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terça-feira, 21 de outubro de 2025

Os EUA e a “Morte por Desespero”

Foto: Arquivo/Dirlêi Bonfim

O Fenômeno Econômico, Social, Psicanalítico e Terminal do Capitalismo e a “Morte por Desespero”

 

Prof. Dirlêi A. Bonfim[1]

 

 Resumo 

Este ensaio analisa o fenômeno contemporâneo da “morte por desespero” no contexto do capitalismo tardio, tomando como referência a crise civilizatória, ética, social, política e psicanalítica vivenciada pelos Estados Unidos. A partir de uma abordagem interdisciplinar — sociológica, econômica e filosófica —, o texto examina as contradições estruturais do capitalismo neoliberal, a corrosão do caráter, a precarização do trabalho e o colapso subjetivo de indivíduos submetidos à lógica do desempenho. O estudo dialoga com autores como Noam Chomsky, Richard Sennett, Angus Deaton, Anne Case, Jamil Chade e Eduardo Giannetti, apontando para a dimensão humana e psíquica da crise do capitalismo e seu caráter terminal.

 

Palavras-chave: capitalismo; crise civilizatória; subjetividade; morte por desespero; neoliberalismo.

 

1. Introdução

 

Este ensaio nasce de algumas leituras e releituras de autores e obras que tratam da decadência do império norte-americano e da trágica situação em que se encontra, neste momento, aquela sociedade. A questão da “queda moral e ética” de Donald Trump e dos Estados Unidos, bem como suas implicações para a hegemonia americana, é complexa e multifacetada.  

Não há consenso sobre se houve, de fato, uma queda moral significativa, se ela se relaciona à ascensão do trumpismo, ou mesmo sobre as consequências desse fenômeno para a influência global dos EUA. O fato é que o país atravessa um dos momentos mais críticos de sua história contemporânea.  

2. A Queda moral e o Trumpismo 

O jornalista Jamil Chade (2023), em Tomara que você seja deportado, oferece uma análise política, social e econômica da sociedade norte-americana, revelando mazelas que se somam à grande crise civilizatória, ética e psicanalítica em curso. Essa crise reflete-se no fenômeno social das chamadas “mortes por desespero” (deaths of despair). 

Enquanto Donald Trump hostiliza democratas, servidores públicos, artistas, professores e intelectuais, num processo de terceirização e privatização generalizada, parte da sociedade começa a se rebelar contra seus atos e políticas. O movimento MEGA X ANTIFAS, presente nos 50 estados norte-americanos, levou cerca de 15 milhões de pessoas às ruas em protesto. 

O mandato de Trump foi marcado por controvérsias, acusações de autoritarismo, polarização política e discurso divisivo. O trumpismo, movimento político associado ao ex-presidente, é visto por muitos como uma ameaça à democracia e aos valores tradicionais dos EUA (CHOMSKY, 2025).  

3. Desafios à hegemonia Norte-Americana 

O declínio da influência dos Estados Unidos é tema recorrente desde o início do século XXI, especialmente diante da ascensão de potências como China, Índia, Rússia e Brasil, países que compõem o grupo dos BRICS. A política isolacionista do governo Trump, centrada no lema “America First”, acentuou o enfraquecimento das instituições multilaterais e do próprio “sonho americano”. 

Embora seja uma das nações mais ricas da história moderna, os EUA enfrentam graves contradições internas: intermináveis guerras, aumento das “mortes por desespero” e uma violência armada fora de controle. Trata-se de uma sociedade marcada pelo neofascismo e pelo neoliberalismo, onde o sucesso é imposto como obrigação e o fracasso é sinônimo de inutilidade. 

Aqueles que não alcançam o topo são vistos como “perdedores” e, muitas vezes, recorrem à autodestruição — a chaga aberta de uma sociedade extremamente consumista e materialista, fundada na competição e na ganância. 

4. A Sociedade adoecida e as mortes por desespero 

Segundo Noam Chomsky (2025), as raízes desse colapso estão na cultura das armas, no militarismo, na estagnação econômica e na desigualdade crescente. Apesar de seus imensos recursos — agrícolas, minerais e territoriais —, os Estados Unidos são, paradoxalmente, o único país desenvolvido em que a mortalidade tem aumentado. 

A expectativa de vida caiu de forma significativa nas últimas décadas. Estudos dos economistas Anne Case e Angus Deaton (2020) demonstram o crescimento alarmante das mortes entre adultos brancos da classe trabalhadora, na faixa etária de 25 a 50 anos. São as chamadas “mortes por desespero”, resultantes de suicídios, overdoses e alcoolismo. Estima-se cerca de 250 mil mortes anuais, um número inédito no mundo desenvolvido. 

O economista Eduardo Giannetti (2025) reforça esse diagnóstico ao afirmar que “os Estados Unidos são um país doente”, cuja crise de “mortes por desespero” reduz drasticamente a expectativa de vida, sobretudo entre homens, que têm maior probabilidade de morrer antes dos 50 anos. 

5. A corrosão do caráter e a desumanização do Trabalho 

O capitalismo não cobra apenas no bolso. Cobra na pele, na mente e no vazio que se abre quando o futuro deixa de ser promessa e se converte em ameaça. Ele se introjeta diariamente em nossas subjetividades, corroendo laços sociais e a própria esperança. 

O sociólogo Richard Sennett (1999), em A Corrosão do Caráter, analisou como a flexibilização do trabalho e o fim das carreiras lineares transformaram o trabalhador em uma peça descartável, sempre forçada a se adaptar e se reinventar. Essa “flexibilidade”, vendida como liberdade, gerou apenas ansiedade, insegurança e desamparo. 

Trata-se, portanto, de uma crise do sentido de vida, marcada pela precarização do trabalho, pela dissolução dos vínculos comunitários e pela solidão social — elementos que se articulam ao fenômeno da morte por desespero. 

6. O Futuro do Capitalismo e o colapso subjetivo 

Em Deaths of Despair and the Future of Capitalism, Deaton e Case (2020) demonstram que as “mortes por desespero” não resultam de incompetência individual, como sustentam as narrativas liberais, mas de uma resposta brutal ao colapso de perspectivas. 

Quem perde o emprego estável, a capacidade de sustentar a família e a esperança num amanhã melhor, frequentemente perde também o sentido da própria existência. Em uma sociedade criada para “vencedores”, o fracasso é vivido como desumanização. 

O fenômeno das “mortes por desespero” expressa, assim, a dimensão psíquica, social e econômica de um sistema em colapso. O capitalismo flexível mina tanto a identidade quanto o corpo, arranca o sentido da vida e o substitui pela insegurança permanente e pelo medo — mecanismos que aprisionam o sujeito e o destroem por dentro. 

Trata-se de um fenômeno estrutural e global, próprio da pós-modernidade capitalista, que atravessa fronteiras e classes sociais, afetando a saúde mental, psicológica e física dos indivíduos.

7. Considerações Finais 

O fenômeno das “mortes por desespero” evidencia a fase terminal de um sistema econômico e subjetivo esgotado. A promessa de liberdade, progresso e consumo irrestrito converteu-se em sofrimento, solidão e perda de sentido. 

O capitalismo tardio, em sua forma neoliberal, não apenas desumaniza, mas aniquila a própria possibilidade de viver. É o sistema que transforma o homem em mercadoria e o mundo em mercado, corroendo não apenas a dignidade humana, mas também a esperança — último resquício de humanidade. 

 

Referências

________

CASE, Anne; DEATON, Angus. Deaths of Despair and the Future of Capitalism. Princeton: Princeton University Press, 2020.

CHADE, Jamil. Tomara que você seja deportado: uma viagem pela América de Trump. São Paulo: Companhia das Letras, 2023.

CHOMSKY, Noam. Ilusões necessárias: controle do pensamento nas sociedades democráticas. São Paulo: Martins Fontes, 2025.

GIANNETTI, Eduardo. O valor do amanhã: ensaio sobre a natureza dos juros. São Paulo: Companhia das Letras, 2025.

SENNETT, Richard. A corrosão do caráter: as consequências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Rio de Janeiro: Record, 1999.



[1] Professor DSc. Dirlêi A. Bonfim, Doutor em Desenvolvimento Econômico e Ambiental. Professor de Sociologia da SEC/BA e do Curso/Plano de Formação Continuada SEC/IAT/BA. Outubro de 2025.

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