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quarta-feira, 18 de junho de 2025

O São João de Conquista está sendo enterrado por Sheila Lemos

Foto: Política Ao Vivo

O São João de Conquista está sendo

enterrado por Sheila Lemos


"A prefeita investe em estrelas do show business

e ignora artistas locais e a cultura junina."



*por Herberson Sonkha




Em matéria publicada nesta quarta-feira (18) nas redes sociais do jornal Conquista Repórter, uma denúncia de extrema relevância para o município desperta indignação e revolta: a destruição simbólica e prática do São João e do forró de Vitória da Conquista. Uma das mais tradicionais expressões da cultura popular nordestina vem sendo, há anos, esvaziada na cidade. O que deveria ser um momento de exaltação ao forró, ao xote, ao baião, à sanfona e às tradições juninas, transformou-se em vitrine para o show business nacional — à custa de recursos públicos milionários e da exclusão dos artistas locais.

A contratação da cantora Luana Prado por R$ 550 mil para se apresentar no evento junino escancara a ausência de uma política pública de valorização das tradições nordestinas e da cultura regional. Artista revelada pelo The Voice Brasil, natural de Goiânia (GO), Luana representa um estilo musical híbrido, com forte influência da música country norte-americana — sem qualquer vínculo histórico, sonoro ou simbólico com o São João ou com o forró nordestino.

Apesar de seu talento e popularidade, o espaço que lhe é concedido — com o maior cachê do evento — não se justifica em uma festa que, em tese, deveria promover a cultura junina. A artista goiana receberá, sozinha, mais do que os 65 artistas locais juntos, que dividirão um total de apenas R$ 458 mil. Cada artista conquistense, em média, receberá R$ 7 mil para se apresentar, enquanto a prefeitura paga o triplo disso a artistas de gêneros como a sofrência, o arrocha e outras vertentes desvinculadas das tradições juninas.

Mais do que uma escolha de programação, trata-se de uma decisão política: o governo municipal abandona qualquer projeto de valorização das expressões culturais locais para atender às demandas comerciais da indústria musical. A crítica aqui não é ao mérito individual dos artistas contratados, mas à lógica que pauta essas escolhas. A ausência de critérios culturais claros — e, sobretudo, a desconsideração pelo patrimônio imaterial do forró — denuncia o desprezo do poder público pela memória, identidade e história da população nordestina.

Segundo levantamento publicado pelo Conquista Repórter, com base em dados oficiais do Diário Oficial do Município, o custo total das atrações ultrapassa R$ 4 milhões. Desse montante, 88% a maior parte será destinado a artistas de fora, que em sua maioria não representam o forró ou os ritmos tradicionais do São João. Apenas 12% — ou seja, R$ 458 mil — foi reservado para artistas com vínculos diretos com a cultura local e nordestina.

Além de Luana Prado (R$ 550 mil), a lista de contratados inclui:

João Gomes (R$ 500 mil) – cantor pernambucano, um dos poucos nomes nacionais com vínculos com a música junina.

Thiago Aquino, Heitor Costa e Kevi Jonny (R$ 300 mil cada) – expoentes da sofrência, gênero popular, mas distante da tradição do São João.

Thúllio Milionário e Marcynho Sensação (R$ 250 mil cada) – artistas com propostas baseadas em fusões e masterizações rítmicas, descoladas das raízes nordestinas.

Trio da Huanna (R$ 150 mil) e Kart Love (R$ 120 mil) – representantes do arrocha, estilo mais associado ao verão e ao Carnaval.

Edgar Mão Branca (R$ 160 mil) – um dos raros nomes do elenco com ligação histórica com o São João da região sudoeste da Bahia, reconhecido pela furtuna musical autoral com fortes laços culturais com Vitória da Conquista.

Rony Barbosa (R$ 30 mil) – forrozeiro de Vitória da Conquista respeitado, destacada figura tradicional da música local, contratado vergonhosamente por valor simbólico diante do orçamento geral.

Mestrinho (R$ 150 mil) e Geraldo Cardoso (R$ 120 mil) – nomes respeitados, mas que surgem como exceções em um conjunto majoritariamente desconectado da tradição junina.

Essa composição desigual revela o descompasso entre discurso e prática. Em vez de investir no resgate, na promoção e no fortalecimento da cultura junina local, o governo municipal opta por apagar a identidade do São João em nome de uma programação padronizada, espetacularizada e moldada ao gosto das grandes produtoras musicais.

A presença de Edgar Mão Branca — ícone da música regional, com extensa discografia forrozeira — por um cachê de apenas R$ 160 mil, é reveladora. A disparidade se acentua com o pagamento de R$ 300 mil a nomes da sofrência, como Thiago Aquino e Heitor Costa. O mesmo ocorre com Rony Barbosa, artista da própria cidade, que receberá míseros R$ 30 mil — valor inferior, inclusive, ao pago à Banda Beijo Apimentado (R$ 70 mil), cujas referências musicais passam longe do universo junino.

A realidade expõe a inexistência de uma política cultural consistente. Faltam diretrizes, editais, planejamento e critérios que orientem as contratações com base em princípios como territorialidade, tradição, representatividade e valorização da produção local. O São João de Conquista, outrora celebrado pela força do forró e das manifestações populares, corre o risco de se tornar apenas mais um produto desfigurado, moldado para o consumo e destituído de sentido histórico.

Em uma cidade com forte identidade nordestina, marcada pela diversidade cultural e pelas manifestações populares enraizadas, a ausência de investimentos estratégicos na cultura local não é uma falha administrativa: é uma escolha política que compromete a memória coletiva e o futuro das expressões culturais da região.

Se o São João é a festa do povo, por que ele está sendo entregue ao mercado?

E se o forró é nossa herança, por que estamos pagando para apagá-la?


 

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