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Poesia Decantada
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Foto: Pedro Nogueira |
Análise crítico-literária do poema:
Poesia Decantada:
O Levante das Catrevagens e as Eleições do PT
de Luis Rogério Cosme
*por Herberson Sonkha
O poema “Poesia Decantada – O Levante das Catrevagens e as eleições do PT”, de Luis Rogério Cosme, é mais do que uma peça lírica. É um documento político-poético que materializa a crítica marxista à hegemonia, ao reformismo e à burocratização das estruturas partidárias a partir de uma linguagem carregada de oralidade, memória popular e imaginação revolucionária. Trata-se de uma poesia que não apenas representa, mas intervém. Não apenas fala de uma chapa (“O Levante das Catrevagens”), mas constitui a sua existência política e simbólica.
Neste sentido, a análise crítica aqui empreendida se vale do instrumental teórico do marxismo estético, com destaque para os aportes de György Lukács, Antonio Gramsci, Walter Benjamin e Roberto Schwarz, a fim de compreender o poema como forma estética que articula classe, ideologia e cultura na luta política interna do Partido dos Trabalhadores de Vitória da Conquista.
A forma literária como expressão do conteúdo histórico
Para Lukács, “a forma literária não é um invólucro do conteúdo, mas a sua configuração orgânica”. No caso do poema de Cosme, a forma narrativa em tom de fala – entre um pai quase velho e uma filha que representa a juventude – rompe com a lírica tradicional individualista e propõe uma forma dialógica popular profundamente pedagógica. A voz do pai, moldada na experiência histórica e nas contradições da luta política, serve como metáfora viva da base do partido: envelhecida, mas resistente; exausta, mas não silenciada.
Essa forma se justifica plenamente: a oralidade confere ao texto uma força de enraizamento no chão da vida, nas classes populares, no saber prático que sobrevive à margem dos centros de decisão política. A personagem “filha” é interpelada como juventude que, apesar de sua força, já nasce envelhecida por sua inserção acrítica na lógica da hegemonia. O poema, então, é simultaneamente denúncia e convocação.
A catrevagem como categoria estética e política
“Catrevagem”, palavra popular que carrega sentidos de desordem, sujeira, insignificância e marginalidade, é ressignificada por Cosme como símbolo de potência histórica e base da transformação. Aqui, a crítica de Antonio Gramsci à cultura como terreno da disputa entre hegemonia e contra-hegemonia se faz presente. O autor rompe com o imaginário burguês de que só os “preparados” ou “capazes” devem conduzir o processo político e recoloca o “resíduo social” no centro da cena histórica.
Tal como o subalterno de Gramsci ou o “homem cordial” reinterpretado por Roberto Schwarz como “o atraso como forma de avanço”, as catrevagens são, no poema, aquelas que sabem o que não foi ensinado, carregam o que não se vê e sustentam o que não é reconhecido. A imagem da mula – figura histórica do trabalho bruto, da força ignorada e da inteligência instintiva – surge como emblema da militância de base: “boa mula, graças a Deus, tem faro de perdigueiro / e pasta mais adiante”.
A poesia, aqui, se coloca contra o esteticismo vazio. Como defendia Walter Benjamin, “a politização da arte” é uma necessidade para romper com a estetização da política promovida pelas elites. Cosme recupera a estética da catrevagem para desconstruir a fetichização do poder político-partidário e devolver à política seu chão real: a luta das classes.
A crítica ao reformismo institucionalizado
O poema não poupa críticas aos que, dentro do campo da esquerda, burocratizaram-se, acovardaram-se e se prenderam à ordem dominante. Os versos “Mencheviques e Girondinos / Nunca cagaram fora do penico” são de uma crueza iconoclasta que remete ao gesto de Bertolt Brecht: sacudir o leitor, provocar desconforto, quebrar a passividade. A linguagem grosseira, longe de ser gratuita, serve como ferramenta estética de insubordinação.
Aqui se evidencia uma crítica à esquerda domesticada, que se rendeu ao parlamentarismo inofensivo, aos arranjos de governabilidade e ao pacto com a ordem. O “bom senso digerido” é, nas palavras de Gramsci, a cultura comum imposta pela classe dominante. O poema escancara o vazio do discurso oficialista que, mesmo girando “como uma roda gigante”, não sai do lugar.
A poesia como mediação do real e catalisador do levante
Walter Benjamin, em sua obra sobre a obra de arte na era da reprodutibilidade técnica, aponta que a arte revolucionária deve romper com a tradição e, ao mesmo tempo, revelar o presente como urgência. O poema de Cosme faz exatamente isso: ele reencanta o presente político com os mitos da oralidade popular – como a Mula de Balaão, figura bíblica que fala quando ninguém mais fala – para lembrar que há uma sabedoria subalterna ignorada pelas instâncias superiores do partido.
Ao colocar o saber da catrevagem no centro da luta interna do PT, o autor reinventa a forma política da poesia: ela deixa de ser panfleto e torna-se mito fundador. A chapa “O Levante das Catrevagens” é elevada não por um programa racionalista, mas por um ethos poético-político que afirma: “só as catrevagens têm esse poder”.
Considerações finais – A poesia como síntese da práxis
Luis Rogério Cosme, ao escrever “Poesia Decantada”, não apenas compõe uma obra poética: realiza um ato político radical. Como ensinava Lukács, a grande literatura não é a que foge da política, mas a que sabe incorporá-la à forma estética sem se reduzir à propaganda. Cosme encontra este ponto de equilíbrio com maestria.
A chapa “O Levante das Catrevagens” não nasce de um programa técnico ou de um documento burocrático, mas de uma poesia que faz pensar, doer e rir. Uma poesia que canta como canta o povo, que fala como fala o chão. Que interroga os velhos líderes e convoca os jovens a se reinventarem. Que diz que o lixo é luxo, que o dente podre não impede o beijo, e que a base invisível tem nome: catrevagem.
Em tempos de disputa interna no PT de Vitória da Conquista, o poema é mais do que um manifesto. É uma teoria da revolução feita em forma de verso. É o retorno da poesia como instrumento de luta. É o levante das palavras. E das mulinhas também.
Viva a catrevagem, viva a revolução poética das bases!
Bibliografia
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. São Paulo: Brasiliense, 1994.
BRECHT, Bertolt. Pequeno Organon para o Teatro. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.
GRAMSCI, Antonio. Cadernos do Cárcere. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999.
LUKÁCS, György. Estética: A especificidade do estético. São Paulo: Livros Horizonte, 1963.
SCHWARZ, Roberto. Ao vencedor as batatas: forma literária e processo social nos inícios do romance brasileiro. São Paulo: Duas Cidades, 1977.
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Abaixo o poema de Luis Rogério Cosme:
Poesia Decantada:
O Levante das Catrevagens e as Eleições do PT
Escuta, minha filha,
Na beirada do abismo da história,
Que é esta roda gigante,
Tão gigante hoje que não sai
Do lugar, embora rode, rode
Rode tanto que entonteia.
Escuta seu quase velho pai, exausto
De tocar jumentos, e de sê-los,
Que aprendeu a beber fel na mesma taça
Que enferruja, mas não quebra,
Taça que apodrece, mas não muda,
E se muda, nunca morre.
Ele é uma catrevagem assobiando
Para o bom senso digerido
Na delícia de ser hegemonia,
Como se eterna a vida fosse,
E gostoso fosse o engano.
Mas ainda és jovem não é, minha filha,
Para sonhar as canções dos jovens...
És tão jovem que chegas a ser velhinha,
E tão velhinha que não chegas a ser nada.
São assim as catrevagens sendo...
A gente é e nem sabe que é,
Até descobrir-se desprezada
Na margem da estrada.
Mas, minha filha, tudo que vai ao lixo
É o nosso luxo...
Valorize, tu, o que ninguém dá valor.
Dente podre no fundo
Não impede um beijo... Quem vê?
É assim que centenas beijam
Uma boca só, menos as catrevagens,
Porque boa mula, graças a Deus,
Tem faro de perdigueiro
E pasta mais adiante...
Tem sempre uma utilidade ignorada,
As catrevagens. Essas mulas,
Que levam malas,
É quem bem sabe contar histórias.
Para além da aparência, minha filha,
Estão elas, as ricas coisas sem valor.
É assim como todo alicerce
Que um telhado bonito faz invisível.
Tais miudezas é que sustentam
Os gostosos de nosso tempo,
Até a velhice chegar, e aí...
Mas, quando se levantam,
As catrevagens, então o belo, o eterno,
Sofrem as rachaduras do sol,
Como a parede que sente o arroto
Das pedras que suportam a casa.
Tudo isso, minha filha, porque
Mencheviques e girondinos
Nunca cagaram fora do penico,
Nunca tiraram a ordem da bandeira,
Nunca fizeram de estranho,
Coisa alguma...
Só as CATREVAGENS tem esse poder.
Também a Mula de Balaão,
E as mulinhas do PT.
Luis Rogério Cosme - 02.07.2025
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