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Quando a foto é auto explicativa
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Foto: Instagram de Sheila Lemos |
*por Herberson Sonkha
VITÓRIA DA CONQUISTA, BRASIL — Durante os festejos juninos em Vitória da Conquista, no sudoeste da Bahia, uma imagem aparentemente corriqueira emergiu como símbolo de algo maior e mais nebuloso. No palco principal da festa mais popular da cidade, a prefeita Sheila Lemos (União Brasil) e o deputado federal Elmar Nascimento (União Brasil-BA) compartilhavam sorrisos, abraços e registros fotográficos. À primeira vista, tratava-se apenas de um momento típico da política de vitrine. No entanto, à luz da Operação Overclean, conduzida pela Polícia Federal, a cena ganha contornos perturbadores.
Elmar Nascimento passou a ser formalmente investigado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) após a Polícia Federal encontrar indícios de sua participação direta em um esquema de desvio de emendas parlamentares. Segundo revelou a jornalista Natália Martins, do portal R7, os contratos sob suspeita já somam mais de R$ 1,4 bilhão em recursos públicos.
O epicentro da investigação está no interior da Bahia, mas rapidamente ganhou projeção nacional. Dois primos do deputado — Thiago e Francisquinho Nascimento — foram presos em circunstâncias que envolvem fraudes com verbas federais. Thiago confessou envolvimento em desvios na Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf). Francisquinho, por sua vez, protagonizou uma cena emblemática ao lançar dinheiro pela janela ao ser surpreendido pela Polícia Federal — um gesto que ilustra o desespero de quem vê o cerco se fechar.
Neste contexto, Vitória da Conquista entra no radar. Governada pela correligionária de Elmar, a prefeita Sheila Lemos, a cidade figura entre as que - mais?! - receberam emendas do tipo PIX — uma modalidade de repasse de recursos federais criada sem a exigência de convênio formal, plano de trabalho ou prestação de contas detalhada prévia. Trata-se de transferências diretas aos cofres municipais, cuja ausência de critérios técnicos tem levantado sérias preocupações.
Um exemplo notório do uso dessas verbas é a pavimentação asfáltica do bairro Jardim Valéria, obra amplamente divulgada pela gestão municipal e intensamente explorada em período pré-eleitoral. Utilizada para mobilizar lideranças locais, angariar apoio e reforçar a imagem da administração, a obra levanta sérios questionamentos quanto ao possível uso eleitoreiro de recursos públicos — especialmente em ano de disputa eleitoral.
Embora a Prefeitura de Vitória da Conquista ainda não tenha sido formalmente mencionada nos autos da investigação, ignorar o fato de que a cidade faz parte da malha política sob influência direta do deputado investigado seria ingenuidade. O retrato da prefeita e do parlamentar no mesmo palanque, em plena festa pública, em meio à maior operação federal já registrada contra emendas parlamentares, ultrapassa o simbólico — torna-se um alerta.
As chamadas emendas PIX transformaram-se em instrumentos poderosos de clientelismo, favorecimento político e erosão da transparência pública. Quando direcionadas de forma concentrada a cidades com relevância estratégica eleitoral, como Vitória da Conquista, essas emendas convertem o orçamento público em capital político, financiando campanhas antes mesmo do início oficial do calendário eleitoral.
Por isso, aquela imagem festiva do São João — amplamente compartilhada nas redes sociais — não é apenas um registro cultural. É uma fotografia impregnada de implicações éticas, morais e políticas. Especialmente quando se considera que o fio do novelo, agora puxado pela Justiça, parece longe de chegar ao fim.
Se as investigações avançarem — e tudo indica que sim —, Vitória da Conquista poderá figurar entre os municípios a serem escrutinados por órgãos de controle. Neste cenário, a foto do palanque junino deixará de ser uma lembrança folclórica para tornar-se documento histórico de uma aliança que, embora construída sobre a força das emendas parlamentares, pode ruir sob o peso das investigações.
Enquanto isso, permanece uma pergunta essencial: para os moradores das periferias da cidade — como os do Jardim Valéria — quem realmente paga o preço das obras realizadas com verbas de origem contestável? E, afinal, até que ponto a festa é só festa, quando o palco também serve de palanque?
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