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O “intelectual orgânico”: combater defecções de setores da esquerda em qualquer parlamento
(Ilustração: Jean-Baptiste Debret/Reprodução) |
“Compreendíamos a conjuntura em que vivíamos e lutávamos naquela quadra da história para superar o capitalismo, não para sermos subsumidos pela ideologia liberal burguesa de burocratas do governo da hora, sucumbidos por uma tarefa politicamente anômala de ser ‘oposição’, enquanto dura o governante dos outros grupelhos que se alternavam no poder político.”
*por
Herberson Sonkha
Ouvi falar apropriadamente pela primeira vez no economista italiano Piero Sraffa na UESB, numa aula da disciplina de teoria neoclássica em que o professor explicava à contribuição da crítica da teoria sraffiana à abordagem marginalista (neoclássica) de equilíbrio geral de longo prazo.
Embora
houvesse de minha parte a expectativa de que em algum momento surgiria um
gancho para linkar ao sardo Antônio Gramsci, na perspectiva do conceito de
“intelectual orgânico”, a aula transcorreu normalmente sem tocar na relação de
aveniência de Sraffa com o comunista.
Óbvio!
Eu estava na aula errada, pois mais tarde eu seria profundamente instigado na
aula de História do Pensamento Econômico (HPE) em que se discutia na
perspectiva crítica da análise da teoria do valor e da distribuição de Sraffa,
o elemento que liga o autor a literatura marxiana. A metodologia inegavelmente
evidenciaria tais referências centradas nos pressupostos históricos do
pensamento econômico.
Portanto,
uma outra discussão que pode ser feita em outro momento, mas retomo aqui neste
texto a categoria marxiana na perspectiva de Gramsci de “intelectuais
orgânicos” como sendo pensadores de suas respectivas classes em presença. Havia
um incomodo que me agastava e Gramsci era o balsamo para minha gastura e pôs-me
a compreender a teoria normativa gramsciana, compreendendo a ideia liberal
cartesiana-positivista que concebia a existência de uma suposta isenção de
intelectuais das disputas entre capital e trabalho, tornando-os alheios e
inteiramente autônomos em relação à estrutura social.
O
sardo compartilhava da concepção marxiana em que considerava que cada grupo
social basilar (classe trabalhadora e classe capitalista) que desenvolvia uma
tarefa crucial na produção, produzia seus próprios pensadores. Nesse sentido,
os capitalistas forjavam seus próprios intelectuais, da mesma forma que a
classe trabalhadora forjava os seus intelectuais, a quem Marx chamava de
“orgânicos”.
Está
dado aqui o gancho que eu precisava para analisar a atuação de parlamentares
posicionado no âmbito da esquerda na perspectiva marxiana/gramsciana do papel
histórico do “intelectual orgânico” da classe trabalhadora e das populações
subalternizadas no combate sistemático da desqualificação multe funcional de
setores da esquerda com acento na Câmara Municipal.
A
sociologia em Gramsci encontra no desenvolvimento da tipologia orgânica com a
tradicional que decorre de processos históricos-sociais que antecedem
(clérigos, filósofos, juristas e escritores) com a intensa percepção de
continuidade que atravessa os tempos-espaços e se percebem como independentes,
um grupo posicionado acima das relações vivenciadas pelas classes sociais em
luta.
A
classe em domínio incursiona na tentativa de enlaçar para si esse grupo de
intelectuais tradicionais na disputa artificiosa da luta pela hegemonia. Do
ponto de vista da classe trabalhadora a concepção gramsciana considera a luta
para sustentar um novo intelectual vinculado ao modo produtivo, refutando uma
intelectualidade inundada pela eloquência da abstração, portanto capaz ser
respectivamente uma autoridade cientifica e político.
Aqui
Gramsci apetrechado pelo escasso aceso a obra marxiana aponta uma nova
perspectiva para esse intelectual orgânico da classe trabalhadora, dotado de
capacidade para ser dirigente de um novo “bloco histórico”. Um estudo do
cientista político liberal católico Hugues Portelli publicado em 1972 como o
nome de "Gramsci E O Bloco Histórico" sobre os principais aspectos do
pensamento de Antônio Gramsci, não deixa de instrumentalizar o pensamento
gramsciano para um alargamento ao centro-direita.
Li
precariamente essa obra ainda nos anos 90, uma versão de 1983 publicada pela
editora Paz e Terra, era um livro com capa amarela e 200 páginas amareladas,
sub a recomendação providencial do então estudante de História e dirigente do
movimento estudantil na UESB, hoje professor de história aposentado, mas
continua militando à esquerda, o Professor João Paulo Pereira.
Essa
organicidade de esquerda noventista tinha essa característica de ler muito,
debater mais ainda e construir a luta. Não éramos diletantes, nefelibatas
transloucadas ou como dizia a gíria dos comunas “porra louca”. Compreendíamos a
conjuntura em que vivíamos e lutávamos naquela quadra da história para superar
o capitalismo, não para sermos subsumidos pela ideologia liberal burguesa de
burocratas do governo da hora, sucumbidos por uma tarefa politicamente anômala
de ser “oposição”, enquanto dura o governante dos outros grupelhos que se
alternavam no poder político.
Até o
final da década de 90 do século XX os “intelectuais orgânicos” da classe
trabalhadora combatiam a porralouquice, a estupidificação da classe média,
mesmo que alguns poucos pertencessem a esta classe vacilante, eram engajados
politicamente no campo de esquerda em Vitória da Conquista. Em sua maioria
formados pela UESB, reconheciam e combatiam a imoralidade praticada na Câmara e
na Prefeitura municipal de Vitória da Conquista.
Não
era tão difícil atuar nesse cenário e essa crítica repercutia bem nos círculos
intelectualizados porque a direita tradicional há décadas havia se consolidado
como única força que comandava majoritariamente o legislativo. Décadas depois,
a maior parte desses “intelectuais orgânicos” ascenderam ao poder político
municipal, perderam-se no labirinto do Estado burguês e sucumbiram a
viralatisse de classe média.
Eles
resignaram-se ao ideal ultraconservador de “homem de bem”, justificado pela
falaciosa meritocracia e alimentado pelo sonho capitalista pequeno burguês de
ficarem ricos (morar bem, carro do ano, viagens internacionais e filhos em
escolas particulares), um projeto liberal de caráter individualista baseado no
consumismo de padrão estadunidense.
Se ontem
a massa desses intelectuais protestava contra mandatários analfabetos no
parlamento, atribuindo a eles as razões para parte de todos os males do
município, hoje em dia uma minoria deles esbravejam mais forte ainda contra os
profissionais liberais acometidos pelo analfabetismo político e funcional,
sobretudo contra os doutores, àqueles a serviços da extrema-direita
nazifascista. Continua vindo desses intelectuais orgânicos a militância
ideológica que resiste à “doce” catilinária ideopolítica da classe média
vendida.
Se
nessa época não poupavam nem mesmo alguns poucos deslizes de profissionais
liberais, a exemplo de médico, advogado e engenheiro de direita que se
envolviam em escândalos (com ou sem indícios), alguns já denunciavam naquela
época certos comportamentos extremistas de direita, de verve nazifascista,
imagine hoje com médicos e advogados defendendo a necropolítica de
nazifascistas. Restam poucos daquela época!
Os
combativos sobreviventes condenam o descampado intelectual e cultural que
alcançou à oposição e ameaça jogar setores da esquerda com acentos naquela casa
na mesma vala comum da tradicional política brasileira. Se naquele momento as
razões eram outras, pois iam de escândalos de improbidade de mesa diretora,
passando pela defesa no setor público de projetos de interesses de empresários
capitalistas contra a classe trabalhadora e populações subalternizadas.
Agora
a ordem é silenciar-se diante do negacionismo genocida do executivo; de
improbidade administrativa; do desmonte de políticas sociais; das
privatizações; do nepotismo; das perseguições a servidores públicos municipais;
da criminalização escancarada da organização sindical com corte de salário de
dirigentes sindicais; do sucateamento da saúde, educação e desenvolvimento
social.
Antes,
se comprazem setores de esquerda e a direita com uma moção de aplausos à
religiosos conservadores fundamentalistas de extrema-direita como Silas
Malafaia. Não é por acaso que há alguns anos os poucos intelectuais que
restaram mais os chegantes se tornaram o segmento descontente da política
(formadores de opinião) de Vitória da Conquista.
Esse
movimento meio difuso vem cogitando uma discussão urgente sobre a necessidade
dos e das munícipes conquistenses e moradores de outros municípios que moram na
cidade parar um pouco para refletir criticamente sobre a importância da
vereança para o desenvolvimento social, econômico, cultural e político do
município.
Para
quem mora nos 13 municípios da região Sudoeste e mais os municípios ao norte de
Mina Gerais, que compreende aproximadamente 2 milhões de habitantes, Vitória da
Conquista é uma capital moderna, avançadas e referência profissional e política
como citadina da democracia.
Lamentavelmente,
o grau de insatisfação dos descontentes ainda não reflete positivamente nos
resultados das urnas eleitorais, e, também por isso, as cadeiras no parlamento
municipal passam a ser ocupadas por uma maioria conservadora reacionária que
prejudica mais do que ajuda nesse processo de proteção e promoção social da
população como um todo e da própria transformação da democracia representativa
em transição para a democracia participativa.
A
cidade precisa ser provocada para sair de sua zona de conforto, da mesmice e
pensar melhor sobre os nossos edis. Discutir com a sociedade tipos de perfis
que condizem com o nível intelectual da segunda maior cidade da Bahia, depois
de Salvador.
Vitória
da Conquista precisa ter um parlamento composto por pessoas à altura de uma
cidade de porte médio que caminha rapidamente para meio milhão de habitantes em
pouco tempo. Não importa se for de direita, mas que seja um/uma liberal
orgânico e saiba o que defende e porquê defende.
A
cidade merece uma casa que ofereça aos munícipes um debate de alto nível e com
a profundidade histórica, sociológica, econômica e política necessária, pois
precisa fazer jus à sua reputação de “metrópole”.
As
estatísticas mostram que parte da população de Vitória da Conquista está bem
posicionada no ranking nacional de educação superior na esfera pública, pois
oferta cursos em quase todas as áreas do conhecimento científico e técnico.
No
ensino médio regular, a população efetivou 14.370 matriculas em 2020, destes
mais de 60% são de estudantes oriundos da rede pública estadual. O que não
significa que devemos desconsiderar que existem excelentes escolas particulares
e cursinhos pré-vestibulares privados e sem fins lucrativos. Essas escolas
alcançam níveis acima da média estadual em aprovações de vestibulandos em
instituições referenciadas pelo tripe ensino-pesquisa- extensão na Bahia e no
eixo sul-sudeste do país.
A
população da região sudoeste, especialmente a conquistense dispõe de um pool
qualificado de instituições públicas de ensino superior, a exemplo da UESB, do
IFBA e da UFBA campus Anísio Teixeira. Não menos importante, disputam esse
público estudantil de classe média às instituições ensino superior da rede
privada.
A
população estudantil de modo geral conta com um conjunto de faculdades e
centros universitários privados bem conceituados pelo MEC, ofertando cursos na
maioria das áreas profissionais na cidade como história, geografia, filosofia,
matemática, física, química, agronomia, pedagogia, medicina, engenharia civil,
arquitetura, direito, odontologia e fisioterapia. Algumas delas, em plena
expansão socioeconômica em Vitória da Conquista.
Apesar
dessa alvissareira posição que expressa um certo avanço cultural de Vitória da
Conquista no cenário estadual e nacional ainda pesa sobre os ombros da cidade
um fantasma, um mal que parece ser incurável: a insolência ou o mau-caratismo
na política.
Escola
nenhuma ensina honestidade porque isso a gente leva (ou não) de casa para
universidade. Aliás, algumas escolas marxiana/marxistas na universidade nos
instiga a desenvolver a consciência crítica e holística de mundo, nos oferece
instrumentais teóricos e aponta possibilidades de caminhos para superar a
mediocridade humana, a exploração econômica e a emancipação social.
Não é
bonito, engraçado ou heroico ver pessoas sem qualquer tipo de instrução
escolástica ou de mundo aventurar-se na política, sobretudo àquelas levadas
pela desfaçatez do discurso fácil da maioria com base apenas no senso comum, se
considerar aptas a exercerem um mandato político institucional. Mais grave
ainda é afirmar que a política é a “arte” do maldizer, a arte da retorica
bizarra para ludibriar pessoas fragilizadas.
Essas
pessoas enxergam no executivo ou na tribuna do parlamento uma oportunidade para
serem vistas como pessoas que se deram bem na vida do jeito “fácil”. Tudo isso
com a finalidade de ficar rico ilicitamente e/ou atrever-se a afirmar que a
política partidária oferece uma “carreira” apenas porque alguém disse que sabe
“falar bem”. Isso explica a presença de docentes, advogados, militantes
sociais, líderes religiosos e comunicadores na corrida desesperada por uma
cadeira no parlamento ou do executivo.
No
entanto, algumas pessoas incomodadas com a sobreposição dessa desqualificação
na política em função do baixo nível de moralidade, da inapetência técnica e da
incompetência cognitiva que afeta de sobremaneira a maioria no parlamento municipal.
Isto fez com que essas pessoas passassem a discutir criticamente critérios
possíveis para definir tal perfil. Não
se trata de meritocracia porque ninguém consegue se tornar excelente sozinho,
pois além de existir pessoas trabalhando nos bastidores para que você se torne
alguém bom no que faz, existem as condições socioeconômicas que diferenciam as
oportunidades que fazem pessoas serem diametralmente diferentes.
Compreender
isso é admitir que nossas fragilidades e problemas estruturais no âmbito da
política institucional, com algumas raríssima exceções de vereança, em sua
maioria reside no fato de que nossos representantes eleitos/eleitas para o
parlamento municipal não são só da ordem da moralidade, mas da incompetência
técnica, do desnível escolar, da imaturidade intelectual, da ausência de
formação cultural e da precária oratória que torna a nossa Câmara Municipal de
Vereadores uma lastimável província, uma indigência que nos arrasta
violentamente para o patamar de cidades simples.
Apesar
de possuírem sua importância, essas cidades possuem organizações sociais,
econômicas e políticas preparadas para responder as dinâmicas menos complexas
de municípios com menos de 50 mil habitantes.
Portanto,
precisamos pensar sobre o perfil apropriado para qualquer pessoa que assuma a
complexidade da tarefa imprescindível de entender e representar os interesses
da cidade no parlamento. Óbvio que são interesses difusos porque a sociedade é
estratificada social, econômica, cultural e politicamente e cada vez que
expande um pouco mais torna esses interesses mais difusos.
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