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terça-feira, 29 de julho de 2025

EDITORIAL | Georgia Nunes no Festival Nacional da Canção

Foto: Georgia Nunes

"Um Samba de Mulher Preta"
como manifesto sonoro de alegria insurgente



*por Herberson Sonkha



Vitória da Conquista (BA) – Corpo, tambor e consagração. Estes pilares sagrados sustentam "Um Samba de Mulher Preta", a obra-prima recém-lançada por Georgia Nunes, cantora e compositora baiana que reconquista o samba e o transforma em território político. Mais que uma canção, essa composição, que antecipa seu disco autoral previsto para 2026, se firma como um manifesto em movimento. Criada em colaboração com Davino Nascimento e arranjos lapidares de Luciano PP, produtor radicado em Vitória da Conquista, a música se eleva como uma roda de força ancestral.

Georgia tece uma alquimia narrativa ao fundir balanço e espiritualidade numa linguagem direta e melodia orgânica. O processo colaborativo centraliza o protagonismo negro feminino, enquanto seu verso inaugural – "Peço licença às que vieram antes" – estabelece o pacto ético da obra. Não se trata apenas de um pedido, mas de uma reverência às matriarcas que pavimentaram o caminho: de Tia Ciata a Jovelina Pérola Negra, de Dona Ivone Lara à cósmica Elza Soares, passando por Clementina de Jesus, Beth Carvalho, Alcione, Leci Brandão, Mariene de Castro e Teresa Cristina.

A genialidade de Georgia reside na transmutação simbólica: "As marcas no corpo da mulher preta, antes feridas, agora são passos". O navio negreiro, fantasma histórico, ressurge aqui como ritmo circular – "música que gira como o mar" –, enquanto o corpo dançante se transfigura em território de libertação. Ao declarar "meu corpo é feliz com samba", Georgia desmonta a narrativa hegemônica que atrelava a existência negra à dor. Sua revolução é tácita, exaltando a alegria como trincheira de resistência.

Luciano PP traduz, em arranjos precisos, essa trama de significados. O baixista conduziu um processo criativo descrito como "intuitivo, coletivo e afetivo", onde músicos contribuíram com escuta generosa para tecer a identidade estética do projeto. O resultado é uma textura sonora que evoca oferendas rítmicas às ancestrais.

Como bem lembra Lélia Gonzalez, "o samba nasceu de um processo de resistência cultural". Georgia atualiza esse legado ao transformar a escuta em memória viva. Cada batida é um chamado à permanência; cada nota, uma celebração da diáspora como fonte de potência. "Um Samba de Mulher Preta" não se limita a ser um tributo – é um ato político de reescrita histórica.

Com este manifesto dançante, Georgia reafirma sua posição como artista que honra suas raízes sem se aprisionar a elas. Seu samba gira como o mundo: "tudo que bate, gira". E quem escuta reconhece – estamos diante de uma voz que não apenas ocupa, mas reconfigura o lugar da mulher negra na música brasileira. O aguardado disco de Georgia, previsto para 2026, já tem seu marco inaugural: um clássico instantâneo que dança sobre as dores do passado com passos firmes de futuro.

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