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“Ensino” remoto e educação midiatizada
"Em
seu artigo 'A falácia do ensino remoto', Dermeval Saviani mostra que 4,5
milhões de brasileiros estão sem acesso à internet banda larga, mais de 50% dos
lares rurais não têm acesso à internet e 58% do total não dispõem de computador
(...)"
*por
Fabíola Lima
Há alguns dias tenho visto escolas postarem fotos de “aulas” remotas na mídia. Analisando as duas faces da mesma moeda, vejo que isso reforça e dá visibilidade ao fato de que as professoras (não excluindo os professores, mas vou usar o substantivo no feminino por sermos maioria absoluta) não pararam, elas apenas estão trabalhando de casa.
Mostra
também que estão se reinventando para cumprir seu trabalho com o máximo de
proximidade dos alunos que a situação permite e parabenizo cada uma delas por
isso. Do outro lado, vejo o quão a realidade excludente de nossa educação está
sendo mascarada. Sempre observo alguns detalhes nas fotos, como o número de
participantes na sala. Nos posts que vejo, esse número raramente chega a 10 pessoas,
contando alunos e professoras.
Nestas
fotos, as imagens de alunos e professoras são estampadas nas timelines
das redes sociais das instituições, que, ironicamente, fazem propaganda de um
sistema que mais exclui do que inclui. Os vídeos caseiros feitos por alguns
familiares mostrando as crianças fazendo a tarefinha também são usados para o
mesmo fim. Isso funciona quase que como uma prestação de contas do que a escola
está fazendo, afinal, ela não está fechada, apenas mudou-se para dentro da casa
de estudantes e professoras. Estas, além de arcarem todos os gastos com
aparelhagem e energia, transformaram até um cantinho da casa num ambiente
parecido o mais próximo da sala de aula. Sem querer romantizar a tragédia, vejo
isso como o empenho de profissionais dedicadas em manter, no máximo possível,
para si e para os alunos, o sentimento de que estão em seu habitat profissional
natural.
Uma
minoria de estudantes que têm um computador ou celular da família e um pacote
de dados, muitas vezes insuficientes, acompanham as atividades e se dedicam a
continuar os estudos. Em seu artigo A falácia do ensino remoto, Dermeval
Saviani mostra que 4,5 milhões de brasileiros estão sem acesso à internet banda
larga, mais de 50% dos lares rurais não têm acesso à internet e 58% do total
não dispõem de computador (equipamento mais adequado ao “ensino” remoto). Aqui
em nossa região, quem não tem os meios necessários recebe um maço de exercícios
impressos e se dedica a respondê-los, afinal de contas, a “aprendizagem” não
pode ser interrompida.
Uma
pesquisa realizada no segundo semestre de 2020 pelo Grupo de Estudos e
Pesquisas em Educação e Ensino de Geografia (GEPEGEO), coordenada pelo
professor Dr. Glauber Barros e pela professora Dra. Ana Luiza Salgado, e que
contou com a participação de 724 professores da educação básica da Bahia,
revelou que, para 52% dos professores houve uma queda significativa na
aprendizagem dos alunos no atual contexto pandêmico de ensino (sim, o ensino é
pandêmico!). Para maiores informações, ver o Relatório de Pesquisa em >https://portal.uneb.br/noticias/2021/03/08/grupo-de-pesquisa-da-uneb-desenvolve-estudo-sobre-desafios-de-ser-professor-na-pandemia/.
Voltando
ao tema da conectividade, vemos nesta nova “estrutura escolar” que o “ensino”
remoto nos obrigou, foi acionado um cardápio de plataformas digitais para dar
conta das “aulas” online. Para Rodrigo Lamosa, professor da Universidade
Federal Rural do Rio de Janeiro, estas plataformas que pertencem às grandes
corporações mundiais (Google, Facebook, Microsoft) são tidas como a solução
para este tempo de contato presencial interrompido. Acredito que corremos um
grande risco de que após a pandemia esse emergencial se torne permanente,
repetindo as palavras do professor, já que o Todos Pela Educação (pela Educação
mesmo?) indicou em nota a permanência das atividades remotas como parte do
sistema híbrido de educação no pós-tragédia. Pelo visto a tragédia educacional
será ainda mais alargada, com consequências graves para professores e
estudantes.
Dermeval
Saviani vê essa possível generalização da educação a distância como um
apetitoso nicho de negócios para os interesses privados dos conglomerados
educacionais e acusa os governos pelo descaso com a educação pública de
qualidade desde antes da pandemia. Pelo que se vê, a crise sanitária serviu
para revelar, em full HD, as mazelas que desde há muito tempo abatiam a
educação brasileira.
Criada
pela ONU, Unesco, Banco Mundial e as grandes corporações das plataformas
digitais já citadas, a Coalizão Global de Educação (CGE) é, segundo Lamosa, a
principal agência difusora do ajuste mundial da educação no período da
pandemia. Essa coalizão formulou uma agenda educacional para o período
pandêmico e está orientando os governos na implementação das ações. Em termos
nacionais, o comitê da CGE atua em conjunto com o Todos Pela Educação (TPE), a
União Nacional do Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME) o Conselho
Nacional de Secretários de Educação (CONSED) e o Conselho Nacional de Educação
(CNE), grupo que orientou, após a suspensão das aulas presenciais, os governos
locais sobre como deveriam regulamentar o ensino. Para compreender melhor, ver
o artigo O trabalho docente no período de pandemia: ataques, lutas e
resistências, do professor Rodrigo Lamosa no e-book Trabalho docente sob
fogo cruzado – Vol II. Ainda segundo
Lamosa, nas orientações da CGE constavam o uso do ensino remoto, o fornecimento
de conteúdos e apoio à professores e a orientação às famílias vulneráveis
quanto a falta de acesso à conectividade digital.
O que
se tem visto desde então é um forte apelo governamental ao uso das Tecnologias
da Informação e Comunicação (TIC’s). Isso representa para as empresas que detém
essas tecnologias a certeza de lucratividade com a manutenção de plataformas
digitais destinadas ao gerenciamento do processo de ensino aprendizagem, por
meio de sistemas de armazenamento de conteúdos, vídeos, atividades, etc. e de
transmissão das aulas. Boa parte das redes de ensino brasileiras contratou
serviços de tais empresas, o que tem garantido a estas uma vantajosa fatia
neste mercado que virou a educação, sobretudo neste período pandêmico.
A
própria essência do trabalho docente foi alterada com a nova situação de
“ensino”. Muitas professoras tiveram que ampliar o já tão exaustivo leque de
“competências” lhe imposto e aprender a usar “na marra” e sem formação
específica, tecnologias as quais não dominava. Viram-se do dia pra noite tendo
que aprender a formular e postar atividades nestes ambientes, gravar vídeos,
usar salas de aula virtuais e por aí vai...
Nessa prática
aligeirada de ensinar – expressão usada por Érica Souza e Glauber Barros,
em artigo sobre as condições de trabalho dos professores na pandemia (>https://revista.fct.unesp.br/index.php/pegada/article/view/7721)
perdem professoras e alunos e ganham os “empresários da educação”, uma vez que
detém os meios digitais que armazenam aulas e conteúdos. Às professoras, resta
ocupar mais do que sua carga horária no trabalho de planejamento, elaboração,
criação, postagem, monitoração, correção, acompanhamento, devolutiva... ufa!!!
Aos alunos sobram as precárias condições de aprendizagem geradas pela
vulnerabilidade social e a ausência do contato físico e acompanhamento próximo
de quem perdeu as rédeas do processo de ensino: professores e professoras.
Nesse
novo modelo de “educação” sobra exclusão digital, sobra teletrabalho, sobra
exaustão, sobra ansiedade, sobra risco de contaminação com retorno sem
segurança sanitária e sem vacina em massa. Falta presença, falta vínculo, falta
contato, falta interação, falta troca, falta o olhar amigo, falta o sorriso...
Pelo
visto, a tão sonhada educação emancipadora está mais longe a cada dia.
*Fabíola Lima Castro é Pedagoga
formada pela UNEB Campus XX, especialista em Psicopedagogia e em Gestão
escolar, professora da rede municipal de Brumado há 21 anos e mestranda no
Programa de Pós-Graduação em Ensino, Linguagem e Sociedade (PPGELS) – UNEB
Campus VI – Caetité-BA.
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