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quarta-feira, 11 de março de 2020

O Palhaço e o Presidente



Edmar Bacha, um dos idealizadores do Plano Real, criou a expressão "Belíndia" em um ensaio escrito em 1974 sobre a desigualdade brasileira. O país seria "uma Bélgica pequena e rica, cercada por uma Índia gigantesca e pobre".

*por Ferdinand Martins da Silva1 / Josias Alves de Jesus2


Belíndia Beach é um país tropical muito bonito e aconchegante. Tem belas praias, extensão territorial imensa. Cheia de contrastes, Belíndia tem uma população pobre, miscigenada resultado do cruzamento entre brancos, negros e índios que se esforça para ser ou parecer feliz. “Ó mundo tão desigual, tudo é tão desigual”, diz uma canção belíndia. Outro artista belíndio disse em uma de suas canções que “dançamos com uma graça cujo segredo nem eu mesmo sei. Entre a delícia e a desgraça. Entre o monstruoso e o sublime”.


Já a população rica de Belíndia, cerca de 5%, gosta de viajar para o exterior e gastar suas estalecas (moeda local) na Zeuropa e na “América”, principalmente em Miami Beach (deve ser por ter nomes parecidos). Os filhos ricos de Belíndia estudam também fora do país e seus pais não gostam de pobres. Um dos representantes dos ricos de Belíndia disse, em uma palestra, que o problema de Belíndia é o povo. Se Belíndia tivesse o povo japonês seria outro país. Muitos belíndios pobres aplaudiram o dito cujo.

Os belíndios formam um povo ordeiro que foi escravizado por quase 400 anos. Talvez por isso seja tão ordeiro e pacífico. Aqueles que não eram tão “ordeiros” nem “pacíficos” os governantes que passaram por Belíndia trataram de enforcá-los em praça pública para que os outros belíndios não seguissem o mesmo “caminho”. Assim aconteceu com alguns alfaiates, alguns alferes e um tal de Lampião, que teve a cabeça arrancada e exposta em praça pública. Tudo para tornar Belíndia mais ordeira.

Depois de uma grande convulsão social na qual alguns belíndios depuseram a presidente da república eleita e colocaram no lugar um presidente temporário chamado de Vlad II, eis que é eleito para Presidente de Belíndia Beach, Jay Pocket. Durante sua campanha, Jay prometeu liberar armas para todos os belíndios. Afinal, todos têm o direito de defesa pessoal. Alguns belíndios adoraram. Jay prometeu acabar com a corrupção em Belíndia Beach. Prometeu acabar com o desemprego que assola 12 milhões de belíndios reduzindo direitos trabalhistas. Segundo Jay, muitos direitos acabam por prejudicar os patrões que sofrem muito em Belíndia. País inóspito para os patrões, classe desamparada. Jay Pocket também é contra servidores públicos. Para Belíndia Beach se tornar um país melhor é preciso acabar com os serviços públicos que são caros e ineficientes. Todos vagabundos, segundo Jay. Os belíndios, mesmo os mais pobres, adoraram a ideia. Ahh, também é preciso que Belíndia não tenha mais previdência social. Por isso, os assessores de Jay, com destaque para Paulo Ipiranga, achavam que os belíndios, por serem vagabundos, se aposentavam muito cedo. Isso tudo estava prejudicando o desenvolvimento econômico de Belíndia.

Por incrível que pareça, vários acadêmicos da Belíndia aplaudem a postura de Jay e se sentem representados por ele. É incrível como esses acadêmicos conseguem ser mais míopes e analfabetos políticos do que a camada da população menos favorecida.

Em Belíndia Beach, como em todo país que se preza, tem meios de comunicação que apoiam as medidas de Jay Pocket. Alguns diziam que no mês seguinte à eleição de Pocket, o país seria uma maravilha. O país precisava das reformas. A moeda de Belíndia Beach, as Estalecas (ET$) estavam muito desvalorizadas em relação à principal moeda estrangeira, a McDonald’s (MC$). O Produto Interno Bruto (PIB) de Belíndia estava com crescimento muito abaixo das potencialidades. Bastava Jay Pocket assumir, o crescimento do PIB de Belíndia dobraria.

Um ano após a eleição de Jay Pocket, os números de Belíndia foram desastrosos. A corrupção não acabou, piorou. Um dos filhos de Jay está todo enrolado com lavagem de dinheiro e por isso as investigações contra ele foram suspensas. O cartão corporativo de Jay, que deveria ser transparente e a população acompanhar seus gastos, não pode ser fiscalizado por ordem judicial. Fuga recorde de capitais. Os investidores estrangeiros retiraram muitos bilhões de McDonald´s da Bolsa de Valores de Belíndia. O desemprego não reduziu, apensar da perda de direitos. O PIB de Jay é menor que o PIB de Vlad II (antes de Jay, o pior presidente da história de Belíndia Beach). A desvalorização da Estaleca (ET$) em relação ao Mcdonald´s (MC$) bateu recorde, prejudicando o crescimento de Belíndia. Aumento em mortes de mulheres porque armas foram liberadas para os valentões. E, justamente no dia em que teria que comentar essas notícias com a imprensa oficial, Jay Pocket teve uma ideia brilhante (para ele) que mudaria o destino da nação. “Vou contratar um palhaço, um comediante para se passar por mim e distrair os jornalistas e os belíndios”. Pensou Jay Pocket.

Para dar cabo de sua ideia, Jay contratou Paulista. Um comediante que trabalhara num pseudo programa de entrevistas de uma emissora que havia apoiado Jay, a Velha Pan. No dia, horário e local programados, Paulista fantasiou-se de Presidente Jay Pocket e atendeu aos jornalistas fazendo graça, contando piadas e distribuindo bananas. Foi um sucesso estrondoso. Toda a mídia de Belíndia adorou a performance de Paulista e, também, de Jay Pocket. Os seguidores de Jay, chamados de gadus, adoraram.

E, desse dia em diante, toda vez que uma notícia ruim precisava ser dada (quase todos os dias e cada vez crescente) lá estava Paulista fazendo piadas e alegrando a população. Desemprego aumentando. Paulista faz piada, os gadus aplaudem, e Belíndia aparenta estar mais feliz. Motim de policiais. Paulista faz piada, Jay conta outra piada, e Belíndia cai na gargalhada. Como num Conto das Mil e uma noites ao contrário, Paulista continuou a distrair a população de Belíndia por mil dias sempre fazendo o papel do Presidente Jay. Em alguns momentos, os belíndios já não sabiam diferenciar quem era Paulista e quem era Jay Pocket. Com tanto tempo um imitando o outro e, vice e versa, a confusão tornou-se inevitável como em “O médico e o Monstro”, romance de Stevenson.

Percebendo que a criatura ficara maior que o criador e, os belíndios não saberiam diferenciar Dr. Jekill do Mr. Hyde, Paulista candidatou-se para ser o próximo presidente de Belíndia em lugar de Jay Pocket. A distração virou marca indelével da República. Mas, como na história de Sherazade, esta fica para outro dia!!!!!!




[1] Professor do Departamento de Ciências Exatas e Tecnológicas na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Doutor em Educação nas Ciências Experimentais.

[2] Professor do Departamento de Ciências Sociais Aplicadas na Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Doutor em Desenvolvimento Regional e Urbano.

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