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quarta-feira, 28 de maio de 2025

Capitalismo, Estado policial e Racismo

Imagem: G1

Capitalismo, Estado policial e Racismo:

A herança escravagista que alimenta

o genocídio nas periferias


*por Herberson Sonkha


"A cúpula da polícia age com a população negra

como um moderno Capitão Mato."




O genocídio da população negra no Brasil, especialmente da juventude periférica, não é uma exceção, tampouco uma aberração isolada do sistema. Pelo contrário, é expressão concreta de um projeto político, econômico e social profundamente enraizado na formação histórica do Estado brasileiro — um Estado construído sobre os pilares do colonialismo, do racismo, da escravidão e da acumulação capitalista.

Em mais um episódio que escancarou esse funcionamento, um vídeo amplamente compartilhado nas redes sociais mostra um policial militar negro, em operação numa favela brasileira, tentando invadir a residência de uma mulher negra de meia idade, trabalhadora, sem apresentar qualquer mandado judicial.

Imagem: Brasil de Fato

Ao ser confrontado pela moradora, que, com firmeza, afirma que ninguém entra em sua casa sem ordem judicial, o agente reage com violência verbal e racismo explícito: “Aqui na favela só tem vagabunda!”. E, numa fala que resgata os tempos mais sombrios do cativeiro, dispara: “Se você fosse homem, seria resolvido de outra forma" - o que ele quis dizer foi que: eu te quebrava na porrada, te torturava e te matava!”.

O caso, embora revoltante, está longe de ser uma exceção no cotidiano das favelas e periferias brasileiras. Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, 84% dos mortos pela polícia no país são negros. Esses números não são estatísticas vazias: eles denunciam o funcionamento de uma engrenagem que faz do Estado policial o agente da reprodução da violência racial e de classe.


A máquina escravagista que nunca foi desligada

Para entender por que o corpo negro permanece como alvo preferencial das balas do Estado, é necessário revisitar a própria gênese do Brasil enquanto nação. A partir de uma perspectiva materialista histórica — como defendem Karl Marx, Clóvis Moura, Lélia Gonzalez, Frantz Fanon e outros pensadores críticos —, a sociedade brasileira foi forjada sob a lógica da escravidão como modo de produção e acumulação primitiva de capital.

A escravidão colonial não era apenas um sistema de exploração de trabalho: ela era o próprio motor da economia, do acúmulo de riquezas e da construção do aparato estatal. O tráfico transatlântico de africanos escravizados foi peça-chave na formação do capitalismo mundial. Como denuncia Marx em O Capital, foi a pilhagem colonial, o genocídio indígena e a escravidão negra que financiaram a emergência da classe burguesa e do sistema capitalista.

Imagem: Outras Palavras


No Brasil, esse modelo atravessou o período colonial, se consolidou no Império e deixou cicatrizes profundas na República. A abolição formal da escravidão, em 1888, não veio acompanhada de nenhuma reparação histórica. Os milhões de ex-escravizados foram lançados na marginalização, sem acesso à terra, trabalho digno, moradia ou cidadania.


Polícia: Herdeira direta dos Capitães do Mato

A história da polícia no Brasil não pode ser dissociada desse contexto. Suas origens remontam às milícias privadas, às guardas municipais e, sobretudo, aos capitães do mato — figuras contratadas pelos senhores de escravos para capturar, torturar e eliminar pessoas negras escravizadas fugitivas.

Com a consolidação do Estado nacional e do capitalismo dependente na periferia global, a função da polícia se atualiza, mas mantém sua essência: controlar, vigiar, punir e, quando necessário, eliminar corpos negros, pobres e periféricos. A Constituição de 1988 manteve a Polícia Militar subordinada à lógica militar das Forças Armadas, reafirmando seu caráter de aparato repressivo.

“A função da polícia não é proteger genericamente a sociedade, mas proteger a ordem, a propriedade e os interesses da classe dominante. A favela e o corpo negro sempre foram percebidos como ameaças à ordem capitalista”, explica a socióloga e pesquisadora do tema, Ana Carolina dos Santos.


O capitalismo precisa da polícia e do racismo

A violência policial, portanto, não é um desvio. É a própria expressão do Estado burguês funcionando. O racismo não é um erro do capitalismo brasileiro — é sua engrenagem. Segundo a antropóloga Lélia Gonzalez, o racismo estrutura as relações sociais, econômicas e políticas no Brasil, funcionando como mecanismo de controle social e de superexploração da força de trabalho negra.

“A favela não é um problema social. Ela é uma necessidade do capitalismo dependente e periférico. É nela que se mantém o exército de reserva, que se barateia o custo da força de trabalho, e que, quando se torna ‘descartável’, é alvo do extermínio executado pela polícia”, afirma o historiador Clóvis Moura em sua obra Sociologia do Negro Brasileiro.


Quando o policial negro vira Capitão do Mato

O episódio gravado nas redes sociais, em que um policial negro reproduz a lógica violenta e racista do próprio Estado contra uma mulher negra, evidencia outro elemento trágico dessa engrenagem: a reprodução do racismo estrutural também por agentes racializados.

Imagem: Jusbrasil

Esse fenômeno não pode ser lido de forma simplista como “traição de classe” ou “alienação individual”. Trata-se de um processo estruturado, no qual o capitalismo e o racismo não apenas marginalizam, mas também cooptam, moldam subjetividades e criam agentes da repressão recrutados nos próprios territórios oprimidos.

Como afirma Frantz Fanon, psiquiatra e pensador da luta anticolonial, em Pele Negra, Máscaras Brancas, o colonizado internaliza, muitas vezes, os valores do colonizador, reproduzindo a opressão como mecanismo de sobrevivência ou ascensão social.


O racismo não é acidente, é projeto

O que se revela no episódio não é um problema isolado, mas o retrato fiel de um Estado que nunca deixou de ser colonial, escravista e racista. A polícia não é uma instituição “fora da curva”; ela cumpre a função exata para a qual foi criada: vigiar, controlar, torturar e matar os corpos negros, pobres e periféricos.

Superar essa realidade não é tarefa possível dentro da lógica do capitalismo dependente brasileiro. A luta contra o racismo estrutural, contra a violência policial e contra o genocídio da juventude negra é, necessariamente, uma luta contra o próprio capitalismo, suas formas de acumulação e seus aparelhos repressivos.

O que se faz urgente, portanto, não é uma reforma da polícia ou uma maquiagem institucional. É a construção de um novo projeto de sociedade, fundado na justiça social, na igualdade, na autodeterminação dos povos e no fim definitivo das estruturas coloniais, escravistas, racistas e capitalistas.

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