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quarta-feira, 21 de agosto de 2013
Por que os homens inventam histórias?
agosto 21, 2013
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por
Vinícius...
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"A autora aponta que, com este jogo, a criança elabora uma ficção que se situa entre o mundo interior e o exterior, instaurando a possibilidade mesma de conhecimento (esta dinâmica se repondo ao longo de toda a vida, não se restringindo a uma etapa inicial e ganhando contornos particulares, condicionados pela cultura e história de cada um)."
* Por Anita Martins R. de Moraes
Ficção e razão: uma retomada das formas simples, de Suzi Frankl Sperber, apresenta uma teoria original acerca da necessidade humana de criar ficções. Ao mesmo tempo que expõe sua teoria, Suzi conduz o leitor pelo percurso reflexivo que a fundamenta, convidando-o a acompanhar seus questionamentos, a deles participar. O livro lida com questões filosóficas fundamentais, perguntando, por exemplo, se haveria aspectos humanos universais, comuns a pessoas de todas as épocas, culturas e grupos sociais, implicados numa atividade que hoje (muitos de nós) chamamos de “literatura”.
Se a resposta é positiva, como considera a autora (amparada na possibilidade da comunicação humana, mediante tradução e disposição dos interlocutores), quais aspectos seriam esses? Ou ainda: de que maneira a definição de diferença e igualdade entre os seres humanos tem se dado no âmbito dos estudos literários, destacando-se a distinção entre literatura escrita e oral, e com quais consequências ético-políticas e pedagógicas? Vale notar que o percurso investigativo de Suzi, que transita com acuidade por domínios como a antropologia, a psicanálise, a linguística, a psicologia analítica e a hermenêutica, imbrica pensamento reflexivo e ética, sendo o horizonte de sua contribuição teórica a possibilidade de se estabelecerem relações humanas mais justas, em âmbito individual e coletivo.Composto por três volumes, Ficção e razão parte de uma discussão eminentemente teórica, desenvolvida no capítulo “Jogos de armar”, que abre o volume inicial, para então perseguir alguns de seus desdobramentos analíticos. Suzi configura um produtivo jogo entre reflexão teórica e leitura de obras literárias, não se tratando, assim, de apresentar uma teoria e testá-la depois, mas de elaborar problemas e caminhos reflexivos que serão enriquecidos pela investigação das possibilidades hermenêuticas que abrem. Em “Jogos de armar” Suzi formula o conceito-chave de sua teoria, o de “pulsão de ficção”, associando-o às pulsões de vida e morte (propostas por Freud) e relacionando-as respectivamente às formas narrativas “conto de fadas” e “mito”, que entende, retomando André Jolles, como sendo formas simples e inatas. Desenvolve, então, já no segundo capítulo do primeiro volume, “Presença dos contos de fadas”, e no segundo volume, “Presença do mito”, o estudo dessas formas a partir da abordagem de textos selecionados. O terceiro volume, “Casos, causos e outras coisas”, dedica-se ao estudo de outras formas simples propostas por Jolles, a adivinha, a fábula, a legenda e a saga. À medida que a autora trata de textos específicos (da tradição oral ou escrita, da literatura erudita ou popular, incluindo desenhos animados, quadrinhos, reportagens e mesmo textos infantis), retoma, desdobra e aprofunda sua teoria, já formulada na parte inicial do livro.
O conceito de “pulsão de ficção”, cerne da teoria proposta, aponta ser necessidade vital, de todos os seres humanos, a elaboração da experiência vivida por meio da efabulação. Suzi se volta ao caso fort-da (relatado por Freud em Além do princípio do prazer) e às análises freudiana e lacaniana do mesmo. Interessantemente, a estudiosa frisa que este evento é anterior à aquisição plena da linguagem, mobilizando outros dispositivos inatos: o imaginário e o simbólico (noções que ganham contornos próprios na teoria de Suzi, sendo que este “substrato comum”, particularmente o simbólico, será associado ao conceito junguiano de inconsciente coletivo). A autora aponta que, com este jogo, a criança elabora uma ficção que se situa entre o mundo interior e o exterior, instaurando a possibilidade mesma de conhecimento (esta dinâmica se repondo ao longo de toda a vida, não se restringindo a uma etapa inicial e ganhando contornos particulares, condicionados pela cultura e história de cada um). Como considera Antonio Candido, em nota de apresentação, este “livro pressupõe o trabalho de uma vida e ficará como marco importante na crítica universitária brasileira”. Ficção e razão enriquece o debate acerca da natureza do fenômeno literário, contribuindo com inteligência fina para a sua compreensão.
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Anita Martins R. de Moraes é pós-doutora em estudos comparados de literaturas de língua portuguesa na Universidade de São Paulo e autora de O inconsciente teórico(Annablume).
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