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quarta-feira, 26 de maio de 2021

O “intelectual orgânico”: combater defecções de setores da esquerda em qualquer parlamento

(Ilustração: Jean-Baptiste Debret/Reprodução)

“Compreendíamos a conjuntura em que vivíamos e lutávamos naquela quadra da história para superar o capitalismo, não para sermos subsumidos pela ideologia liberal burguesa de burocratas do governo da hora, sucumbidos por uma tarefa politicamente anômala de ser ‘oposição’, enquanto dura o governante dos outros grupelhos que se alternavam no poder político.”

*por Herberson Sonkha

 

Ouvi falar apropriadamente pela primeira vez no economista italiano Piero Sraffa na UESB, numa aula da disciplina de teoria neoclássica em que o professor explicava à contribuição da crítica da teoria sraffiana à abordagem marginalista (neoclássica) de equilíbrio geral de longo prazo.

Embora houvesse de minha parte a expectativa de que em algum momento surgiria um gancho para linkar ao sardo Antônio Gramsci, na perspectiva do conceito de “intelectual orgânico”, a aula transcorreu normalmente sem tocar na relação de aveniência de Sraffa com o comunista.

Óbvio! Eu estava na aula errada, pois mais tarde eu seria profundamente instigado na aula de História do Pensamento Econômico (HPE) em que se discutia na perspectiva crítica da análise da teoria do valor e da distribuição de Sraffa, o elemento que liga o autor a literatura marxiana. A metodologia inegavelmente evidenciaria tais referências centradas nos pressupostos históricos do pensamento econômico.

Portanto, uma outra discussão que pode ser feita em outro momento, mas retomo aqui neste texto a categoria marxiana na perspectiva de Gramsci de “intelectuais orgânicos” como sendo pensadores de suas respectivas classes em presença. Havia um incomodo que me agastava e Gramsci era o balsamo para minha gastura e pôs-me a compreender a teoria normativa gramsciana, compreendendo a ideia liberal cartesiana-positivista que concebia a existência de uma suposta isenção de intelectuais das disputas entre capital e trabalho, tornando-os alheios e inteiramente autônomos em relação à estrutura social.

O sardo compartilhava da concepção marxiana em que considerava que cada grupo social basilar (classe trabalhadora e classe capitalista) que desenvolvia uma tarefa crucial na produção, produzia seus próprios pensadores. Nesse sentido, os capitalistas forjavam seus próprios intelectuais, da mesma forma que a classe trabalhadora forjava os seus intelectuais, a quem Marx chamava de “orgânicos”.

Está dado aqui o gancho que eu precisava para analisar a atuação de parlamentares posicionado no âmbito da esquerda na perspectiva marxiana/gramsciana do papel histórico do “intelectual orgânico” da classe trabalhadora e das populações subalternizadas no combate sistemático da desqualificação multe funcional de setores da esquerda com acento na Câmara Municipal. 

A sociologia em Gramsci encontra no desenvolvimento da tipologia orgânica com a tradicional que decorre de processos históricos-sociais que antecedem (clérigos, filósofos, juristas e escritores) com a intensa percepção de continuidade que atravessa os tempos-espaços e se percebem como independentes, um grupo posicionado acima das relações vivenciadas pelas classes sociais em luta.

A classe em domínio incursiona na tentativa de enlaçar para si esse grupo de intelectuais tradicionais na disputa artificiosa da luta pela hegemonia. Do ponto de vista da classe trabalhadora a concepção gramsciana considera a luta para sustentar um novo intelectual vinculado ao modo produtivo, refutando uma intelectualidade inundada pela eloquência da abstração, portanto capaz ser respectivamente uma autoridade cientifica e político.

Aqui Gramsci apetrechado pelo escasso aceso a obra marxiana aponta uma nova perspectiva para esse intelectual orgânico da classe trabalhadora, dotado de capacidade para ser dirigente de um novo “bloco histórico”. Um estudo do cientista político liberal católico Hugues Portelli publicado em 1972 como o nome de "Gramsci E O Bloco Histórico" sobre os principais aspectos do pensamento de Antônio Gramsci, não deixa de instrumentalizar o pensamento gramsciano para um alargamento ao centro-direita.

Li precariamente essa obra ainda nos anos 90, uma versão de 1983 publicada pela editora Paz e Terra, era um livro com capa amarela e 200 páginas amareladas, sub a recomendação providencial do então estudante de História e dirigente do movimento estudantil na UESB, hoje professor de história aposentado, mas continua militando à esquerda, o Professor João Paulo Pereira.

Essa organicidade de esquerda noventista tinha essa característica de ler muito, debater mais ainda e construir a luta. Não éramos diletantes, nefelibatas transloucadas ou como dizia a gíria dos comunas “porra louca”. Compreendíamos a conjuntura em que vivíamos e lutávamos naquela quadra da história para superar o capitalismo, não para sermos subsumidos pela ideologia liberal burguesa de burocratas do governo da hora, sucumbidos por uma tarefa politicamente anômala de ser “oposição”, enquanto dura o governante dos outros grupelhos que se alternavam no poder político.

Até o final da década de 90 do século XX os “intelectuais orgânicos” da classe trabalhadora combatiam a porralouquice, a estupidificação da classe média, mesmo que alguns poucos pertencessem a esta classe vacilante, eram engajados politicamente no campo de esquerda em Vitória da Conquista. Em sua maioria formados pela UESB, reconheciam e combatiam a imoralidade praticada na Câmara e na Prefeitura municipal de Vitória da Conquista.

Não era tão difícil atuar nesse cenário e essa crítica repercutia bem nos círculos intelectualizados porque a direita tradicional há décadas havia se consolidado como única força que comandava majoritariamente o legislativo. Décadas depois, a maior parte desses “intelectuais orgânicos” ascenderam ao poder político municipal, perderam-se no labirinto do Estado burguês e sucumbiram a viralatisse de classe média.

Eles resignaram-se ao ideal ultraconservador de “homem de bem”, justificado pela falaciosa meritocracia e alimentado pelo sonho capitalista pequeno burguês de ficarem ricos (morar bem, carro do ano, viagens internacionais e filhos em escolas particulares), um projeto liberal de caráter individualista baseado no consumismo de padrão estadunidense.

Se ontem a massa desses intelectuais protestava contra mandatários analfabetos no parlamento, atribuindo a eles as razões para parte de todos os males do município, hoje em dia uma minoria deles esbravejam mais forte ainda contra os profissionais liberais acometidos pelo analfabetismo político e funcional, sobretudo contra os doutores, àqueles a serviços da extrema-direita nazifascista. Continua vindo desses intelectuais orgânicos a militância ideológica que resiste à “doce” catilinária ideopolítica da classe média vendida.

Se nessa época não poupavam nem mesmo alguns poucos deslizes de profissionais liberais, a exemplo de médico, advogado e engenheiro de direita que se envolviam em escândalos (com ou sem indícios), alguns já denunciavam naquela época certos comportamentos extremistas de direita, de verve nazifascista, imagine hoje com médicos e advogados defendendo a necropolítica de nazifascistas. Restam poucos daquela época!

Os combativos sobreviventes condenam o descampado intelectual e cultural que alcançou à oposição e ameaça jogar setores da esquerda com acentos naquela casa na mesma vala comum da tradicional política brasileira. Se naquele momento as razões eram outras, pois iam de escândalos de improbidade de mesa diretora, passando pela defesa no setor público de projetos de interesses de empresários capitalistas contra a classe trabalhadora e populações subalternizadas.

Agora a ordem é silenciar-se diante do negacionismo genocida do executivo; de improbidade administrativa; do desmonte de políticas sociais; das privatizações; do nepotismo; das perseguições a servidores públicos municipais; da criminalização escancarada da organização sindical com corte de salário de dirigentes sindicais; do sucateamento da saúde, educação e desenvolvimento social.

Antes, se comprazem setores de esquerda e a direita com uma moção de aplausos à religiosos conservadores fundamentalistas de extrema-direita como Silas Malafaia. Não é por acaso que há alguns anos os poucos intelectuais que restaram mais os chegantes se tornaram o segmento descontente da política (formadores de opinião) de Vitória da Conquista.

Esse movimento meio difuso vem cogitando uma discussão urgente sobre a necessidade dos e das munícipes conquistenses e moradores de outros municípios que moram na cidade parar um pouco para refletir criticamente sobre a importância da vereança para o desenvolvimento social, econômico, cultural e político do município.

Para quem mora nos 13 municípios da região Sudoeste e mais os municípios ao norte de Mina Gerais, que compreende aproximadamente 2 milhões de habitantes, Vitória da Conquista é uma capital moderna, avançadas e referência profissional e política como citadina da democracia.

Lamentavelmente, o grau de insatisfação dos descontentes ainda não reflete positivamente nos resultados das urnas eleitorais, e, também por isso, as cadeiras no parlamento municipal passam a ser ocupadas por uma maioria conservadora reacionária que prejudica mais do que ajuda nesse processo de proteção e promoção social da população como um todo e da própria transformação da democracia representativa em transição para a democracia participativa.

A cidade precisa ser provocada para sair de sua zona de conforto, da mesmice e pensar melhor sobre os nossos edis. Discutir com a sociedade tipos de perfis que condizem com o nível intelectual da segunda maior cidade da Bahia, depois de Salvador.

Vitória da Conquista precisa ter um parlamento composto por pessoas à altura de uma cidade de porte médio que caminha rapidamente para meio milhão de habitantes em pouco tempo. Não importa se for de direita, mas que seja um/uma liberal orgânico e saiba o que defende e porquê defende.

A cidade merece uma casa que ofereça aos munícipes um debate de alto nível e com a profundidade histórica, sociológica, econômica e política necessária, pois precisa fazer jus à sua reputação de “metrópole”.

As estatísticas mostram que parte da população de Vitória da Conquista está bem posicionada no ranking nacional de educação superior na esfera pública, pois oferta cursos em quase todas as áreas do conhecimento científico e técnico.

No ensino médio regular, a população efetivou 14.370 matriculas em 2020, destes mais de 60% são de estudantes oriundos da rede pública estadual. O que não significa que devemos desconsiderar que existem excelentes escolas particulares e cursinhos pré-vestibulares privados e sem fins lucrativos. Essas escolas alcançam níveis acima da média estadual em aprovações de vestibulandos em instituições referenciadas pelo tripe ensino-pesquisa- extensão na Bahia e no eixo sul-sudeste do país.

A população da região sudoeste, especialmente a conquistense dispõe de um pool qualificado de instituições públicas de ensino superior, a exemplo da UESB, do IFBA e da UFBA campus Anísio Teixeira. Não menos importante, disputam esse público estudantil de classe média às instituições ensino superior da rede privada.

A população estudantil de modo geral conta com um conjunto de faculdades e centros universitários privados bem conceituados pelo MEC, ofertando cursos na maioria das áreas profissionais na cidade como história, geografia, filosofia, matemática, física, química, agronomia, pedagogia, medicina, engenharia civil, arquitetura, direito, odontologia e fisioterapia. Algumas delas, em plena expansão socioeconômica em Vitória da Conquista.

Apesar dessa alvissareira posição que expressa um certo avanço cultural de Vitória da Conquista no cenário estadual e nacional ainda pesa sobre os ombros da cidade um fantasma, um mal que parece ser incurável: a insolência ou o mau-caratismo na política.

Escola nenhuma ensina honestidade porque isso a gente leva (ou não) de casa para universidade. Aliás, algumas escolas marxiana/marxistas na universidade nos instiga a desenvolver a consciência crítica e holística de mundo, nos oferece instrumentais teóricos e aponta possibilidades de caminhos para superar a mediocridade humana, a exploração econômica e a emancipação social.

Não é bonito, engraçado ou heroico ver pessoas sem qualquer tipo de instrução escolástica ou de mundo aventurar-se na política, sobretudo àquelas levadas pela desfaçatez do discurso fácil da maioria com base apenas no senso comum, se considerar aptas a exercerem um mandato político institucional. Mais grave ainda é afirmar que a política é a “arte” do maldizer, a arte da retorica bizarra para ludibriar pessoas fragilizadas.

Essas pessoas enxergam no executivo ou na tribuna do parlamento uma oportunidade para serem vistas como pessoas que se deram bem na vida do jeito “fácil”. Tudo isso com a finalidade de ficar rico ilicitamente e/ou atrever-se a afirmar que a política partidária oferece uma “carreira” apenas porque alguém disse que sabe “falar bem”. Isso explica a presença de docentes, advogados, militantes sociais, líderes religiosos e comunicadores na corrida desesperada por uma cadeira no parlamento ou do executivo.

No entanto, algumas pessoas incomodadas com a sobreposição dessa desqualificação na política em função do baixo nível de moralidade, da inapetência técnica e da incompetência cognitiva que afeta de sobremaneira a maioria no parlamento municipal. Isto fez com que essas pessoas passassem a discutir criticamente critérios possíveis para definir tal perfil.  Não se trata de meritocracia porque ninguém consegue se tornar excelente sozinho, pois além de existir pessoas trabalhando nos bastidores para que você se torne alguém bom no que faz, existem as condições socioeconômicas que diferenciam as oportunidades que fazem pessoas serem diametralmente diferentes.

Compreender isso é admitir que nossas fragilidades e problemas estruturais no âmbito da política institucional, com algumas raríssima exceções de vereança, em sua maioria reside no fato de que nossos representantes eleitos/eleitas para o parlamento municipal não são só da ordem da moralidade, mas da incompetência técnica, do desnível escolar, da imaturidade intelectual, da ausência de formação cultural e da precária oratória que torna a nossa Câmara Municipal de Vereadores uma lastimável província, uma indigência que nos arrasta violentamente para o patamar de cidades simples.

Apesar de possuírem sua importância, essas cidades possuem organizações sociais, econômicas e políticas preparadas para responder as dinâmicas menos complexas de municípios com menos de 50 mil habitantes.

Portanto, precisamos pensar sobre o perfil apropriado para qualquer pessoa que assuma a complexidade da tarefa imprescindível de entender e representar os interesses da cidade no parlamento. Óbvio que são interesses difusos porque a sociedade é estratificada social, econômica, cultural e politicamente e cada vez que expande um pouco mais torna esses interesses mais difusos.

 

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