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quarta-feira, 14 de agosto de 2013

EDUARDO BOAVENTURA: “Vivemos num Estado culturalmente decadente”

E quem nunca cantou o refrão mais popular de Boaventura, “essa tua cor da pele, essa tua cor da voz, essa tua cor do canto, que cantamos nós”, prêmio ONU, em 1986.



“Descobri que metade das pessoas que me cercam não acreditam no que eu falo e a outra metade não acredita no que eu faço, e se sozinho continuarei falando e fazendo, é que eu acredito que falo e faço pela paz de quem me quer e pela liberdade de quem me ama”



Nos anos 90, a ainda jovem TV Sudoeste prestava um grande favor à região sudoeste, apresentando em inserções musicais a produção autoral dos nossos artistas que ficaram registrados na memória coletiva, com belas peças musicais. À época, um rapaz esguio, com o violão ao colo e uma boina inconfundível se destacava com uma música bela em poesia e melodia, cujos versos iniciais eram: “o vento soprou a flauta, o céu choveu canções, sob a lua bailaram estrelas que até o sol saiu pra vê-las”. Era Eduardo Boaventura, artista sensível e inspirado nas mensagens de amor, que cantava A Flauta de um sul/realista.
O tempo passou e levou consigo o poeta e compositor Eduardo Boaventura, que foi para outras paragens distantes de Vitória da Conquista, indo morar no Rio de Janeiro e há nove anos não visita a cidade. O Blog do Fábio Sena, buscando notícias deste nobre músico, descobriu que o principado de Boaventura continua e via facebook conversou com o artista, que fala poeticamente sobre sua visão dos tempos atuais do ponto vista cultural e politico, suas novas apostas e se autodefine como “uma simples criatura que veio ao mundo pelo desígnio do Criador e se tornou cantador”.

Boaventura é dono de um clássico, já cantado em muitas vozes, e que bem poderia se tornar o hino na luta contra os preconceito racial. “Negra Menina África” é talvez a mais emblemática canção de protesto de Boaventura, que em Vitória da Conquista e região é lembrada com facilidade e executada em várias oportunidades nos bares e eventos musicais, cativa no repertório de muitas artistas. “Descobri que metade das pessoas que me cercam não acreditam no que eu falo e a outra metade não acredita no que eu faço, e se sozinho continuarei falando e fazendo, é que eu acredito que falo e faço pela paz de quem me quer e pela liberdade de quem me ama”, ensina Boaventura. Vamos ao bate papo.

BFS: Boaventura, fale um pouco sobre sua trajetória.

Boaventura: Sou de uma geração que viveu os românticos tempos do Jardim das Borboletas e não a praça Tancredo Neves. Estudei em colégio que não existe mais, o Instituto de Educação Clemente Viana, depois fui cobaia da reforma de ensino no I.E.E.D (Escola Normal) e era costume dos pais mandarem os filhos fazer Faculdade. Uns foram para salvador, creio que a maioria da minha época, outros para Belo Horizonte e alguns para Rio de Janeiro, que foi o meu caso, por acaso. Foi depois que deixei Vitória da Conquista que nunca mais a perdi de vista e voltei muitas vezes pra rever os meus pais e os amigos. Quanto aos meio mundo de fãs eu não tô sabendo pois sempre quando eu estava de férias aproveitava e fazia uma cantoria aí num teatro de arena que eu gostava, o Teatro Municipal Carlos Jehovah. Então eu me alegrava em rever os “fãs” amigos que conto nos dedos como Eunice, David Guimarães, José Vitorino, Valter Brito Cavalete, Evandro Correia, Gutemberg, Elomar, Evilasio Lacerda, Agda Dalila Mota Maia Nunes, Roberto Coelho, Maoré, Zeca Metal, e os que partiram fora do combinado, como o Jorge Luis, José Passos Costa Sobrinho e Eunápio Gusmão. Saí de Conquista para estudar Economia na década de 70 e me tornei músico. Há 9 anos não ando pelas ruas dessa cidade, já não reconheço o Jardim das Borboletas, sumiram com a fonte luminosa e a cidade dos pássaros, como me disse certa vez o escultor Cajaíba, essa Praça Tancredo Neves ficou uma Fazenda Moderna bonita…apesar de cortarem as minhas raízes, eu sigo por aí plantando sementes pelo mundo, conhecendo gente que me reconhece assim como você.

BFS: Qual a sua relação com Vitória da Conquista e o que esta cidade te ofereceu. Fale um pouco de quando e como foi esta estadia e parcerias.


Capa do vinil de Boaventura, guardado na memória da cidade
Boaventura: Sou Conquistense de coração, nasci no extremo Sul da Bahia, numa ilha chamada Canavieiras, mas plantei raízes no sudoeste. Vitória da Conquista toda a minha infância, Vitória da Conquista toda minha adolescência, Vitória da Conquista que me ofereceu Glauber Rocha, Elomar, Orlando Celino, André Cairo, Cajaíba, Tom Tom Flores, Xangai, Gutemba, Evandro Correia, Evilasio Lacerda, Dirlei Bonfim, Paulo Macedo, Papalo e muitos mais para minha formação musical. Essas parcerias foram desde sempre sempre nas minhas estadias quando eu ia e quando eu vinha no pó da poeira dessa Rio-Bahia.

BFS: Qual a sua relação com a música e qual o legado de Boaventura?

Boaventura: Minha relação com a música veio do berço, assim como a água do rio vem da nascente para matar a sede de tanta gente, o meu legado são as canções que faço e deixo meio mundo tão contente que ás vezes penso: quando comecei a compor pensava eu estar criando algo de útil para o bem da humanidade mas, observando tudo e todos dentro da realidade, descobri que metade das pessoas que me cercam não acreditam no que eu falo e a outra metade não acredita no que eu faço e se sozinho continuarei falando e fazendo, é que eu acredito que falo e faço pela paz de quem me quer e pela liberdade de quem me ama.

BFS: Qual a sua avaliação sobre o momento que a cultura vive? Acha que vivemos uma democracia cultura?

Boaventura: Não posso falar sobre democracia não fui apresentado a ela ainda, infelizmente, por isso não tenho nenhuma avaliação no momento. De um modo geral acho que vivemos num Estado sociologicamente enfermo, tecnologicamente poluído e culturalmente decadente. Certa feita eu dei meu voto “sem medo de ser feliz”, a oposição virou situação e veja que situação estamos. Agora estou com medo de ser infeliz. Conheço a geo-politica dos partido o suficiente para não me filiar a nenhum. Tenho um pensamento politico: “a próxima geração necessita que lhe digam que a verdadeira luta não é uma luta política, mas uma luta para terminar com a politica. Há que se ir da política à meta politica, da política à poesia.”

BFS: Uma curiosidade Boaventura. Como nasceu esta relação com a boina, que é a sua identidade?

Boaventura: Minha relação com a Boina não tem nenhum mistério. Eu sempre gostei de usar chapéus, mas certa feita, frequentando um espaço cultural chamado Casa da Poesia, na Cinelândia, centro do Rio de Janeiro, conheci um poeta que se tornou um grande amigo, seu nome é José Ignácio Enokbara. Ele era casado com uma Japonesa chamada Miti Enokbara e ao elogiar a boina que seu digníssimo marido estava usando, na semana seguinte, ao chegar na Casa da Poesia, ela presenteou-me com uma boina, pus na minha cabeça, e daquele dia em diante nunca mais usei chapéu, só boinas.



BFS: O que você anda produzindo?

Tributo a Gil. Foto: Renata Martinez
Boaventura: Atualmente estou fazendo uma serie de shows chamado Tributo em teatros. Venho fazendo essa série há uns 6 anos. Comecei o primeiro fazendo o Tributo Edu canta Raul, interpretando o repertório de Raul seixas, depois tributo a Belchior, Zé Ramalho, Roberto Carlos, que se chamou Dois banquinhos, dois violões e aquelas canções do Roberto, em dueto com meu parceiro Dinho Athayde. Ano passado fiz tributos a Milton Nascimento e este ano acabei de fazer a homenagem a Gilberto Gil e agora estou preparando o de Fagner. Entre um tributo e outro produzi um CD de Raggae que ainda não o lancei e está com o título provisório de Os in’tocáveis e/ou The Brazillian Reggae Band, com músicas eme parceria com Alexandre Bug, grande músico daqui, além de participações de Lívia Lopes, uma bela voz de Cachoeiraras de Macacu. Talvez final desse ano lanço mais um CD de canções inéditas que vai se chamar Du Topo do Uni-Verso.

BFS: Para concluir, o que tem a dizer sobre a cena cultural no Brasil?

Boaventura: A nossa cena musical cultural nunca mais será igual a Gonzaga, Sivuca ou Dominguinhos. São fins de semana sem Senna (que pena!) Vou ficando por aqui!!!! Grande abraço. Com admiração e respeito aos nossos sonhos.


* A reprodução desta entrevista (redação e as fotografias) pertencem ao Blog do Fábio Sena. Reprodução Autorizada!!

Um comentário:

  1. Que coisa boa ter noticias tão quentes de Eduardo Boaventura, que conheci no Rio, quando brincávamos com teatro na Escola Celestino da Silva, e ele apareceu na oficina dos sábados, que era uma festa.
    Boaventura tem personalidade, tem uma visão própria bem construída, uma música que traduz seu mundo com consciência. Parabéns, Eduardo"

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