogia voltada para libertação ideológica dos oprimidos, Paulo Freire, ao considerar que “seria uma atitude muito ingênua esperar que as classes dominantes desenvolvessem uma forma de educação que permitissem às classes dominadas perceberem as injustiças sociais de forma crítica” Freire se coloca na condição de quem vê e intervém no mundo a partir dos interesses de determinadas classes sociais oprimidas. Assim, ele observa que uma expropria e a outra domina. A infraestrutura que estabelece relações de produção que expropria valor das classes sociais e outra da super-estrutura que cria complexos jurídicos de dominação e controle da vida social.


Há um trajeto longo e qualitativo entre professor e educador que os diferem substancialmente. Segundo o educador Rubem Alves[3], “Professores são habitantes de um mundo diferente, onde o “educador” pouco importa, pois o que interessa é um “crédito” cultural que o aluno adquire numa disciplina identificada por uma sigla, sendo que, para fins institucionais, nenhuma diferença faz aquele que o ministra. Por isso mesmo professores são entidades “descartáveis”, da mesma forma como há canetas descartáveis, coadores de café descartáveis, copinhos de plástico para café descartável. De educadores para professores realizamos o salto de pessoa para função.” Aqui há uma ruptura na matriz ideológica necessária porque precisamos levar em consideração uma educação capaz de promover um indivíduo crítico integral e pronto para transformar hábitos, costumes e valores arraigados da ideologia burguesa.


Portanto, o educador vê na educação um caminho necessário às mudanças mais profundas na sociedade, por se tratar de um instrumento crítico no qual se lê e reler e interfere para muda-lo, desnudando a conduta professoral dessa intelectualidade acéfala que aliena seus educandos para mantê-los cativos do sistema capitalista e zelosos dos hábitos, costumes e valores burgueses. Mas, há vários significados atribuídos a educação, mas aterei aqui ao seu sentido strictu senso desta no campo da pedagogia.


A pedagoga e historiadora Fátima Inês[4] vai nos dizer que “Surge então, a Pedagogia Libertadora, proposta por Freire, que rompe radicalmente com a educação elitista e bancária e exige uma nova educação e uma nova formação do educador, ambas, comprometida com as classes populares, e a transformação social.” Assim, além da proposta de formação educacional revolucionária expressa na obra de Paulo Freire  há de se ter o compromisso com as classes populares e com a transformação social. Isso implica dizer que o educador vai além da ruptura com os modelos de educação elitista e bancária, para construir em sala de aula um espaço humanizado e crítica capaz de levar ao educando e despertar-se pela pesquisa, analise críticas e ruptura de hábitos, costumes e valores carregados de ideologia burguesa.


Assim, Fátima Inês chama atenção para o fato de que há diferença entre professor e educador e que se deve buscar superar ao “(...) apresentar sugestões a respeito dos elementos teórico-práticos necessários à compreensão da realidade política, cultural, econômica e social que exercem influências na formação e no desenvolvimento do educador transformador da realidade, na busca de uma prática educativa, crítica e afetiva, coerente e libertadora que possa formar para transformar (...)”. Essa lacuna existente ajuda manter uma educação de conformação da sociedade atual e suas contradições mantidas eclipsadas por motivos de manutenção do que está em curso.


Os elementos teórico-práticos necessários à compreensão do educador nos remete a condição de repensar a educação como transmissão de uma ideologia vigente e o sistema rigoroso de controle da conduta individual e coletiva no campo jurídico. No campo filosófico o debate está em torno da continuação do liberalismo (atualmente o neoliberalismo) que vão desencadear teses por todas as áreas do conhecimento científico. Nas ciências jurídicas, especialmente no âmbito do código que regula a vida civil, a maior expressão se deve ao filosofo liberal Thomas Hobbes e sua tese para o regramento do direito pétreo à propriedade privada, a produção e apropriação do resultado pelos capitalistas e a liberdade de mercado.



Por último meu caro Educador João Paulo, penso e sei que vós pensais ao seu modo também, que uma educação que liberta passa pelo repensar das estruturas de poder; pelo fim da exploração e apropriação indébita do trabalho alheio; das formas ideológicas de controle social, econômico e político; da substituição das estruturas institucionais (Estado) cridas para exercer o domínio e a opressão coercitiva de classes; da inversão do sentido material da vida, colocando a riqueza das nações a serviço do desenvolvimento da dignidade e da humanização nas relações sociais e da supressão da matriz produtivista privada pela produção integral em que o trabalhador apropria-se de todos os ciclos da produção coletiva e use para o sustento dos seus. Essa educação dorme no coração do educador que tem compromisso com estas classes sociais e com contínua transformação da mesma visando o fim da explora, ou como diria a pedagoga Fátima Inês, “conseguirmos chegar à verdadeira a educação, impregnada pela beleza, curiosidade, criticidade e realização como ato de amor.”





____________

[1] “Pedagogia dos Oprimidos” 1987, pp. 68-72).

[2] Segundo a Doutrinadora Cláudia Lima Maerques Boa-fé objetiva é “(...) uma atuação “refletida”, uma atuação refletindo, pensando no outro, no parceiro contratual, respeitando seus interesses legítimos, seus direitos, respeitando os fins do contrato, agindo com lealdade, sem abuso da posição contratual, sem causar lesão ou desvantagem excessiva, com cuidado com a pessoa e o patrimônio do parceiro contratual, cooperando para atingir o bom fim das obrigações, isto é, o cumprimento do objetivo contratual e a realização dos interesses legítimos de ambos os parceiros. Trata-se de uma boa-fé objetiva, um paradigma de conduta leal, e não apenas da boa-fé subjetiva, conhecida regra de conduta subjetiva do artigo 1444 do CCB. Boa-fé objetiva é um standard de comportamento leal, com base na confiança, despertando na outra parte co-contratante, respeitando suas expectativas legítimas e contribuindo para a segurança das relações negociais”

[3] ALVES, Rubem. Conversas com que gosta de ensinar. 1 ª ed. [s,1]: Papirus, 2000.
[4] Fátima Inês Tatto De Pellegrin O EDUCADOR: ALÉM DE PROFESSOR, FILÓSOFO DA EDUCAÇÃO E LÍDER DA TRANSFORMAÇÃO SOCIAL

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