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A desonestidade capitalista e o atraso tributário no Brasil
A desonestidade capitalista
e o atraso tributário no Brasil:
ensaio crítico com evidências comparativas
*por Herberson Sonkha
A crítica ao capitalismo e ao Estado burguês brasileiro não pode se contentar com meras acusações morais. A desonestidade dos capitalistas — frequentemente apresentada como falha ética individual — é, na realidade, um elemento estrutural da reprodução do capital. O Estado, organizado nos três poderes, atua como fiel guardião dos interesses das elites, preservando privilégios sociais, econômicos e políticos por meio de um modelo tributário que reforça desigualdades.
Como afirmou Karl Marx: “Essa reprodução da força de trabalho constitui, na verdade, um elemento essencial da reprodução do próprio capital.” (MARX, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política. Livro I. São Paulo: Boitempo, 2017, p. 784)
Essa lógica de reprodução não é casual, mas estruturante. O capitalista, segundo Marx, não acumula riqueza através do trabalho honesto, mas através da apropriação do trabalho não pago: “A propriedade capitalista mostra-se como o direito, por parte do capitalista, de apropriar-se do trabalho não pago de outrem.” (MARX, 2017, p. 762)
Essa estrutura econômica, baseada na expropriação e exploração, encontra no Brasil uma de suas formas mais violentas e persistentes. O país permanece atrasado em relação à institucionalização de uma política tributária justa sobre o capital (pessoas jurídicas) e sobre as rendas dos capitalistas (pessoas físicas). Diferentemente do que sustentam os defensores da elite, países centrais do capitalismo já aplicam essas medidas há décadas — e, mesmo assim, não perderam capital, tecnologia ou força de trabalho.
Thomas Piketty, ao analisar essa tendência de concentração, escreve: “Quando a taxa de retorno sobre o capital supera de forma duradoura a taxa de crescimento da produção e da renda, o capitalismo gera automaticamente desigualdades arbitrárias e insustentáveis, que minam os valores meritocráticos sobre os quais se fundam as sociedades democráticas.” (PIKETTY, Thomas. O Capital no Século XXI. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014, p. 33)
No mesmo sentido, o economista francês Gabriel Zucman comprova com dados a imensa evasão fiscal que sustenta o poder das elites globais: “Cerca de US$ 7,6 trilhões — ou 8% da riqueza financeira mundial — estavam ocultos em paraísos fiscais em 2013, onde quase não se paga imposto algum.” (ZUCMAN, Gabriel. A Riqueza Escondida das Nações. São Paulo: Companhia das Letras, 2016, p. 12)
No Brasil, o problema se agrava pelo fato de a carga tributária recair majoritariamente sobre o consumo e os trabalhadores assalariados. Enquanto isso, a alíquota máxima do Imposto de Renda sobre pessoas físicas é de apenas 27,5%, muito abaixo da média dos países da OCDE, onde a taxa pode ultrapassar 45% ou até 55%, como é o caso da Dinamarca e da Suécia.
Piketty complementa: “A mobilidade do capital é frequentemente usada como desculpa para evitar impostos sobre grandes fortunas, mas a verdade é que a maioria das grandes fortunas prefere estabilidade institucional e acesso aos mercados a paraísos fiscais voláteis.” (PIKETTY, 2019, em entrevista à The New Yorker)
Logo, a retórica da “fuga de capitais” é teoricamente frágil, empiricamente insustentável e ideologicamente racista. Ela reflete a mentalidade escravocrata das elites brasileiras, que desde o período colonial usam o Estado como instrumento de dominação e reprodução de privilégios — e não como mecanismo de justiça fiscal ou redistribuição de renda.
Conclusão
As elites brasileiras e seus representantes resistem a qualquer avanço tributário justo não por razões técnicas ou econômicas, mas por interesses de classe. A manutenção de uma estrutura tributária regressiva, aliada à ideologia da “meritocracia burguesa”, perpetua desigualdades e bloqueia a construção de um Estado democrático. O atraso brasileiro em taxar o capital e as grandes rendas é, portanto, uma escolha política que perpetua a lógica da exploração — e não um obstáculo técnico insuperável.
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Referências Bibliográficas
MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Livro I. Tradução de Rubens Enderle. São Paulo: Boitempo, 2017.
PIKETTY, Thomas. O capital no século XXI. Tradução de Monica Baumgarten de Bolle. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.
PIKETTY, Thomas. “Why we're in a new Gilded Age.” The New Yorker, 2014. Disponível em: https://www.newyorker.com/magazine/2014/05/26/thomas-piketty-and-the-new-gilded-age. Acesso em: 17 jun. 2025.
ZUCMAN, Gabriel. A riqueza escondida das nações: investigação sobre os paraísos fiscais. Tradução de Clóvis Marques. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.
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