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O que diria Bourdieu das declarações do mandatário da OAB que afeta apenas os camelôs?
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Foto:http://www.blogdoleosantos.com.br |
"(...)
é estranho que às vésperas da inauguração do Terminal intermunicipal da Lauro
de Freitas o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), subseção de
Vitória da Conquista, dê uma declaração tendenciosa sobre a situação polêmica
que atinge diretamente aos camelôs da área central da cidade."
*por
Herberson Sonkha
O sociólogo francês Pierre Félix Bourdieu diria ao presidente da OAB (subseção de Vitória da Conquista) e professor Soares que sua declaração foi infeliz, basta dar uma olhadinha em sua notável contribuição para a teoria do direito crítico para compreender essas relações desiguais na sociedade. Bourdieu não é qualquer um, a quem advogue a tese de que ele foi cofundador da revista de sociologia jurídica Droit et Société.
Embora
pouco discutida, sua relevância reside no fato de ajudar a construir um novo
aporte teórico no campo da sociologia do direito crítico para subsidiar
questões jurídicas voltadas para certos fatos pouco evidenciados nas relações
sociais que incidem na elaboração jurídica. Em outras palavras, o advogado com
trânsito na sociologia bourdiana tem a percepção aguçada para a parte mais
fragilizada nas relações de desigualdades, para os oprimidos de classe e os
excluídos de direitos sociais, econômicos.
Neste
sentido, realmente é estranho que às vésperas da inauguração do Terminal
intermunicipal da Lauro de Freitas o presidente da Ordem dos Advogados do
Brasil (OAB), subseção de Vitória da Conquista, dê uma declaração tendenciosa
sobre a situação polemica que atinge diretamente aos camelôs da área central da
cidade. Isso desequilibra o jogo em favor dos mais fragilizados e alvo da
perseguição da prefeita.
E a
estranheza se deve mesmo à alguns fatos históricos indeléveis, a exemplo da
declaração ter sido feita por um ex-procurador geral do município no governo do
ex-prefeito bolsonarista (2018-2020), ignorando o fato de que seu cargo eletivo
à frente da OAB representa na sociedade o sentimento de justiça, coerência e de
defesa de qualquer pessoa ou grupo social subtraído em seus direitos
elementares. Mas, como diz Bourdieu que existe um conflito na construção
histórica da racionalidade jurídica, do modo que o direito só assumirá a
condição de ser o motor das transformações, se o jurista compreender o seu
papel como agente de transformação social (SCKELL, 2016).
O
advogado da cidade pequena que sonha (?!) estudar direito e voltar para a sua
cidade com a intenção de promover grandes transformações subsumiu dando lugar
ao tradicional modus operandi da política, esquivando-se da sociologia
de Bourdieu relegada ao equidistante sonho juvenil (?) que embalou a construção
histórica da razão que tem como horizonte a emancipação humana.
Talvez
isso ajude a arrefecer a derrota do político que foi candidato à prefeito no
município de Anagé pelo partido neoliberal (PSDB) bolsonarista com 21,27% dos
votos validos (ficando em terceiro lugar nas eleições de 2020), mas
inegavelmente põe sobrepeso do lado errado da balança segundo a sociologia de
Bourdieu, conceder uma declaração reforçando o caráter eugenista da prefeita
que insiste na desapropriação de quase 50 camelôs do maior espaço de fluxo
comercial da área central da cidade.
Isso
não tem nada a ver com a questão controversa envolvendo um casal com
necessidade especial (deficiência visual) e um camelô que ainda não pode ser
considerado culpado porque está sendo investigado pelas autoridades policiais.
Essa polêmica será amplamente esclarecida, o casal e o camelô serão ouvidos e
terão direito a ampla defesa quando o inquérito for para justiça. Tem relação
direita com suas pretensões pessoas na política e não há nada de imoral nisso
desde que não use de sua condição privilegiada para ajudar a defenestrar
aqueles e aqueles já condenados pela exclusão socioeconômica e política.
Esse
processo de eugenização do centro da cidade de Vitória da Conquista começa com
o governo bolsonarista do ex-prefeito Herzem Gusmão que assumiu publicamente
como seu um desejo das elites do atraso de Conquista, vocalizado pela CDL que
sempre foi tirar artesãos e camelôs da Praça da Bandeira para limpar essa área.
Herzem Gusmão foi eleito com um projeto de governo para a cidade bem definido
por conglomerados econômicos empresários, latifundiários e a classe média
vira-lata conquistense. Da mesma forma como fora eleito Bolsonaro e, hoje, o
país paga caríssimo com a recessão econômica, desemprego, fome, miséria e quase
meio milho de óbitos pela Covid-19. Erros irremediáveis e não se pode dizer que
não tinha opções porque é, no mínimo cinismo, pois haviam candidaturas de
centro e de esquerda naquelas eleições.
A
situação do Terminal da Lauro de Freitas envolve duas populações em igual
situação de múltiplas circunstâncias de vulnerabilidades sociais, econômicas,
culturais e políticas que precisam ser incluídas urgentemente nas políticas
públicas de proteção e promoção. O presidente da OAB pertence a originariamente
classe média (exceto em Anagé que é oligarquia Soares) que não pega ônibus e
nem consome os produtos considerados preconceituosamente “de baixa qualidade”
dos camelos.
Por
isso, não conhece a realidade do Terminal da Lauro de Freitas porque se
conhecesse saberia que as duas laterais têm espeço suficiente para organizar de
maneira padronizada os camelôs e ainda teria uma área de circulação de 3 metros
onde foi instalado o piso tátil, pois existe uma área total livre próxima de 5
metros entre as edificações dos lojistas e a lateral externa do terminal de
ônibus. Sua disposição política deveria
se ampliar um pouco mais e ir até aquele lugar ouvir as pessoas. Mas, não foi.
Nessa
conjuntura de perseguição, “despejo” e limpeza eugenista de camelôs do Terminal
da Lauro de Freitas, faz todo sentido essa “notícia” de que "Temos
recebido informações e denúncias de portadores de necessidades especiais que
não podem transitar pelos pisos táteis porque alguns ambulantes estão ocupando
a área. (...).". Parece estranho fazer uma declaração pública
exatamente no mesmo momento em que a prefeita mantém da maneira intransigente à
limpeza de camelôs daquela área. Por acaso o presidente da OAB procurou escutar
também a versão dos camelôs para se assenhorar da situação?
Os
“alguns ambulantes” a que se refere Soares são exatamente aqueles que estão
fora da lista de apenas 27 camelôs “removidos”, anunciado pela prefeita.
Possivelmente, se tivesse procurado saber sobre isso saberia como anda a
investigação das autoridades policiais sobre esse caso, certamente teria feito
a si mesmo a seguinte pergunta: Por que esse fato explode em blogs contra a
imagem de camelôs justamente na hora que esses trabalhadores e essas
trabalhadores informais mais precisam do apoio da população contra a
intransigência da prefeita não parece muita coincidência?
Ninguém
melhor do que a idônea e respeitável OAB, sobretudo a subseção de Vitória da
Conquista sabe disso e tem se posicionado historicamente como guardiã dos
Direitos Humanos na cidade e agido coerentemente em favor dessas populações
sujeitadas às múltiplas situações de riscos.
É
lamentável à sutil instrumentalização dessa instituição indispensável para
garantir erguidos os pilares do Estado Democrático de Direito por um político
tradicional de direita vinculado à um partido neoliberal que comunga com ideais
de prefeitos bolsonaristas. Do contrário, não seria de livre e espontânea
vontade procurador geral de um governo genocida nomeado pelo ex-prefeito
bolsonarista perseguidor de camelôs, sem teto e servidor público municipal.
Lamentável!
Não é
preciso ser um expert em história, economia, sociologia ou direito crítico para
perceber o fio da trama ultraconservadora que conecta essa situação ao processo
sócio-histórico liderados pelas elites atrasadas do Brasil que continua impondo
à classe trabalhadora retrocessos com as reformas ultraconservadoras
(trabalhista e previdenciárias) e o total desprezo e invizibilização das
populações subalternizadas. Além do mais, configura a mais hedionda exclusão
social, economia, cultural e política nesse país.
No
bojo desse processo de pauperização inclui-se a política eugenista surge no
Brasil no final do século XIX. Este tipo de limpeza foi muito comum nas décadas
de 20 e 30 do século XX em que as elites do atraso do Brasil passaram a adotar
o estilo urbanístico francês para embranquecer as capitais para ganhar ares
europeus e evitar aglomerações políticas de massa articulado pelo movimento
operário brasileiro.
A
ordem institucional era limpar dos logradouros públicos a presença de
populações africanas e afro-brasileiras escravizadas. Após a abolição do
sistema escravista só restaram as populações negras as sarjetas porque foram
açoitadas feito bicho das fazendas. Essas populações oriundas do regime
escravocrata branco eram proibidas de estudar, do oficio para trabalhar e de
circular pelas ruas vendendo seus quitutes, bolos e iguarias para sobreviver à
herança maldita de quatro séculos de cativeiro, o famigerado branqueamento.
Eram
pessoas violentadas e pauperizadas pelo sistema público que praticava a
seletividade, todas elas adotadas pelo Estado monarquista e republicano liberal
conservador que sentenciaram essas populações negras ao mais degradante degredo
e a mais absoluta miséria. Isto os forçavam buscar nas vias públicas de
circulação uma oportunidade para pedir um trocado, oferecer seus serviços ou
vender alguma coisa.
Mais
de 100 anos depois, aqui estamos nós às voltas com o mesmo problema estrutural,
revivendo esses infortúnios e dessabores porque a hereditariedade política
permitiu que representantes continuassem governando para as classes mais
abastadas, empresários e a alta classe média vira-lata, no dizer de Jessé
Souza. E o mais grave é ver mandatários
eletivos juntos, arrastando instituições como a OAB para consolidar o desejo
ultraconservador da CDL, vocalizado pela prefeitura. A sensação do andar de
baixo, no dizer de Florestan Fernandes é de que o andar de cima está unindo
(prefeitura, CDL e alguns blog vendidos) forças políticas para silenciar vozes
que se levantam contra a governos genocidas que retomam o projeto social das
elites atrasadas de eliminar o povo implementando a eugenia social.
Lamentável!
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