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quinta-feira, 12 de junho de 2025

Evandro Correia: O guardião das canções invisíveis

Foto: Evandro Correia

*por Herberson Sonkha




Nem todos os homens que constroem cidades usam cimento. Há aqueles que, em silêncio, erguem colunas invisíveis, moldam atmosferas, traçam mapas interiores com gestos simples e notas exatas. Evandro Correia é um desses raros artífices — um compositor de refinamento singular, cuja obra resiste ao tempo não por vaidade ou espetáculo, mas pela consistência do que é feito para durar.

Com 40 anos dedicados à música, 11 discos e dois álbuns autorais, Evandro atravessou gerações como quem atravessa uma floresta com passo firme e olhar atento. Fez da canção um ofício e da escuta um dom. Sua voz, sempre afinada nas alturas e nos silêncios, trazia não apenas melodias, mas sentidos. E mais do que artista, foi um homem de princípios bem traçados — desses que parecem carregar, sem alarde, algum segredo antigo sobre como viver com elegância e coerência.

Nos sábados que hoje soam distantes, era possível encontrá-lo no mítico Bar de Meirinha — lugar modesto, reservado, onde os encontros não dependiam de convite, mas de afinidade. Evandro tocava ali como se estivesse em casa, ou em algo ainda mais íntimo: um espaço de recolhimento partilhado. Sua música ecoava por entre taças, sorrisos, confidências e silêncios — e os que o cercavam sabiam que estavam diante de algo maior que um simples show.

Não havia ali palco, nem cortina, nem roteiro. Havia uma roda. Havia escuta. Havia, sobretudo, o tempo respeitado: cada acorde marcava um compasso não só da música, mas da convivência. Era como se ele soubesse medir o que nos falta e nos ofertasse isso com sua voz. Repertório apurado, afeto contido, presença marcante — tudo nele parecia calculado com precisão e ternura.

Evandro Correia não formou apenas músicos. Formou sensibilidades. Sua obra influenciou pensadores, professores, poetas, estudantes, boêmios e amantes da cidade. Seus versos, sem grito, sem cartaz, foram se tornando parte da paisagem sonora de Vitória da Conquista — uma cidade que ele nunca deixou para trás, mesmo quando poderia. Preferiu permanecer, como quem cuida da própria casa, porque sabe que certas raízes sustentam mais que árvores: sustentam legados.

O que talvez poucos percebam é que Evandro organizava o mundo à sua maneira — com rigor e delicadeza, como se cada canção fosse um pequeno projeto de construção ética. Havia método em sua arte. Havia lapidação. Havia medida. Mas nunca rigidez. Era um operário do sensível, atento aos detalhes, fiel aos princípios do ofício bem feito, generoso com os que se aproximavam, exigente apenas consigo mesmo.

Sua ausência hoje se converte em eco. Não o eco vazio da saudade, mas o eco vivo do que foi bem plantado. Há quem diga que ele partiu cedo demais. Mas os que compreendem a natureza de certos homens sabem que o tempo deles não se mede por calendário, mas por densidade.

Evandro Correia é, agora, nome que ressoa em silêncio — como os bons mestres, que não precisam de estátua nem louvor. Sua obra permanece como bússola invisível a orientar quem ainda acredita na música como linguagem maior. E isso basta. Porque certos homens não são lembrados: são reconhecidos.


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