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EDITORIAL | A decadência de um governo municipal culturalmente medíocre
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Foto: ASCOM/PMVC |
O Fórum Municipal de Cultura e a Indústria da
Burocracia Cultural em Vitória da Conquista
*por Dirlêi Andrade Bonfim e **Herberson Sonkha
O que presenciamos no último dia 06 de setembro de 2025, das 08h às 12h, no Fórum Municipal de Cultura, não foi surpresa: tratou-se de uma encenação cuidadosamente preparada pela Administração Municipal, cujo objetivo central é sequestrar e cooptar o Conselho Municipal de Cultura (CMC). Desde a Conferência de 2023 já estava evidente que a atual gestão da Secretaria de Cultura opera sob a lógica do controle autoritário, da instrumentalização do recurso público e da domesticação, reduzindo a participação social a um simulacro democrático.
O malfadado Fórum de 06 de setembro confirmou essa suspeita. Longe de ser um espaço democrático de debate vivo, foi, na verdade, um dispositivo de burocratização destinado a legitimar decisões nada críveis já tomadas previamente, mas que precisavam da anuência da classe artística de Vitória da Conquista. Como advertiram Adorno e Horkheimer em Dialética do Esclarecimento (1947, p. 94), “a indústria cultural perpetua a manipulação da consciência, transformando a cultura em mercadoria e a participação em aparência”. O que se viu foi exatamente isso: um processo intencionalmente esvaziado de significado, organizado não para dialogar com os fazedores de cultura, mas para garantir a continuidade de um controle administrativo que serve apenas às necessidades do governo municipal de verve de extrema-direita.
E aqui cabe a pergunta: onde estavam os artistas e fazedores de cultura de Vitória da Conquista? Onde estavam os representantes da música, da literatura, do teatro, do cinema, da dança e das artes plásticas? A resposta é dura: estavam ausentes porque o Fórum não lhes oferecia nenhum horizonte de transformação real. Como diagnosticou Marcuse em O Homem Unidimensional (1964, p. 56), os espaços de participação institucionalizados (sobretudo de direita e de extrema-direita) se tornam instrumentos de integração e neutralização, esvaziando a potência crítica e canalizando toda iniciativa para uma funcionalidade que legitima o status quo.
Mesmo a palestra inicial, conduzida por um representante de uma empresa privada encarregada de elaborar o novo Plano Municipal de Cultura, expressa a lógica capitalista de terceirização e mercantilização da política cultural. Não se tratou de pensar a cultura como vida, criação e resistência, mas como produto de consultoria – caríssima para os cofres públicos, que grita o tempo todo não haver dinheiro para a cultura para além da perspectiva de mercado. Como lembra Walter Benjamin em A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica (1936, p. 47), a cultura, quando capturada pela lógica da reprodução técnica e do capital, perde sua aura e se converte em mera utilidade administrativa.
As chamadas “Comissões por Área” apenas aprofundaram essa percepção. Na música, quatro ou cinco pessoas — quase todas desconhecidas, sob a coordenação de Adriano Gama. No teatro, ninguém. Na literatura, apenas nós três: eu, Carlos Maia e Herberson Sonkha. Dayse Maria e Mari Stela se dirigiram ao patrimônio, que reuniu maior quantidade de pessoas. O vazio das salas escancarava o fracasso de um Fórum incapaz de mobilizar a classe artística. Mas, em vez de autocrítica, o que se via era o controle silencioso dos organizadores — o coordenador de cultura, já velho conhecido, e uma nova coordenadora apresentada sem transparência alguma.
Questionamos a ausência da prefeita, do secretário de Cultura e da classe artística conquistense. Essa ausência sintomática não é detalhe, mas signo. Para a gestão municipal de viés de direita e de extrema-direita, a cultura não tem relevância. O Fórum, realizado no dia 06 de setembro, não passou de uma formalidade burocratizante, um ato protocolar para atender a prazos e eleger o novo CMC. Seu verdadeiro objetivo foi adequar o município às exigências legais, de modo a viabilizar o recebimento de recursos federais. Eis a lógica: esvaziar o que havia sido herdado de política cultural — sem oferecer qualquer outra proposta — de qualquer conteúdo emancipatório, reduzindo-a à função de moeda de troca.
A Escola de Frankfurt já havia antecipado esse movimento: “A cultura se torna cúmplice da dominação quando sua função crítica é neutralizada e substituída por um aparato de legitimação” (Adorno, Crítica Cultural e Sociedade, 1962, p. 38). O Fórum de Cultura de Vitória da Conquista foi precisamente isso: um aparato de legitimação mascarado de participação.
Diante desse cenário, é urgente denunciar e resistir. Como nos lembra Marcuse (1964, p. 72), somente uma consciência negativa, que se recuse a aceitar as formas impostas de integração, pode abrir espaço para a emancipação. Precisamos transformar nossa indignação em ação coletiva, escrever juntos, publicar e expor o que está acontecendo com a cultura em nossa cidade.
O que aconteceu no Fórum Municipal de Cultura de Vitória da Conquista, em 06 de setembro de 2025, das 08h às 12h, não é apenas um episódio isolado. É parte de um projeto autoritário de controle da cultura, que desmobiliza artistas, esvazia a crítica e transforma a política cultural em uma caricatura de si mesma. Nosso desafio é romper com essa lógica, recolocar a cultura no centro da vida social e resgatar sua potência emancipatória contra toda forma de cooptação, domesticação ou silenciamento da criação artística.
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REFERÊNCIAS
ADORNO, Theodor. Crítica Cultural e Sociedade. São Paulo: Paz e Terra, 1962.
ADORNO, Theodor; HORKHEIMER, Max. Dialética do Esclarecimento. Rio de Janeiro: Zahar, 1947.
BENJAMIN, Walter. A obra de arte na era de sua reprodutibilidade técnica. São Paulo: Brasiliense, 1936.
MARCUSE, Herbert. O Homem Unidimensional. Rio de Janeiro: Zahar, 1964.
* Dirlêi Andrade Bonfim - Professor, é Pós-Doutor em Educação, pelo PROGRAMA/PPGED, DA UESB Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia, Doutor em Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente, pela UESC, Mestre em Desenvolvimento Regional e Meio Ambiente pelo PROGRAMA/PRODEMA DA UESC – Universidade Estadual de Santa Cruz. Presta Assessoria/Consultoria na área Administrativa e Contábil, para empresas da Cidade de Vitória da Conquista e região. É Professor concursado da SEC/BA. Secretaria da Educação do Estado da Bahia. É Professor pesquisador da FASU – Faculdade do Sudoeste. É Poeta, Escritor, Compositor, Músico, membro fundador do MAC – Movimento Artístico e Cultural de Vitória da Conquista, atualmente Coordenador. É membro da ACL Academia Conquistense de Letras.
** Herberson Sonkha é poeta, compositor, escritor, Blogger, produção de conteúdo de mídias, militante social (APN’s e MNU) comunista, produtor cultural, projetista, assessoria técnica (econômica, administrativa e financeira) do projeto.
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