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Vazios de luxo e bonecas de gente: o Brasil entre o “Existir e o Exibir”
*por Herberson Sonkha
VITÓRIA DA CONQUISTA/BA- A cidade acorda com manchetes sobre filas na rede pública de saúde, protestos por moradia e uma estranha escassez de ração premium para cães em boutiques especializadas. A justaposição não espanta mais ninguém: entre o cronograma do SUS e o empório pet, o Brasil vai revelando duas feridas abertas — o vazio existencial de uma burguesia alienada e a futilidade de quem transforma privilégios em espetáculo.
Em reportagem que percorre condomínios de alto padrão, abrigos superlotados e ateliês onde bonecas hiper-realistas nascem a R$ 8 mil cada, o Blog do Sonkha investiga como animais de estimação e “bebês reborn” se tornaram ópios da consciência para uma elite que substitui a luta de classes pelo culto ao consumo — sintoma de um país que alcançou o ápice da contradição capitalista: riqueza concentrada e miséria espiritual.
Alienação em pote de ração: o fetichismo da mercadoria canina
Jean-Paul Sartre não imaginou potes de ração com ômega 3 quando escreveu O Ser e o Nada em 1943, mas suas linhas ecoam nos corredores pet de São Paulo. “A existência precede a essência”, grita a etiqueta de preço: o spitz alemão é mercadoria viva, reduzido a acessório de status. Seu valor não está na espécie, mas na capacidade de servir como extensão narcísica do tutor, que projeta nele o próprio vazio.
Para Marx, o fetichismo da mercadoria obscurece as relações sociais de produção. No Brasil, o fenômeno se sofistica: o pet vira instrumento de alienação dupla. Enquanto a burguesia gasta fortunas em coleiras de zircônia, os trabalhadores precarizados do setor pet (veterinários, dog walkers) são explorados para sustentar o ilusório “amor sem política”. Como diria Lênin, a superestrutura do luxo mascara a infraestrutura da exploração.
O psicanalista Eduardo Ribeiro, em Cães & Fantasmas (2024), aponta que o afeto pelo cachorro é “amor reificado”: uma relação unilateral que não exige diálogo, apenas consumo. “É a negação da dialética”, afirma. “Enquanto o proletariado luta por direitos, a elite compra latidos como placebo para a culpa de classe”.
A dissolução do humano na mercadoria: Marx, Lênin e o golden retriever
A burguesia nacional cita Adam Smith, mas pratica Marx às avessas: “Tudo que é humano desmancha no capital”. Nos shoppings de elite, carrinhos de bebê para cães simbolizam a coisificação das relações, onde até a paternidade vira performance de consumo.
Ellen Meiksins Wood, ao analisar a separação entre economia e política no capitalismo, previu essa cisão. No Brasil, ela se manifesta na contradição entre o IBOVESPA (que sobe) e o PIB (que patina), enquanto entregadores de app — nova face do proletariado urbano — pedalam por R$ 2,50/km para alimentar shih-tzus com dieta gourmet.
Jessé Souza, ao falar em “ressentimento patrimonial”, descreve a elite que consome para esconder seu pânico histórico: o medo de perder privilégios numa sociedade desigual. O golden retriever de roupa é, assim, símbolo da pequena burguesia ascendente, que substitui a consciência de classe pelo culto ao lifestyle.
Bonecas reborn: a reprodução da alienação
Se o pet é o ópio, o "bebê reborn" é a alienação reprodutiva em silicone. Nas mãos da artista Sarah Lima, bonecas ganham veias pintadas a pincel, simulando vida. “Algumas clientes perderam filhos; outras nunca os quiseram, mas compram a fantasia da maternidade”, explica.
Para Lênin, a família burguesa é célula de reprodução do capitalismo. Aqui, a boneca reborn radicaliza a lógica: a maternidade vira produto descartável, sem os “incômodos” da criança real (birras, demandas, futuro). Enquanto isso, 102 crianças aguardam adoção em Contagem — vítimas de um Estado que prioriza o lucro sobre a vida.
A psicóloga Débora Martins não poupa críticas: “A boneca é a negação dialética do cuidado: substitui a criança, que exige luta coletiva, por um objeto que reforça o individualismo burguês”.
Consumo conspícuo e a falência da razão revolucionária
Sartre vs. Veblen: num debate fictício, o primeiro diria que o consumo conspícuo é má-fé existencial; o segundo, que é ritual de classe. Marx interviria: “É ambos, mas sobretudo síntese da decadência burguesa”.
No aeroporto de Viracopos, a cena é emblemática: um herdeiro embarca com um buldogue francês em classe executiva (custo: US$ 4 mil), enquanto uma avó ribeirinha debate com a companhia aérea para levar sua galinha “de apoio emocional”. A primeira estratégia é alienação luxuosa; a segunda, resistência popular. Ambas revelam a falência de um sistema que mercantiliza até o afeto.
A dupla alienação: operário e burguês na cadeia de suprimentos do nada
Marx descreveu a alienação do trabalhador, que não se reconhece no que produz. Lênin ampliou: “O capitalismo aliena também o burguês, que confunde posse com poder”. No call center que vende assinaturas de TV para cães, operários ganham R$ 1.412 para convencer tutores de que seus pets “precisam” de desenhos animados.
“É o nada em cadeia produtiva”, diz o filósofo Vladimir Safatle. O operário aliena-se ao vender ilusões; o burguês, ao comprá-las. Ambos são vítimas da mesma estrutura — um eco da tese leninista de que o capitalismo corrompe todas as classes, mas apenas o proletariado tem potencial revolucionário para destruí-lo.
Por um programa revolucionário: da taxação do luxo à expropriação do afeto
O Itamaraty reconhece cães como “suporte emocional”, mas o SUS nega terapia a milhões. Para romper a lógica, especialistas propõem não só taxar artigos pet-luxo, mas expropriar recursos da burguesia para financiar saúde mental coletiva.
A campanha “Prefira um vira-lata”, da ONG Ampara Animal, viralizou ao mostrar CEOs adotando cachorros de rua. Mas, como alertou Lênin, “reformas são paliativos; a revolução exige ruptura”. A verdadeira mudança virá quando o povo entender que cuidado é direito, não mercadoria.
O capitalismo emocional e a falsa consciência
James Baldwin tinha razão: “É mais fácil viver com mentiras que confrontar verdades”. No Brasil, a mentira é o capitalismo emocional (Eva Illouz), que vende afeto como produto. O cachorro vira marca, a boneca vira luto em silicone, o amor vira contrato — tudo para evitar a consciência de classe.
Sartre diria que isso é má-fé; Marx, que é falsa consciência; Lênin, que é arma ideológica da burguesia. O resultado é o mesmo: um país onde até o abraço vira performance, e a solidão é commodity.
A lama sob o shopping center: o Brasil real e a urgência da práxis
Eliane Brum sintetizou: “O Brasil oficial é um shopping suspenso sobre a lama”. Na superfície, cães de grife e bonecas de silicone; no subsolo, crianças negras em abrigos, idosos abandonados, trabalhadores sem direitos.
Essa lama é o terreno fértil da revolução, onde a consciência de classe pode florescer. Como ensinou Lênin, “sem teoria revolucionária, não há movimento revolucionário”. É preciso transformar a angústia individual em luta coletiva.
O chamado materialista: da crítica à ação
Nenhuma boneca reborn cura a dor de perder um filho. Nenhum pet substitui a luta por moradia. A crítica não é ao afeto, mas ao sistema que o sequestra para manter a dominação.
Byung-Chul Han fala em “sociedade do desempenho”; nós acrescentamos: “sociedade da exploração performática”. O desafio é substituir o culto ao indivíduo pela práxis coletiva, onde o amor não se compra, mas se constrói na luta.
O Brasil possível: da luta de classes ao horizonte socialista
Há um Brasil além do feed: está nos mutirões de adoção, nas ocupações urbanas, nas greves por direitos. Esse Brasil não quer ração premium, mas pão, terra e liberdade.
Como escreveu Marx, “a história é a história da luta de classes”. No nosso caso, a luta é contra a alienação que transforma até o luto em mercadoria. O caminho? Organização, consciência e ruptura — trilhas já abertas por Marx e Lênin, mas que exigem ser percorridas com urgência tropical.
O que falta não é amor, mas revolução. E ela começa quando trocarmos o “eu” pelo “nós”, o shopping pelo soviete, o vazio existencial pela certeza histórica de que um outro mundo é materialmente possível.
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