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quarta-feira, 4 de junho de 2025

Teatro dos horrores

Foto: Agenda do Poder

Teatro dos horrores:
A polícia carioca ataca fãs de MC Poze e
reafirma seu projeto de controle,
humilhação e violência contra corpos negros




*por Herberson Sonkha




A operação cinematográfica que resultou na prisão do cantor MC Poze do Rodo, em sua própria residência no Rio de Janeiro, não se limitou a um espetáculo de humilhação pública. As forças policiais, em uma atuação que beira o sadismo institucionalizado, dispararam balas de borracha, spray de pimenta e agressões verbais — incluindo ofensas como “vai tomar no cu” — contra fãs do artista que o aguardavam na porta.

O episódio não é isolado, tampouco um erro operacional. É mais um sintoma evidente da lógica de um Estado penal, racista e militarizado, cuja existência depende do controle, da humilhação e do extermínio sistemático de corpos negros e periféricos.

A cena — homens armados, ostensivos, performando poder diante de jovens pretos — não é uma distorção da democracia. É, na verdade, a própria democracia brasileira em funcionamento, moldada por uma herança colonial e escravocrata que nunca foi superada. Aqui, a cor da pele, o CEP e a origem social definem quem tem direito à dignidade e quem se torna alvo permanente da violência de Estado.


A quem serve a polícia?

A atuação da polícia não pode ser dissociada de sua função histórica e estrutural no Brasil. De acordo com a matriz teórica da criminologia marxista, a polícia, enquanto aparelho repressivo do Estado, não é projetada para proteger a sociedade como um todo. Sua função principal é manter a ordem capitalista, garantindo o controle social dos indesejáveis — os pobres, os pretos, os periféricos — e assegurando a integridade dos interesses do capital e das elites econômicas.

A seletividade penal não é um erro do sistema. Ela é o próprio funcionamento do sistema. As abordagens violentas, as mortes por intervenção policial e o encarceramento em massa são parte da estratégia de gestão da pobreza e da superexploração, que o capitalismo periférico brasileiro utiliza para manter a estabilidade social e econômica.

Essa lógica punitiva encontra respaldo na mídia hegemônica, que cumpre o papel de aparelho ideológico do Estado, naturalizando a violência policial e legitimando narrativas que associam pobreza, negritude e criminalidade. Não por acaso, logo após a prisão, autoridades civis e militares correram para as coletivas de imprensa, tentando sustentar uma narrativa de que MC Poze e sua companheira estariam envolvidos com lavagem de dinheiro ligado ao crime organizado. Sem apresentar provas conclusivas, apenas insinuações suficientes para justificar o espetáculo repressivo e fortalecer o estigma.


Da senzala à favela: a herança que estrutura o presente

O que se viu nas ruas do Rio de Janeiro é mais um capítulo de um projeto de controle social que tem raízes no sistema escravagista. Como apontam autores como Clóvis Moura, Lélia Gonzalez e Silvio Almeida, o Brasil não aboliu a escravidão — apenas a reconfigurou.

Após 350 anos de exploração brutal, a falsa abolição de 1888 deixou intactas as estruturas de segregação racial e econômica. No lugar das senzalas, surgiram as favelas; no lugar dos capitães do mato, as tropas da Polícia Militar. O racismo não é um desvio do projeto nacional — é a engrenagem que mantém o funcionamento do Estado.

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