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O que é eugenia social e por que a prefeita e a CDL estão aplicando contra camelôs?
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Acervo digital do Jornal O Globo: “Os ambulantes da Praia Formosa”. 17/04/1926 |
*por
Herberson Sonkha
Antes de dizer que a "Eugenia é a autodireção da evolução humana"1, preciso delimitar o contexto político predominante no Brasil que é de ascensão da extrema-direita brasileira (bolsonarismo) e que a eugenia faz parte dessas pautas ultraconservadoras. Apesar de controversa, a frase acima serve como primeiro significado, considerando que houve alterações no decorrer da história até a definição contemporânea de eugenia social - ou limpeza social - atribuída pelo chanceler Adolf Hitler na Alemanha a partir de 1933. Essa é a mesma onda verde-amarela de extrema-direita que deu à vice-prefeita a prefeitura municipal numa bandeja.
A
prefeita governa para um determinado grupo social privilegiado que é
caracterizado pelo perfil socioeconômico e político elitizado. As elites
conquistenses nascidas em berço oligárquico oriundas do coronelismo
aristocrático cafeicultor. Ou seja, assim como o falecido ex-prefeito, a
prefeita que assumiu governa para os ricos da cidade. Esse grupo social
privilegiadamente branco detém capital extraído por meio da exploração e
opressão da classe trabalhadora há várias décadas, algumas situações já se
tornaram hereditárias porque já foram passadas de pais para filhos e os filhos
estão ensinando os netos.
São
empresários com comportamento ultraconservador que investem na economia do
município porque eles são os únicos agentes econômicos do setor privado que
sempre controlaram politicamente o comércio, aproveitando-se da ausência de um
sindicato combativo organicamente classista (não pelego) para obterem altas
lucratividades. Esses grupos sociais possuem privilégios de classe e sabem usar
da sua condição para explorar pessoas que “aceitam” essa exploração porque
precisam trabalhar para sobreviverem e cuidarem de sua família.
Essa
exploração ocorre através das jornadas extenuantes de trabalho, desvios de
função (o mesmo vendedor, lava a loja, limpa e repõe a vitrine e arruma o
estoque) e o assalariamento dos trabalhadores do comércio. Quase um trabalho
escravo e o sindicato do comércio só serve para homologar rescisões, fazer
assistencialismo e proselitismo político carreirista.
Portanto,
essa prefeita não assumiu para alterar nenhum dos privilégios das elites
conquistenses, em detrimento da exploração dos trabalhadores e das
trabalhadoras do comércio e de uma maioria de desempregados que encontraram uma
“saída” para sua sobrevivência na atividade de ambulantes que faz parte da
economia informal. O governo municipal é subserviente a essas elites do atraso
conquistense, cumprindo na integra a agenda política anti-camelô da CDL para o
comércio de Vitória da Conquista.
A CDL
sempre quis eliminar os camelôs, mas pra isso precisa ter influência sobre o
poder político municipal e hoje o faz controlando feito uma marionete a sua
representante na prefeitura (e a sua maioria na Câmara Municipal).
Instrumentaliza como sua extensão privada à polícia administrativa do município
(fiscais de posturas) para reprimir e limpar os camelôs da frente das empresas
desses lojistas. Retomando o método eugenista sempre presente no imaginário da política
ultraconservadora da cidade, que parte da esquerda imaginou que as forças
democráticas e populares haviam conseguido diminuir consideravelmente essa
prática perniciosa na política conquistense.
Na
perspectiva do desenvolvimento sócio-histórico da humanidade, em todas as
sociedades os vários grupos humanos experimentaram práticas de eugenia com a
finalidade de “aperfeiçoar” a espécie humana. Das civilizações Gregas e Celtas
até os grupos constituídos por povos originários antes da colonização da
América do Sul, eliminavam-se crianças nascidas com alguma necessidade
especial. A Grécia pensada por Platão, como está escrito na obra “A República”,
considerava que a sociedade humana se aperfeiçoava por meio de processos seletivos.
Esparta,
uma pólis grega antiga referência na idealização de perfeição, força e beleza
humana, primava pelo nascimento de homens minimamente esculpidos para a arte da
guerra. Os espartanos desconheciam os métodos de pré-natais e abortivos
eficazes, o único método adotado para “limpar” a linhagem era a desumana
prática de eugenia com recém-nascidos por causa de “defeitos físicos”.
Desde
a antiguidade clássica o mundo já havia experimentado ideias embrionárias de
seletividade como mecanismo de triagem de crianças para eliminar “imperfeições”
e manter a excelência na linhagem que atendesse um determinado padrão de
perfeição humana idealizado pela classe em domínio na sociedade. Na
modernidade, esse processo eugênico se estende aos grupos de indivíduos social
e etnicamente diferentes, com base em estudos de diversos fenômenos
psicossociais analisados a partir de métodos positivistas de verificação de
comportamentos socioculturais e seus efeitos socioculturais na sociedade.
Portanto,
essas ideias que vão atribuir o conceito à palavra já existiam no mundo da
civilização antiga, no final baixa idade média até as revoluções científicas e
industriais, muito antes da criação propriamente dita da palavra eugenia, que
vai ser cunhada somente no final do século XIX pelo inglês Francis Galton.
Portanto, a “eugenia” é anterior à expressão “genética” que só surgiria em 1908
com o cientista William Bateson, numa carta enviada a Adam Sedgewick em que usa
pela primeira vez a expressão (genética) para designar um estudo da variação e
hereditariedade.
O
vocábulo eugenia aparece formalmente para o mundo restrito da escrita pela
primeira vez em 1883, numa publicação intitulada “Inquéritos sobre o corpo
docente humano e seu desenvolvimento” (Inquiries into Human Faculty and Its
Development), escrita pelo antropólogo, meteorologista, matemático e
estatístico inglês, Francis Galton (1822-1911). Esse mundo com mais de 70% de
sua população analfabeta, segundo o historiador britânico Erick Hobsbawm ao
escrever em 1987 a sua obra “A Era dos Impérios” (1875 a 1914) buscava nas
ciências mecanismos seletivos para melhoramento na raça humana. Hobsbawm
estuda, analisa e sistematiza esse período que não é conhecido somente pelos
avanços da racionalidade dos séculos das luzes com base nas ciências modernas.
O
historiador britânico investiga e descreve uma era sob a égide de um longo
período de paz, expansão capitalista e dominação europeia. Mas, também do
bárbaro desenvolvimento de modelos de racionalização científica para justificar
a colonização, a exemplo da escravização de populações africanas e das
populações originárias – os colonizadores chamaram de indígenas ou primitivos.
Interessava
aos ingleses, senhores da revolução industrial, maior potência imperialista do
mundo naquele período, a urgente classificação de tipos específicos de grupos
sociais, nomeadamente aquele que difere o minúsculo grupo de pessoas que
pertencem ao berço dos “bem-nascidos”2, do maiúsculo formado por
inúmeros grupos dos malnascidos. Desde então, se tornou um conceito bastante
explorado pelo capitalismo no mundo dominado por grandes potencias
imperialistas que estenderam seus tentáculos em continentes não explorados pelo
capitalismo para estabelecer a periferização do mundo por meio da era
colonialista.
Qualquer
pessoa “defeituosa” estava fora desse espectro dominante seria sumariamente
eliminada através de limpeza higiênica da sociedade (limpeza social), pois
essas pessoas além de destoarem do padrão branco esteticamente predefinido por
uma determinada classe com elevado padrão de vida material e intelectual, são
consideradas sujidades que precisam ser imediatamente higienizadas. Assim, o
antropólogo Galton cria as bases “científicas” para o desenvolvimento do "o
estudo dos agentes sob o controle social que podem melhorar ou empobrecer as
qualidades raciais das futuras gerações seja física ou mentalmente".
A
radicalização da aplicação dessa ideologia eugenista pelos nazistas na Alemanha
a partir de 1933 atendeu aos interesses do movimento da extrema-direita alemã,
fundamentado em técnicas de melhoramento genético (usados apenas em animais e
plantas) com a finalidade de selecionar características genéticas para mudar a
natureza humana. Essa ideologia da “pureza racial” promoveu a limpeza de
judeus, ciganos, homossexuais e negros retirados essas populações do convívio
na sociedade para os campos de concentrações. Isso resulta no mais criminoso
movimento eugenista do século XX, o holocausto.
Esse
movimento eugenista chega ao Brasil por meio de intelectuais supremacistas que
se reivindicam seguidores de uma suposta ciência origina pelo inglês Francis
Galcon no final do século XIX e início do século XX. Segmentos
intelectualizados e as elites políticas conservadoras da sociedade brasileira
abraçaram esse movimento, porque perceberam que seria caminho viável para
limpar das ruas desse país às populações africanas, afrodescendentes e às
populações originarias.
Desse
modo, esse movimento ideológico não só foi institucionalizado como contou com
uma presunçosa base “científica” organizada por inúmeras obras, teses
acadêmicas e artigos de tabloides de grande circulação no Brasil, além de seu
próprio órgão de comunicação denominado de Boletim de Eugenia. Esse pensamento
reaccionariamente conservador oferecia características particulares moldadas à
realidade brasileira e amplamente amparada por um suposto conhecimento
científico brasileiro, com a mesma perspectiva de preferências eugenistas
ocorridas nos EUA, Inglaterra, França e na Alemanha.
Atualmente,
esse termo voltou a ser utilizado com o ressurgimento da extrema-direita
brasileira (bolsonarismo), apesar de a eugenia ser considerada um comportamento
tipicamente nazifascista por diversos historiadores, filósofos e sociólogos que
identificaram em seus estudos e pesquisas um movimento altamente excludente na
sociedade brasileira contemporânea. Sua natureza é qualificada pela eliminação
sumaria e brutal de populações vulnerabilizadas, evidenciando problemas de
cunho ético gravíssimo criado pelo movimento eugenista.
Seria
razoável compreender que a ideologia eugenista serve apenas para promover
racismos, feminicídio, todos os comportamentos fóbicos contra as populações
LGBTQIA+ e a discriminação de pessoas resumidamente excluídas da vida material
e intelectual. Essa ideologia eugenista massificada intensamente torna se
transforma num senso comum com uma força suficiente para legitimar a exclusão e
a desapropriação.
A
indiferença de parte da população conquistense com o sofrimento dos ambulantes,
frente à eugenia social feita pelo governo municipal, pode ser explicada pela
incorporação e enraizamento desse senso comum ultraconservador, a exemplo do
que vem acorrendo com os camelôs do Terminal da Lauro de Freitas. Ao invés de
ser visto como uma injustiça a ser combatida, acaba sendo visto como um
comportamento inconveniente dos camelôs porque atrapalha o governo municipal
que diz que só pretende garantir à livre circulação e a mobilidade dos clientes
de lojistas.
Neste
governo municipal, a principal força que comanda a prefeitura pertence à classe
dominante, aliás, de quem a prefeita se tornou fiel depositaria dos interesses
públicos e a representante legal dos interesses econômicos desse grupo na
sociedade. E isso inclui a maioria absoluta dos lojistas organizados na Câmara
de Dirigentes Lojistas (CDL) que conduzem as grandes corporações econômicas de
Vitória da Conquista (lojista é patrão ou empregado?).
Eles
que decidem (e prefeita vocaliza) se os camelôs podem ou não permanecerem no
comércio central da cidade (espaço social) como, por exemplo, mercado de
trabalho, universidades, clubes, voos em aviões, ambulantes em áreas comercias
centrais, condomínios e shoppings. E não fazem isso porque são apenas
insensivelmente perversos, mas porque essa é a dinâmica da sociedade capitalista
controlada pelas elites do atraso que utilizam todos os meios possíveis e
impossíveis para garantir que todos os camelôs “intrusos” sejam tirados
imediatamente de circulação através da eugenia social.
1 - Frase de abertura
da Segunda Conferência Internacional de Eugenia, 1921.
2 - Goldim, José
Roberto (1998). «Eugenia». UFRGS.
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