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quinta-feira, 13 de maio de 2021

“Ensino” remoto e educação midiatizada

 

"Em seu artigo 'A falácia do ensino remoto', Dermeval Saviani mostra que 4,5 milhões de brasileiros estão sem acesso à internet banda larga, mais de 50% dos lares rurais não têm acesso à internet e 58% do total não dispõem de computador (...)"

*por Fabíola Lima

 

Há alguns dias tenho visto escolas postarem fotos de “aulas” remotas na mídia. Analisando as duas faces da mesma moeda, vejo que isso reforça e dá visibilidade ao fato de que as professoras (não excluindo os professores, mas vou usar o substantivo no feminino por sermos maioria absoluta) não pararam, elas apenas estão trabalhando de casa.

Mostra também que estão se reinventando para cumprir seu trabalho com o máximo de proximidade dos alunos que a situação permite e parabenizo cada uma delas por isso. Do outro lado, vejo o quão a realidade excludente de nossa educação está sendo mascarada. Sempre observo alguns detalhes nas fotos, como o número de participantes na sala. Nos posts que vejo, esse número raramente chega a 10 pessoas, contando alunos e professoras.

Nestas fotos, as imagens de alunos e professoras são estampadas nas timelines das redes sociais das instituições, que, ironicamente, fazem propaganda de um sistema que mais exclui do que inclui. Os vídeos caseiros feitos por alguns familiares mostrando as crianças fazendo a tarefinha também são usados para o mesmo fim. Isso funciona quase que como uma prestação de contas do que a escola está fazendo, afinal, ela não está fechada, apenas mudou-se para dentro da casa de estudantes e professoras. Estas, além de arcarem todos os gastos com aparelhagem e energia, transformaram até um cantinho da casa num ambiente parecido o mais próximo da sala de aula. Sem querer romantizar a tragédia, vejo isso como o empenho de profissionais dedicadas em manter, no máximo possível, para si e para os alunos, o sentimento de que estão em seu habitat profissional natural.

Uma minoria de estudantes que têm um computador ou celular da família e um pacote de dados, muitas vezes insuficientes, acompanham as atividades e se dedicam a continuar os estudos. Em seu artigo A falácia do ensino remoto, Dermeval Saviani mostra que 4,5 milhões de brasileiros estão sem acesso à internet banda larga, mais de 50% dos lares rurais não têm acesso à internet e 58% do total não dispõem de computador (equipamento mais adequado ao “ensino” remoto). Aqui em nossa região, quem não tem os meios necessários recebe um maço de exercícios impressos e se dedica a respondê-los, afinal de contas, a “aprendizagem” não pode ser interrompida.

Uma pesquisa realizada no segundo semestre de 2020 pelo Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação e Ensino de Geografia (GEPEGEO), coordenada pelo professor Dr. Glauber Barros e pela professora Dra. Ana Luiza Salgado, e que contou com a participação de 724 professores da educação básica da Bahia, revelou que, para 52% dos professores houve uma queda significativa na aprendizagem dos alunos no atual contexto pandêmico de ensino (sim, o ensino é pandêmico!). Para maiores informações, ver o Relatório de Pesquisa em >https://portal.uneb.br/noticias/2021/03/08/grupo-de-pesquisa-da-uneb-desenvolve-estudo-sobre-desafios-de-ser-professor-na-pandemia/.

Voltando ao tema da conectividade, vemos nesta nova “estrutura escolar” que o “ensino” remoto nos obrigou, foi acionado um cardápio de plataformas digitais para dar conta das “aulas” online. Para Rodrigo Lamosa, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, estas plataformas que pertencem às grandes corporações mundiais (Google, Facebook, Microsoft) são tidas como a solução para este tempo de contato presencial interrompido. Acredito que corremos um grande risco de que após a pandemia esse emergencial se torne permanente, repetindo as palavras do professor, já que o Todos Pela Educação (pela Educação mesmo?) indicou em nota a permanência das atividades remotas como parte do sistema híbrido de educação no pós-tragédia. Pelo visto a tragédia educacional será ainda mais alargada, com consequências graves para professores e estudantes.

Dermeval Saviani vê essa possível generalização da educação a distância como um apetitoso nicho de negócios para os interesses privados dos conglomerados educacionais e acusa os governos pelo descaso com a educação pública de qualidade desde antes da pandemia. Pelo que se vê, a crise sanitária serviu para revelar, em full HD, as mazelas que desde há muito tempo abatiam a educação brasileira.

Criada pela ONU, Unesco, Banco Mundial e as grandes corporações das plataformas digitais já citadas, a Coalizão Global de Educação (CGE) é, segundo Lamosa, a principal agência difusora do ajuste mundial da educação no período da pandemia. Essa coalizão formulou uma agenda educacional para o período pandêmico e está orientando os governos na implementação das ações. Em termos nacionais, o comitê da CGE atua em conjunto com o Todos Pela Educação (TPE), a União Nacional do Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME) o Conselho Nacional de Secretários de Educação (CONSED) e o Conselho Nacional de Educação (CNE), grupo que orientou, após a suspensão das aulas presenciais, os governos locais sobre como deveriam regulamentar o ensino. Para compreender melhor, ver o artigo O trabalho docente no período de pandemia: ataques, lutas e resistências, do professor Rodrigo Lamosa no e-book Trabalho docente sob fogo cruzado – Vol II.  Ainda segundo Lamosa, nas orientações da CGE constavam o uso do ensino remoto, o fornecimento de conteúdos e apoio à professores e a orientação às famílias vulneráveis quanto a falta de acesso à conectividade digital.

O que se tem visto desde então é um forte apelo governamental ao uso das Tecnologias da Informação e Comunicação (TIC’s). Isso representa para as empresas que detém essas tecnologias a certeza de lucratividade com a manutenção de plataformas digitais destinadas ao gerenciamento do processo de ensino aprendizagem, por meio de sistemas de armazenamento de conteúdos, vídeos, atividades, etc. e de transmissão das aulas. Boa parte das redes de ensino brasileiras contratou serviços de tais empresas, o que tem garantido a estas uma vantajosa fatia neste mercado que virou a educação, sobretudo neste período pandêmico.

A própria essência do trabalho docente foi alterada com a nova situação de “ensino”. Muitas professoras tiveram que ampliar o já tão exaustivo leque de “competências” lhe imposto e aprender a usar “na marra” e sem formação específica, tecnologias as quais não dominava. Viram-se do dia pra noite tendo que aprender a formular e postar atividades nestes ambientes, gravar vídeos, usar salas de aula virtuais e por aí vai...

Nessa prática aligeirada de ensinar – expressão usada por Érica Souza e Glauber Barros, em artigo sobre as condições de trabalho dos professores na pandemia (>https://revista.fct.unesp.br/index.php/pegada/article/view/7721) perdem professoras e alunos e ganham os “empresários da educação”, uma vez que detém os meios digitais que armazenam aulas e conteúdos. Às professoras, resta ocupar mais do que sua carga horária no trabalho de planejamento, elaboração, criação, postagem, monitoração, correção, acompanhamento, devolutiva... ufa!!! Aos alunos sobram as precárias condições de aprendizagem geradas pela vulnerabilidade social e a ausência do contato físico e acompanhamento próximo de quem perdeu as rédeas do processo de ensino: professores e professoras.

Nesse novo modelo de “educação” sobra exclusão digital, sobra teletrabalho, sobra exaustão, sobra ansiedade, sobra risco de contaminação com retorno sem segurança sanitária e sem vacina em massa. Falta presença, falta vínculo, falta contato, falta interação, falta troca, falta o olhar amigo, falta o sorriso...

Pelo visto, a tão sonhada educação emancipadora está mais longe a cada dia.

 

 

 

*Fabíola Lima Castro é Pedagoga formada pela UNEB Campus XX, especialista em Psicopedagogia e em Gestão escolar, professora da rede municipal de Brumado há 21 anos e mestranda no Programa de Pós-Graduação em Ensino, Linguagem e Sociedade (PPGELS) – UNEB Campus VI – Caetité-BA.

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