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Comentário Apresentativo da Matéria de Paul Krugman
Comentário Apresentativo da Matéria de Paul Krugman:
“O Brasil Inventou o Futuro do Dinheiro?”
*por Herberson Sonkha
Nesta análise contundente e provocativa, o prêmio Nobel de Economia Paul Krugman examina as resistências políticas e econômicas nos Estados Unidos em relação à criação de uma Moeda Digital de Banco Central (CBDC), à luz da experiência inovadora do Brasil com o sistema Pix. A matéria, publicada em sua coluna de 22 de julho de 2025, parte de um debate político recente no Congresso norte-americano, onde projetos de lei tentam barrar não só a implementação, mas até mesmo os estudos sobre uma eventual moeda digital emitida pelo Federal Reserve.
Krugman desmonta os argumentos conservadores, que alegam preocupações com vigilância e invasão de privacidade, ao lembrar o histórico autoritário do mesmo grupo político em outras esferas, como na cooperação com o ICE (agência de imigração) para perseguir imigrantes. Segundo ele, o verdadeiro medo dos republicanos e do setor financeiro está na eficácia potencial de um sistema público de pagamentos que possa competir — e superar — os serviços bancários privados.
É aí que o Brasil surge como exemplo e contraponto. Desde 2020, o país implementou com sucesso o Pix, um sistema gratuito e instantâneo de pagamentos criado pelo Banco Central. Hoje, mais de 90% da população adulta brasileira o utiliza — um feito que torna o Brasil, na visão de Krugman, uma referência global em inovação financeira. O sistema promove inclusão, reduz custos e oferece praticidade sem depender das promessas vazias (e perigosas) do mercado de criptomoedas.
Krugman observa que o Pix realiza, com respaldo público e infraestrutura estatal, o que o universo cripto jamais conseguiu entregar: agilidade, segurança e inclusão com baixíssimo custo. Enquanto isso, nos EUA, o poder da indústria financeira e a ideologia antissocial do Partido Republicano impedem qualquer avanço semelhante. Para ele, isso revela uma contradição profunda: os EUA preferem manter uma estrutura ineficiente e desigual a permitir que o Estado exerça um papel moderno e funcional no sistema financeiro.
A matéria, além de informar, provoca reflexões fundamentais sobre o papel do Estado, os limites do setor privado e as possibilidades de um sistema financeiro mais democrático. Ao colocar o Brasil como protagonista de uma revolução silenciosa no modo como lidamos com o dinheiro, Krugman rompe com o eurocentrismo e propõe uma inversão de expectativas: talvez o futuro do dinheiro esteja sendo construído — e testado com êxito — bem longe dos centros financeiros tradicionais, no Sul Global. Segue abaixo o artigo na íntegra e traduzido para língua portuguesa da Brasil*.
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O Brasil inventou o futuro do dinheiro?
E será que ele chegará um dia aos Estados Unidos?
Paul Krugman — 22 de julho de 2025
Na semana passada, a Câmara dos Deputados dos EUA aprovou a GENIUS Act, que impulsionará o crescimento das stablecoins, abrindo caminho para futuros golpes e crises financeiras. Na quinta-feira, também foi aprovado um projeto de lei que proíbe o Federal Reserve (o banco central americano) de criar uma moeda digital do banco central (CBDC) — ou até mesmo de estudar a ideia.
Por que os republicanos estão tão apavorados com a ideia de uma CBDC a ponto de ordenarem literalmente que o Fed pare até de pensar nisso?
Em 2022, o Fed divulgou um relatório preliminar sobre a possibilidade de criar uma CBDC, descrevendo-a como "análoga a uma forma digital de dinheiro em papel". Atualmente, os americanos podem manter e gastar um único tipo de passivo do Fed: pedaços de papel verde com fotos de presidentes mortos. Uma CBDC expandiria esse direito, permitindo que as pessoas mantivessem e gastassem depósitos no Fed — que, como todos os depósitos hoje em dia, seriam apenas registros digitais.
Se isso parece absurdo, saiba que já temos algo parecido com uma moeda digital do banco central — mas só para instituições financeiras. Bancos mantêm contas no Fed e podem transferir fundos entre si por meio de um sistema de pagamentos eletrônico. Por que essas mesmas facilidades não estariam disponíveis para indivíduos e empresas não financeiras?
Os republicanos dizem estar preocupados com a invasão de privacidade, alegando que uma CBDC abriria as portas para uma ampla vigilância governamental. Mas lembre-se: essas são as mesmas pessoas que entregaram dados pessoais do Medicaid ao ICE (Serviço de Imigração e Controle de Alfândegas) para facilitar prisões e deportações. Se você acha que eles estão realmente preocupados com vigilância, tenho umas memecoins da família Trump para lhe vender.
Vale lembrar também que o governo já pode acessar registros bancários privados em certas circunstâncias e certamente tem a capacidade tecnológica para acompanhar cada movimento financeiro seu. O que impede que isso aconteça é a lei — especificamente, a Lei de Direito à Privacidade Financeira. Se algum dia criarmos uma CBDC, ela certamente virá com proteções legais de privacidade equivalentes. Ou você confia no Estado de Direito, ou não confia.
O que os republicanos realmente temem — com razão — é a possibilidade de que muitas pessoas prefiram uma CBDC a contas bancárias privadas, especialmente às stablecoins (moedas digitais pareadas ao dólar, por exemplo). De forma geral, qualquer tentativa de criar uma CBDC completa enfrentaria uma feroz oposição da indústria financeira.
Mas e a possibilidade de criar uma CBDC parcial? Poderíamos manter as contas bancárias privadas, mas oferecer um sistema público eficiente para realizar pagamentos a partir dessas contas?
Sim, poderíamos. E sabemos disso porque o Brasil já fez isso.
A maioria das pessoas provavelmente não vê o Brasil como um líder em inovação financeira. Mas a economia política do Brasil é claramente muito diferente da dos EUA — por exemplo, lá eles realmente julgam ex-presidentes que tentam dar golpe de Estado. Além disso, os grupos de interesse que, por enquanto, tornam impossível uma moeda digital nos EUA parecem ter muito menos influência por lá. O Brasil, de fato, está planejando criar uma CBDC. E, como primeiro passo, em 2020 lançou o Pix, um sistema de pagamento digital operado pelo Banco Central.
Pelo que entendi, o Pix é uma espécie de versão pública do Zelle — o sistema de pagamentos operado por um consórcio de bancos americanos. Mas o Pix é muito mais fácil de usar. E, enquanto o Zelle é grande, o Pix se tornou simplesmente gigante, sendo utilizado por cerca de 93% dos adultos brasileiros. Ele parece estar substituindo rapidamente tanto o dinheiro em espécie quanto os cartões:
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Gráfico: Paul Krugman |
E por que não? Segundo um relatório do FMI:
As transações com Pix ocorrem quase instantaneamente. Um pagamento por Pix é compensado em média em 3 segundos, contra 2 dias para cartões de débito e 28 dias para cartões de crédito.
Os custos de transação são baixos. As autoridades exigem que o Pix seja gratuito para pessoas físicas, e o custo para empresas/comerciantes é de apenas 0,33% do valor da transação — contra 1,13% para cartões de débito e 2,34% para cartões de crédito.
Não posso deixar de notar que o Pix está realmente alcançando o que os entusiastas das criptomoedas diziam (falsamente) que o blockchain poderia oferecer: baixos custos de transação e inclusão financeira. Compare os 93% de brasileiros que usam Pix com os 2% — isso mesmo, 2% — de americanos que usaram criptomoedas para comprar algo ou fazer um pagamento em 2024.
Ah, e usar Pix não cria incentivo para sequestros seguidos de tortura até que a vítima entregue suas chaves de criptografia.
Então, teremos um sistema como o Pix nos Estados Unidos? Não. Ou, pelo menos, não tão cedo — por dois motivos:
Primeiro, o setor financeiro dos EUA tem poder demais e nunca permitiria que um sistema público competisse com seus produtos — especialmente se esse sistema público for superior. Na verdade, o governo Trump sugeriu que a mera existência do Pix no Brasil constitui uma concorrência desleal contra empresas americanas de cartões de crédito e débito.
Segundo, a direita americana está firmemente comprometida com a ideia de que o governo é sempre o problema, nunca a solução. Os republicanos jamais, em hipótese alguma, admitirão que um sistema de pagamentos operado pelo governo possa ser melhor do que alternativas do setor privado.
Outros países podem muito bem aprender com o sucesso do Brasil no desenvolvimento de um sistema de pagamento digital. Mas os Estados Unidos provavelmente continuarão presos a uma combinação de interesses corporativos e fantasias cripto.
© 2025 Paul Krugman
548 Market Street PMB 72296, San Francisco, CA 94104
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*Nota de rodapé:
A tradução do artigo "Has Brazil Invented the Future of Money?", de autoria do economista norte-americano Paul Krugman e originalmente publicado em inglês nos Estados Unidos, foi realizada com base na norma ortográfica vigente no Brasil em 2025. Sua versão em língua portuguesa é de inteira e exclusiva responsabilidade do editor do Blog do Sonkha, Herberson Sonkha, que se encarregou de verter o conteúdo com o máximo de fidelidade ao texto original, observando os princípios da clareza, coerência e coesão textual, bem como as especificidades linguísticas e culturais do público brasileiro. A tradução foi feita com o propósito de ampliar o acesso à reflexão crítica contida no artigo, respeitando os direitos autorais e o espírito da obra original.
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