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sexta-feira, 14 de maio de 2021

O genocídio “cristão” no Jacarezinho sob a égide da militarização fascista da polícia

Carlos Santos
Fotoarena / Estadão conteúdo
"Sempre imaginei o momento em que a favela desceria para o asfalto e se rebelaria contra a exploração, o extermínio e as múltiplas formas de violência do opressor, subvertendo a ordem civil burguesa."


“Diga não ao racismo.

 Diga não ao preconceito.

 Diga não ao genocídio do meu povo preto.

 Diga não à polícia racista.

 Diga não a essa militarização fascista.”

(BIA FERREIRA, 2019)

 

*por Herberson Sonkha

 

Ali bem pertinho do Rio de Janeiro, praticamente do lado, nasce a cantora, compositora e multi-instrumentalista mineira Bia Ferreira que aprendeu a largar a voz intrépida contra os racismos da intelligentsia e o establishment burguês branco brasileiro. Seu canto estremece feito rajada de metralhadora, abalando as estruturas rígidas de um mundo burguês caduco, caótico e austero na direção do constructo mental do patriarcado que instrumentaliza a racionalidade branca para justificar a eugenia social que de uma única vez ceifou a vida de 29 pessoas.

O Auto de resistência e a mídia burguesa branca jamais vão admitir a letalidade do braço armado do Estado arrepiando à revelia da lei. Antes, vocifera a militarização fascista da polícia preparada pela sentimentalidade branca conservadora que executar sem hesitar a pena capital contra populações negras, confinadas em imensos adensamentos urbanos.

Se a cabeça pensante e o capital residissem nessas áreas periferizadas, consideradas faveladas, não haveriam chacinas. Por isso, tombam milhares de corpos pretos e outros tantos são recrutados diariamente porque a cabeça pertence a outro corpo social e vive protegida pelo mesmo Estado liberal burguês que manda matar preto, pobre, jovens e mulheres negras, lgbtqia+ sob o discurso falsário de combate as facções criminosas e o crime organizado. Aliás, a quem interessa deixar o crime se organizar?

Essas forças policialescas retrogradas e facínoras não avançam nenhum um milímetro na direção do centro pensante de operações dessas organizações criminosas porque suas cabeças estão resguardadas nas áreas nobres do Rio de Janeiro, São Paulo ou Bahia. Lá aonde a militarização da polícia fascista não chega, não ultrapassa os belíssimos portais dos condomínios de poder luxuosos porque o capital e os capitalistas que decidem politicamente quem o Estado protege e quem o Estado extermina.

Você acha mesmo que as áreas nobres de qualquer lugar desse país são invadidas por policiais? Neca-de-pitibiriba meu parceiro, porque o papel na sociedade burguesa da polícia é proteger a propriedade privada, o patrimônio! Esse é o preço por ignorar o Manifesto Comunista, quando Marx e Engels afirmam lá em 1848 que o Estado é “o comitê administrativo dos interesses comuns da burguesia”. Ou vocês acham mesmo que a alta burguesia da cidade está brincando quando diz que a pobreza, baixaria, furto, latrocínio, chacina, boca de fumo, estupro, fome, cracolândia, sujeira e ruelas malcheirosas é coisa da periferia?  Isso não é uma constatação, mas sim uma sentença meu parceiro!

Sem casa, sem emprego, sem transporte, sem saúde, sem educação, sem comida e sem lugar pra circular livremente, as nossas populações negras foram jogadas nas ruas e depois nas encostas desde 1888. Adensamentos urbanos vão surgindo intensificando o uso irregular do solo, ocupando sem que o Estado ofereça qualquer possibilidade de infraestrutura, causando dificuldades e o risco de desabamento de terra. Apesar dos problemas que ocasionam ao meio ambiente, não há outro lugar porque o sistema branco é bruto e a casa cai toda vez que a senzala resolve botar o pé na parede e mandar a letra contra o andar de cima.

Sejamos francos, as favelas não deixam de ser um pan-óptico para as elites atrasadas, um grande laboratório da burguesia que funciona como uma imensa penitenciaria à céu aberto, ideal para a militarização fascista monitorar e chacinar seus moradores para justificar a pressão de certos setores contrários ao tráfico. Você acha mesmo que o filosofo, economista e jurista liberal inglês Jeremy Bentham utilizou essa palavra porque achou essa expressão bonita? Não mesmo! Bentham estava de olho na movimentação das massas operária borbulhando que ameaçava a manutenção da propriedade privada, a luta política a espreitam de uma convulsão social.

Quem vai monitorar, controlar e intervir quando a fúria das massas convulsionar à ordem civil burguesa e derrubar o sistema capitalista? A ideia é transformar o Estado no eterno vigia noturno, aquele que nunca dorme porque só um vigilante implacável que observa a tudo e a todos os movimentos saberá quando e como intervir com eficiência para aplacar a fúria dos prisioneiros, sem que eles saibam que estão sendo vigiados. Ilude-se quem achar que o Estado não monitora as favelas, pois como disse o governador cristão, foram 8 meses de intensa vigilância e de intervenções. Eles sabiam que a operação seria letal e já era previsto porque a polícia não trabalha com a lógica de redução de danos.

Talvez, encontremos no debate acalorado do “Vigiar e Punir: nascimento da Prisão” do filosofo francês Michel Foucault (publicado em 1987 no Brasil), algumas pistas sobre o pensar e agir da política social do governo carioca fascista que iguala a todos e todas as pessoas periferizadas como pessoas periculosamente bandidas, portanto, condenadas à eugenia social. Qual o melhor lugar para se vencer uma guerra senão invadindo a casa na calada da noite, antes da população acordar. Invadir casas, assassinar pessoas são dos "males" o menor para essa militarização fascista da polícia.

A República liberal burguesa nos forçou a criar os adensamentos no Brasil desde o início do século 20, quando as elites atrasadas do país aderiram ao modismo do movimento arquitetônico francês e passou a orientar o estilo urbanístico das capitais do país para evitar aglomerações grevistas e transformar a cena urbana bucólica de cidades provincianas num lugar de branco com ares “civilizados”. Desde então, as populações negras vêm sendo eliminadas, conformadas de maneira amontoada feito deposito de gente em áreas de risco, dependuradas pelos morros à baixo, conformadas em favelas, palafitas, presídio ou em macas duras, frias sem colchonetes e lençol nos hospitais públicos superlotados.

Sempre imaginei o momento em que a favela desceria para o asfalto e se rebelaria contra a exploração, o extermínio e as múltiplas formas de violência do opressor, subvertendo a ordem civil burguesa. Mas, tem sido cada vez mais comum acontecer o contrário, pois o aparato bélico que é o braço armando do Estado continua subindo o morro e mandando bala sem hesitar na nossa pretaiada. E nada acontece! Corpos aqui, ali e acolá e às populações negras sendo exterminadas feita barata e os plantonistas do ultraliberalismo no Estado brasileiro silenciam quem ousa levantar a voz como aconteceu com a camarada Marielle Franco.

Ativistas liberais até fazem um estardalhaço, mas a rota da estatística da letalidade segue provando que o extermínio deve continuar aumentando a cada dia mais. Isso não se explica sem compreender historicamente todos os processos de eugenia social ocorridos no Brasil e que está presente no DNA civilizacional burguês, não se elimina isso pintando a faixada do “vigia noturno” com uma marca de verniz chamado social democracia. Os racismos são estruturais, a exemplo do que ocorreu nos EUA com o caso do George Perry Floyd Jr. afro-americano assassinado em Minneapolis. Aconteceu no governo ultraconservador do republicano Donald Trump, um fascistoide, mas poderá voltar a acontecer no governo liberal social do democrata de Joe Biden. 

Isso não se resolve efetivamente apenas com eleição de democratas e a realização de passeatas populares com viés de luta de classes, o enfrentamento político e ideologicamente organizado da classe trabalhadora e das populações subalternizadas não é suficiente se não for para superar esse modelo civilizacional burguês, pois as populações negras são diretamente afetadas pela política ultraconservadora de eugenização.

A centralidade está na superação do espectro dominante que hegemoniza a sociedade, perpassada pela construção política das instituições de classe, gênero e raça que transforma, e, não a que conforma, aliena, subalterniza, coisifica e idiotiza a espécie humana.

A situação do Rio de Janeiro é mais complexa, contraditória e mais avassaladora por isso exige mais elaboração teórica revolucionária e práxis política emancipacionista, pois não se pode descartar a infeliz participação eleitoral das populações periferizadas na vitória de candidaturas bolsonaristas ou de direita para o governo da cidade e do estado do Rio de Janeiro.

O governador caiu e o vice já entrou com os dois pés na cara das populações periferizadas. Nem bem saiu da lua de mel com o Paço de Isabel (Palácio da Guanabara) e já autorizou a chacina do Jacarezinho que fica há 13,8 quilômetros de seu gabinete. E o que é pior, sua declaração de pena capital, enviada por vídeo para evitar ser entrevistado, não hesita em mostrar a desfaçatez de uma expressão facial que não esboça nenhum arrependimento ou remorso. Aliás, racionaliza para reafirmar com a convicção de quem está fazendo o que é certo.

Sem nenhum constrangimento, por causa do posicionamento crítico das principais nações mundiais signatárias da política de Direitos Humanos sobre o assunto, a principal voz que ecoa do Palácio da Guanabara reafirma a manutenção do modelo policialesco fascista ineficiente e negligente com a dignidade da pessoa humana. É a extensão da tese bolsonarista que ganhou as eleições no Sudeste, sob o mantra de “bandido bom é bandido morto”. O governo do Rio de Janeiro não está nem aí se esse mantra de militarização fascista extermina civis inocentes do Jacarezinho, do Alemão ou da Rocinha.

A preta musicista advertiu o Brasil sobre os riscos de agravar o quadro de genocídio de jovens negros e de populações periferizadas pela militarização fascista. Ei carioca, você não escutou? Não, né? Pois é, enquanto isso não podemos ficar assistindo e rindo da chacina quando muita gente chora. Mas, só isso não resolve e nem impede que essa militarização fascista do “bandido dom é bandido morto” faça mais vítimas. Será que não está na hora de romper visceralmente com esse modelo econômico, social, cultural e político liberal burguês, conivente com quem prega a militarização fascista, sobretudo àquelas pessoas perdulárias que representam na institucionalidade (no parlamento e no executivo) o bolsonarismo.

Não consigo conceber que alguém não se indigne com um governador “cristão” que ironiza em rede nacional que a ação policial no Jacarezinho foi uma estratégia bem sucedida do serviço de inteligência que passou três meses investigando e montando a intervenção. Seu ar de missão cumprida se deve ao fato de ter apreendido “muito” armamento belicoso, sendo isso maior do que a desventura dos 29 óbitos.

Se não bastasse, o “cristão” das cruzadas considera que esse êxito é resultado da inteligência do aparato policial do Estado avaliado como sendo um dos mais corruptíveis do país. Que inteligência é essa que não tem discernimento suficiente para ler que a política de drogadição é inepta, inadequada, ultrapassada e seus resultados são 100% letais; que a dependência química é uma questão de saúde pública; e que existem inúmeras contradições, excessos, preconceitos, racismos e as fobias que permeiam esse fato social.

Seu cinismo dissimulado beira a insanidade mental e as suas estultícias são ditas à sociedade brasileira como se não houvessem baixas e danos colaterais. Me lembra que o Rio de Janeiro também é o Haiti denunciado na poética de Caetano Veloso e Gilberto Gil quando dizem "E na TV se você vir um deputado em pânico. Mal dissimulado".

E diz como se tivesse dando uma notícia alvissareira a alguém que acabou de acertar na mega sena. Ignora a triste e incorrigível realidade carioca que assola familiares e amigos que viram os seus entes tombarem sob o projétil da pistola ou fuzil policial do Estado, ainda têm que assistir a essa degradante declaração desse “cristão” fundamentalista, uma excrescência.

A facção fascistoide da “bala, bíblia e do boi” na Câmara de Deputados Federal ampliou seus tentáculos para os governos em quase todos os estados do Brasil, que mostra "(...) deputado em pânico. Mal dissimulado" defendendo a corrupção, os desmandos, a ineficiência, o desmatamento da Amazônia, extermínio de populações originária, quase meio milhão de óbitos pelo coronavírus e a aberração anômala de um governo genocida. Os burgueses brancos sempre governaram para grandes conglomerados econômicos e corporações financeiras internacionais, para milicianos e supremacistas, por isso não existe nenhuma crise moral em institucionalizar a pratica nefanda de eugenia social. Em certa medida, isso explica o cinismo dissimulado, a ironia e o desdenho do governador do Rio de Janeiro em relação aos lamentáveis 29 óbitos do Jacarezinho.

Neste momento de dor e sofrimento de minha gente preta carioca periferizada e subalternizada pela burguesia branca, quero compartilhar do que agora é o meu canto, na voz impecável da poética social aguda de Caetano e Gil que nos alerta sobre "(...) esse mesmo deputado defender a adoção da pena capital" ou o canto   insurgente da intelectual negra Bia Ferreira que nos convida rebelar-se e a não pactuar, verbalizando poeticamente:

“Eu não compactuo com esse jogo sujo

 Grito mais alto ainda

 E denuncio esse mundo imundo

 A minha voz transcende a minha envergadura

 Com essa carne fraca

 Eu sou do tipo carne dura

 Diga não ao racismo!

 Diga não ao preconceito!

 Diga não ao genocídio do meu povo preto!

 Diga não à polícia racista!

 Diga não a essa militarização fascista!

 Diga não…”

 

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