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domingo, 2 de maio de 2021

O que é eugenia social e por que a prefeita e a CDL estão aplicando contra camelôs?

Acervo digital do Jornal O Globo:
“Os ambulantes da Praia Formosa”.  17/04/1926
"A prefeita governa para um determinado grupo social privilegiado que é caracterizado pelo perfil socioeconômico e político elitizado."


*por Herberson Sonkha

 

Antes de dizer que a "Eugenia é a autodireção da evolução humana"1, preciso delimitar o contexto político predominante no Brasil que é de ascensão da extrema-direita brasileira (bolsonarismo) e que a eugenia faz parte dessas pautas ultraconservadoras. Apesar de controversa, a frase acima serve como primeiro significado, considerando que houve alterações no decorrer da história até a definição contemporânea de eugenia social - ou limpeza social - atribuída pelo chanceler Adolf Hitler na Alemanha a partir de 1933. Essa é a mesma onda verde-amarela de extrema-direita que deu à vice-prefeita a prefeitura municipal numa bandeja.

A prefeita governa para um determinado grupo social privilegiado que é caracterizado pelo perfil socioeconômico e político elitizado. As elites conquistenses nascidas em berço oligárquico oriundas do coronelismo aristocrático cafeicultor. Ou seja, assim como o falecido ex-prefeito, a prefeita que assumiu governa para os ricos da cidade. Esse grupo social privilegiadamente branco detém capital extraído por meio da exploração e opressão da classe trabalhadora há várias décadas, algumas situações já se tornaram hereditárias porque já foram passadas de pais para filhos e os filhos estão ensinando os netos.

São empresários com comportamento ultraconservador que investem na economia do município porque eles são os únicos agentes econômicos do setor privado que sempre controlaram politicamente o comércio, aproveitando-se da ausência de um sindicato combativo organicamente classista (não pelego) para obterem altas lucratividades. Esses grupos sociais possuem privilégios de classe e sabem usar da sua condição para explorar pessoas que “aceitam” essa exploração porque precisam trabalhar para sobreviverem e cuidarem de sua família.

Essa exploração ocorre através das jornadas extenuantes de trabalho, desvios de função (o mesmo vendedor, lava a loja, limpa e repõe a vitrine e arruma o estoque) e o assalariamento dos trabalhadores do comércio. Quase um trabalho escravo e o sindicato do comércio só serve para homologar rescisões, fazer assistencialismo e proselitismo político carreirista.

Portanto, essa prefeita não assumiu para alterar nenhum dos privilégios das elites conquistenses, em detrimento da exploração dos trabalhadores e das trabalhadoras do comércio e de uma maioria de desempregados que encontraram uma “saída” para sua sobrevivência na atividade de ambulantes que faz parte da economia informal. O governo municipal é subserviente a essas elites do atraso conquistense, cumprindo na integra a agenda política anti-camelô da CDL para o comércio de Vitória da Conquista.

A CDL sempre quis eliminar os camelôs, mas pra isso precisa ter influência sobre o poder político municipal e hoje o faz controlando feito uma marionete a sua representante na prefeitura (e a sua maioria na Câmara Municipal). Instrumentaliza como sua extensão privada à polícia administrativa do município (fiscais de posturas) para reprimir e limpar os camelôs da frente das empresas desses lojistas. Retomando o método eugenista sempre presente no imaginário da política ultraconservadora da cidade, que parte da esquerda imaginou que as forças democráticas e populares haviam conseguido diminuir consideravelmente essa prática perniciosa na política conquistense. 

Na perspectiva do desenvolvimento sócio-histórico da humanidade, em todas as sociedades os vários grupos humanos experimentaram práticas de eugenia com a finalidade de “aperfeiçoar” a espécie humana. Das civilizações Gregas e Celtas até os grupos constituídos por povos originários antes da colonização da América do Sul, eliminavam-se crianças nascidas com alguma necessidade especial. A Grécia pensada por Platão, como está escrito na obra “A República”, considerava que a sociedade humana se aperfeiçoava por meio de processos seletivos.

Esparta, uma pólis grega antiga referência na idealização de perfeição, força e beleza humana, primava pelo nascimento de homens minimamente esculpidos para a arte da guerra. Os espartanos desconheciam os métodos de pré-natais e abortivos eficazes, o único método adotado para “limpar” a linhagem era a desumana prática de eugenia com recém-nascidos por causa de “defeitos físicos”. 

Desde a antiguidade clássica o mundo já havia experimentado ideias embrionárias de seletividade como mecanismo de triagem de crianças para eliminar “imperfeições” e manter a excelência na linhagem que atendesse um determinado padrão de perfeição humana idealizado pela classe em domínio na sociedade. Na modernidade, esse processo eugênico se estende aos grupos de indivíduos social e etnicamente diferentes, com base em estudos de diversos fenômenos psicossociais analisados a partir de métodos positivistas de verificação de comportamentos socioculturais e seus efeitos socioculturais na sociedade.

Portanto, essas ideias que vão atribuir o conceito à palavra já existiam no mundo da civilização antiga, no final baixa idade média até as revoluções científicas e industriais, muito antes da criação propriamente dita da palavra eugenia, que vai ser cunhada somente no final do século XIX pelo inglês Francis Galton. Portanto, a “eugenia” é anterior à expressão “genética” que só surgiria em 1908 com o cientista William Bateson, numa carta enviada a Adam Sedgewick em que usa pela primeira vez a expressão (genética) para designar um estudo da variação e hereditariedade.

O vocábulo eugenia aparece formalmente para o mundo restrito da escrita pela primeira vez em 1883, numa publicação intitulada “Inquéritos sobre o corpo docente humano e seu desenvolvimento” (Inquiries into Human Faculty and Its Development), escrita pelo antropólogo, meteorologista, matemático e estatístico inglês, Francis Galton (1822-1911). Esse mundo com mais de 70% de sua população analfabeta, segundo o historiador britânico Erick Hobsbawm ao escrever em 1987 a sua obra “A Era dos Impérios” (1875 a 1914) buscava nas ciências mecanismos seletivos para melhoramento na raça humana. Hobsbawm estuda, analisa e sistematiza esse período que não é conhecido somente pelos avanços da racionalidade dos séculos das luzes com base nas ciências modernas.

O historiador britânico investiga e descreve uma era sob a égide de um longo período de paz, expansão capitalista e dominação europeia. Mas, também do bárbaro desenvolvimento de modelos de racionalização científica para justificar a colonização, a exemplo da escravização de populações africanas e das populações originárias – os colonizadores chamaram de indígenas ou primitivos.

Interessava aos ingleses, senhores da revolução industrial, maior potência imperialista do mundo naquele período, a urgente classificação de tipos específicos de grupos sociais, nomeadamente aquele que difere o minúsculo grupo de pessoas que pertencem ao berço dos “bem-nascidos”2, do maiúsculo formado por inúmeros grupos dos malnascidos. Desde então, se tornou um conceito bastante explorado pelo capitalismo no mundo dominado por grandes potencias imperialistas que estenderam seus tentáculos em continentes não explorados pelo capitalismo para estabelecer a periferização do mundo por meio da era colonialista.

Qualquer pessoa “defeituosa” estava fora desse espectro dominante seria sumariamente eliminada através de limpeza higiênica da sociedade (limpeza social), pois essas pessoas além de destoarem do padrão branco esteticamente predefinido por uma determinada classe com elevado padrão de vida material e intelectual, são consideradas sujidades que precisam ser imediatamente higienizadas. Assim, o antropólogo Galton cria as bases “científicas” para o desenvolvimento do "o estudo dos agentes sob o controle social que podem melhorar ou empobrecer as qualidades raciais das futuras gerações seja física ou mentalmente".

A radicalização da aplicação dessa ideologia eugenista pelos nazistas na Alemanha a partir de 1933 atendeu aos interesses do movimento da extrema-direita alemã, fundamentado em técnicas de melhoramento genético (usados apenas em animais e plantas) com a finalidade de selecionar características genéticas para mudar a natureza humana. Essa ideologia da “pureza racial” promoveu a limpeza de judeus, ciganos, homossexuais e negros retirados essas populações do convívio na sociedade para os campos de concentrações. Isso resulta no mais criminoso movimento eugenista do século XX, o holocausto.

Esse movimento eugenista chega ao Brasil por meio de intelectuais supremacistas que se reivindicam seguidores de uma suposta ciência origina pelo inglês Francis Galcon no final do século XIX e início do século XX. Segmentos intelectualizados e as elites políticas conservadoras da sociedade brasileira abraçaram esse movimento, porque perceberam que seria caminho viável para limpar das ruas desse país às populações africanas, afrodescendentes e às populações originarias.

Desse modo, esse movimento ideológico não só foi institucionalizado como contou com uma presunçosa base “científica” organizada por inúmeras obras, teses acadêmicas e artigos de tabloides de grande circulação no Brasil, além de seu próprio órgão de comunicação denominado de Boletim de Eugenia. Esse pensamento reaccionariamente conservador oferecia características particulares moldadas à realidade brasileira e amplamente amparada por um suposto conhecimento científico brasileiro, com a mesma perspectiva de preferências eugenistas ocorridas nos EUA, Inglaterra, França e na Alemanha.

Atualmente, esse termo voltou a ser utilizado com o ressurgimento da extrema-direita brasileira (bolsonarismo), apesar de a eugenia ser considerada um comportamento tipicamente nazifascista por diversos historiadores, filósofos e sociólogos que identificaram em seus estudos e pesquisas um movimento altamente excludente na sociedade brasileira contemporânea. Sua natureza é qualificada pela eliminação sumaria e brutal de populações vulnerabilizadas, evidenciando problemas de cunho ético gravíssimo criado pelo movimento eugenista.

Seria razoável compreender que a ideologia eugenista serve apenas para promover racismos, feminicídio, todos os comportamentos fóbicos contra as populações LGBTQIA+ e a discriminação de pessoas resumidamente excluídas da vida material e intelectual. Essa ideologia eugenista massificada intensamente torna se transforma num senso comum com uma força suficiente para legitimar a exclusão e a desapropriação.

A indiferença de parte da população conquistense com o sofrimento dos ambulantes, frente à eugenia social feita pelo governo municipal, pode ser explicada pela incorporação e enraizamento desse senso comum ultraconservador, a exemplo do que vem acorrendo com os camelôs do Terminal da Lauro de Freitas. Ao invés de ser visto como uma injustiça a ser combatida, acaba sendo visto como um comportamento inconveniente dos camelôs porque atrapalha o governo municipal que diz que só pretende garantir à livre circulação e a mobilidade dos clientes de lojistas.

Neste governo municipal, a principal força que comanda a prefeitura pertence à classe dominante, aliás, de quem a prefeita se tornou fiel depositaria dos interesses públicos e a representante legal dos interesses econômicos desse grupo na sociedade. E isso inclui a maioria absoluta dos lojistas organizados na Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) que conduzem as grandes corporações econômicas de Vitória da Conquista (lojista é patrão ou empregado?).

Eles que decidem (e prefeita vocaliza) se os camelôs podem ou não permanecerem no comércio central da cidade (espaço social) como, por exemplo, mercado de trabalho, universidades, clubes, voos em aviões, ambulantes em áreas comercias centrais, condomínios e shoppings. E não fazem isso porque são apenas insensivelmente perversos, mas porque essa é a dinâmica da sociedade capitalista controlada pelas elites do atraso que utilizam todos os meios possíveis e impossíveis para garantir que todos os camelôs “intrusos” sejam tirados imediatamente de circulação através da eugenia social.


 

1 - Frase de abertura da Segunda Conferência Internacional de Eugenia, 1921.

2 - Goldim, José Roberto (1998). «Eugenia». UFRGS.

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